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Matriz de competências em ortopedia e traumatologia para abordagem do sistema musculoesquelético para graduação médica

Resumo

Objetivo

Construir uma matriz de competências em ortopedia e traumatologia, com enfoque no sistema musculoesquelético, necessárias ao egresso do curso de medicina no Brasil.

Método

Utilizou-se a metodologia e-Delphi, visando captar a opinião de participantes de forma anônima. A primeira proposta contou com 42 itens, frutos de revisão bibliográfica e relevância epidemiológica, disponibilizados para os painelistas pelo Google Forms e enviados através do aplicativo de mensagens instantâneas Whatsapp. Constituiu-se um painel de 26 especialistas agrupados em três categorias: docentes de Ortopedia e Traumatologia, médicos da Atenção Primária e Emergencistas. O consenso foi obtido após a realização de 3 rodadas, com pelo menos 75% de concordância entre os itens inicialmente apresentados. Foram também considerados quatro indicadores: competências pré-requisito, essenciais, desejáveis e avançadas.

Resultados

obteve-se uma matriz com 34 competências relativas à abordagem do sistema musculoesquelético, que contempla ações de diagnóstico e conduta de todas as faixas etárias.

Conclusão

Foi construída uma matriz de competências em Ortopedia e Traumatologia para graduação médica com possibilidades de ser utilizada na sua íntegra ou de forma parcial, de acordo com o perfil do currículo institucional.

Palavras-chave
educação médica; ortopedia; traumatologia

Abstract

Objective

This study aimed to build a matrix of orthopedics and traumatology skills focusing on the musculoskeletal system for graduates of a medical course in Brazil.

Methods

The study used the e-Delphi methodology to retrieve opinions anonymously. The first proposal included 42 items determined at a bibliographical review and their epidemiological relevance. This proposal was available via Google Forms, and we sent it using the instant messaging application WhatsApp. We grouped the panel of 26 specialists into three categories: Orthopedics and Traumatology professors, Primary Care doctors, and Emergency Physicians. We reached a consensus after three rounds, with at least 75% agreement between the items initially presented. We also considered the following four indicators: prerequisite, essential, desirable, and advanced skills.

Results

We created a matrix with 34 musculoskeletal system-related skills, including diagnostic and management actions for all age groups.

Conclusion

We devised a skill matrix in Orthopedics and Traumatology for medical graduation for complete or partial use according to the institutional curriculum.

Keywords
education, medical; orthopedics; traumatology

Introdução

A ortopedia e traumatologia é uma das especialidades médica que se dedica ao estudo, diagnóstico e tratamento das patologias traumáticas e não traumáticas que acometem o sistema musculoesquelético (SME). Porém, até 25% das consultas de clínica geral estão relacionadas a esse sistema. A Organização Mundial da Saúde designou 2000-2010 como a “Década do Tecido Ósseo e Conjuntivo” para indicar a importância das condições musculoesqueléticas na prestação global de cuidados de saúde.11 Elachi I, Kotor JN, Yongu WT, Efu ME. The perceptions and attitudes of medical students towards orthopaedic and trauma surgery teaching in Makurdi, Nigeria. Niger J Orthop Trauma 2020;19(02):65–68,22 McDaniel CM, Forlenza EM, Kessler MW. Effect of shortened preclinical curriculum on medical student musculoskeletal knowledge and confidence: An institutional survey. J Surg Educ 2020;77(06):1414–1421,33 Martins DE, Roncati ACKP, Rocha RO, Freire MP. Inadequacies of musculoskeletal medicine curriculum for undergraduate medical students: a cross-sectional study. Sao Paulo Med J 2020;138(03): 229–234

As Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Medicina44 Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução no 3, de 20 de junho de 2014. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina e dá outras providências. Brasília: Diário Oficial da União; 2014 incentivam a formação generalista de médicos e expõem a necessidade de que o médico generalista aborde os problemas mais comuns da prática médica diária, utilizando recursos, conhecimento, habilidades e atitudes, sob diferentes condições, promovendo uma medicina de qualidade, especialmente para os usuários do Sistema Único de Saúde.44 Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução no 3, de 20 de junho de 2014. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina e dá outras providências. Brasília: Diário Oficial da União; 2014

