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Síndrome locomotora em idosos: tradução, adaptação cultural e validação brasileira do instrumento 25-Question Geriatric Locomotive Function Scale

RESUMO

Objetivo:

O termo síndrome locomotora (SL) designa condições nas quais os idosos apresentam alto risco de incapacidade para deambulação em decorrência de problemas em órgãos locomotores. Para seu rastreio foi criado o 25-Question Geriatric Locomotive Function Scale (GLFS-25). Objetivou-se aqui, traduzir, adaptar transculturalmente para o Brasil e estudar as propriedades psicométricas do GLFS-25.

Método:

Feitas tradução e adaptação transcultural do GLFS-25 que originaram o GLFS 25-P, cujas propriedades psicométricas foram analisadas numa amostra de 100 idosos. Apurados dados sociodemográficos relativos a dor, queda, autopercepção da saúde e funcionalidades básica e instrumental. O GLFS 25-P foi aplicado em três momentos: num mesmo dia por dois entrevistadores e após 15 dias novamente pelo primeiro entrevistador.

Resultado:

O GLFS 25-P apresentou alto valor de consistência interna, segundo o coeficiente Alfa de Cronbach (0,942); e reprodutibilidade ótima, segundo a correlação intraclasses: valores de 97,6% e 98,4%, interobservador e intraobservador, respectivamente (p < 0,01). As concordâncias para cada item do instrumento foram consideráveis (entre 0,248 e 0,673), segundo a estatística Kappa. Na validação, segundo o coeficiente de Pearson, foram obtidas correlações regular e boa para as atividades de vida diária básicas (AVDB) e instrumentais (AIVD), respectivamente (p < 0,01). Encontradas associações estatisticamente significantes com dor crônica (p < 0,001), queda (p = 0,02) e autopercepção de saúde (p < 0,001). A análise multivariada evidenciou risco de SL significativamente maior na presença de dor crônica (OR 15,92, IC 95% 3,08-82,27) e pior autopercepção de saúde (OR 0,23, IC 95% 0,07-0,79).

Conclusão:

O GLFS 25-P demonstrou ser confiável e válido no rastreio da SL em idosos.

Palavras-chave:
Idoso; Síndrome locomotora; GLFS-25; Instrumento de avaliação

ABSTRACT

Objective:

The term Locomotive Syndrome refers to conditions in which the elderly are at high risk of inability to ambulate due to problems in locomotor system. For Locomotive Syndrome screening, the 25-Question Geriatric Locomotive Function Scale was created. The objective here was to translate, adapt culturally to Brazil, and study the psychometric properties of 25-Question Geriatric Locomotive Function Scale.

Method:

The translation and cultural adaptation of 25-Question Geriatric Locomotive Function Scale were carried out, thus resulting in GLFS 25-P, whose psychometric properties were analyzed in a sample of 100 elderly subjects. Sociodemographic data on pain, falls, self-perceived health and basic and instrumental functionalities were determined. GLFS 25-P was applied three times: in one same day by two interviewers, and after 15 days, again by the first interviewer.

Result:

GLFS 25-P showed a high internal consistency value according to Cronbach's alpha coefficient (0.942), and excellent reproducibility, according to intraclass correlation, with interobserver and intraobserver values of 97.6% and 98.4%, respectively (p < 0.01). Agreements for each item of the instrument were considerable (between 0.248 and 0.673), according to Kappa statistic. In its validation, according to the Pearson's coefficient, regular and good correlations were obtained for the basic (BADL) and instrumental (IADL) activities of daily living, respectively (p < 0.01). Statistically significant associations with chronic pain (p < 0.001), falls (p = 0.02) and self-perceived health (p < 0.001) were found. A multivariate analysis showed a significantly higher risk of Locomotive Syndrome in the presence of chronic pain (OR 15.92, 95% CI 3.08–82.27) and with a worse self-perceived health (OR 0.23, 95% CI 0.07–0.79).

Conclusion:

GLFS 25-P proved to be a reliable and valid tool in Locomotive Syndrome screening for the elderly population.

