Acessibilidade / Reportar erro

Avaliação do tratamento da camptodactilia: análise retrospectiva de 40 dígitos

Resumos

OBJETIVOS:

avaliar, retrospectivamente, os resultados dos casos tratados no serviço de Cirurgia da Mão, a partir de um protocolo preestabelecido; e fazer uma análise crítica dos resultados alcançados, com a separação dos casos em seus respectivos subgrupos.

MÉTODOS:

foram avaliados 23 pacientes, num total de 40 dígitos, de janeiro de 2004 a dezembro de 2011. Relacionamos as estruturas anatômicas alteradas encontradas nos casos que foram submetidos a procedimento cirúrgico e seus resultados, tanto no tratamento conservador como no cirúrgico, e enfatizamos suas principais indicações.

RESULTADOS:

os resultados foram analisados pelo método de Sierget da clínica Mayo.Conclusão: observamos que os casos de camptodactilia isolada do dedo mínimo na forma flexível, > 60, que foram submetidos a tratamento cirúrgico de maneira uniforme apresentaram resultados excelentes. Nas formas rígidas, nossas observações indicam benefícios com ganho de extensão e correção da deformidade. Entretanto, o arco de movimento com flexão ativa na interfalângica proximal (IFP) é sempre parcial. Com o tempo de evolução, alguns casos apresentaram alguma perda do ganho previamente alcançado, o que corrobora a permanente vigilância necessária no acompanhamento, com uso sistemático de órteses, até a fase final do crescimento esquelético.

Deformidade congênita da mão/patologia; Deformidade congênita da mão/terapia; Dedos/anormalidades


OBJECTIVE:

to retrospectively assess the results from cases treated in the hand surgery service, starting from a preestablished protocol; and to conduct a critical analysis on the results achieved, with separation of the cases into their respective subgroups.

METHODS:

twenty-three patients and a total of 40 fingers were evaluated between January 2004 and December 2011. We correlated the altered anatomical structures found in the cases that underwent the surgical procedure and its results, with regard to both conservative and surgical treatment, emphasizing the main indications.

RESULTS:

the results were analyzed using the Sierget method of the Mayo Clinic.

CONCLUSION:

we observed that the cases of camptodactyly of the little finger alone in the flex-ible form (>60◦) that underwent surgical treatment uniformly presented excellent results. In the rigid forms, our observations indicated that there were benefits comprising gains of extension and correction of the deformity. However, the range of motion with active flexion in the proximal interphalangeal joint was always partial. With evolution over time, some cases presented some loss of the gain previously achieved, which corroborates the need for continual vigilance during the follow-up, with systematic use of braces until the final phase of skeletal growth.

Hand deformities; congenital/pathology; Hand deformities; congenital/therapy; Fingers/abnormalities


Introdução

A camptodactilia é uma deformidade congênita caracterizada por uma postura em flexão na IFP, geralmente encontrada no dedo mínimo, e pode ou não incluir os demais dedos. É indolor e não traumática.11. Foucher G, Loréa P, Khouri RK, Medina J, Pivato G. Camptodactyly as a spectrum of congenital deficiencies: a treatment algorithm based on clinical examination. Plast Reconstr Surg. 2006;117(6):1897-905.

2. Ekblom AG, Laurell T, Arner M. Epidemiology of congenital upper limb anomalies in 562 children born in 1997-2007: a total population study from Stockholm, Sweden. J Hand Surg Am. 2010;35(11):1742-54.

3. Medina J, Pajardi G. An algorithm for treatment of camptodactyly based on a review of 135 fingers treated in 109 patients. J Hand Surg Br. 1994;28:36.

4. Minami A, Sakai T. Camptodactyly caused by abnormal insertion and origin of lumbrical muscle. J Hand Surg Br. 1993;18(3):310-1.

5. Rhee SH, Oh WS, Lee HJ, Roh YH, Lee JO, Baek GH. Effect of passive stretching on simple camptodactyly in children younger than three years of age. J Hand Surg Am. 2010;35(11):1768-73.