Muitas regiões do Brasil não possuem um serviço especializado para atender as demandas do SME, contando com um médico generalista, que deve gerenciar esses casos com poucos recursos. O primeiro atendimento, o reconhecimento da urgência/emergência e a correta condução desses casos determinam o resultado para o paciente.55 Scheffer M. Demografia Médica no Brasil 2020. São Paulo: Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP. ; Conselho Federal de Medicina; 2020,66 Held MFG, Laubscher M, Graham SM, et al; Learning Innovation via Orthopaedic Networks (LION) Group. Topics, Skills, and Cases for an Undergraduate Musculoskeletal Curriculum in Southern Africa: A Consensus from Local and International Experts. J Bone Joint Surg Am 2020;102(03):e10

Nesse cenário, verifica-se que conhecimentos básicos para abordagem do SME são necessários a todos os profissionais médicos.77 Camargo OP. O ensino da ortopedia nas escolas médicas do Brasil. Rev Bras Ortop 2010;45(02):1-2 Até o momento, no Brasil, não foi publicada nenhuma proposta para o estabelecimento de um currículo mínimo baseado em competências para o ensino da ortopedia na graduação em medicina.

Nesse escopo, a construção de um consenso sobre as competências do ensino de ortopedia e traumatologia na graduação pode contribuir para o melhor entendimento dos problemas do SME ao futuro médico generalista. Além disso, contribui também para a formação de profissionais com conhecimento e segurança na tomada de decisões e consequente melhoria na qualidade de assistência para a população.33 Martins DE, Roncati ACKP, Rocha RO, Freire MP. Inadequacies of musculoskeletal medicine curriculum for undergraduate medical students: a cross-sectional study. Sao Paulo Med J 2020;138(03): 229–234,88 Lynch TS, Hellwinkel JE, Jobin CM, Levine WN. Curriculum reform and new technology to fill the void of musculoskeletal education in medical school curriculum. J Am Acad Orthop Surg 2020;28 (23):945-952

Nesse sentido, a técnica de Delphi pode ser utilizada para se definir este consenso. Essa técnica visa obter uma concordância entre experts separados geograficamente, chamados painelistas, que são convidados a responder rounds sucessivos de perguntas. Foi desenvolvida na década de 50 e assim denominada devido ao Oráculo da Ilha de Delphos.99 Nasa P, Jain R, Juneja D. Delphi methodology in healthcare research: How to decide its appropriateness. World J Methodol 2021;11(04):116-129 Parte-se da premissa de que a construção coletiva do conhecimento é mais profícua do que sua contribuição individual.99 Nasa P, Jain R, Juneja D. Delphi methodology in healthcare research: How to decide its appropriateness. World J Methodol 2021;11(04):116-129,1010 Heed J, Klein S, Slee A, Watson N, Husband A, Slight SP. An e-Delphi study to obtain expert consensus on the level of risk associated with preventable e-prescribing events. Br J Clin Pharmacol 2022; 88(07):3351-3359

O método tem como características básicas: o anonimato, que permite ao indivíduo expor sua opinião sem o risco de constrangimento; o feedback para compartilhamento de opiniões e a possibilidade de alteração de posicionamento ao longodo processo.1111 Barrios M, Guilera G, Nuño L, Gómez-Benito J. Consensus in the Delphi Method: What makes a decision change? Technol Forecast Soc Change 2021;163:120484 comapopularizaçãodainternet, pelo e-Delphi, é possível aumentar a abrangência do estudo e envio de questionários online.1212 Collado AR. Essential elements to elaborate a study with the (e) Delphi method. Enferm Intensiva 2021;32(02):100-104,1313 Jaam M, Awaisu A, El-Awaisi A, Stewart D, El Hajj MS. Use of the Delphi technique in pharmacy practice research. Res Social Adm Pharm 2022;18(01):2237-2248

Diante disso, oobjetivo doestudo foi construir uma matriz de competências em ortopedia etraumatologia, com enfoque no sistema musculoesquelético, necessárias ao egresso do curso de medicina no Brasil, utilizando a metodologia e-Delphi.

Materias e Métodos

Trata-se de um estudo primário que utiliza uma abordagem qualitativa, a partir do método E-Delphi, em busca de um consenso sobre o tema pesquisado, por meio do qual se definiu quais seriam os painelistas, a quantidade de rodadas, o nível de concordância e a formatação das perguntas, que seriam enviadas. Para esta pesquisa, definiu-se o WhatsApp como recurso para comunicação com os painelistas.