Keywords:
Elderly; Locomotive syndrome; GLFS-25; Assessment tool

Introdução

A estrutura etária da população brasileira sofreu importantes mudanças nos últimos 50 anos. A expectativa de vida passou de 48 anos em 1960 para 73,4 anos em 2010. Nesse mesmo período, o número de idosos passou de 3,3 milhões (4,7% da população) para 20,5 milhões (10,8% da população). A expectativa é que em 2060 esse valor seja de 73 milhões de idosos, ou 33,7% da população.11 Mudança Demográfica no Brasil no início do século XXI [Internet]. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); 2015 [Capítulo: Transição da estrutura etária no Brasil: oportunidades e desafios para a sociedade nas próximas dácadas]. Available from: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv93322.pdf [accessed 17.10.15].
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Essa transição demográfica gera impactos importantes na saúde pública.22 Nakamura KA. “Super-aged society” and the “locomotive syndrome”. J Orthop Sci. 2008;13:1-2. Estima-se que o número de idosos com dependência funcional aumente exponencialmente com o envelhecimento da população, o que acarretaria um importante encargo financeiro para a sociedade.33 Seichi A, Hoshino Y, Doi T, Akai M, Tobimatsu Y, Iwaya T. Development of a screening tool for risk of locomotive syndrome in the elderly: the 25-question Geriatric Locomotive Function Scale. J Orthop Sci. 2012;17:163-72. As doenças do sistema locomotor são as principais causas de incapacidades associadas ao envelhecimento e um dos principais alvos de prevenção.33 Seichi A, Hoshino Y, Doi T, Akai M, Tobimatsu Y, Iwaya T. Development of a screening tool for risk of locomotive syndrome in the elderly: the 25-question Geriatric Locomotive Function Scale. J Orthop Sci. 2012;17:163-72.,44 Comprehensive Survey of Living Conditions [Internet]. Tokyo: Ministry of Health, Labour and Welfare; 2011. Available from: http://www.mhlw.go.jp/english/database/db-hss/cslc-index.html [accessed 17.10.15].
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Dados revelam que 21,5% desses pacientes têm alguma doença do sistema musculoesquelético, como a osteoporose (e fraturas relacionadas), a espondiloartrose e a osteoartrite.55 Nakamura K. The concept and treatment of locomotive syndrome: its acceptance and spread in Japan. J Orthop Sci. 2011;16:489-91.

Para a prevenção da disfunção locomotora, a Associação Ortopédica Japonesa (JOA) propôs em 2007 o conceito de síndrome locomotora (SL) para designar condições sob as quais os idosos tornam-se dependentes de cuidados ou estão em alto risco de se tornar, devido a problemas em órgãos locomotores.66 Hirano K, Imagama S, Hasegawa Y, Ito Z, Muramoto A, Ishiguro N. The influence of locomotive syndrome on health-related quality of life in a community-living population. Mod Rheumatol. 2013;23:939-44. Foram descritos sete sinais de alarme que indicam alto risco de SL. São eles: não conseguir colocar as meias apoiado em uma única perna; frequentemente tropeçar ou escorregar dentro de casa; precisar segurar no corrimão para subir as escadas; ter dificuldade para fazer atividades domésticas de moderada intensidade; ter dificuldade para carregar 2 kg de compras até em casa; não ser capaz de andar por 15 minutos sem parar; e não conseguir atravessar a rua antes de o sinal ficar vermelho.77 Okubo T, Suehara Y, Kawasaki T, Akaike K, Toda M, Okubo N, et al. An outpatient-based survey about the recognition of locomotive syndrome and the results of the loco-check at a university hospital in Tokyo. Br J Med Med Res. 2014;4:3255-68.

Diversas campanhas têm sido feitas no Japão a fim de divulgar a SL para a população. Recentemente, a JOA informou que apenas 26,6% da população japonesa conheciam a SL, em pesquisa feita na internet. Mesmo entre pacientes em meio ambulatorial, a identificação também foi baixa (24,6%).77 Okubo T, Suehara Y, Kawasaki T, Akaike K, Toda M, Okubo N, et al. An outpatient-based survey about the recognition of locomotive syndrome and the results of the loco-check at a university hospital in Tokyo. Br J Med Med Res. 2014;4:3255-68.

