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Efeito do uso da metilprednisolona no manguito rotador em ratos. Estudo biomecânico e histológico Trabalho desenvolvido na Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), Tubarão, SC, Brasil.

Resumos

OBJETIVO:

Avaliar a influência do tratamento com diferentes doses de metilprednisolona sobre a resistência mecânica, bem como possíveis alterações histológicas do tendão do manguito rotador (MR) em ratos.

MÉTODOS:

Ratos Wistar machos foram divididos aleatoriamente em quatro grupos de tratamento como sham, veículo, 0,6 mg/kg ou 6 mg/kg de metilprednisolona. Alterações na resistência mecânica (em N) e em parâmetros histológicos (aparência fibrilar, presença de colágeno, edema e proliferação vascular) do tendão do manguito rotador (MR) foram avaliadas. As análises foram feitas após o tratamento com uma (24 horas após), duas (sete dias após) ou três (14 dias após) administrações no espaço subacromial.

RESULTADOS:

Após sete e 14 dias do início do tratamento a metilprednisolona reduziu, de maneira dependente de dose, a resistência mecânica do tendão do MR (p < 0,05 em relação ao grupo veículo). Também foram observadas modificação em parâmetros histológicos nos dias sete e 14 após a primeira infiltração, principalmente quanto à presença de colágeno e proliferação vascular para a dose de 0,6 MG/kg de metilprednisolona e presença de colágeno, edema e proliferação vascular para a dose de 6 mg/kg do corticoide.

CONCLUSÃO:

Os resultados obtidos demonstram uma relação entre o uso de metilprednisolona por infiltração no espaço subacromial e a redução da resistência mecânica e modificações histológicas no tendão do MR de ratos.

Corticoides; Manguito rotador; Ortopedia


OBJECTIVE:

To evaluate the influence of treatment with different doses of methylprednisolone on the mechanical resistance and possible histological alterations of the rotator cuff tendon in rats.

METHODS:

Male Wistar rats were divided randomly into four treatment groups: sham, vehicle or 0.6 mg/kg or 6.0 mg/kg of methylprednisolone. Changes to mechanical resistance (in N) and histological parameters (fibrillar appearance, presence of collagen, edema and vascular proliferation) of the rotator cuff tendon were evaluated. The analyses were conducted after administration of one treatment (24 h afterwards), two treatments (7 days afterward) or three treatments (14 days afterwards), into the subacromial space.

RESULTS:

Seven and fourteen days after the treatments were started, it was found that in a dose-dependent manner, methylprednisolone reduced the mechanical resistance of the rotator cuff tendon (p < 0.05 in relation to the vehicle group). Modifications to the histological parameters were observed on the 7th and 14th days after the first infiltration, especially regarding the presence of collagen and vascular proliferation, for the dose of 0.6 mg/kg of methylprednisolone, and also regarding the presence of collagen, edema and vascular proliferation for the dose of 6.0 mg/kg of corticoid.

CONCLUSION:

The results obtained demonstrated a relationship between methylprednisolone use through infiltration into the subacromial space and reduction of the mechanical resistance of and histological modifications to the rotator cuff tendon in rats.

Corticoids; Rotator cuff; Orthopedics


Introdução

Uma das causas mais frequentes de dor no ombro são as lesões degenerativas e traumáticas do manguito rotador (MR), principalmente da área avascular do tendão,1Moore KL. Anatomia orientada para a prática clínica. 5th ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2007. que podem acometer indivíduos em qualquer faixa etária e ser potencializadas com o envelhecimento e a ocupação laboral ou recreativa.2Nové-Josserand L, Walch G, Adeleine P, Courpron P. Effect of age on the natural history of the shoulder: a clinical and radiological study in the elderly. Rev Chir Orthop Reparatrice Appar Mot. 2005;91(6):508-14. and 3White RH. Shoulder pain. West J Med. 1982;137(4):340-5.

