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Fatores relacionados à orientação de busca pelo atendimento odontológico na gestação de alto risco

Resumo

Objetivos:

relacionar a orientação de busca pelo atendimento odontológico durante a gestação com características sociodemográficas, gestacionais e odontológicas.

Métodos:

estudo de abordagem quantitativa com delineamento transversal realizado junto a gestantes de alto risco, no período de janeiro a maio de 2018. A análise estatística foi conduzida pelo teste de associação qui-quadrado de Pearson e teste exato de Fisher, seguida pela análise de regressão logística e cálculo da odds ratio.

Resultados:

a amostra final foi composta por 190 gestantes e a orientação de busca foi significativamente relacionada às questões relativas ao Pré-Natal Odontológico, quanto à segurança (p=0,025), à busca efetiva (p<0,001) e à Unidade Básica de Saúde como local da assistência (p=0,0018). Gestantes que não receberam orientação de busca apresentam 19,6 mais chances de não buscar este serviço (p<0,001), quando o buscam sem orientação dispõe de 6,3 mais chances de ser por serviços privados (p=0,014) e quando não recebem orientação têm 4,5 mais chances de não sentir segurança em relação a esta assistência (p=0,005).

Conclusão:

a orientação e o incentivo realizados pela equipe de saúde são primordiais na decisão da gestante em buscar pela assistência, especialmente no âmbito da Atenção Primária em Saúde, e caracteriza-se como uma ferramenta estratégica na redução de inseguranças relacionadas ao tratamento odontológico no período gestacional.

Palavras-chave:
Cuidado pré-natal; Saúde bucal; Gestantes; Gravidez de alto risco

Abstract

Objectives:

to relate the search for dental care during pregnancy to sociodemographic, gestational and dental characteristics.

Methods:

quantitative approach study with cross-sectional design carried out with high-risk pregnant women, from January to May 2018. Statistical analysis was performed using Pearson's chi-square association test and Fisher's exact test, followed by logistic regression analysis and odds ratio calculation.

Results:

the final sample was composed of 190 pregnant women and the guidance for seeking dental care was significantly related to issues related to Prenatal Dental Care, regarding safety (p = 0.025), effective search (p < 0.0001) and the Unit Basic Health Care as a place of assistance (p = 0.0018). Pregnant women who did not receive search guidance are 19.6 more likely to not seek this service (p <0.001), when they seek it without guidance, they have 6.3 more chances to seek private services (p = 0.014) and when they do not receive guidance, they are 4.5 more likely to not feel secure in relation to this assistance (p = 0.005).

Conclusion:

the guidance and encouragement provided by the health team is paramount in pregnant woman's decision to seek assistance, especially in the context of Primary Health Care, and is characterized as a strategic tool in reducing insecurities related to dental treatment during pregnancy.

Key words:
Prenatal care; Oral health; Pregnant women; Pregnancy; High risk

Introdução

O atendimento odontológico regular é um componente essencial à manutenção da saúde bucal, sendo imprescindível para a população em geral na garantia de sua qualidade de vida. Considerando de forma específica o público de gestantes, os cuidados preventivos com controle rigoroso de agentes etiológicos de doenças bucais prevalentes tornam-se fundamentais, visto que evidências mostram associação entre cuidados com a saúde bucal durante a gestação e melhorias em aspectos sistêmicos.11 ACOG. American College of Obstetricians and Gynecologists. Committee on Health Care for Underserved Women. Oral health care during pregnancy and through the lifespan, 2013 (reaffirmed 2017).,22 Mark AM. Dental care during pregnancy. J Am Dent Assoc. 2018; 149 (11): 1001.