As características específicas dessa síndrome não são totalmente conhecidas. Entretanto, acredita-se ser secundária às principais doenças osteomusculares.66 Hirano K, Imagama S, Hasegawa Y, Ito Z, Muramoto A, Ishiguro N. The influence of locomotive syndrome on health-related quality of life in a community-living population. Mod Rheumatol. 2013;23:939-44. Alguns dos sinais e sintomas que permitiriam seu reconhecimento precoce são dor, limitação da mobilidade articular e deambulação lentificada.55 Nakamura K. The concept and treatment of locomotive syndrome: its acceptance and spread in Japan. J Orthop Sci. 2011;16:489-91.

Para o rastreamento da SL, os pesquisadores japoneses também desenvolveram um instrumento de avaliação: o 25-Question Geriatric Locomotive Function Scale (GLFS-25). Esse se refere a um questionário autoadministrado com 25 itens, de fácil compreensão pelos idosos, e cada item com graduação de 0 a 4 pontos. O escore final advém da somatória de todos os itens, varia de 0 a 100 e é maior quanto maior o comprometimento físico dos idosos, 16 é o escore de corte para o diagnóstico da SL.33 Seichi A, Hoshino Y, Doi T, Akai M, Tobimatsu Y, Iwaya T. Development of a screening tool for risk of locomotive syndrome in the elderly: the 25-question Geriatric Locomotive Function Scale. J Orthop Sci. 2012;17:163-72.

O GLFS-25 abrange diferentes aspectos do último mês do paciente, com quatro questões sobre dor, 16 a respeito das atividades de vida diárias, três sobre o desempenho social e duas sobre o estado de saúde mental do indivíduo.33 Seichi A, Hoshino Y, Doi T, Akai M, Tobimatsu Y, Iwaya T. Development of a screening tool for risk of locomotive syndrome in the elderly: the 25-question Geriatric Locomotive Function Scale. J Orthop Sci. 2012;17:163-72.

O estabelecimento desse novo conceito sindrômico vem ao encontro do processo de envelhecimento populacional pelo qual o mundo tem passado nos últimos 50 anos. Trata-se, portanto, de um conceito que não se refere às enfermidades tradicionais, mas, sim, de um conceito amplo epidemiológico que se volta ao gerenciamento do sistema de saúde.33 Seichi A, Hoshino Y, Doi T, Akai M, Tobimatsu Y, Iwaya T. Development of a screening tool for risk of locomotive syndrome in the elderly: the 25-question Geriatric Locomotive Function Scale. J Orthop Sci. 2012;17:163-72. Diante desse momento de transição, a preocupação das entidades de saúde gira em torno de como aumentar a expectativa de vida com saúde e independência funcional.88 Locomotive Syndrome Pamphlet [Internet]. Tokyo: Locomotive Challenge! Council, Japanese Orthopaedic Association; 2013. p. 1–8. Available from: https://locomo-joa.jp/en/index.pdf [accessed 17.10.15].
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Nesse sentido, o rastreio dessa síndrome torna-se crucial, a fim de possibilitar intervenções precoces.33 Seichi A, Hoshino Y, Doi T, Akai M, Tobimatsu Y, Iwaya T. Development of a screening tool for risk of locomotive syndrome in the elderly: the 25-question Geriatric Locomotive Function Scale. J Orthop Sci. 2012;17:163-72.

Objetivou-se, com o presente estudo, a tradução, adaptação transcultural para o Brasil e o estudo das propriedades psicométricas do GLFS-25 em idosos do nosso meio.

Material e métodos

Estudo epidemiológico, observacional, descritivo e analítico, aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de São Paulo/Unifesp (CEP n° 921.390/2014).

