Acessibilidade / Reportar erro

Osteomielite crônica multifocal recorrente: relato de caso Trabalho desenvolvido na Universidade de Itaúna, Itaúna, MG, Brasil.

RESUMO

Osteomielite crônica multifocal recorrente (OCMR) é uma doença inflamatória idiopática rara que acomete principalmente crianças e adultos jovens. Os sintomas e sinais clínicos são inespecíficos, dificultam e retardam o diagnóstico. Os exames radiológicos e histopatológicos são indispensáveis para sua definição. Neste relato, os autores apresentam um caso de OCMR que demonstra a importância dos dados clínicos, laboratoriais e radiológicos para o diagnóstico.

Palavras-chave:
Osteomielite/patologia; Osteomielite/diagnóstico; Diagnóstico por imagem

ABSTRACT

Chronic recurrent multifocal osteomyelitis (CRMO) is a rare idiopathic inflammatory disease that affects mainly children and young adults. The clinical signs and symptoms are nonspecific, hindering and delaying diagnosis. Radiological and histopathological tests are essential for its definition. A case of CRMO is reported, demonstrating the importance of clinical, laboratory, and radiological data for diagnosis.,

Keywords:
Osteomyelitis/pathology; Osteomyelitis/diagnosis; Diagnostic imaging

Introdução

Osteomielite crônica multifocal recorrente (OCMR) é uma doença inflamatória idiopática rara cujo diagnóstico é feito por exclusão e que acomete, mormente, crianças e adultos jovens. A identificação precoce dessa patologia evita exames desnecessários e antibioticoterapia prolongada. Os sintomas e sinais clínicos da doença são inespecíficos e dificultam o diagnóstico com base apenas na apresentação clínica. Assim, exames radiológicos e histopatológicos são indispensáveis para sua definição.

O objetivo deste relato é, portanto, apresentar um caso de OCMR e demonstrar a importância diagnóstica dos dados clínicos, laboratoriais e, principalmente, dos exames de imagem.

Relato de caso

Paciente feminina, branca, 44 anos, sofreu acidente automobilístico havia 12 anos, sem fraturas, apresentava lesão corto-contusa na coxa direita. Após quatro anos, iniciou com quadro álgico contínuo na perna esquerda, com piora noturna. Previamente hígida, negava histórico familiar de patologias musculoesqueléticas, reações medicamentosas, antecedentes cirúrgicos e quadros febris após o acidente.

Em setembro de 2005, procurou atendimento médico e fez tomografia computadorizada (TC) (fig. 1), que mostrou espessamento cortical na diáfise média da tíbia esquerda com áreas de reabsorção óssea. Submeteu-se a tratamento cirúrgico, evoluindo com fratura da tíbia três dias após o procedimento, cuja causa relatada pela paciente foi a retirada de grande fragmento ósseo durante o procedimento cirúrgico. O tratamento seguiu com imobilização gessada e uso de anti-inflamatório não esteroidal (AINE).

Figura 1 -
Imagens tomográficas computadorizadas axiais do terço médio da diáfise dos ossos da perna, mostram neoformação óssea periosteal e endosteal, que geram redução do canal medular.

Em outubro de 2013, a paciente procurou nosso atendimento médico por apresentar, havia três meses, um quadro álgico na perna direita, semelhante ao anterior, na perna esquerda. Exames de imagem e histopatológicos foram feitos. As radiografias da perna direita mostraram esclerose difusa cortical e medular na diáfise da tíbia. Essas alterações foram confirmadas na TC, que revelou, também, na extremidade proximal da fíbula, mínima área de neoformação óssea com espessamento cortical. A biópsia cirúrgica mostrou lesão não séptica e o canal medular foi recanalizado. A cintilografia óssea MDP-Tc99mdemonstrou hipercaptação do radiofármaco no terço médio da perna direita, sem denotar acometimento ósseo por processo infeccioso ou indicar qualquer outro foco assintomático.

A análise dos exames permitiu o diagnóstico de OCMR. Assim, a paciente recebeu como tratamento AINE e segue sem recorrência de dor.

Discussão

A OCMR é um distúrbio ósseo inflamatório idiopático visto principalmente em crianças e adolescentes,11. Khanna G, Sato TS, Ferguson P. Imaging of chronic recurrent multifocal osteomyelitis. Radiographics. 2009;29(4): 1159-77.no entanto, já foi descrita em pacientes mais velhos, de até 55 anos.22. Marino C, McDonald E, Megna D, Brennessel D, Reddy KS, Jain PC. Chronic recurrent multifocal osteomyelitis in adult women. N Y State J Med. 1992;92(8):360-2.,33. Bj0rkstén B, Boquist L. Histopathological aspects of chronic recurrent multifocal osteomyelitis. J Bone Joint Surg Br. 1980;62(3):376-80.É uma rara variante da osteomielite, corresponde a 2-5% dos casos.44. Girschick HJ, Krauspe R, Tschammler A, Huppertz HI. Chronic recurrent osteomyelitis with clavicular involvement in children: diagnostic value of different imaging techniques and therapy with non- steroidal anti- inflammatory drugs. Eur J Pediatr. 1998;157(1):28-33.Os pacientes geralmente apresentam início insidioso de calor, dor e edema de partes moles, restritos a um ou mais ossos.55. Paim LB, Liphaus BL, Rocha AC, Castellanos AL, Silva CA. Chronic recurrent multifocal osteomyelitis of the mandible: report of three cases. J Pediatr (Rio J). 2003;79(5):467-70.Os membros inferiores são os mais acometidos,55. Paim LB, Liphaus BL, Rocha AC, Castellanos AL, Silva CA. Chronic recurrent multifocal osteomyelitis of the mandible: report of three cases. J Pediatr (Rio J). 2003;79(5):467-70.as metáfises ou sítios equivalentes são os locais mais comuns.66. Mandell GA, Contreras SJ, Conard K, Harcke HT, Maas KW. Bone scintigraphy in the detection of chronic recurrent multifocal osteomyelitis. J Nucl Med. 1998;39(10):1778-83.

