Acessibilidade / Reportar erro

Diabetes mellitus gestacional: importância da produção de conhecimento

Em 2016, a Organização Mundial da Saúde (OMS) adotou o diabetes como tema de sua campanha anual e lançou seu primeiro relatório11 WHO (World Health Organization). Global Report on Diabetes. Geneva; 2016. global sobre a doença. Este relatório reporta o diabetes mellitus (DM) como um dos principais problemas de saúde pública do mundo e estima em 422 milhões o número de indivíduos diabéticos no ano de 2014. De acordo com o documento,11 WHO (World Health Organization). Global Report on Diabetes. Geneva; 2016. a prevalência global de diabetes quase duplicou desde 1980, passando de 4,7% para 8,5% na população adulta em 2014, gerando um gasto global de bilhões dólares com custos diretos e indiretos relacionados a doença.22 Barceló A, Barengo NC, Silva Junior JR, Roglic SM and G. Hyperglycemia and pregnancy in the americas. Final Report of the Pan American Conference on Diabetes and Pregnancy. Washington, D.C.; 2016.

Existem três tipos principais de diabetes, tipo I, tipo II e diabetes mellitus gestacional (DMG). Este último é uma complicação frequente durante a gravidez e é definida como qualquer grau de intolerância à glicose, com primeiro reconhecimento durante a gestação.33 Metzger BE, Gabbe SG, Persson B, International Association of Diabetes and Pregnancy Study Groups. International association of diabetes and pregnancy study groups recommendations on the diagnosis and classification of hyperglycemia in pregnancy. Diabetes Care. 2010; 33: 676-82.,44 Metzger BE, Coustan DR. Summary and recommendations of the Fourth International Workshop-Conference on Gestational Diabetes Mellitus. The Organizing Committee. Diabetes Care. 1998; 21 (Suppl. 2): B161-67. A fisiopatologia da doença é semelhante ao diabetes mellitus tipo II, associando-se tanto à resistência à insulina, quanto à diminuição da função das células beta do pâncreas.55 Kühl C. Insulin secretion and insulin resistance in pregnancy and GDM. Implications for diagnosis and management. Diabetes. 1991; 40 (Suppl. 2): 18-24.

6 Kautzky-Willer A, Prager R, Waldhausl W, Pacini G, Thomaseth K, Wagner OF, Ulm M, Streli C, Ludvik B. Pronounced insulin resistance and inadequate beta-cell secretion characterize lean gestational diabetes during and after pregnancy. Diabetes Care. 1997; 20 (11): 1717-23.
-77 Buchanan TA, Metzger BE, Freinkel N, Bergman RN. Insulin sensitivity and B-cell responsiveness to glucose during late pregnancy in lean and moderately obese women with normal glucose tolerance or mild gestational diabetes. Am J Obs Gynecol. 1990; 162 (4): 1008-14.

O DMG aumenta o risco de desfechos perinatais adversos como a mortalidade materna e perinatal, abortamento, macrossomia, tocotraumatismo, admissões em UTI, hipoglicemia e hipocalcemia neonatal, icterícia, infecções e malformações congênitas.88 World Diabetes Foundation GA for WH. Diabetes, women, and development: meeting summary, expert recommendations for pol-icy action, conclusions, and follow-up actions. Int J Gynaecol Obs. 2009; 104 (Suppl.1): S46-50. Além disso, causa problemas para o concepto, uma vez que um ambiente desfavorável na vida intrauterina influencia o processo de diferenciação celular e acarreta consequências por toda a vida, conforme demonstrado por Barker et al.99 Barker DJ, Hales CN, Fall CH, Osmond C, Phipps K, Clark PM. Type 2 (non-insulin-dependent) diabetes mellitus, hypertension and hyperlipidaemia (syndrome X): relation to reduced fetal growth. Diabetologia. 1993; 36 (1): 62-7.

Vários estudos sustentam que a hiperglicemia na vida intrauterina predispõe esses conceptos à obesidade, síndrome metabólica, doença cardiovascular e alguns tipos de câncer na vida adulta.1010 Moore TR. Fetal exposure to gestational diabetes contributes to subsequent adult metabolic syndrome. Am J Obs Gynecol. 2010; 202 (6): 643-9.,1111 Wu CS, Nohr EA, Bech BH, Vestergaard M, Olsen J. Long-term health outcomes in children born to mothers with diabetes: a population-based cohort study. PLoS One. 2012; 7 (5): e36727. Esse ciclo vicioso pode ajudar a explicar a epidemia de doenças metabólicas que atinge os países desenvolvidos e em desenvolvimento como o Brasil.