Para a tradução e adaptação transcultural do GLFS-25 seguiu-se a metodologia de Guillemin et al. 99 Guillemin F, Bombardier C, Beaton D. Cross-cultural adaptation of health-related quality of life measures: literature review and proposed guidelines. J Clin Epidemiol. 1993;46:1417-32. Inicialmente, os itens em inglês do instrumento foram traduzidos para a língua portuguesa por dois tradutores brasileiros independentes, qualificados e cientes dos objetivos da tradução. As traduções obtidas foram comparadas e originaram uma versão que foi novamente traduzida para o inglês e comparada com a versão original, etapa feita por outros dois tradutores de língua materna inglesa, com conhecimento do idioma português e sem ciência dos objetivos propostos.

Na adaptação transcultural obtiveram-se algumas equivalências: 1) Equivalência semântica, baseada na avaliação da equivalência gramatical e do vocabulário, pois muitas palavras de um determinado idioma podem não ter equivalentes em outras línguas; 2) Equivalência idiomática, baseada na pesquisa vasta em dicionários, pois a tradução de certas expressões idiomáticas é difícil e o significado de certas palavras não é fixo nem estável; 3) Equivalência transcultural ou experimental, pois o contexto transcultural de certas expressões deveria apresentar “validade de conteúdo” também na língua portuguesa e para a população do Brasil e dado que a versão do instrumento original seria agora usada num país diferente do qual ele foi criado; 4) Equivalência conceitual, pois muitos itens podem se equivaler semanticamente sem apresentar “equivalência de conceito”. Nessa última etapa, formou-se um comitê de cinco especialistas de diferentes áreas e com experiência em idosos: geriatria, ortopedia, reumatologia, psicologia e fisioterapia. Assim, se obteve a versão final do instrumento em tese: o GLFS 25-P (tabela 1).

Tabela 1
GLFS-25-P, versão traduzida e adaptada transculturalmente para o Brasil

Para a análise das propriedades psicométricas da versão brasileira recém-originada, aleatoriamente foram selecionados idosos com 60 anos ou mais, de ambos os gêneros, atendidos em nível ambulatorial na Disciplina de Geriatria e Gerontologia da Universidade Federal de São Paulo (DIGG/Unifesp). Foram excluídos aqueles com comprometimentos cognitivo e comportamental, doenças agudas graves ou crônicas descompensadas, déficits sensoriais limitantes e história de fraturas em membros inferiores e/ou coluna nos últimos seis meses. Todos os participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido.

Foram apurados, de todos os participantes, dados sociodemográficos (idade, gênero, estado civil, etnia e escolaridade) e status funcional para as atividades de vida diária básicas (ABVD) e instrumentais (AIVD), segundo os índices de Katz e Lawton, respectivamente. Também, foram coletados dados relativos à frequência de quedas no último ano, à autopercepção de saúde (ruim, regular, boa ou excelente) e à presença de dor crônica (duração de seis meses ou mais), anotou-se para essa última a sua intensidade segundo uma escala de descrição verbal (leve, moderada, grave ou muito grave).

O GLFS 25-P foi aplicado por dois entrevistadores independentes (E1 e E2), num mesmo dia e após 15 dias, sem qualquer intervenção no período, e seguiu-se a terceira aplicação pelo primeiro entrevistador (agora denominado E3). No estudo das propriedades psicométricas do GLFS 25-P, analisou-se primeiramente a sua confiabilidade, segundo a consistência interna e reprodutibilidade, e posteriormente foi feita a sua validação de acordo com o seu construto. A validade de construto, etapa das mais importantes em um processo de validação, envolve a comparação do instrumento a ser estudado com um padrão-ouro estabelecido. Quando esse último está ausente, procede-se à comparação com parâmetros clínicos habitualmente usados.1010 Gambaro RC, Santos FC, Thé KB, Castro LA, Cendoroglo MS. Avaliação de dor no idoso: proposta de adaptação do Geriatric Pain Measure para a língua portuguesa. Rev Bras Med. 2009;66:62-5. Neste estudo, obteve-se a validade de construto por meio da correlação entre o GLFS 25-P e os índices funcionais segundo as ABVD e AIVD.