6. Goldfarb CA. Congenital hand differences. J Hand Surg Am. 2009;34(7):1351-6.

7. Siegert JJ, Cooney WP, Dobyns JH. Management of simple camptodactyly. J Hand Surg Br. 1990;15(2):181-9.

8. Adams BD. Congenital contracture. In: Wolfe SW, Hotchkiss RN, Pederson WC, Kozin SH, editors. Green's operative hand surgery. 6th ed. Philadelphia: Churchill Livingstone/Elsevier; 2011. p. 1443-51.
- 99. Reichert B, Brenner P, Berger A. Considerations on etiology, correction and treatment of camptodactyly. J Hand Surg Br. 1994;19:9.

Afeta aproximadamente 1% da população.88. Adams BD. Congenital contracture. In: Wolfe SW, Hotchkiss RN, Pederson WC, Kozin SH, editors. Green's operative hand surgery. 6th ed. Philadelphia: Churchill Livingstone/Elsevier; 2011. p. 1443-51. , 1010. Smith PJ, Grobbelaar AO. Camptodactyly: a unifying theory and approach to surgical treatment. J Hand Surg Am. 1998;23(1):14-9. É bilateral em cerca de dois terços dos pacientes, embora o grau de contratura geralmente não seja simétrico.88. Adams BD. Congenital contracture. In: Wolfe SW, Hotchkiss RN, Pederson WC, Kozin SH, editors. Green's operative hand surgery. 6th ed. Philadelphia: Churchill Livingstone/Elsevier; 2011. p. 1443-51. , 1111. Gupta A, Burke FD. Correction of camptodactyly. Preliminary results of extensor indicis transfer. J Hand Surg Br. 1990;15(2):168-70. , 1212. Scott BD. Camptodactyly and clinodactyly in hand surgery. In: Berger RA, Weiss AP, editors. Hand surgery. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2004. p. 1478-91.

A deformidade geralmente aumenta durante o estirão de crescimento, sobretudo durante os períodos de crescimento rápido, entre um e quatro anos e entre 10 e 14 anos.55. Rhee SH, Oh WS, Lee HJ, Roh YH, Lee JO, Baek GH. Effect of passive stretching on simple camptodactyly in children younger than three years of age. J Hand Surg Am. 2010;35(11):1768-73. , 1111. Gupta A, Burke FD. Correction of camptodactyly. Preliminary results of extensor indicis transfer. J Hand Surg Br. 1990;15(2):168-70. , 1313. Ogino T, Kato H. Operative findings in camptodactyly of the little finger. J Hand Surg Br. 1992;17(6):661-4.

A causa primária dessa deformidade é ainda motivo de discussão e não há consenso na literatura mundial.33. Medina J, Pajardi G. An algorithm for treatment of camptodactyly based on a review of 135 fingers treated in 109 patients. J Hand Surg Br. 1994;28:36. , 44. Minami A, Sakai T. Camptodactyly caused by abnormal insertion and origin of lumbrical muscle. J Hand Surg Br. 1993;18(3):310-1. , 88. Adams BD. Congenital contracture. In: Wolfe SW, Hotchkiss RN, Pederson WC, Kozin SH, editors. Green's operative hand surgery. 6th ed. Philadelphia: Churchill Livingstone/Elsevier; 2011. p. 1443-51. , 1010. Smith PJ, Grobbelaar AO. Camptodactyly: a unifying theory and approach to surgical treatment. J Hand Surg Am. 1998;23(1):14-9.

11. Gupta A, Burke FD. Correction of camptodactyly. Preliminary results of extensor indicis transfer. J Hand Surg Br. 1990;15(2):168-70.

12. Scott BD. Camptodactyly and clinodactyly in hand surgery. In: Berger RA, Weiss AP, editors. Hand surgery. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2004. p. 1478-91.
- 1313. Ogino T, Kato H. Operative findings in camptodactyly of the little finger. J Hand Surg Br. 1992;17(6):661-4.

Apesar de alguns casos ocorrerem esporadicamente, muitas vezes um padrão de herança autossômica dominante está presente.44. Minami A, Sakai T. Camptodactyly caused by abnormal insertion and origin of lumbrical muscle. J Hand Surg Br. 1993;18(3):310-1. , 77. Siegert JJ, Cooney WP, Dobyns JH. Management of simple camptodactyly. J Hand Surg Br. 1990;15(2):181-9. , 88. Adams BD. Congenital contracture. In: Wolfe SW, Hotchkiss RN, Pederson WC, Kozin SH, editors. Green's operative hand surgery. 6th ed. Philadelphia: Churchill Livingstone/Elsevier; 2011. p. 1443-51. , 1414. Oberg KC, Feenstra JM, Manske PR, Tonkin MA. Developmental biology and classification of congenital anomalies of the hand and upper extremity. J Hand Surg Am. 2010;35(12):2066-76.