Apesar de ainda não consolidado na literatura nacional e internacional, o termo Pré-Natal Odontológico (PNO) tem sido utilizado por pesquisadores para relatar cuidados contínuos de saúde bucal destinados a gestante e ao futuro bebê, com ênfase em aspectos preventivos, educativos e curativos.33 Sousa LLA, Cagnani A, Barros MAS, Zanin L, Flório FM. Pregnant women’s oral health: knowledge, practices and their relationship with periodontal disease. RGO. 2016; 64 (2): 154-63.,44 Catão CDS, Gomes TA, Rodrigues RQF, Soares RSC. Evaluation of the knowledge of pregnant women about the relationship between oral diseases and pregnancy complications. Rev Odontol UNESP. 2015; 44 (1): 59-65. Trata-se de uma condição essencial para manter ou resgatar a saúde bucal, ao possibilitar que a gestante tenha melhores condições bucais e ao minimizar possíveis alterações indesejáveis no nascimento e desenvolvimento de seu bebê.22 Mark AM. Dental care during pregnancy. J Am Dent Assoc. 2018; 149 (11): 1001. Inseridas neste processo de cuidado odontológico materno-infantil, estão as gestantes de alto risco, representadas por aquelas cuja gestação envolve maiores chances de complicações à vida da mãe ou feto quando comparadas à média das gestações.55 Brasil. Ministério da Saúde. Gestação de alto risco: sistemas estaduais de referência hospitalar às gestantes de alto risco/MS, Sec. Executiva. Brasília, DF; 2001. Dado o acréscimo de risco representado por este grupo especial de gestantes, é requerida maior atenção a esta parcela da população e a formulação de estratégias específicas de atendimento integrado, por diferentes profissionais da saúde, incluindo o cirurgião-dentista.

No âmbito das políticas públicas de saúde, a organização da saúde materno-infantil no Sistema Único de Saúde (SUS), representada pela Rede Cegonha, objetiva proporcionar a toda a gestante saúde, qualidade de vida e bem estar durante a gestação, parto, pós-parto e o desenvolvimento da criança até os dois primeiros anos de vida.66 Paraná. Secretaria de Estado da Saúde do Paraná (SESA). Programa Rede Mãe Paranaense: Linha guia. Paraná: SESA; 2018. Desta forma, a atenção integral à saúde materno infantil e o incremento da assistência obstétrica e neonatal são viabilizados pelo SUS e garantidos pelos seus princípios da Universalidade e Integralidade, os quais preconizam o direito da realização do PNO, independentemente do risco gestacional.77 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.459, de 24 de junho de 2011. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) a Rede Cegonha. Diário Oficial República Federativa do Brasil. 27 jun 2011; Seção 1, p. 109.

Frente ao exposto e à importância que novos estudos sobre o PNO assumem na atualidade, o objetivo do estudo é relacionar a orientação de busca pelo atendimento odontológico durante a gestação com características sociodemográficas e condições de saúde de gestantes de alto risco que realizaram o pré-natal em um hospital universitário.

Métodos

Estudo de abordagem quantitativa, com delineamento do tipo transversal, realizado junto a gestantes de alto risco referenciadas ao Hospital Universitário Regional dos Campos Gerais (HURCG) para realização do pré-natal médico, localizado no município de Ponta Grossa - Paraná, Brasil. O HURCG é uma instituição de referência à saúde para a macrorregião leste do estado do Paraná, composta por doze municípios de pequeno e médio porte.

Os critérios de inclusão para o estudo foram gestantes de alto risco que se encontravam no 3ª trimestre gestacional, maiores de 18 anos, que realizaram o pré-natal no referido hospital e que aceitaram participar da pesquisa. Seguiu-se a estratificação de risco preconizada pela Secretaria de Saúde do Estado do Paraná55 Brasil. Ministério da Saúde. Gestação de alto risco: sistemas estaduais de referência hospitalar às gestantes de alto risco/MS, Sec. Executiva. Brasília, DF; 2001. (Tabela 1). Foram excluídas gestantes com qualquer condição aguda ou crônica que limitasse a sua capacidade de participar do estudo. A coleta de dados ocorreu entre os meses de janeiro a maio de 2018. O recorte amostral delimitado às gestantes de 3º trimestre justificou-se pela necessidade de homogeneizar a amostra quanto ao período de abordagem, com o intuito de eliminar o possível viés de que, ao serem abordadas em trimestres iniciais, estas poderiam não haver realizado ainda consultas odontológicas.