Intervenções dietéticas, exercício físico, automonitorização dos níveis de glicose no sangue e intervenções comportamentais tem sido adotadas no manejo do DMG e, embora constituam abordagens diferentes, tem demostrado bons resultados na redução de desfechos maternos e perinatais adversos. As intervenções que adotam dieta de baixo índice glicêmico e aumento do nível de atividade física parecem ter melhores resultados no que diz respeito à redução do nível de glicose no sangue materno e da necessidade de insulina durante a gravidez, proporcionando diminuição do ganho ponderal. Entretanto, ainda não é utilizado um protocolo padrão para o manejo do DMG.1212 Carolan-OIah MC. Educational and intervention programmes for gestational diabetes mellitus (GDM) management: an integrative review. Collegian. 2016; 23 (1): 103-14.

O DMG é um das mais frequentes complicações médicas da gravidez em todo o mundo e pode afetar de 1% a 35% das mulheres grávidas, dependendo da população e dos critérios diagnósticos utilizados.22 Barceló A, Barengo NC, Silva Junior JR, Roglic SM and G. Hyperglycemia and pregnancy in the americas. Final Report of the Pan American Conference on Diabetes and Pregnancy. Washington, D.C.; 2016. Para realizar o diagnóstico do DMG, são utilizados critérios que vem sofrendo alterações desde a década de 1960. O grande obstáculo do diagnóstico do DMG e, consequentemente, a determinação fidedigna de seus dados epidemiológicos, é a falta de uniformidade internacional para sua averiguação e diagnóstico.33 Metzger BE, Gabbe SG, Persson B, International Association of Diabetes and Pregnancy Study Groups. International association of diabetes and pregnancy study groups recommendations on the diagnosis and classification of hyperglycemia in pregnancy. Diabetes Care. 2010; 33: 676-82.

O estudo observacional Hyperglycemia and Adverse Pregnancy Outcome (HAPO) tem grande importância na evolução do diagnóstico da DMG e teve por objetivo determinar um ponto de corte que estabelecesse uma relação entre a hiperglicemia materna e os riscos de desfechos perinatais adversos.33 Metzger BE, Gabbe SG, Persson B, International Association of Diabetes and Pregnancy Study Groups. International association of diabetes and pregnancy study groups recommendations on the diagnosis and classification of hyperglycemia in pregnancy. Diabetes Care. 2010; 33: 676-82.

A partir dos achados do estudo HAPO, a recomendação da Associação Internacional de Diabetes e Gestação (IADPSG) para o diagnóstico da DMG segue os seguintes valores considerados como limítrofes: glicemia de jejum até 92 mg/dL; até 180 mg/dlL uma hora após sobrecargade 75 g de glicose; e valor máximo de 153 mg/dL, duas horas após sobrecarga, de 75 g de glicose.1313 HAPO Study Cooperative Research Group. Hyperglycemia and Adverse Pregnancy Outcome (HAPO) Study: Associations With Neonatal Anthropometrics. Diabetes. 2009; 58: 453-9. A alteração de ao menos um desses valores é suficiente para o diagnóstico de DMG. A avaliação é realizada entre a 24a e 28a semana de gestação.33 Metzger BE, Gabbe SG, Persson B, International Association of Diabetes and Pregnancy Study Groups. International association of diabetes and pregnancy study groups recommendations on the diagnosis and classification of hyperglycemia in pregnancy. Diabetes Care. 2010; 33: 676-82.

Em 2013, a OMS publicou os critérios diagnósticos do DMG, utilizando os mesmos pontos de corte apresentados pelo IADPSG, acrescentando que a glicemia de jejum igual ou maior que 126 mg/dL ou após sobrecarga acima de 200 mg/dL seriam critérios diagnósticos para o diabetes mellitus clínico e não o DMG.1414 WHO (World Health Organization). Diagnostic Criteria and Classification of Hyperglycaemia First Detected in Pregnancy. Geneva; 2013. Entretanto, esses critérios não apresentam consenso mundial.

Levando-se em consideração as contínuas mudanças no diagnóstico de DMG, os dados epidemiológicos devem sofrer grandes variações frente à nova classificação diagnóstica citada anteriormente. Principalmente porque, atualmente, apenas um valor alterado é suficiente para estabelecer o diagnóstico. Dessa forma, a expectativa é que ocorra um aumento dos valores de incidência e prevalência nos próximos estudos desenvolvidos na área.1515 American Diabetes Association. Standards of medical care in diabetes-2012. Diabetes Care. 2012; 35 (Suppl. 1): S11-S63.

Assim, novos estudos sobre o DMG podem oferecer uma oportunidade para um melhor entendimento do desenvolvimento dessa doença, frequência, fatores de risco, tratamento e prevenção, contribuindo para reverter essa grave e crescente doença. Ressalta-se que 15% a 50% das mulheres com DMG apresentam risco de desenvolverem diabetes ou intolerância à glicose após a gestação.1616 Feig DS, Zinman B, Wang X, Hux JE. Risk of development of diabetes mellitus after diagnosis of gestational diabetes. CMAJ. 2008; 179 (3): 229-34. Assim, a redução destes casos poderia ter efeito sobre a diminuição da incidência do diabetes clínico.