Seu diagnóstico é de exclusão e as principais causas para se excluir são neoplasias e infecções.77. Smith J, Yuppa F, Watson RC. Primary tumors and tumor-like lesions of the clavicle. Skeletal Radiol. 1988;17(4):235-46.,88. Stanton RP, Lopez -Sosa FH, Doidge R. Chronic recurrent multifocal osteomyelitis. Orthop Rev. 1993;22(2):229-33.É baseado nos seguintes critérios: a) lesões ósseas com imagens que sugerem osteomielite subaguda ou crônica; b) localização incomum quando comparada com a osteomielite infecciosa, multifocal; c) ausência de abscesso, fístula ousequestra; d) ausência de agente etiológico; e) exames histopatológicos e laboratoriais inespecíficos compatíveis com osteomielite subaguda ou crônica; f) característicos episódios de dor prolongados e recorrentes e g) manifestações cutâneas ocasionais, como pustulose palmoplantar, acne, psoríase vulgar e pioderma gangrenoso.99. Sadeghi E, Kadivar MR, Ghadimi Moghadam AK, Pooladfar GR, Sadeghi N. Chronic recurrent multifocal osteomyelitis: a case report. Iran Red Crescent Med J. 2011;13(1):47-51.,1010. Jurik AG. Chronic recurrent multifocal osteomyelitis. Semin Musculoskelet Radiol. 2004;8(3):243-53.A paciente apresentou todos os critérios acima, exceto manifestações cutâneas.

Os exames de imagem revelam alterações inespecíficas que necessitam de exames histopatológicos para melhor definição da doença. Esses exames afastam a possibilidade de lesões neoplásicas ou infecciosas, enquanto as imagens são úteis para avaliar a extensão da doença, revelam áreas líticas e reação periosteal, que evoluem para hiperostose e esclerose, exatamente o que as imagens da paciente mostraram (fig. 1).

O tratamento envolve particularmente AINEs que visam ao alívio sintomático. Antibióticos são considerados ineficazes. A paciente do caso foi tratada com AINEs e apresentou boa evolução, sem recorrência de dor.

A evolução da OCMR é imprevisível. Apesar de a maioria dos casos se resolver espontaneamente em meses a anos, há registro de pacientes sintomáticos por até 25 anos após diagnosticados.

O conhecimento da aparência das lesões da OCMR e suas alterações típicas é importante para um diagnóstico precoce. Com isso, ocorre uma redução no número e na necessidade de biópsias, cirurgias e antibioticoterapia.

References

  • 1
    Khanna G, Sato TS, Ferguson P. Imaging of chronic recurrent multifocal osteomyelitis. Radiographics. 2009;29(4): 1159-77.
  • 2
    Marino C, McDonald E, Megna D, Brennessel D, Reddy KS, Jain PC. Chronic recurrent multifocal osteomyelitis in adult women. N Y State J Med. 1992;92(8):360-2.
  • 3
    Bj0rkstén B, Boquist L. Histopathological aspects of chronic recurrent multifocal osteomyelitis. J Bone Joint Surg Br. 1980;62(3):376-80.
  • 4
    Girschick HJ, Krauspe R, Tschammler A, Huppertz HI. Chronic recurrent osteomyelitis with clavicular involvement in children: diagnostic value of different imaging techniques and therapy with non- steroidal anti- inflammatory drugs. Eur J Pediatr. 1998;157(1):28-33.
  • 5
    Paim LB, Liphaus BL, Rocha AC, Castellanos AL, Silva CA. Chronic recurrent multifocal osteomyelitis of the mandible: report of three cases. J Pediatr (Rio J). 2003;79(5):467-70.
  • 6
    Mandell GA, Contreras SJ, Conard K, Harcke HT, Maas KW. Bone scintigraphy in the detection of chronic recurrent multifocal osteomyelitis. J Nucl Med. 1998;39(10):1778-83.
  • 7
    Smith J, Yuppa F, Watson RC. Primary tumors and tumor-like lesions of the clavicle. Skeletal Radiol. 1988;17(4):235-46.
  • 8
    Stanton RP, Lopez -Sosa FH, Doidge R. Chronic recurrent multifocal osteomyelitis. Orthop Rev. 1993;22(2):229-33.
  • 9
    Sadeghi E, Kadivar MR, Ghadimi Moghadam AK, Pooladfar GR, Sadeghi N. Chronic recurrent multifocal osteomyelitis: a case report. Iran Red Crescent Med J. 2011;13(1):47-51.
  • 10
    Jurik AG. Chronic recurrent multifocal osteomyelitis. Semin Musculoskelet Radiol. 2004;8(3):243-53.
  • Trabalho desenvolvido na Universidade de Itaúna, Itaúna, MG, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2017

Histórico

  • Recebido
    05 Jul 2016
  • Aceito
    25 Ago 2016
Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia Al. Lorena, 427 14º andar, 01424-000 São Paulo - SP - Brasil, Tel.: 55 11 2137-5400 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbo@sbot.org.br