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Alterações anatomopatológicas da placenta e variações do índice de Apgar

Anatomic and pathological placenta alterations and Apgar score variations

Resumos

OBJETIVOS: descrever possíveis alterações anatomopatológicas placentárias associadas à hipóxia fetal, avaliada pelo índice de Apgar. MÉTODOS: foram estudadas 167 placentas de partos realizados no Hospital Escola da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, em Uberaba, através da análise macroscópica e microscópica, e de informações clínicas obtidas de prontuários. O índice de Apgar menor que sete foi o parâmetro utilizado para se diagnosticar hipóxia fetal. RESULTADOS: foram encontradas alterações placentárias compatíveis com hipertensão e infiltrado inflamatório. As placentas com alterações compatíveis com baixo fluxo sanguíneo cursaram mais freqüentemente com fetos com índice de Apgar <7 no 5º minuto (p=0,017). CONCLUSÕES: pode existir uma relação entre alterações placentárias e hipóxia fetal evidenciada pelo índice de Apgar. Portanto, o exame anatomopatólogico da placenta poderia ser utilizado para esclarecer causas de hipóxia perinatal não evidenciadas na clínica.

Índice de Apgar; Feto; Anoxia; Morfologia; Placenta


OBJECTIVES: to describe possible placental anatomopathological alterations associated to fetal hypoxia as evaluated by the Apgar score. METHODS: one hundred sixty seven placentas of children delivered at the Hospital Escola da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba city were analyzed both macro and microscopically; their clinical records were reviewed as well. Apgar Scores below 7 were considered consistent with fetal hypoxia. RESULTS: placental alterations compatible with inflammatory infiltrate and arterial hypertension were found. The latter was more often diagnosed in fetuses with 5 minutes Apgar scores below 7 (p=0.017). CONCLUSIONS: there may be a relationship between placental alterations and fetal hypoxia as diagnosed by the Apgar score. Therefore, the exam of the placenta by the pathologist could be a mean to elucidate a plausible cause of clinically undetected perinatal hypoxia.

Apgar score; Fetus; Anoxia; Morphology; Placenta


ARTIGOS ORIGINAIS ORIGINAL ARTICLES

Alterações anatomopatológicas da placenta e variações do índice de Apgar

Anatomic and pathological placenta alterations and Apgar score variations

Rosana Rosa Miranda Corrêa; Ana Karina Marques Salge; Gustavo Augusto Ribeiro; Mara Lúcia Fonseca Ferraz; Marlene Antônia dos Reis; Eumenia Costa da Cunha Castro; Vicente de Paula Antunes Teixeira

Departamento de Ciências Biológicas. Universidade Federal do Triângulo Mineiro. Rua Frei Paulino, 30. Abadia. Uberaba, MG, Brasil. CEP: 38.025-180. E-mail: eumenia.pat@dcb.uftm.edu.br

RESUMO

OBJETIVOS: descrever possíveis alterações anatomopatológicas placentárias associadas à hipóxia fetal, avaliada pelo índice de Apgar.

MÉTODOS: foram estudadas 167 placentas de partos realizados no Hospital Escola da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, em Uberaba, através da análise macroscópica e microscópica, e de informações clínicas obtidas de prontuários. O índice de Apgar menor que sete foi o parâmetro utilizado para se diagnosticar hipóxia fetal.

RESULTADOS: foram encontradas alterações placentárias compatíveis com hipertensão e infiltrado inflamatório. As placentas com alterações compatíveis com baixo fluxo sanguíneo cursaram mais freqüentemente com fetos com índice de Apgar <7 no 5º minuto (p=0,017).

CONCLUSÕES: pode existir uma relação entre alterações placentárias e hipóxia fetal evidenciada pelo índice de Apgar. Portanto, o exame anatomopatólogico da placenta poderia ser utilizado para esclarecer causas de hipóxia perinatal não evidenciadas na clínica.

Palavras-chave: Índice de Apgar, Feto, Anoxia, Morfologia, Placenta

ABSTRACT

OBJECTIVES: to describe possible placental anatomopathological alterations associated to fetal hypoxia as evaluated by the Apgar score.

METHODS: one hundred sixty seven placentas of children delivered at the Hospital Escola da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba city were analyzed both macro and microscopically; their clinical records were reviewed as well. Apgar Scores below 7 were considered consistent with fetal hypoxia.

RESULTS: placental alterations compatible with inflammatory infiltrate and arterial hypertension were found. The latter was more often diagnosed in fetuses with 5 minutes Apgar scores below 7 (p=0.017).

CONCLUSIONS: there may be a relationship between placental alterations and fetal hypoxia as diagnosed by the Apgar score. Therefore, the exam of the placenta by the pathologist could be a mean to elucidate a plausible cause of clinically undetected perinatal hypoxia.

