Dificuldades e Força da Informação Científica em um Momento de Crise

É de se notar uma semelhança entre as curvas de crescimento do número de pessoas infectadas pelo COVID-19 e a curva das publicações científicas sobre o tema, pelo menos nas revistas indexadas pelo Pubmed/Medline até fim do mês de maio/2020.¹ Não se pode descartar bons artigos publicados em outras bases de indexação. E, como já foi dito, uma pandemia também de publicações que ganhou escala com quase 18.000 artigos publicados no período de quatro meses de COVID-19.¹ (Informações disponibilizadas pelo Boletim SciELO México, junho 2020).

É fato bem conhecido o aumento de publicações nas áreas médicas e de saúde em geral, em surtos epidêmicos, e isso ilustra muito bem o grande interesse que os pesquisadores demonstram nessas situações a fim de esclarecer os problemas suscitados, a tal ponto de muitos centros e instituições suspenderem, pelo menos no período, seus próprios programas de pesquisa, embora voltando a eles posteriormente. Considerando que esses centros são ambientes cujos pesquisadores tem expertise em publicação científica, isso é fácil de acontecer. Ademais, a abertura de muitos periódicos, ao utilizarem sistemas de publicação ágeis, tipo fast track como os preprints, é em um grande incentivo para todos aqueles interessados no tema, o que é da maior importância. Com a maior oferta e, portanto o maior acúmulo de conhecimentos daí decorrentes, gostaríamos de comentar um aspecto na teoria geral relativa à produção de novas informações, aspecto este levantado desde os anos 1970 por Lukasiewicz,² no artigo "The Ignorance Explosion", publicado no Ann of N.Y. Academy Sci. 1972. Ali o autor propõe um modelo lógico, indicando que, frente ao conhecimento já acumulado e a partir dele, portanto na sua interface com o que ainda é desconhecido, o conhecimento recém adquirido gera uma grande oportunidade de novas informações tornando necessário abrir novas frentes de investigação em um mundo muito maior que é também um mundo de grande ignorância. Na nossa experiência diária, em um centro de pesquisa, em pós-graduações, por exemplo, verificamos que para cada tese ou artigo surgem três, quatro, cinco ou mais, novas ideias e propostas que podem, por sua vez, produzir novas informações que são distribuídas e apresentadas em eventos científicos ou publicadas. No caso da busca de conhecimentos urgentes - a partir, é claro, de problemas urgentes - surge a questão de saber qual é a garantia da qualidade ou a probabilidade de um conhecimento mais confiável sobre o assunto em pauta. Aqui entra, evidentemente, a responsabilidade de cada periódico - em particular, na era dos preprints, e na premência de uma epidemia - no sentido de divulgar uma informação a mais verdadeira possível, em particular porque esse processo envolve o suporte aos cuidados e à vida de tantos seres humanos. De fato, o erro ou a insuficiência na liberação de uma informação, não só aumentaria paralelamente o campo da ignorância como também seria trágico e anti-ético. Que fazer, então? Certamente que os comitês editoriais sabem muito bem e procuram atender à essa demanda. É de supor que tal demanda irá necessitar de uma maior participação de revisores dos manuscritos e, por isso mesmo, podemos até falar em uma quase pandemia na atividade de revisão peer review. Não sabemos de antemão, mas seria por demais salutar e, mesmo necessário, que cada jornal viesse a fazer uma avaliação, através da comparação entre o seu percentual regular de aceitação de manuscritos submetidos com o percentual de manuscritos tipo preprint após revisão por pares e que serão publicados em definitivo. Isso daria um indicativo da consistência do jornal avaliada em um momento de pandemia tão grave como a atual. Seria uma auto-crítica importante por tratar-se de situação social muito difícil e de tal dimensão.

Estamos todos em uma luta fundamental, uma luta entre a força bruta e cega de um vírus terrível e a força da inteligência e dos sentimentos humanos, a compaixão e a esperança.

Pois, sem deixar de buscar o conhecimento, nós, pesquisadores e periodismo científico, estamos também na busca do cuidado e da preservação da Vida.

References

• ¹
  Perez MJM. ¿Cuándo llegará la "desescalada" de la información científica sobre La COVID-19? [acesso 1 Jul 2020]. Disponível em: https://coronavirusbiblioh12o.wordpress.com/2020/06/05/cuando-llegara-la-desescalada-de-la-informacion-cientifica-sobre-la-covid-19/
  » https://coronavirusbiblioh12o.wordpress.com/2020/06/05/cuando-llegara-la-desescalada-de-la-informacion-cientifica-sobre-la-covid-19/
• ²
  Lukasiewicz J. The Ignorance Explosion: a contribution to the study of a confrontation of man with the complexity of science-based society and environment. Ann NY Acad Sci. 1972.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  05 Ago 2020
• Data do Fascículo
  Apr-Jun 2020