Aproximadamente 54% dos adultos com mais de 60 anos apresentam ruptura parcial ou completa do MR, em comparação com apenas 4% daqueles com idade entre 40 e 60 anos.4Bartolozzi A, Andreychik D, Ahmad S. Determinants of outcome in the treatment of rotator cuff disease. Clin Orthop Relat Res. 1994;(308):90-7. Além disso, em torno da metade desses pacientes não apresenta antecedente de trauma; isso sugere que nesses casos a degeneração do manguito rotador ocorre gradualmente e resulta em ruptura incompleta e eventualmente em ruptura completa. Esse evento pode levar à perda da função do ombro em variados graus.5McLaughlin HL. Rupture of the rotator cuff. J Bone Joint Surg Am. 1962;44:979-83. and 6McMahon PJ, Debski RE, Thompson WO, Warner JJ, Fu FH, Woo SL. Shoulder muscle forces and tendon excursions during glenohumeral abduction in the scapular plane. J Shoulder Elbow Surg. 1995;4(3):199-208. Também ocorrem em diferentes níveis: dor no ombro, fraqueza ao movimento de abdução do braço e perda da mobilidade.

Nessa condição as opções de tratamento incluem as medidas conservadoras (repouso e afastamento do fator causal), as farmacológicas (anti-inflamatórios não esteroidais) e a reabilitação (fisioterapia), além das infiltrações com o uso de corticoide no espaço subacromial (ICSS).

As ICSS são usadas no tratamento inicial da patologia do manguito rotador e podem ter bons resultados em relação à diminuição da dor e ao ganho da amplitude de movimento, provavelmente por causa dos efeitos anti-inflamatório e analgésico dessas medicações7Adebajo AO, Nash P, Hazleman BL. A prospective double blind dummy placebo controlled study comparing triamcinolone hexacetonide injection with oral diclofenac 50 mg TDS in patients with rotator cuff tendinitis. J Rheumatol. 1990;17(9):1207-10. and 8Petri M, Dobrow R, Neiman R, Whiting-O'Keefe Q, Seaman WE. Randomized, double-blind, placebo-controlled study of the treatment of the painful shoulder. Arthritis Rheum. 1987;30(9):1040-5. em decorrência do efeito anti-inflamatório dos corticoides. Dentre os corticoides usados, encontra-se principalmente a metilprednisolona, que é indicada como terapêutica adjuvante em curto prazo nessa condição, principalmente para o alívio de uma crise aguda ou para evitar a exacerbação, por causa de sua solubilidade e ação em curto prazo, que causa menores prejuízos ao tecido.

No entanto, as atuais recomendações clínicas para o uso local dessas medicações no tratamento das patologias do manguito rotador são no máximo três infiltrações durante um ano, com espaçamento de três ou mais meses entre cada uma.9Lashgari CJ, Yamaguchi K. Natural history and nonsurgical treatment of rotator cuff disorders. In: Norris TR, editor. Orthopaedic knowledge update. Shoulder and elbow. 2nd ed. Rosemont: American Academy of Orthopaedic Surgeons; 2002. p. 155-62. Esse cuidado se deve aos efeitos colaterais relatados na literatura, como atrofia tendínea, alterações no processo de cicatrização, alterações estruturais das fibras colágenas e alterações metabólicas da síntese do colágeno, que podem levar à diminuição das propriedades biomecânicas do tendão e ocasionar até mesmo rupturas completas dele.1010 Hugate R, Pennypacker J, Saunders M, Juliano P. The effects of intratendinous and retrocalcaneal intrabursal injections of corticosteroid on the biomechanical properties of rabbit Achilles tendons. J Bone Joint Surg Am. 2004;86(4):794-801. and 1111 Wiggins ME, Fadale PD, Ehrlich MG, Walsh WR. Effects of local injection of corticosteroids on the healing of ligaments. A follow-up report. J Bone Joint Surg Am. 1995;77(11):1682-91.

Poucos estudos examinaram os efeitos clínicos específicos dos corticoides sobre o MR. A literatura é basicamente composta por relatos de caso e estudos experimentais com animais com o uso do tendão do tríceps sural e do tendão patelar. A ausência de um consenso, bem como de estudos específicos que avaliem o efeito das ICSS sobre o tendão do MR, fortalece a ideia da necessidade de compreender e/ou justificar os mecanismos implicados nos efeitos dos corticóides, que até o momento são usados empiricamente no tratamento dessa condição.1212 Wei AS, Callaci JJ, Juknelis D, Marra G, Tonino P, Freedman KB, et al. The effect of corticosteroid on collagen expression in injured rotator cuff tendon. J Bone Joint Surg Am. 2006;88(6):1331-8.O MR de ratos é considerado um modelo in vivo bastante útil para estudar as doenças do MR, 1313 Thomopoulos S, Soslowsky LJ, Flanagan CL, Tun S, Keefer CC, Mastaw J, et al. The effect of fibrin clot on healing rat supraspinatus tendon defects. J Shoulder Elbow Surg. 2002;11(3):239-47. porém esses estudos ainda não avaliaram o quanto um tendão resiste após o uso clínico de ICS.