Tabela 1
Critérios de estratificação do alto risco gestacional.55 Brasil. Ministério da Saúde. Gestação de alto risco: sistemas estaduais de referência hospitalar às gestantes de alto risco/MS, Sec. Executiva. Brasília, DF; 2001.

A amostragem foi realizada de maneira aleatória simples, alternando os dias de coleta de informações, visando abranger gestantes de todos os municípios adscritos ao referido hospital. Esta estratégia foi organizada de modo que assegurasse relativa homogeneidade quanto ao número de gestantes de cada localidade, uma vez que o acompanhamento prénatal é organizado em diferentes dias da semana considerando que cada dia da semana um ou dois municípios são contemplados de acordo com o porte populacional.

Para o cálculo amostral foi considerado o numero médio de atendimento mensal a gestantes de alto risco no terceiro trimestre de gestação (n=100), multiplicado pelos meses estimados para a coleta (n=5), com precisão de 5%, nível de confiança de 95% e efeito de desenho 1, para uma prevalência de 27% de gestantes que receberam atendimento odontológico durante a gestação, resultando em amostra de 190 gestantes. A prevalência imputada foi baseada em estudo prévio, com população de características similares.88 Moimaz SAS, Rocha NB, Saliba O, Garbin CAS. O acesso de gestantes ao tratamento odontológico. Rev Odontol Univ Cid São Paulo. 2007; 19 (1): 39-45. Para o cálculo estimativo da amostra foi utilizado o software Epi. Info 7.1.4 (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma do processo de amostragem.

Para a obtenção dos dados utilizou-se um formulário estruturado inédito, com questões sociodemográficas, de condição de saúde e de orientação de acesso e qualidade do PNO, formulado especificamente para a pesquisa, com base em instrumentos validados do Ministério da Saúde99 Brasil. Ministério da Saúde. Caderneta da Gestante. Brasília, DF; 2014.,1010 IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Pesquisa Nacional de Saúde 2013. Rio de Janeiro; 2013. e de estudos anteriores.88 Moimaz SAS, Rocha NB, Saliba O, Garbin CAS. O acesso de gestantes ao tratamento odontológico. Rev Odontol Univ Cid São Paulo. 2007; 19 (1): 39-45.,1111 Bordin D. Qualidade do serviço público odontológico no Brasil: a percepção de usuários e profissionais da saúde [Dissertação]. Araçatuba: Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Odontologia de Araçatuba; 2014. Considerou-se como variável dependente a ‘Orientação de Busca pelo Atendimento Odontológico na Gestação’ (considerando-se a gestação atual e resposta dicotomizada em “sim” ou “não” conforme houve ou não orientação fornecida por algum membro da equipe de saúde, básica ou hospitalar), e como variáveis independentes:dados sociodemográficos, dados gestacionais, dados de saúde geral e bucal e dados relacionados ao PNO. É válido ressaltar que a variável independente “busca efetiva pelo atendimento odontológico na gestação” foi representada pela frequência mínima de uma consulta odontológica em cada trimestre gestacional.

A coleta dos dados foi realizada por meio de entrevista individual, conduzida por dois pesquisadores treinados para angariar as informações necessárias e acolher dúvidas, sem influenciar as respostas. A entrevista teve duração média de dez minutos e as participantes foram recrutadas no momento da espera pela consulta pré-natal no hospital, sendo posteriormente direcionadasa um ambiente reservado no interior do ambulatório.