Key words: Apgar score, Fetus, Anoxia, Morphology, Placenta

Introdução

A importância do exame anatomopatólogico dos anexos fetais (placenta, cordão umbilical e membranas) vem sendo reconhecida de forma crescente em todo o mundo há vários anos. Como órgão fetal, a placenta está exposta às mesmas influências do ambiente intra-uterino e a inúmeras agressões, de natureza diversa, que atingem o feto.1 O bom funcionamento placentário é fundamental para o desenvolvimento do concepto, e o padrão de alteração morfológica encontrada pode indicar alterações clínicas maternas e fetais relacionadas ao desenvolvimento intra-uterino.

A placenta é um órgão fetal responsável pela nutrição, trocas gasosas e eliminação de excretas fetais. Seu bom funcionamento é fundamental para o adequado desenvolvimento do concepto, enquanto suas lesões podem ser a causa de intercorrências fetais.2 Para entender melhor o significado patogenético dessas lesões, é necessário um estreito intercâmbio de conhecimento entre neonatologistas e patologistas. Esse foi o motivo da XIX Conferência da Escola Americana de Patologistas que reuniu obstetras, neonatologistas, perinatologistas, epidemiologistas, legistas e patologistas placentários.2 Atualmente, com os processos legais movidos contra médicos, o exame placentário passou a ser uma necessidade para o diagnóstico de intercorrências fetais que não se relacionam com iatrogenia. Além disso, o exame placentário pode elucidar a fisiopatogenia de intercorrências perinataisl.2-4 Alguns estudos mostram que alterações placentárias como as lesões vasculares, vilosite crônica, aumento de fibrina no espaço interviloso e descolamento abrupto de placenta, estão relacionadas com intercorrências fetais.4

Vários sãos os meios para o diagnóstico de hipóxia perinatal. Dentre eles o índice de Apgar (IA) que tem a finalidade de verificar de forma rápida o estado clínico do recém-nascido e identificar, aqueles que necessitam de assistência, para avaliar os riscos e prevenir seqüelas de uma provável asfixia.5-7 Ele consta de cinco parâmetros estreitamente relacionados com hipóxia perinatal: a freqüência cardíaca, a respiração, o tônus muscular, a irritabilidade reflexa e a coloração da pele do recém-nascido. Numa escala de 0 a 10 se o seu valor for menor que sete, será diagnosticada hipóxia fetal. Em um estudo microscópico de placentas impregnadas por mecônio, demonstrou-se que a impregnação meconial acompanha várias outras alterações placentárias, como infarto e vilosite, refletindo o sofrimento fetal diagnosticado por IA menor que 7 no 5o minuto, sugerindo a importância de se estudar a relação entre o sofrimento fetal, avaliado através do IA, e as alterações placentárias.8 Com base nestes dados, o presente estudo teve como objetivo descrever as alterações anatomopatológicas em placentas e investigar sua associação com a hipóxia perinatal, diagnosticada ao nascimento mediante a utilização do índice de Apgar.

Métodos

Foram estudadas placentas provenientes de partos realizados no Hospital Escola da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba, Minas Gerais, no período de 1999 a 2001. De um total de 250 placentas analisadas, 83 foram excluídas por apresentarem prontuários incompletos.

O IA e outras informações relevantes para a evolução dos recém-nascidos como o peso, a gestação única ou gemelar e as intercorrências materno-fetais, foram obtidas no prontuário. Após a análise macroscópica foram retirados fragmentos placentários: dois do cordão umbilical, um da membrana amniótica, um fragmento próximo à inserção do cordão umbilical e sete colhidos aleatoriamente. Cada fragmento foi subdividido em três outros, submetidos à fixação por formaldeído tamponado a 10%. O material foi incluído em parafina e processado para a análise histoquímica, sendo corado pela Hematoxilina-Eosina (HE). Foram avaliados os compartimentos placentários, especialmente em relação ao processo inflamatório (infiltrado mononuclear e/ou polimorfonuclear) e alterações compatíveis com baixo fluxo sangüíneo, como aumento dos nós sinciciais, infarto placentário e depósitos de fibrina perivilositária. Foram consideradas normais as placentas sem alteração morfológica.

Para a análise estatística os dados foram testados previamente a fim de verificar a normalidade (teste de Kolmogorov-Smirnov). Como a distribuição foi não-normal, utilizou-se o teste de Kruskal-Wallis na comparação entre mais de dois grupos, seguido pelo teste de Dunn. Correlações foram verificadas através do teste de Spearman. Considerou-se um erro alfa de 5% para rejeição de hipotese nula.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Triângulo Mineiro.