Diante do exposto, o presente estudo teve como objetivo primário avaliar o efeito da metilpredisolona sobre a resistência mecânica do manguito rotador em ratos, bem como o objetivo secundário de avaliar as alterações histológicas em relação à celularidade, à vascularização e às alterações do padrão das fibras colágenas do tendão do MR em ratos.

Materiais e métodos

Foram usados 75 ratos da linhagem Wistar (Rattus norvegicos), adultos machos com 300 g em média. Foram mantidos sob condições padronizadas de luminosidade (ciclo claro-escuro de 12 horas) e temperatura (22° ± 2° C), com livre acesso a água e ração. Os experimentos foram conduzidos no laboratório do centro cirúrgico de nossa universidade, entre 8 h e 17 h, após aclimatação dos animais. Os protocolos foram aprovados pela Comissão de Ética em Uso de Animais (n° 12.016.4.01.111).

O número amostral foi subdividido conforme descrição a seguir. Respeitou-se o n = 6 por grupo, que é considerado o menor número suficiente para as análises estatísticas propostas na espécie selecionada na literatura da área e de acordo com o cálculo n/grupo: [(Zα: 2 + Zβ)2p* (1-p*)2]:2d; onde p* = (p0 + p1)/2 e d (delta) = (p0 + p1). Foram avaliados quatro grupos de tratamento, que iniciaram com 18 animais cada; desses grupos, seis animais foram retirados nos diferentes intervalos de tempo de observação, respectivamente à primeira, segunda ou terceira administração do referido tratamento. Além desses animais, três ratos foram usados inicialmente num estudo piloto para padronização da técnica de administração das substâncias, bem como reconhecimento da anatomia do animal.

Os animais foram aleatoriamente divididos entre os grupos, que receberam os seguintes tratamentos: grupo 1 (sham), não sofreram intervenção ou receberam tratamento ao longo do período experimental e serviram como grupo controle para as análises de resistência; grupo 2 (veículo), receberam tratamento com o diluente do corticoide testado, conforme especificação do fabricante; grupos 3 e 4 (experimentais), receberam injeção subacromial de duas doses diferentes do corticoide a ser testado, respectivamente.

O corticoide investigado foi a metilprednisolona nas doses de 0,6 mg/Kg (grupo 3) ou 6 mg/Kg (grupo 4). Essas doses foram selecionadas tendo por base o estudo de referência1414 Tatari H, Kosay C, Baran O, Ozcan O, Ozer E. Deleterious effects of local corticosteroid injections on the Achilles tendon of rats. Arch Orthop Trauma Surg. 2001;121(6): 333-7. que empregou 0,6 mg/Kg para observação de efeitos deletérios de tratamento semelhante em Peri tendão de tríceps sural de ratos; além disso, consideraram-se questões farmacocinéticas e a dose de 6 mg/Kg foi escolhida no sentido de investigar possíveis correlações de dose-efeito para os parâmetros observados no presente estudo, bem como possíveis efeitos adversos de sua administração. A droga foi administrada no espaço subacromial do ombro direito dos animais, num volume de 0,1 mL/100 g de peso do animal. Foram feitas três administrações. O momento da aplicação da primeira dose foi considerado como tempo zero, seguido de injeções nos períodos de 24 horas ou sete dias após a primeira administração.

Para o procedimento de injeção subacromial, os animais receberam anestesia induzida por injeção intraperitoneal (i.p.) de cloridrato de cetamina + cloridrato de xilazina (40-75 mg/kg cetamina + 5-10 mg/kg xilazina). As infiltrações intra-articulares foram feitas por via anterior, com o animal em decúbito dorsal em uma mesa com 45° de inclinação e o membro superior direito em rotação externa. A seguir, topograficamente, localizou-se o ápice do acrômio e a cabeça umeral. A agulha foi introduzida entre ambos, em um trajeto oblíquo e para baixo em relação à horizontal até chegar em contato com a cabeça umeral e retroceder um pouco para permitir a administração do volume.