Para assegurar a compreensão do instrumento quanto ao texto, ao vocabulário utilizado e à sensibilidade das respostas realizou-se estudo piloto com 40 gestantes frequentadoras do hospital de estudo. Os dados obtidos nessa etapa não fizeram parte da amostra, uma vez que o estudo piloto apontou necessidade de adaptação no instrumento de coleta de dados.

Quanto à análise dos dados, na primeira etapa foram obtidas estatísticas descritivas de todas as variáveis, por meio de frequência absoluta e relativa. Na segunda etapa conduziu-se análise bivariada, buscando identificar as associações independentes entre as variáveis investigadas, pelos testes quiquadrado de Pearson e o Exato de Fisher.

Na sequência, realizou-se análise de regressão logística pelo método de entrada Stepwise, com base no valor de verossimilhança e para estimar a magnitude do efeito de cada variável calculando-se a odds ratio (OR) e seus respectivos Intervalos de Confiança (IC) a 95%. As variáveis que apresentaram valor de p≤0,20 na análise bivariada foram selecionadas para entrar no modelo múltiplo, permanecendo no modelo os que atingiram p≤0,05. Foi utilizado o programa SPSS® (StatisticalPackage for the Social Sciences) para análise dos dados. O modelo teve capacidade explicativa de 95,6%.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisas com seres humanos da Universidade Estadual de Ponta Grossa (parecer nº 2.364.648; CAAE: 78544717.4.0000.0105, respeitando os ditames da resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde e normas internacionais para pesquisas com seres humanos). As gestantes participantes consentiram participar da pesquisa assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e o Termo de Autorização de Local para a realização da pesquisa foi assinado pela diretoria acadêmica do hospital universitário autorizando a realização da pesquisa no ambulatório de gestantes de alto risco.

Resultados

Considerando-se as perdas amostrais (recusa em participar n=23; resultados parciais n=10 e duplicidade de respostas n=7), a amostra final foi composta por 190 gestantes de alto risco gestacional (Figura 1). A média etária foi de 32 anos (18 ± 47), com maior prevalência de mulheres casadas ou em uma união estável (n=106/55,8%), escolaridade básica ou fundamental completa (n=118/ 62,1%), renda familiar entre um e dois salários mínimos (n=88/ 46,3%) e ocupação do lar (n=117/ 61,6%).

As variáveis sociodemográficas não mostraram associação com a ‘Orientação de Busca pelo Atendimento Odontológico na Gestação’ (Tabela 2) (p>0,05). A Tabela 2 mostra que a frequência de gestantes orientadas a buscar pelo atendimento odontológico durante a gestação foi maior em mulheres com ensino básico ou fundamental completo (n=119/62,%), faixa de renda familiar entre um e dois salários mínimos (n=109/57,4%), casadas ou em uma união estável (n=108/56,8%) e de ocupação do lar (n=118/62,1%).

Tabela 2
Variáveis sociodemográficas das gestantes de alto risco gestacional vinculadas ao Hospital Universitário Regional dos Campos Gerais, segundo a variável dependente ‘Orientação de Busca pelo Atendimento Odontológico na Gestação’. Ponta Grossa, Paraná, 2018 (n=190).

A Tabela 3 expõe que dados gestacionais, de saúde geral e de saúde bucal não apresentaram relação de dependência com a variável ‘Orientação de Busca pelo Atendimento Odontológico na Gestação’(p>0,05). No entanto pode-se identificar que a maioria dasgestantes orientadas a buscar pelo atendimento odontológico durante a gestação foram mulheres com alguma condição clínica preexistente ou intercorrência clínica (Tabela 1), multigestas, sem histórico de aborto espontâneo ou parto prematuro, sem histórico de filhos com baixo peso ao nascimento, com hábito de realizar consultas odontológicas no período pré-gestacional, sem mudança nos hábitos de saúde bucal durante a gravidez, sem percepção de alteração na cavidade bucal durante o período gestacional, sem relato de dor dentária nos últimos seis meses anteriores à entrevista e com avaliação positiva de sua saúde bucal.