Na literatura, a maioria dos artigos define como consenso a concordância em torno de 75% sobre um determinado assunto em cada round. Portanto, utilizou-se essevalor neste estudo.77 Camargo OP. O ensino da ortopedia nas escolas médicas do Brasil. Rev Bras Ortop 2010;45(02):1-2,1111 Barrios M, Guilera G, Nuño L, Gómez-Benito J. Consensus in the Delphi Method: What makes a decision change? Technol Forecast Soc Change 2021;163:120484,1313 Jaam M, Awaisu A, El-Awaisi A, Stewart D, El Hajj MS. Use of the Delphi technique in pharmacy practice research. Res Social Adm Pharm 2022;18(01):2237-2248

Somado a isso, recomenda-se que o painel deve ter a participação de especialistas de áreas diferentes debatendo sobre o mesmo assunto. O tamanho da amostra, pode variar entre 10 e 30 participantes. Um número maior pode ocasionar dificuldades para gerenciamento e feedback das respostas. Um número menor pode determinar uma perspectiva limitada do assunto. Ademais, é comum haver baixa taxa de resposta em determinadas rodadas e a perda de alguns painelistas durante o processo.77 Camargo OP. O ensino da ortopedia nas escolas médicas do Brasil. Rev Bras Ortop 2010;45(02):1-2,1111 Barrios M, Guilera G, Nuño L, Gómez-Benito J. Consensus in the Delphi Method: What makes a decision change? Technol Forecast Soc Change 2021;163:120484

A amostra foi selecionada de forma não probabilística, por conveniência, por meio de indicações de contatos pessoais. Para atingiros objetivos, convidou-se,30painelistas atuantes no território brasileiro, dentre os quais ⅓ são ortopedistas, ⅓ médicos atuantes na Medicina de Família e Comunidade (MFC) e ⅓ médicos emergencistas.1212 Collado AR. Essential elements to elaborate a study with the (e) Delphi method. Enferm Intensiva 2021;32(02):100-104,1313 Jaam M, Awaisu A, El-Awaisi A, Stewart D, El Hajj MS. Use of the Delphi technique in pharmacy practice research. Res Social Adm Pharm 2022;18(01):2237-2248

Os critérios de inclusão foram: ortopedistas que estivessem atuando na docência na graduação em Medicina ou de residência medica,médicos da EstratégiadeSaúdedaFamília e médicos da Medicina de Emergência. Todos os participantes têm título de especialista pelo MEC ou sociedade da especialidade. Foram excluídos os médicos que abandonaram o estudo em alguma de suas rodadas.

O instrumento de coleta de dados aplicado neste estudo foi estruturado, utilizando-se a plataforma Google Forms e os links de resposta enviados aos participantes através de mensagens no WhatsApp.

O questionário foi organizado em quatro partes: a) Termo de Conhecimento Livre e Esclarecido (TCLE), b) dados sociodemográficos, c) 41 afirmações pré-definidas sobre conteúdos de traumatologia e ortopedia relacionadas ao currículo de graduação médica, classificadas em níveis de concordância pela Escala de seis pontos, de Likert, significando: 1 - discordo plenamente,2 -discordo parcialmente, 3 -discordo, 4 - concordo, 5 - concordo parcialmente e 6 - concordo plenamente, para registrar a opinião sobre cada uma; d) espaço para comentários livres sobre a rodada de perguntasrespostas, sugerir mudanças no nivelamento e adicionar competências que não tenham sido contempladas. Após leitura e compilação das respostas, realizou-se um feedback para compartilhamento das opiniões, de forma anônima, entre os participantes.1313 Jaam M, Awaisu A, El-Awaisi A, Stewart D, El Hajj MS. Use of the Delphi technique in pharmacy practice research. Res Social Adm Pharm 2022;18(01):2237-2248

