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Reconstrução transtúnel tibial do ligamento cruzado posterior: estudo anatômico em cadáveres para a feitura do túnel tibial Trabalho realizado no Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

Resumos

Objetivo:

Determinar os pontos de referência para a saída do fio-guia tibial em relação à cortical posterior da tíbia.

Métodos:

Foram usados para este estudo 16 joelhos de cadáveres frescos. Através de uma escopia e com um guia milimetrado, foi feita a passagem de três fios-guias a 0, 10 e 15 mm distalmente em relação à crista posterior da tíbia. Foram feitas dissecções e foi determinada a região do centro da inserção tibial do ligamento cruzado posterior (LCP) em cada joelho. Foram medidas as distâncias entre o centro da inserção tibial do LCP e a borda tibial posterior (CB) e entre o centro da inserção tibial do LCP e os fios 1-2 e 3 (CF1-CF2-CF3).

Resultados:

Nos joelhos dissecados, encontramos o centro da inserção tibial do LCP a 1,09 cm ± 0,06 da borda tibial posterior. As distâncias entre os fios 1,2 e 3 e o centro da inserção tibial do LCP foram respectivamente 1,01 ± 0,08; 0,09 ± 0,05 e 0,5 ± 0,05.

Conclusão:

A saída do fio- guia a 10 mm distalmente em relação à crista posterior da tíbia representa a melhor posição para tentar reproduzir o centro anatômico do LCP.

Ligamento cruzado posterior; Cadáver; Reconstrução


Objective:

To determine the reference points for the exit of the tibial guidewire in relation to the posterior cortical bone of the tibia.

Methods:

Sixteen knees from fresh cadavers were used for this study. Using a viewing device and a guide marked out in millimeters, three guidewires were passed through the tibia at 0, 10 and 15 mm distally in relation to the posterior crest of the tibia. Dissections were performed and the region of the center of the tibial insertion of the posterior cruciate ligament (PCL) was determined in each knee. The distances between the center of the tibial insertion of the PCL and the posterior tibial border (CB) and between the center of the tibial insertion of the PCL and wires 1, 2 and 3 (CW1, CW2 and CW3) were measured.

Results:

In the dissected knees, we found the center of the tibial insertion of the PCL at 1.09 ± 0.06 cm from the posterior tibial border. The distances between the wires 1, 2 and 3 and the center of the tibial insertion of the PCL were respectively 1.01 ± 0.08, 0.09 ± 0.05 and 0.5 ± 0.05 cm.

Conclusion:

The guidewire exit point 10 mm distal in relation to the posterior crest of the tibia was the best position for attempting to reproduce the anatomical center of the PCL.

Posterior cruciate ligament; Cadaver; Reconstruction


Introdução

As lesões ligamentares da região posterior do joelho constituem um difícil capítulo para os cirurgiões de joelho e para os ortopedistas em geral. Dentre elas, a lesão do LCP é uma das mais desafiantes, por não ter uma conduta uniformemente definida quanto ao seu tratamento e pelos diferentes aspectos evolutivos que apresenta.11. Veltri DM, Warren RF, Silver G. Complications in posterior cruciate ligament surgery. Oper Tech Sports Med. 1993;1(2):154–8.,22. Voos JE, Mauro CS, Wente T, Warren RF, Wickiewicz TL. Posterior cruciate ligament: anatomy, biomechanics, and outcomes. Am J Sports Med. 2012;40(1):222–31.

O LCP é o ligamento mais forte do joelho e cruza do côndilo femoral medial para a região posterior da tíbia. Apresenta duas bandas funcionais: a anterolateral e a posteromedial. Além disso, lesões do LCP grau III com instabilidades, dor e lesões associadas têm indicações de tratamento cirúrgico e, portanto, o entendimento de sua anatomia é de extrema importância.33. Sherlock MF, Otto D. Antegrade tibial tunnel technique for posterior cruciate ligament reconstruction. Arthroscopy. 2008;24(11):1301–5.,44. Osti M, Tschann P, Künzel KH, Benedetto KP. Anatomic characteristics and radiographic references of the anterolateral and posteromedial bundles of the posterior cruciate ligament. Am J Sports Med. 2012;40(7):1558–63.