Nos períodos de tempo de 24 horas após a primeira aplicação (dia 1), sete dias após (2a aplicação) ou 14 dias após (3a aplicação) do início do tratamento com a metilprednisolona, diferentes grupos de animais (n = 6) foram eutanasiados e dissecados. O tendão do MR foi removido com cuidado para separar o tendão do úmero, elevado-o da sua inserção umeral e amputado-o na sua junção musculotendínea para formar uma unidade que foi avaliada de acordo com as metodologias descritas a seguir.

Teste de resistência mecânica

Esse teste foi conduzido de acordo com o registrado por outros autores,1515 Lech O, Severo AL, Silva LHP, Marcolan AM, Lütkemeyer E, Kim JH. Efeito do uso de corticoide em tendões previamente traumatizados: estudo experimental. Rev Bras Ortop. 1996;31(3):187-92. com o uso de uma bancada com uma prensa manual, que na sua extremidade superior estava ligada a um dinamômetro linear e na extremidade inferior estava ligada a um recipiente. O equipamento como um todo estava suspenso a aproximadamente um metro do solo. Para esse ensaio biomecânico a força peso (P = m × g) exercida sobre o tendão foi graduada em newtons (N). A unidade de tendão foi dissecada por meio de uma incisão sobre a proeminência da espinha da escápula, com acesso superiormente ao músculo supraespinhoso juntamente com seu tendão; ele foi usado para os testes de resistência e estudo histológico. Esse foi desinserido em sua porção distal no tubérculo maior do úmero e tenotomizado próximo à junção com o músculo. Cada unidade teve uma de suas extremidades presa à prensa manual da bancada e a outra extremidade ligada ao dinamômetro. Ainda, o recipiente da extremidade inferior foi preenchido com água destilada a uma vazão constante. Nesse modelo o aumento da vazão de água aumenta a resistência exercida sobre o tendão, uma vez que a massa do recipiente com água somada à gravidade permite a leitura da correspondente força pelo dinamômetro, diretamente na escala em N. É registrado individualmente o valor da força no momento em que se deu o rompimento do tendão de cada animal avaliado.

Análise histológica

Para a histologia, a unidade tendínea separada foi incluída em parafina e fizeram-se cortes com espessura de cinco micras (5 µ) em sentido longitudinal e transverso. As lâminas foram visualizadas com aumento de 100×, 200× e 400× após ser coradas com preparação de hematoxilina-eosina (HE), para observar as alterações dos feixes de fibras colágenas e dos núcleos e citoplasmas dos fibrócitos e fibroblastos. Foram avaliados os parâmetros de celularidade, a espessura do colágeno, a ocorrência de edema e a proliferação vascular, que foram categorizados nos escores 0, 1, 2 ou 3, conforme descrito em trabalho anterior.1515 Lech O, Severo AL, Silva LHP, Marcolan AM, Lütkemeyer E, Kim JH. Efeito do uso de corticoide em tendões previamente traumatizados: estudo experimental. Rev Bras Ortop. 1996;31(3):187-92. Esses parâmetros, ou indicadores histológicos, foram feitos para demonstrar o comportamento do tendão após as intervenções feitas no estudo. Todas as análises foram feitas por um único patologista, que desconhecia os respectivos grupos de tratamento dos animais dos quais foram obtidas as amostras.

Os dados são apresentados como média ± EPM (erro padrão da média) para os valores obtidos das variáveis ordinais (tensão em N, para avaliação da resistência do tendão) ou a mediana para variáveis categóricas (grau de inflamação) e foram analisados por Graphpad Instat 4.0(r), com o uso de Anova de uma ou duas vias seguida de teste de Kruskal-Wallis ou Bonferroni, respectivamente. Consideraram-se como significativos os valores de p < 0,05.

Resultados

A análise pelo teste de resistência dos tendões obtidos de animais dos diferentes grupos revelou que o tratamento dos animais com metilprednisolona, nas duas doses avaliadas no presente estudo, não alterou a tensão (em N) necessária para o rompimento deles quando foram avaliados até 24 horas após a primeira administração (tabela 1).