Na análise estatística, o teste de igualdade de duas proporções foi usado na distribuição da frequência relativa das variáveis qualitativas, o coeficiente alfa de Cronbach na obtenção da consistência interna, os testes t de Student pareado e o índice de correlação intraclasse (ICC) para as reprodutibilidades intra e interobservadores, o coeficiente de Kappa para a reprodutibilidade de cada questão do instrumento e a correlação de Pearson para a validação. Avaliada a associação da SL com dor crônica, com a frequência de quedas no último ano e com os diferentes níveis de autopercepção de saúde, por meio do teste de qui-Quadrado e da análise de regressão logística. Definido o nível de significância em 0,05 (5%).

Resultados

Amostra composta por 100 idosos com média de 82 ± 1,5 anos (entre 61 e 100), na qual predominaram o gênero feminino (73%), a etnia branca (50%), o estado de viuvez (52%) e a baixa escolaridade (média de 5,1 anos, 57% estudaram apenas de um a quatro anos) (tabela 2).

Tabela 2
Caracterização da amostra

Quanto à funcionalidade dos participantes, observou-se um predomínio do status de independência funcional segundo a ABVD (96%, com média de 5,5 ± 0,1 pontos) e de dependência leve (41%, com média de 23,6 ± 0,8 pontos) segundo a AIVD (tabela 2).

Quanto às demais características, 61% tinham dor crônica, considerada leve em 5%, moderada em 33%, grave em 42% e muito grave em 20%; e 15% eram caidores crônicos (duas quedas ou mais no último ano). Para a autopercepção de saúde, 5% referiram-na como ruim, 53% como regular, 36% como boa e 6% como excelente.

A prevalência de SL na amostra estudada, segundo o GLFS 25-P, foi de 63%, com escores médios de 27,6 ± 4,1 para o E1, 27,3 ± 4,4 para o E2 e 28,1 ± 4,2 para o E3. O tempo médio para a sua aplicação de cinco a 10 minutos.

Na análise das propriedades de medidas do GLFS 25-P e com referência, inicialmente, à propriedade confiabilidade segundo a sua consistência interna, altos valores de alfa de Cronbach foram obtidos, de 0,942 para E1, 0,952 para E2 e 0,949 para E3. Para a reprodutibilidade, três análises foram feitas. Segundo o teste t de Student pareado, que comparou as médias do GLFS 25-P nas E1, E2 e E3, não foram encontradas diferenças estatisticamente significantes (tabela 3). Segundo o ICC, foram obtidos ótimos resultados, 97,6% de correlação interobservador (E1 e E2) e 98,4% intraobservador (E1 e E3) (tabela 3). Na análise de concordância entre os entrevistadores para cada item do instrumento em tese, segundo a estatística Kappa, foram obtidos valores consideráveis (entre 0,248 e 0,673) (tabela 4).

Tabela 3
Reprodutibilidades do GLFS-25-P, segundo o teste t de Student e o ICC
Tabela 4
Reprodutibilidade do GLFS-25-P, segundo o índice de Kappa

No processo de validação foram apuradas correlações estatisticamente significantes com os índices de funcionalidade nas atividades básicas e instrumentais, com índices regulares para ABVD (maiores do que 45%) e bons para AIVD (maiores do que 60%), segundo o coeficiente de Pearson. Tais correlações foram negativas, ou seja, quanto maiores os escores do GLFS 25-P, menores os índices funcionais para a ABVD e AIVD (tabela 5). Também foram apuradas associações significativas da SL com as presenças de dor crônica (p < 0,001) e de queda (p = 0,02), essas positivas, e, ainda, associação significativa com a autopercepção de saúde, contudo agora uma correlação negativa (p < 0,001), segundo o teste de qui-quadrado.

Tabela 5
Correlações entre o GLFS-25-P e os status funcionais, segundo o coeficiente de Pearson

Fez-se a análise multivariada incluindo as variáveis que se associaram significativamente com o GLFS 25-P no modelo univariável e obteve-se um risco significativamente maior de SL na presença de dor crônica (OR 15,92, IC 95% 3,08-82,27) e de pior autopercepção de saúde (OR 0,23, IC 95% 0,07-0,79) (tabela 6).