A correta localização dos túneis durante as reconstruções ligamentares é determinante para o sucesso desse procedimento. Alguns estudos demonstraram que o centro da inserção na tíbia do LCP está intra-articularmente anterior à borda posterior da tíbia.55. Ramos LA, de Carvalho RT, Cohen M, Abdalla RJ. Anatomic relation between the posterior cruciate ligament and the joint capsule. Arthroscopy. 2008;24(12):1367–72.,66. Moorman 3rd CT, Murphy Zane MS, Bansai S, Cina SJ, Wickiewicz TL, Warren RF, et al. Tibial insertion of the posterior cruciate ligament: a sagittal plane analysis using gross, histologic, and radiographic methods. Arthroscopy. 2008;24(3):269–75. Outros ainda que se encontra na região conhecida como faceta posterior ou ainda distal a essa estrutura.66. Moorman 3rd CT, Murphy Zane MS, Bansai S, Cina SJ, Wickiewicz TL, Warren RF, et al. Tibial insertion of the posterior cruciate ligament: a sagittal plane analysis using gross, histologic, and radiographic methods. Arthroscopy. 2008;24(3):269–75.,77. Ramos LA, Astur D, Novaretti JV, Ribeiro LM, Carvalho RT, Cohen M, et al. An anatomic study of the posterior septum of the knee. Arthroscopy. 2012;28(1):100–4.

O objetivo deste estudo é o de determinar os pontos de referência para a saída do fio- guia tibial que possibilitassem estabelecer bases seguras para a técnica da reconstrução, levando-se como referência a cortical posterior da tíbia.

Materiais e métodos

Foram usados para este estudo 16 joelhos de cadáveres frescos, oito direitos e oito esquerdos. A média de idade dos doadores foi de 60 ± 7,3 anos (55-70), todos do sexo masculino, com altura média de 167 ± 4,45 cm. As dissecações foram feitas no serviço de verificação de óbito da cidade de São Paulo e aprovadas pelo comitê de ética da instituição. Foram cadáveres com até sete dias post-mortem, não requeridos por seus parentes, que foram enviados para estudo e sepultamento. Os joelhos foram dissecados por uma via de acesso posterior. Foram excluídos do trabalho os indivíduos que apresentavam sinais de lesão ligamentar ou fratura do planalto tibial.

As peças cadavéricas foram preparadas e as dissecações foram orientadas no sentido de simular o ato cirúrgico habitual de uma reconstrução do LCP. O cadáver foi posicionado em decúbito dorsal horizontal e o membro inferior estudado fletido. Através de um escopia e com o auxílio de um guia milimetrado para reconstrução do LCP, foi feita a passagem de três fios guias de Kirschner (2,5 mm) a 0,10 e 15 mm distal-mente em relação à crista posterior da tíbia (figs. 1 e 2). Esses fios foram passados de anterolateral para posteromedial. Logo após, foi feita um dissecção com retirada da peça anatômica e determinação da região do centro da inserção tibial do LCP (fig. 3).

Figura 1
Passagem do fio-guia de Kirschner (2,5 mm) com o uso de guia milimetrado.
Figura 2
Posição dos três fios-guias de Kirschner respectivamente a 0, 10 e 15 mm distalmente em relação à crista posterior da tíbia.
Figura 3
Imagem da região posterior do joelho após dissecção que mostra a saída dos fios-guias.

Foi feita a mensuração com paquímetro da distância entre o centro da inserção tibial do LCP e a borda tibial posterior (CB) e entre o centro da inserção tibial do LCP e os fios 1-2 e 3 (CF1-CF2-CF3) (fig. 4).

Figura 4
Mensuração com paquímetro entre o centro da inserção tibial do LCP e os fios-guias.

Resultados

Nos joelhos dissecados, encontramos o centro da inserção tibial do LCP distando 1,09 cm ± 0,06 da borda tibial posterior. As distâncias entre os fios 1,2 e 3 e o centro da inserção tibial do LCP foram respectivamente 1,01 ± 0,08; 0,09 ± 0,05 e 0,5 ± 0,05 (tabela 1).