Tabela 1 - Influência
do tratamento dos animais com metilprednisolona sobre a resistência do manguito rotador, avaliada no teste de resistência mecânica

Contudo, conforme pode ser visto na tabela 1, nos períodos de sete ou 14 dias após a primeira infiltração subacromial do corticoide foram observadas diferenças significativas (p < 0,05) em relação ao grupo controle. No dia sete os valores médios da força aplicada sobre os tendões no grupo tratado com 6 mg/kg da substância (diferença: -6,4 N; 95% IC: -13,3 a 0,4) foram menores do que aqueles obtidos de animais do grupo controle. Efeito semelhante foi observado no dia 14 para as duas doses de metiprednisolona avaliadas (0,6 mg/kg: diferença: -6,5 N; 95% IC: -14,2 a 0,4 e 6 mg/kg: diferença: -6,0 N; 95% IC: -12,3 a 0,3).

Quanto à análise histológica que comparou diferentes parâmetros (em escores) nos grupos tratados em relação ao grupo controle, a avaliação por microscopia de luz revelou alterações significativas (p > 0,05) para os parâmetros avaliados, nos diferentes tempos de observação após o início do tratamento com metilprednisolona, conforme apresentado na tabela 2.

Tabela 2 - Influência
do tratamento dos animais com metilprednisolona sobre a resistência do manguito rotador, avaliada por diferentes parâmetros histológicos

Discussão

Este estudo demonstrou que existe uma relação entre o uso de corticoide subacromial em relação à redução da resistência mecânica e parâmetros histológicos do tendão do MR e reforçou achados preliminares em estudos semelhantes.1515 Lech O, Severo AL, Silva LHP, Marcolan AM, Lütkemeyer E, Kim JH. Efeito do uso de corticoide em tendões previamente traumatizados: estudo experimental. Rev Bras Ortop. 1996;31(3):187-92.

Com relação à resistência mecânica do MR, alterações foram observadas a partir da terceira administração, num período de 14 dias, para a dose de 0,6 mg/Kg de metilprednisolona; enquanto para a maior dose do corticoide (6 mg/Kg) alterações significativas foram observadas já a partir da segunda administração, num período de sete dias.

O tratamento conservador com injeções subacromiais de corticoides no manejo das lesões do MR é uma prática comum na área médica, porém seus efeitos colaterais nos remetem a ter mais cuidado quanto ao uso deles. Apesar de diversas teorias sobre o efeito anti-inflamatório dessa droga, não está expresso de forma clara de que maneira ocorre a degeneração do tecido tendíneo.

No presente estudo pode-se observar que 24 horas após uma aplicação de corticoide subacromial não houve alteração significativa (p > 0,05) da resistência entre os grupos estudados, independentemente da dose usada. Resultados contrários foram observados em outro estudo1515 Lech O, Severo AL, Silva LHP, Marcolan AM, Lütkemeyer E, Kim JH. Efeito do uso de corticoide em tendões previamente traumatizados: estudo experimental. Rev Bras Ortop. 1996;31(3):187-92. que também avaliou a influência da metilprednisolona sobre o tendão do tríceps sural de ratos. Esses autores registraram diminuição da força necessária para o rompimento do tendão logo nas primeiras 24 horas após a primeira administração do fármaco. Esse efeito foi mantido até pelo menos duas semanas após. Essa divergência em relação aos dois trabalhos provavelmente ocorreu porque no presente trabalho, ao contrário do citado anteriormente, foram avaliados tendões sadios, sem lesão prévia ao tratamento, visto que a fragmentação do tecido poderia facilitar o rompimento deles.

Por outro lado, no presente estudo, a partir da segunda administração, ou seja, sete dias após o início do tratamento, notou-se uma redução na resistência do tendão do MR em animais tratados com a maior dose de metilprednisolona avaliada (6 mg/Kg) em relação ao grupo controle. Efeito semelhante foi registrado por outros autores1414 Tatari H, Kosay C, Baran O, Ozcan O, Ozer E. Deleterious effects of local corticosteroid injections on the Achilles tendon of rats. Arch Orthop Trauma Surg. 2001;121(6): 333-7. em relação ao tempo de observação de sete dias, embora com o uso de uma dose 10 vezes menor (ou seja, 0,6 mg/kg). Embora as doses de corticoide aplicadas no presente estudo sejam diferentes daquelas avaliadas no estudo anterior, essa relação dose-efeito apresentou aumento dos efeitos deletérios ao tendão, conforme análise histológica feita no presente estudo (tabela 2) e também em trabalho anterior que empregou metodologia semelhante para análise do tendão de Aquiles de ratos.14