Tabela 6
Regressão logística das variáveis estudadas

Discussão

O GLFS-25 foi criado no Japão em 2011 e até então ainda não fora traduzido, adaptado transculturalmente ou validado em outras populações, apesar da importância do tema abordado.

Neste estudo, a versão brasileira do GLFS-25 (GLFS-25-P) contou com termos conhecidos e frequentes no nosso meio, de fácil compreensão por idosos de diferentes faixas etárias e graus de escolaridade. O instrumento em tese permite uma importante análise multidimensional do indivíduo que envelhece, pois se compõe de questões relativas à saúde e à locomoção, agrupadas em domínios, a saber: cuidados diários (cinco perguntas), dificuldades relacionadas com o movimento (três perguntas), dor (quatro perguntas), cognição (duas perguntas) e a itens associados às atividades sociais (quatro perguntas). Existe, ainda, um sexto domínio (sete itens), com questões relativas à funcionalidade na vida diária, que já se mostrou fortemente associado aos demais, é assim considerado um domínio ou uma dimensão chave do instrumento.33 Seichi A, Hoshino Y, Doi T, Akai M, Tobimatsu Y, Iwaya T. Development of a screening tool for risk of locomotive syndrome in the elderly: the 25-question Geriatric Locomotive Function Scale. J Orthop Sci. 2012;17:163-72.

Obteve-se uma amostra constituída principalmente por mulheres (73%), de acordo com os dados da literatura científica que apontam para uma feminilização do envelhecimento.1111 Projeção da População do Brasil por sexo e idade: 2000–2060 [Internet]. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); August 2013. Available from: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/projecao_da_populacao/2013/default.shtm [accessed 17.10.15].
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Também, a presente casuística contou com idosos “muito idosos” (63% dos participantes com 80 anos ou mais), que, assim, representam muito bem a parcela populacional que mais cresce no mundo: a dos longevos.1212 Kirkwood TBL. A systematic look at an old problem. Nature. 2008;451:644-7.,1313 Motta TS, Gambaro RC, Santos FC. Pain measurement in the elderly: evaluation of psychometric properties of the Geriatric Pain Measure-Portuguese version. Rev Dor São Paulo. 2015;16:136-41.

Na análise das propriedades psicométricas do GLFS 25-P, e inicialmente considerando a sua consistência interna, observou-se um alto valor de alfa de Cronbach em todas as entrevistas (acima de 0,9), semelhantemente ao valor obtido no estudo original de validação do instrumento (0,961).33 Seichi A, Hoshino Y, Doi T, Akai M, Tobimatsu Y, Iwaya T. Development of a screening tool for risk of locomotive syndrome in the elderly: the 25-question Geriatric Locomotive Function Scale. J Orthop Sci. 2012;17:163-72.

No estudo da reprodutibilidade, essa foi ótima. Consideraram-se as correlações intra e interobservadores, não foram observadas diferenças significativas nas análises. E para cada questão do instrumento, as concordâncias obtidas entre os entrevistadores foram consideráveis, segundo a estatística Kappa. Assim, a confiabilidade global do GLFS 25-P foi satisfatória, se considerarmos todas as análises de reprodução.

Ao analisar cada questão do instrumento, notamos que algumas perguntas se assemelham por tratar de um tema específico, como o convívio social nas questões 16, 22 e 23, o que demonstra certa redundância. No entanto, outros temas, como autopercepção de saúde e risco de queda, que se mostraram associados com a SL nesse trabalho, não foram abordados diretamente.

No processo de validação, o instrumento em tese foi correlacionado com índices de funcionalidade, tanto para as atividades básicas como instrumentais da vida diária, usuais em estudos com a população idosa. Até o momento, não se encontra disponível um padrão-ouro para o diagnóstico da SL. Contudo, já foram observadas importantes associações dessa síndrome com a perda de funcionalidade nos idosos.22 Nakamura KA. “Super-aged society” and the “locomotive syndrome”. J Orthop Sci. 2008;13:1-2.