Tabela 1
Medições com uso da técnica mostrada na fig. 4

Discussão

A reconstrução do LCP continua a ser um das maiores dificuldades do cirurgião de joelho e a técnica cirúrgica continua a passar por diversas modificações ao longo dos anos.88. Matava MJ, Sethi NS, Totty WG. Proximity of the posterior cruciate ligament insertion to the popliteal artery as a function of the knee flexion angle: implications for posterior cruciate ligament reconstruction. Arthroscopy. 2000;16(8):796–804. A tradicional reconstrução com o uso do túnel anteromedial resulta em uma curvatura killer turn do enxerto que provoca muitas vezes sua ruptura ou frouxidão.99. Huang TW, Wang CJ, Weng LH, Chan YS. Reducing the "killer turn" in posterior cruciate ligament reconstruction. Arthroscopy. 2003;19(7):712–6. Para reduzir esse fenômeno angular, alguns autores usam a técnica in lay de reconstrução ou então os túneis anterolaterais.1010. Sekiya JK, West RV, Ong BC, Irrgang JJ, Fu FH, Harner CD. Clinical outcomes after isolated arthroscopic single-bundle posterior cruciate ligament reconstruction. Arthroscopy. 2005;21(9):1042–50.1212. Abdalla RJ, Pacagnan AV, Loyola HA, Cohen M, Camanho GL, Forgas A. A proposal for a new tibial guide system for posterior cruciate ligament reconstruction. Arthroscopy. 2007;23(7):e1–4, 793.

Os artigos sobre a anatomia do LCP não apresentam consenso sobre o centro da inserção tibial. Alguns descrevem a 1 cm da superfície articular, outros de 1 a 1,5 cm ao longo da borda posterior tibial1313. Giron F, Cuomo P, Edwards A, Bull AM, Amis AA, Aglietti P. Double-bundle "anatomic" anterior cruciate ligament reconstruction: a cadaveric study of tunnel positioning with a transtibial technique. Arthroscopy. 2007;23(1):7–13. e outros de 2 a 3 mm da superfície articular.1414. Inderster A, Benedetto KP, Klestil T, Künzel KH, Gaber O. Fiber orientation of posterior cruciate ligament: an experimental morphological and functional study. Part 2. Clin Anat. 1995;8(5):315–22. Na técnica de reconstrução, a fim de tentar reproduzir a anatomia da inserção tibial do LCP da melhor maneira possível, alguns autores indicam o posicionamento do guia tibial a 7 mm da ponta posterior da faceta do LCP.1515. Harner CD, Xerogeanes JW, Livesay GA, Carlin GJ, Smith BA, Kusayama T, et al. The human posterior cruciate ligament complex: an interdisciplinary study. Ligament morphology and biomechanical evaluation. Am J Sports Med. 1995;23(6):736–45. Outros autores promovem o uso de um ponto entre a super-fície articular e um ponto que dista 4,6 mm distalmente por causa da presença de diversas bandas ligamentares nessa área.1616. Takahashi M, Matsubara T, Doi M, Suzuki D, Nagano A. Anatomical study of the femoral and tibial insertions of the anterolateral and posteromedial bundles of human posterior cruciate ligament. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc. 2006;14(11):1055–9. Algumas pesquisas apontam para o uso de um ponto de inserção tibial do LCP imediatamente acima da borda superior do tendão do músculo poplíteo.1717. Racanelli JA, Drez Jr D. Posterior cruciate ligament tibial attachment anatomy and radiographic landmarks for tibial tunnel placement in PCL reconstruction. Arthroscopy. 1994;10(5):546–9.Outro parâmetro do local da saída do fio-guia, encontrado por nós, corresponde à interseção das corticais posterior e da superfície do planalto tibial na avaliação radiografia de perfil do joelho, que mostra um ponto seguro.1010. Sekiya JK, West RV, Ong BC, Irrgang JJ, Fu FH, Harner CD. Clinical outcomes after isolated arthroscopic single-bundle posterior cruciate ligament reconstruction. Arthroscopy. 2005;21(9):1042–50.

Nosso estudo visa a dois pontos fundamentais na feitura do túnel para a reconstrução tibial: posicionamento anterolateral, a fim de diminuir o killer turn, e posicionamento do guia tibial de modo a que o fio-guia atinja o ponto a 1 cm distal da borda tibial posterior, localização em que encontramos o centro da inserção tibial do LCP.

Conclusão

A saída do fio-guia a 10 mm distalmente em relação à crista posterior da tíbia representa a melhor posição para tentar reproduzir o centro anatômico do LCP.

REFERENCES

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  • Trabalho realizado no Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2014

Histórico

  • Recebido
    13 Abr 2012
  • Aceito
    10 Out 2013
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