Tabela 3
Condições de saúde das gestantes de alto risco gestacional vinculadas ao Hospital Universitário Regional dos Campos Gerais, segundo a variável dependente ‘Orientação de Busca pelo Atendimento Odontológico na Gestação’. Ponta Grossa, Paraná, 2018 (n=190).

Especificamente em relação ao PNO, gestantes que receberam orientação de busca pelo atendimento odontológico durante a gestação apresentaram-se significativamentemais propensas a considerar o atendimento odontológico seguro durante esse período (p=0,025) e a buscar efetivamente o cirurgião-dentista no período gestacional (p<0,001), sendo a Unidade Básica de Saúde (UBS) o principal local de eleição para a busca pelo atendimento odontológico (p=0,002) (Tabela 4).

Tabela 4
Análise múltipla da associação entre orientação de busca pelo atendimento odontológico na gestação e as variáveis independentes Ponta Grossa, Paraná, 2018 (n=190).

A análise multivariada demonstrou que gestantes que não receberam orientação de busca por atendimento odontológico na gestação têm 19,6 mais chance de não buscar pelo atendimento odontológico (p<0,001), e que quando buscam o serviço sem orientação, dispõe de 6,3 mais chances de ser por serviços privados (p=0,014). Ainda, quando não recebem orientação de busca para atendimento odontológico na gestação têm 4,54 mais chances de não sentir segurança em relação a este tipo de assistência (p=0,005) (Tabela 4).

Discussão

O incentivo à busca pelo atendimento odontológico, o encaminhamento da gestante ao serviço e a educação em saúde bucal durante o acompanhamento pré-natal são identificados como fatoreschave para a decisão da gestante em procurar a assistência odontológica na gestação.1212 Corchuelo-Ojeda J, Pérez GJG. Determinantes socioeconómicos de laatención odontológica durante lagestaciónen Cali, Colombia. Cad. Saúde Pública. 2014; 30 (10): 2209-2218. Tais achados corroboram o presente estudo, e demonstram que as chances da gestante procurar o serviço odontológico durante a gestação são menores quando esta não recebe esta orientação específica por parte de algum profissional de saúde.

Nesse sentido, no âmbito das políticas públicas brasileiras, as diretrizes da Política de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM) preveem que ao iniciar o pré-natal a gestante deve ser encaminhada à consulta odontológica, a qual deve incluir ações de orientação, prevenção, diagnóstico e plano de tratamento.1313 Brasil. Ministério da Saúde. Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher. Brasília, DF; 2012. Ainda, a captação precoce de gestantes e sua estratificação de risco vêm sendo considerada em outras agendas públicas, por meio da implantação da rede de atenção à saúde maternoinfantil1414 Daalderop LA, Wieland BV, Tomsin K, Reyes L, Kramer BW, Vanterpool SF, Been JV. Periodontal Disease and Pregnancy Outcomes: Overview of Systematic Reviews. JDR Clin Trans Res. 2018; 3 (1): 10-27. com vistas a uma segurança ainda maior para determinadas situações de risco para a gestante ou para o neonato, com proposição de fluxos assistenciais diferenciados.