Como já demonstrado em estudo anterior, a associação com queda foi observada, ratificou, assim, o rastreamento da SL para a prevenção de fraturas osteoporóticas.1414 Ishibashi H. On 2015 Guidelines for Prevention and Treatment of Osteoporosis. Osteoporosis in relation to locomotive syndrome. Clin Calcium. 2015;25:1313-8. Também, a dor crônica de etiologia musculoesquelética, como joelho, coluna ou ombros, já foi associada com a SL, o que fortaleceria a necessidade do seu tratamento precoce na prevenção dessa síndrome nos idosos.1515 Iizuka Y, Iizuka H, Mieda T, Tajika T, Yamamoto A, Takagishi K. Population-based study of the association of osteoporosis and chronic musculoskeletal pain and locomotive syndrome: the Katashina study. J Orthop Sci. 2015;20:1085-9. Quanto à autopercepção de saúde, este foi o primeiro estudo a analisar a sua correlação com a SL. A associação significativa da SL com uma pior autopercepção de saúde, como verificado na casuística presente, demonstra um possível impacto negativo da SL na qualidade de vida do indivíduo.

A prevalência da SL entre os idosos abordados foi de 63%, o que traduz uma alta parcela de idosos sob o risco de disfunção locomotora. O rastreio da SL na população idosa poderia auxiliar na implantação de intervenções precoces voltadas para a prevenção dessas disfunções. E para isso a disponibilidade de um instrumento de fácil compreensão e rápida aplicação auxiliaria os profissionais em serviços de grande demanda.

Referente às limitações desse trabalho, destaca-se que não foram feitos testes físicos que também poderiam avaliar o risco da SL, como o stand-up test e o two-step test, como já foi sugerido por alguns autores.1616 Ogata T, Muranaga S, Ishibashi H, Ohe T, Izumida R, Yoshimura N, et al. Development of a screening program to assess motor function in the adult population: a cross-sectional observational study. J Orthop Sci. 2015;20:888-95. Contudo, apenas muito recentemente esses mesmos testes foram apontados como novos índices na avaliação do risco da SL, ou seja, foram apontados como índices de risco e declínio da mobilidade, assim como o GFLS-25.1414 Ishibashi H. On 2015 Guidelines for Prevention and Treatment of Osteoporosis. Osteoporosis in relation to locomotive syndrome. Clin Calcium. 2015;25:1313-8.,1717 Yoshimura N, Muraki S, Oka H, Tanaka S, Ogata T, Kawaguchi H, et al. Association between new indices in the locomotive syndrome risk test and decline in mobility: third survey of the ROAD study. J Orthop Sci. 2015;20:896-905.

O GLFS 25-P foi considerado uma ferramenta simples e de rápida aplicação, demanda um curto período (cinco a 10 minutos). Não se fez, aqui, a autoaplicação do instrumento, pois os diferentes níveis de escolaridade da população idosa do nosso meio seriam um viés secundário importante. Porém, poderia ser uma forma bastante interessante de aplicação, por exemplo, em salas de espera de consultórios médicos e de outros profissionais da saúde, o que facilitaria a avaliação do risco de disfunções locomotoras no paciente idoso. Casuísticas nesse último sentido seriam de grande valia no nosso meio, preferencialmente se conduzidas longitudinalmente, já que poderiam auxiliar no estabelecimento de relações causais para a SL. E, nesses casos, os estudos também se prestariam a avaliar o impacto de abordagens preventivas, como programas monitorados de atividade física, na prevenção de disfunções locomotoras e institucionalização de idosos.

Em conclusão, GLFS 25-P apresentou adequadas tradução e adaptação transcultural e, na análise de suas propriedades psicométricas, verificou-se que se mostrou confiável e válido para o rastreio da SL em idosos do nosso meio.

Agradecimentos

A Dr. Fabio Freire Jose, Dr. Fabio Teruo Matsunaga, Dra. Thaisa Segura da Motta, Paulo Mateus Costa Affonso e Maria Angela Mello Barreto Guimarães, os expertises que compuseram o comitê de especialistas no processo de adaptação transcultural.

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2017

Histórico

  • Recebido
    26 Jan 2016
  • Aceito
    23 Maio 2016
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