As afirmações construídasforam baseadasno cruzamento de dados sobre as principais causas de internações em ortopedia e traumatologia pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em 2020, causas de afastamento do trabalho pela Previdência Social no mesmo ano, artigos de ortopedia baseados em uma revisão integrativa da literatura, utilizando as bases da Scientific Electronic Library Online (SCIELO) e do PUBMED. Realizou-se o nivelamento das competências conforme (►Quadro 1).88 Lynch TS, Hellwinkel JE, Jobin CM, Levine WN. Curriculum reform and new technology to fill the void of musculoskeletal education in medical school curriculum. J Am Acad Orthop Surg 2020;28 (23):945-952,1414 Freedman KB, Bernstein J. The adequacy of medical school education in musculoskeletal medicine. J Bone Joint Surg Am 1998;80(10):1421-1427,1515 Bent MA, Stork NC, Nemeth BA. The diagnosis and management of common childhood orthopedic disorders: An update. Curr Probl Pediatr Adolesc Health Care 2020;50(10):100884,1616 O’Brien P, Kiran T. Improving quality in primary care—a curriculum for postgraduate family medicine trainees. Toronto, Canada: University of Toronto; 2021,1717 Lermen NJR org. SBMFC- Currículo Baseado em Competências para Medicina de Família e Comunidade. Rio de Janeiro: SBMFC; 2015,1818 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n. 2.309, de 28 de agosto de 2020. Altera a Portaria de Consolidação n. 5/GM/MS, de 28 de setembro de 2017, e atualiza a Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT). Brasília: Diário Oficial da União; 2020,1919 Brasil. Ministério da Saúde. Banco de dados do Sistema Único de Saúde-DATASUS [Internet]. 2021 [acesso 27 de ago. 2021]. Disponível em: http://www.datasus.gov.br
http://www.datasus.gov.br...

Quadro 1
Nivelamento das competências

A partir da segunda rodada, o questionário passou a ser estruturado com temas selecionados pelas respostas do anterior. A partir dessa fase, não foi permitido acrescentar competências, somente modificar otexto e o nível, que foram baseados no maior percentual de opiniões.

Empregou-seaEscaladeLikert paraapuraraconvergência de posicionamento. De modo similar ao primeiro round, realizou-se a verificação das repostas e feedback para compartilhamento das opiniões, de forma anônima, entre os participantes, com denominação aleatória.99 Nasa P, Jain R, Juneja D. Delphi methodology in healthcare research: How to decide its appropriateness. World J Methodol 2021;11(04):116-129,1313 Jaam M, Awaisu A, El-Awaisi A, Stewart D, El Hajj MS. Use of the Delphi technique in pharmacy practice research. Res Social Adm Pharm 2022;18(01):2237-2248

O processo repetiu-se na terceira rodada. A análise dos dados incluiu a observação das recorrências e percentagens das afirmações em cada round. Definiu-se o critério de inclusão da proposição quando a convergência das respostas nos números 5 e 6 foi igual ou superior a 75%; e de exclusão da proposição quando a convergência das respostas foi igual ou superior a 75% nos números 1 e 2. As afirmações que não preencheram os critérios de inclusão e nem de exclusão foram reelaboradas pelo primeiro pesquisador e validadas por outro pesquisador, levando em consideração os comentários e respostas dos especialistas a respeito da apresentação e nivelamento das competências, para retornar em seguida, para aguardar os 75% para aprovação.99 Nasa P, Jain R, Juneja D. Delphi methodology in healthcare research: How to decide its appropriateness. World J Methodol 2021;11(04):116-129,1111 Barrios M, Guilera G, Nuño L, Gómez-Benito J. Consensus in the Delphi Method: What makes a decision change? Technol Forecast Soc Change 2021;163:120484

Resultados

Participaram respondedores de todas as regiões do país, com maior distribuição na ortopedia e predomínio do Sudeste (►Fig. 1).

Fig. 1
Distribuição da frequência da variável gênero por especialidade dos participantes da pesquisa (n = 26). Fonte: Elaborado pelo autor.

A representação das especialidades foi equivalente, com ligeira predominância da ortopedia e Estratégia Saúde da Família (ESF) 34,6%, em relação aos emergencistas 30,8% (►Figs. 2 e 3).

Fig. 2
Distribuição da frequência da variável gênero por especialidade entre os participantes da pesquisa (n = 26). Fonte: Elaborado pelo autor.

Fig. 3
Distribuição da frequência da variável especialidade (n = 26). Fonte: Elaborado pelo autor.

A primeira rodada de questionário deste estudo contou com aparticipaçãode26painelistas (86,6%):um ortopedista, um médico da ESF, e dois emergencistas não responderam.