Considerando que os sujeitos do presente estudo são gestantes estratificadas como de alto risco, tornase ainda mais relevante o contato com o cirurgiãodentista durante a gestação, visto que condições orais preexistentes podem ser exacerbadas no período gestacional e ao se relacionarem com doenças sistêmicas, podem favorecer a ocorrência de eventos obstétricos adversos.33 Sousa LLA, Cagnani A, Barros MAS, Zanin L, Flório FM. Pregnant women’s oral health: knowledge, practices and their relationship with periodontal disease. RGO. 2016; 64 (2): 154-63. As associações mais fortemente estabelecidas pela literatura1414 Daalderop LA, Wieland BV, Tomsin K, Reyes L, Kramer BW, Vanterpool SF, Been JV. Periodontal Disease and Pregnancy Outcomes: Overview of Systematic Reviews. JDR Clin Trans Res. 2018; 3 (1): 10-27. ocorrem entre a presença de doença periodontal e parto prematuro,1515 Teshome A, Yitayeh A. Relationship between periodontal disease and preterm low birth weight: systematic review. Pan Afr Med J. 2016; 24 (1): 215.,1616 Manrique-Corredor EJ, Orozco-Beltran D, Lopez-Pineda A, Quesada JA, Gil-Guillen VF, Carratala-Munuera C. Maternal periodontitis and preterm birth: Systematic review and meta-analysis. Community Dent Oral Epidemiol. 2019; 47 (3): 243-51. baixo peso ao nascimento1717 Offenbacher S, Katz V, Fertik G, Collins J, Boyd D, Maynor G, McKaig R, Beck J. Periodontal infection as a possible risk factor for pré-term low birth weight. J Periodontal. 1996; 67 (10): 1103-13.,1818 Chambrone L, Guglielmetti MR, Pannuti CM, Chambrone LA. Evidence grade associating periodontitis to preterm birth and/or low birth weight: I. A systematic review of prospective cohort studies. J Clin Periodontol. 2011; 38 (9): 795-808. e préeclâmpsia.1919 Canakci V, Canakci CF, Canakci H, Canakci E, Cicek Y, Ingec M. Periodontal disease as a risk factor for pre-eclampsia: a case control study. Aust N Z J ObstetGynaecol. 2004; 44 (6): 568-73.,2020 Aly LA,El-Menoufy H, Elsharkawy RT, Zaghloul MZ, Sabry D. Maternal chronic oral infection with periodontitis and pericoronitis as a possible risk factor for preeclampsia in Egyptian pregnant women (microbiological and serological study). Future Dental J. 2015; 1 (1): 23-32.

A despeito da possibilidade da doença periodontal como um fator de risco à ocorrência de desfechos obstétricos negativos, é necessário interpretar com cautela tais achados em termos de causalidade, já que não há comprovação conclusiva sobre a relação.1414 Daalderop LA, Wieland BV, Tomsin K, Reyes L, Kramer BW, Vanterpool SF, Been JV. Periodontal Disease and Pregnancy Outcomes: Overview of Systematic Reviews. JDR Clin Trans Res. 2018; 3 (1): 10-27. Ainda que a eficácia exercida pelo tratamento periodontal na redução de complicações na gestação seja notória, o ideal é que a mulher seja abordada ainda no período pré-conceptivo, visto que em grande parte dos casos a intervenção durante o período gestacional parece ocorrer tarde frente ao quadro instalado de doença periodontal em estágio avançado, razão pela qual o planejamento reprodutivo pode atuar como um aliado à prevenção de problemas bucais na gestação.2121 Komine-aizawa S, Sohichi A, Hayakawa S. Periodontal diseases and adverse pregnancy outcomes. J Obstet Gynaecol Res. 2019; 45 (1): 5-12.

No Brasil, a inclusão de questões relacionadas à saúde bucal no pré-natal é tradicionalmente considerada uma das competências do médico e da equipe de enfermagem, ainda que muitos não a realizem de forma rotineira ou a realizem de maneira equivocada, sugerindo a protelação do atendimento odontológico para o período pós-gestacional, o que pode reforçar a sensação de medo e insegurança quanto ao atendimento odontológico na gestação.2222 Nogueira LT, Júnior A, Martins CR, Rosell FL, Silva SRC. Retardo na procura do tratamento odontológico e percepção da saúde bucal em mulheres grávidas. Odontol Clin-Cient. 2012; 11 (2): 127-31. Por esta razão, a incorporação do cirurgião-dentista na equipe de acompanhamento pré-natal torna-se imprescindível, pois estudos apontam que a inserção deste profissional no contexto interdisciplinar de pré-natal é uma possível forma de conscientizar a equipe e as gestantes em relação à redução dos riscos de doenças bucais e problemas sistêmicos por meio da adoção de atitudes favoráveis à saúde bucal.88 Moimaz SAS, Rocha NB, Saliba O, Garbin CAS. O acesso de gestantes ao tratamento odontológico. Rev Odontol Univ Cid São Paulo. 2007; 19 (1): 39-45.