Frente a esta realidade, a produção e disseminação do conhecimento nesta área somados ao desenvolvimento de programas para prevenção e controle da hiperglicemia na gestação são importantes aliados para reduzir as complicações no período gestacional e desfechos adversos perinatais associados ao DMG. Além de prevenir doenças crônicas e cardiovasculares em longo prazo tanto para a mãe com DMG quanto para o seu bebê.

Como um periódico cujo escopo é a saúde materno-infantil, a nossa Revista não poderia deixar de disponibilizar as suas páginas para a publicação de artigos sobre este palpitante e atualíssimo tema. Assim aproveita a oportunidade para convidar todos os interessados a submeterem seus trabalhos aos quais a Revista dedicará, como sempre, a máxima atenção para que artigos de boa qualidade sejam publicados. Isto torna-se mais relevante porque será feito precisamente no momento em que a própria OMS oferece tão abrangente participação de pesquisadores envolvidos na investigação da saúde da mulher, em especial da mulher gestante.

References

  • 1
    WHO (World Health Organization). Global Report on Diabetes. Geneva; 2016.
  • 2
    Barceló A, Barengo NC, Silva Junior JR, Roglic SM and G. Hyperglycemia and pregnancy in the americas. Final Report of the Pan American Conference on Diabetes and Pregnancy. Washington, D.C.; 2016.
  • 3
    Metzger BE, Gabbe SG, Persson B, International Association of Diabetes and Pregnancy Study Groups. International association of diabetes and pregnancy study groups recommendations on the diagnosis and classification of hyperglycemia in pregnancy. Diabetes Care. 2010; 33: 676-82.
  • 4
    Metzger BE, Coustan DR. Summary and recommendations of the Fourth International Workshop-Conference on Gestational Diabetes Mellitus. The Organizing Committee. Diabetes Care. 1998; 21 (Suppl. 2): B161-67.
  • 5
    Kühl C. Insulin secretion and insulin resistance in pregnancy and GDM. Implications for diagnosis and management. Diabetes. 1991; 40 (Suppl. 2): 18-24.
  • 6
    Kautzky-Willer A, Prager R, Waldhausl W, Pacini G, Thomaseth K, Wagner OF, Ulm M, Streli C, Ludvik B. Pronounced insulin resistance and inadequate beta-cell secretion characterize lean gestational diabetes during and after pregnancy. Diabetes Care. 1997; 20 (11): 1717-23.
  • 7
    Buchanan TA, Metzger BE, Freinkel N, Bergman RN. Insulin sensitivity and B-cell responsiveness to glucose during late pregnancy in lean and moderately obese women with normal glucose tolerance or mild gestational diabetes. Am J Obs Gynecol. 1990; 162 (4): 1008-14.
  • 8
    World Diabetes Foundation GA for WH. Diabetes, women, and development: meeting summary, expert recommendations for pol-icy action, conclusions, and follow-up actions. Int J Gynaecol Obs. 2009; 104 (Suppl.1): S46-50.
  • 9
    Barker DJ, Hales CN, Fall CH, Osmond C, Phipps K, Clark PM. Type 2 (non-insulin-dependent) diabetes mellitus, hypertension and hyperlipidaemia (syndrome X): relation to reduced fetal growth. Diabetologia. 1993; 36 (1): 62-7.
  • 10
    Moore TR. Fetal exposure to gestational diabetes contributes to subsequent adult metabolic syndrome. Am J Obs Gynecol. 2010; 202 (6): 643-9.
  • 11
    Wu CS, Nohr EA, Bech BH, Vestergaard M, Olsen J. Long-term health outcomes in children born to mothers with diabetes: a population-based cohort study. PLoS One. 2012; 7 (5): e36727.
  • 12
    Carolan-OIah MC. Educational and intervention programmes for gestational diabetes mellitus (GDM) management: an integrative review. Collegian. 2016; 23 (1): 103-14.
  • 13
    HAPO Study Cooperative Research Group. Hyperglycemia and Adverse Pregnancy Outcome (HAPO) Study: Associations With Neonatal Anthropometrics. Diabetes. 2009; 58: 453-9.
  • 14
    WHO (World Health Organization). Diagnostic Criteria and Classification of Hyperglycaemia First Detected in Pregnancy. Geneva; 2013.
  • 15
    American Diabetes Association. Standards of medical care in diabetes-2012. Diabetes Care. 2012; 35 (Suppl. 1): S11-S63.
  • 16
    Feig DS, Zinman B, Wang X, Hux JE. Risk of development of diabetes mellitus after diagnosis of gestational diabetes. CMAJ. 2008; 179 (3): 229-34.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2016
Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira Rua dos Coelhos, 300. Boa Vista, 50070-550 Recife PE Brasil, Tel./Fax: +55 81 2122-4141 - Recife - PR - Brazil
E-mail: revista@imip.org.br