O consensofoialcançado em20 afirmações (48,7%). Ataxa de concordância foi maior nas competências categorizadas em pré-requisito e essencial. Entre essas afirmações, três se destacaram por alcançar 100% de convergência (►Quadro 2). Não houve exclusão, pois, o percentual de posicionamento 1 e 2 foi insuficiente.

Quadro 2
Resultado da primeira rodada Delphi. Afirmações que receberam consenso

A segunda rodada da pesquisa teve retorno de 25 painelistas (96%): um médico da ESF escolheu sair do estudo. Constituiu-se um total de 28 afirmações, pois houve fragmentação e retorno de uma já aprovada, e acrescentaram-se cinco sugestões (►Quadro 3).

Quadro 3
Resultado da segunda rodada Delphi. Afirmações que receberam consenso

Alcançaram consenso 13 competências (46%), que foram acrescidas das modificações indicadas. A mudança de nivelamento para desejáveis e avançadas não favoreceu a convergência. Não houve concordância de 100%, e nenhuma foi excluída (►Quadro 3).

Na terceira rodada o painel foi reduzido para 24 participantes: um ortopedista optou por não responder. Assim, a amostra se equilibrou, com oito experts em cada área. Entretanto, o estudo foi interrompido devido à percepção de persistência das respostas em relação a determinadas proposições. A convergência mínima de 75% ocorreu somente em duas afirmações.

As 15 afirmações foram avaliadas e somente duas (1 e 13) alcançaram consenso, com sugestão de mudança da 13 para nível “desejável” (►Quadro 4).

Quadro 4
Resultado da terceira rodada Delphi. Afirmações que receberam consenso

Ao final de três rodadas de questionários, obteve-se uma matriz de 34 competências em Ortopedia e Traumatologia, a serem capacitadas durante a graduação médica (►Quadros 2, 3 e 4). As competências que não alcançaram consenso estão apresentados no ►Quadro 5.

Quadro 5
Competências que não alcançaram consenso

Discussão

A estruturação da pesquisa, de forma a convergir opinião de painelistas das três áreas diferentes sobre o mesmo tema, atingiu o objetivo proposto. A matriz de competências em Ortopedia e Traumatologia para a graduação que foi produzida é estruturada e abrangente. Atendência de identificação com a especialidade direcionou cada painelista a emitir um parecer circunscrito a sua expertise; e os pontos em comum constituíram o consenso.1111 Barrios M, Guilera G, Nuño L, Gómez-Benito J. Consensus in the Delphi Method: What makes a decision change? Technol Forecast Soc Change 2021;163:120484,1212 Collado AR. Essential elements to elaborate a study with the (e) Delphi method. Enferm Intensiva 2021;32(02):100-104

A perda amostral apresentada na primeira rodada foi abaixo dos relatos da literatura, que estimam perda de aproximadamente 20% no primeiro round.

Martins et al.33 Martins DE, Roncati ACKP, Rocha RO, Freire MP. Inadequacies of musculoskeletal medicine curriculum for undergraduate medical students: a cross-sectional study. Sao Paulo Med J 2020;138(03): 229–234 aplicaram um teste para avaliação de competências musculoesqueléticas em alunos do primeiro ao quinto ano de um curso de graduação em medicina. Os alunos do terceiro ano tiveram o melhor resultado em questões básicas de anatomia, com diminuição do desempenho nas turmas seguintes.

Um outro estudo realizado por Fialho et al.2020 Fialho SCMS, Castro GRWD, Zimmermann AF, et al. Avaliação do sistema musculoesquelético na unidade de emergência. Rev Bras Reumatol 2011;51:244–248 para avaliar a prevalência dos sintomas musculoesqueléticos em uma unidade de emergência e a frequência de descrição do exame físico musculoesquelético nesses casos, apontou que as queixas musculoesqueléticas são frequentes na unidade de emergência avaliada, porém os sintomas musculoesqueléticos são insuficientemente avaliados. Os autores ressaltam que este resultado pode estar relacionado a uma formação médica insuficiente, sendo necessário que asescolas médicas deem mais ênfase nas formações de maneira que jovens médicos estejam mais preparados para lidar com essas doenças comuns.