De acordo com os presentes achados, os efeitos adversos do corticoide parecem obedecer a uma relação dependente de dose, uma vez que, embora o tratamento dos animais com a dose de 0,6 mg/kg tenha promovido alterações significativas quanto aos parâmetros de presença de colágeno e proliferação vascular após a terceira administração (dia 14) em relação ao grupo sham, alterações histológicas para a dose de 6 mg/kg já começaram a ser observadas a partir da segunda administração (dia sete) em relação à aparência fibrilar e à presença de colágeno.

Com relação aos possíveis mecanismos pelos quais esses efeitos do corticoide podem estar ocorrendo, as alterações observadas na histologia dos tendões de animais tratados com metilprednisolona demonstram uma possível degeneração de tecido tendíneo causada por ele. Discute-se que após lesão tecidual pode ocorrer subsequente proliferação vascular, visando ao fornecimento de oxigênio e nutrição celular, na tentativa de reparar o tecido agredido;1616 Chan BP, Chan KM, Maffulli N, Webb S, Lee KK. Effect of basic fibroblast growth factor. An in vitro study of tendon healing. Clin Orthop Relat Res. 1997;(342):239-47. esse fato é condizente com nossos achados histológicos que observaram aumento da proliferação vascular no 14°.dia após o início do tratamento com as duas doses de corticoide avaliadas.

Por outro lado, a produção de colágeno pela matriz extracelular tendínea é uma fonte de resistência à tração do tendão. A simples diminuição na quantidade dessas fibras pode implicar uma diminuição da força dele.1717 Junqueira LCU, Carneiro J. Histologia básica. 11th ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2008. p. 103-23.Resultados condizentes foram demonstrados para uma menor quantidade de colágeno e menor resistência do tendão do MR de ratos, frente à metilprednisolona, após lesão parcial por incisão.1818 Mikolyzk DK, Wei AS, Tonino P, Marra G, Williams DA, Himes RD. Effect of corticosteroids on the biomechanical strength of rat rotator cuff tendon. J Bone Joint Surg. 2009;91(5):1172-80. O presente estudo reforça esses achados, uma vez que a presença de colágeno foi afetada pelas duas doses, nos dias sete e 14, respectivamente, pelo tratamento com as doses de 6 mg/Kg e 0,6 mg/Kg.

Finalmente, com relação à celularidade, sabe-se que o tendão é uma estrutura composta principalmente por fibras colágenas, com presença relativamente pequena de células, principalmente do tipo fibroblastos.1717 Junqueira LCU, Carneiro J. Histologia básica. 11th ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2008. p. 103-23. Apesar de essas células não terem sido investigadas no presente estudo, os achados referentes à presença de colágeno nos sugerem, indiretamente, que ocorra aumento da presença delas no local de administração do corticoide, já a partir da segunda administração para a maior dose testada, uma vez que essas células são responsáveis pela produção dessas fibras. Essa ideia é corroborada por trabalho com tendões do músculo semitendíneo de humanos, a partir do qual se observou que o aumento da celularidade pode sugerir um tendão mais suscetível à lesão.1919 Kartus J, Movin T, Papadogiannakis N, Christensen LR, Lindahl S, Karlsson J. A radiographic and histologic evaluation of the patellar tendon after harvesting its central third. Am J Sports Med. 2000;28(2):218-26.

Conclusão

A análise dos resultados obtidos no presente estudo permitiu demonstrar uma relação entre o uso de metilprednisolona subacromial e a diminuição da resistência mecânica e alterações histológicas do tendão do MR, nas doses e nos períodos de tempos avaliados no presente estudo.

Estudos posteriores poderão fornecer maiores subsídios sobre os mecanismos implicados nesse efeito dos corticoides, que pode influenciar o tratamento de condições musculoesqueléticas durante processos degenerativos.

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  • Trabalho desenvolvido na Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), Tubarão, SC, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    14 Abr 2014
  • Aceito
    13 Jun 2014
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