A orientação materna durante o pré-natal é de extrema relevância, busca estabelecer um vínculo com a mãe e familiares do bebê e dar início a orientações preventivas, enfatizando a importância da amamentação e os primeiros cuidados com o recémnascido. A orientação odontológica durante o período gestacional impacta também os procedimentos de saúde bucal que as mães realizarão futuramente nos filhos, como a prática do aleitamento materno, o conhecimento acerca do desenvolvimento de doenças bucais e a primeira visita ao dentista.2323 RigoL,Dalazen J, Garbin RR. Impact of dental orientation given to mothers during pregnancy on oral health of their children.Einstein. 2016; 14 (2): 219-25.

Destaca-se aqui que a busca por atendimento odontológico revelada pelas pesquisadas foi superior a de gestantes de outro estudo,2424 Moimaz SAS, Garbin CAS, Rocha NB, Santos SMG, SalibaNA. Resultados de dez anos do programa de atenção odontológica à gestante. Rev Ciênc Ext. 2011; 7 (1): 42. e demonstra que, apesar dos entraves e barreiras de acesso ao PNO, o panorama geral parece ser mais favorável. A média de consultas odontológicas realizadas pelas gestantes foi de quatro consultas durante a gestação atual, o que evidencia a continuidade da atenção odontológica e do vínculo entre a gestante e a equipe de saúde bucal, revelando indícios de fixação do PNO. Contudo, esse dado deve ser observado com cautela, visto que a frequência de gestantes do presente estudo ao cirurgião-dentista pode estar relacionada a agravos bucais e não garante que aspectos importantes de educação em saúde bucal tenham sido contemplados. Ainda, deve-se considerar que a maioria das gestantes investigadas era portadora de condições clínicas ou intercorrências preexistentes e possuía o hábito de frequentar o cirurgião-dentista antes da gestação.

O termo pré-natal odontológico é novo e ainda pouco difundido, tanto no âmbito da equipe de saúde, incluindo cirurgiões-dentistas, quanto em meio às gestantes33 Sousa LLA, Cagnani A, Barros MAS, Zanin L, Flório FM. Pregnant women’s oral health: knowledge, practices and their relationship with periodontal disease. RGO. 2016; 64 (2): 154-63. sendo a carência de informações sobre o tema evidente.44 Catão CDS, Gomes TA, Rodrigues RQF, Soares RSC. Evaluation of the knowledge of pregnant women about the relationship between oral diseases and pregnancy complications. Rev Odontol UNESP. 2015; 44 (1): 59-65. Dentre as gestantes pesquisadas, 65,3% relataram nunca ter ouvido falar sobre o PNO, ainda que algumas tenham buscado pelo atendimento com o cirurgião-dentista durante a gestação. A escassez de informações sobre a temática acaba por neutralizá-la entre os profissionais de saúde, reduzindo a prática do PNO ao simples atendimento rotineiro e pouco relevante do ponto de vista preventivo, quando não somente à resolução de um processo álgico instalado.2525 Merglova, V, Hecova H, Stehlikova J, Chaloupka P. Oral health status of women with high-risk pregnancies. Biomed Pap Med Fac Univ Palacky Olomouc Czech Repub. 2012; 156 (4): 337-41. Ainda, como a maioria das gestantes desse estudo referiu desconhecimento sobre a terminologia, torna-se essencial encorajar e potencializar os agentes de saúde bucal para o desenvolvimento de ações durante o referido período e para a incorporação de seus saberes e práticas ao longo da atuação interprofissional, com vistas à melhoria da qualidade de vida do binômio materno-infantil.