Resultados

A média da idade materna dos grupos estudados foi de 23,3 (+ 5,8) anos, e da idade gestacional de 38,2 (+ 3,0) semanas, sendo 113 (67,7%) recém-nascidos a termo e 54 (32,3%) prematuros. Quanto ao sexo, 84 (50,3%) eram do sexo masculino e 83 (49,7%) do sexo feminino.

As intercorrências no período perinatal mais freqüentemente encontradas foram a hipóxia perinatal em 44 (26,3%) casos, seguida pelo óbito perinatal em 9 (5,4%) e a prematuridade isolada em 7 (4,4%) dos casos. Entre as intercorrências perinatais analisadas os menores IA foram observados nos casos de óbito perinatal (p=0,005) (Tabela 1). A maioria dos casos de óbito perinatal foi associada ao infiltrado inflamatório na placenta e ausência de intercorrências maternas.

Em relação às alterações morfológicas placentárias, 86 (51,5%) das placentas foram normais e 81 (48,5%) apresentaram alterações morfológicas placentárias, sendo 14 (8,4) com alterações compatíveis com baixo fluxo sangüíneo e 67 (40,1%) com infiltrado inflamatório. As placentas com alterações compatíveis com baixo fluxo sangüíneo foram associadas a recém-nascidos com menores IA no 1º (p=0,054) e no 5º minuto (p= 0,017) (Tabela 2). Nos casos com infiltrado inflamatório foi observado o menor peso ao nascimento (p=0,006), e os casos com alterações compatíveis com baixo fluxo sangüíneo apresentaram menor idade gestacional (Tabela 3). Foi observada correlação positiva entre o peso dos recém-nascidos e o IA no 5º minuto (rs=0,159; p=0,04).

Discussão

A alteração mais freqüente foi o infiltrado inflamatório em 67 (40,1%) casos, seguida pelas alterações placentárias compatíveis com baixo fluxo sangüíneo. Embora não tenha sido relacionado a valores do índice de Apgar abaixo dos padrões de normalidade, os casos com infiltrado inflamatório apresentaram menor peso ao nascer. Além do baixo peso ao nascer, intercorrências fetais, como prematuridade, malformações congênitas, abortamento de repetição e restrição de crescimento intra-uterino, são associadas ao infiltrado inflamatório.9 No presente estudo, o infiltrado inflamatório pode ter sido um dos responsáveis por prejuízos às funções placentárias relacionadas ao fornecimento de substâncias necessárias ao crescimento e à oxigenação fetal, levando à redução do peso. Ademais, a maioria dos casos óbito perinatal foram associados a infiltrado inflamatório na placenta, sem associação com intercorrências maternas que pudessem justificar a perda fetal. Os presentes dados portanto, reafirmam a importância do diagnóstico de inflamação na placenta e sua associação com intercorrências fetais.

Menores IA e menor idade gestacional foram observados nos casos de alterações compatíveis com baixo fluxo sangüíneo. Esse padrão morfológico tem sido associado às intercorrências maternas, como a hipertensão e o trabalho de parto prematuro, e a intercorrências fetais como a restrição de crescimento intra-uterino.10,11 Uma das causas maternas freqüentemente observadas neste caso é a hipertensão. Suas complicações geralmente provocam uma interrupção precoce da gestação, podendo ser uma das causas da menor idade gestacional.12 No presente trabalho os menores IA no 1° minuto e a menor recuperação avaliada pelo IA no 5° minuto foram associados ao baixo fluxo placentário. O acúmulo de lesões associadas ao hipofluxo pode ter contribuído para um maior comprometimento do parênquima placentário, e conseqüentemente, maior prejuízo para sua função. Nesses casos, o hipofluxo pode ter prejudicado o feto, que apresentou manifestações logo ao nascimento, como o baixo IA.

Na ausência de intercorrências maternas e outras alterações fetais que justifiquem os valores reduzidos para o IA, o exame placentário pode trazer as informações necessárias para comprovação do hipo-fluxo durante o desenvolvimento intrauterino. Nos casos de intercorrências materno-fetais confirmadas pela clínica, as alterações placentárias podem contribuir para o diagnóstico e caracterização das alterações encontradas. Portanto, o exame anatomopatólogico da placenta pode ser utilizado para esclarecer causas de hipóxia perinatal não evidenciadas na clínica e possibilita, ainda, melhores parâmetros para o diagnóstico perinatal, permitindo uma melhor compreensão da fisiopatogenia de intercorrências fetais.

Agradecimentos

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), à Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG) e à Fundação de Ensino e Pesquisa de Uberaba (FUNEPU) pelo apoio financeiro.

Recebido em 16 de março de 2005

Versão final apresentada em 7 de abril de 2006

Aprovado em 26 de abril de 2006

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Set 2006
  • Data do Fascículo
    Jun 2006

Histórico

  • Aceito
    26 Abr 2006
  • Revisado
    07 Abr 2006
  • Recebido
    16 Mar 2005
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