Ainda sobre avaliações e conhecimentos do sistema musculoesquelético por parte dos alunos do curso de medicina, Bockbrader et al.2121 Bockbrader MA, ThompsonRD, WayDP,et al. Toward a consensus for musculoskeletal ultrasonography education in physical medicine and rehabilitation: anational pollofresidency directors. Am J Phys Med Rehabil 2019;98(08):715–724 ressaltam que além da avaliação física do paciente, é necessário que os profissionais da área tenham experiência para avaliar a ultrassonografia musculoesquelética. Porém, um estudo realizado por estes mesmos autores revelou a falta de experiência destes profissionais para esta avaliação.

As competências niveladas em “pré-requisito” compõem o grupo pelo qualsedevem iniciarosestudosemortopedia, pois abrem espaçoparaosdiscentes resgataremoconhecimentodo ciclo básico e aplicação na prática médica.33 Martins DE, Roncati ACKP, Rocha RO, Freire MP. Inadequacies of musculoskeletal medicine curriculum for undergraduate medical students: a cross-sectional study. Sao Paulo Med J 2020;138(03): 229–234,77 Camargo OP. O ensino da ortopedia nas escolas médicas do Brasil. Rev Bras Ortop 2010;45(02):1-2

Nesse sentido, é esperado que o generalista aumente o índice de suspeição diagnóstica desses traumatismos a partir do reconhecimento de padrões característicos, de forma simplificada. Foram incluídas por estarem entre as mais frequentes na carga global de doenças musculoesqueléticas. Obtém-se um ganho adicional porque, partindo desse pressuposto, mesmo as competências excluídas, referentes ao padrão de fraturas, podem ser desenvolvidas no curso da carreira médica, o que leva a um questionamento: todos esses itens, necessariamente, deveriam estar presentes? A resposta é sim, porque estão niveladas em “desejáveis e avançadas” e, portanto, não são prioridades. Mas, em caso de tempo hábil para treinamento, possivelmente, promovem substancial melhoria na prestação dos serviços de saúde.11 Elachi I, Kotor JN, Yongu WT, Efu ME. The perceptions and attitudes of medical students towards orthopaedic and trauma surgery teaching in Makurdi, Nigeria. Niger J Orthop Trauma 2020;19(02):65–68,33 Martins DE, Roncati ACKP, Rocha RO, Freire MP. Inadequacies of musculoskeletal medicine curriculum for undergraduate medical students: a cross-sectional study. Sao Paulo Med J 2020;138(03): 229–234,1414 Freedman KB, Bernstein J. The adequacy of medical school education in musculoskeletal medicine. J Bone Joint Surg Am 1998;80(10):1421-1427,2222 Cordero DM, Miclau TA, Paul AV, et al. The global burden of musculoskeletal injury in low and lower-middle income countries: A systematic literature review. OTA Int 2020;3(02): e062,2323 Prathivadi Bhayankaram N, Lacey RJ, Barnett LA, Jordan KP Dunn KM. Musculoskeletal consultations from childhood to adulthood: a longitudinal study. J Public Health (Oxf) 2020;42(04): e428–e434

As 13 competências que não alcançaram consenso estão niveladas em “avançadas” e, em sua maioria, relacionadas a patologias não traumáticas. Os painelistas podem ter entendido tratar-se de temas mais específicos e da competência da ortopedia e suas subespecialidades (►Quadro 5).2424 Karan FCL, Itaqui MH. Ortopedia: origem histórica, o ensino no Brasil e estudos metodológicos pelo mundo. Sci Med 2005;15 (03):172–178

O volume de conteúdo é um dos limitadores deste estudo porque demandou maior tempo para avaliação dos painelistas e pode se traduzir em adversidade para implementação da matriz. Apesar de se referir a uso racional do tempo, não indica em qual momento da graduação deve ser aplicada.

Novos estudos poderiam abordar a aplicabilidade prática da matriz proposta e sua efetividade, bem como descrever a experiência de professores e alunos durante o processo e os resultados gerados após sua efetivação.

Conclusão

Foi construída uma matriz competências em Ortopedia e Traumatologia com possibilidades de ser utilizada na sua íntegra ou de forma parcial, de acordo com o perfil do currículo médico.

  • Comitê De Ética
    Este tipo de estudo não envolve seres humanos, por isso dispensa a aprovação do comitê de ética.
  • Suporte Financeiro
    A presente pesquisa não recebeu nenhum financiamento específico de agências de financiamento dos setores público, comercial ou sem fins lucrativos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    13 Fev 2023
  • Aceito
    05 Maio 2023
  • Publicado
    08 Dez 2023
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