Com relação ao local de busca para o atendimento odontológico, evidenciou-se que a grande maioria das gestantes orientadas buscou o serviço odontológico em UBS. Apesar da busca elevada pelos serviços odontológicos no SUS poder estar relacionada com o baixo perfil de renda das gestantes pesquisadas, esse resultado demonstrata mbém que o acesso das gestantes ao atendimento odontológico está sendo garantido e confirma o êxito das políticas públicas apresentadas. Em contrapartida, verificou-se que gestantes não orientadas quando buscam a assistência odontológica normalmente o fazem por serviço privado. Entretanto, a busca pela atenção odontológica entre as usuárias do SUS é mais rotineira e sistemática durante o prénatal quando comparadas às gestantes assistidas em serviço privado ou conveniado, devido à oferta programática realizada neste período pelas UBS.2626 Codato LAB, Nakama L, Melchior R. Percepções de gestantes sobre atenção odontológica durante a gravidez. Ciênc Saúde Coletiva. 2008; 13 (3): 1075-80.

O peso exercido pela orientação a busca na decisão da gestante em realizar o acompanhamento odontológico não se limita somente a procura pelo serviço, mas também impacta a segurança sentida pela paciente em realizar o tratamento, já que gestantes não orientadas possuem mais chances de sentirem-se inseguras quanto a consulta odontológica. Além disso, como agravante, Kateeb e Momany2727 Kateeb E, Momany E. Factors related to high dental caries experience in Palestinian pregnant women in the Jerusalem governorate: a cross-sectional study. Lancet. 2018; 21: 391. identificaram que mães que não consideravam seguro o atendimento odontológico durante a gestação apresentavam predisposição significativamente maior à experiência de doença bucal eao acúmulo de placa bacteriana.2828 Oliveira LFAS, Rocha RA, França MMC. A Importância do Pré-Natal Odontológico para Gestantes: Revisão Bibliográfica. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. 2017; 1: 5-17. Neste sentido, a quebra de paradigmas, mitos e pensamentos coletivos comuns que envolvem o atendimento odontológico à gestante torna-se essencial para a garantia da qualidade de vida do binômio materno-infantil.

As limitações desse estudo estão relacionadas ao seu panorama regional e a uma realidade local acerca da prática do PNO, o que não permite extrapolação dos achados. O viés de memória da gestante pode ser um agravante considerando o tempo decorrido entre a sua orientação de busca pelo atendimento odontológico e a sua participação na pesquisa. Ainda que se trate de um estudo do tipo transversal, ressalta-se que o objetivo não foi o de identificar um nexo causal entre as variáveis estabelecidas e o PNO, porém uma associação entre estas, sendo necessários novos estudos que objetivem eliminar possíveis vieses de causalidade reversa entre diferentes associações. A escassez de estudos com amostra de gestantes de alto risco prejudicou a discussão dos dados à luz da literatura, visto que a maioria trata de gestantes de risco habitual.

Evidencia-se, desta forma, que a orientação e o incentivo realizados pela equipe de saúde são primordiais na decisão da gestante em buscar pelo atendimento odontológico, com maior potencial de realizá-lo no serviço público, e caracteriza-se como uma ferramenta estratégica na redução de inseguranças relacionadas ao tratamento odontológico no período gestacional. Nesse sentido, é possível sugerir que novos estudos de investigação e avaliação de fatores relacionados ao atendimento odontológico durante a gestação de alto risco sejam realizados, em especial no âmbito dos serviços de saúde pública.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde da Universidade Estadual de Ponta Grossa.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    27 Maio 2020
  • Revisado
    31 Jan 2021
  • Aceito
    21 Maio 2021
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