As articulações metacarpofalangianas e interfalangianas distais não são afetadas, embora possam desenvolver deformidades compensatórias.1212. Scott BD. Camptodactyly and clinodactyly in hand surgery. In: Berger RA, Weiss AP, editors. Hand surgery. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2004. p. 1478-91.

Segundo Siergert et al.,77. Siegert JJ, Cooney WP, Dobyns JH. Management of simple camptodactyly. J Hand Surg Br. 1990;15(2):181-9. do ponto de vista clínico a camptodactilia pode ser dividida em simples e complexa.

O tipo simples consiste em contratura em flexão da articulação interfalangiana proximal. Na camptodactilia complexa existem outras deformidades associadas, tais como sindactilia ou combinação de clinodactilia e camptodactilia.77. Siegert JJ, Cooney WP, Dobyns JH. Management of simple camptodactyly. J Hand Surg Br. 1990;15(2):181-9. , 1010. Smith PJ, Grobbelaar AO. Camptodactyly: a unifying theory and approach to surgical treatment. J Hand Surg Am. 1998;23(1):14-9.

Glicenstein et al.1515. Monteiro AV, Almeida SF. Deformidades congênitas do membro superior. In: Pardini AG, Freitas A, editors. Cirurgia da mão: lesões não traumáticas. 2a. ed. Rio de Janeiro: Medbook; 2008. p. 206-8. classificaram a camptodactilia em:

Primitiva: quando surge nos primeiros anos de vida. Atinge ambos os sexos na mesma proporção. Evolui com o crescimento esquelético. Ou quando surge próximo da adolescência. Predomina claramente no sexo feminino. Frequentemente é bilateral. Restrita ao dedo mínimo e progride rapidamente no estirão do crescimento.

Secundária: associada a síndromes e outras malformações. Normalmente envolve mais de um dedo. As associações mais frequentes são: mão torta radial, síndrome oculodentodigital, síndrome de Marfan e artrogripose.1515. Monteiro AV, Almeida SF. Deformidades congênitas do membro superior. In: Pardini AG, Freitas A, editors. Cirurgia da mão: lesões não traumáticas. 2a. ed. Rio de Janeiro: Medbook; 2008. p. 206-8. , 1616. Glicenstein J, Haddad R, Guero S. Surgical treatment of camptodactyly. Ann Chir Main Memb Super. 1995;14(6):264-71.

Em 1994, Benson et al.1717. Benson LS, Waters PM, Kamil NI, Simmons BP, Upton 3rd J. Camptodactyly: classification and results of nonoperative treatment. J Pediatr Orthop. 1994;14(6):814-9. classificaram a camptodactilia em:

Tipo I: É a forma mais comum e torna-se evidente durante a infância. Geralmente acomete o dedo mínimo de forma isolada. Afeta meninos e meninas igualmente.

Tipo II: Camptodactilia da adolescência. Predomina no sexo feminino. Clinicamente se assemelha ao tipo anterior. Desenvolve-se entre sete e 11 anos; começa de uma forma sutil, que é gradual e progressiva. Afeta mais meninas do que meninos. Esse tipo de camptodactilia geralmente não melhora espontaneamente e pode evoluir para uma deformidade em flexão grave.

Tipo III: Presente desde o nascimento. Normalmente acomete vários dedos. Constantemente bilateral, com formas acentuadas e fixas. Está associada com uma variedade de síndromes e outras malformações.88. Adams BD. Congenital contracture. In: Wolfe SW, Hotchkiss RN, Pederson WC, Kozin SH, editors. Green's operative hand surgery. 6th ed. Philadelphia: Churchill Livingstone/Elsevier; 2011. p. 1443-51. , 1212. Scott BD. Camptodactyly and clinodactyly in hand surgery. In: Berger RA, Weiss AP, editors. Hand surgery. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2004. p. 1478-91. , 1616. Glicenstein J, Haddad R, Guero S. Surgical treatment of camptodactyly. Ann Chir Main Memb Super. 1995;14(6):264-71. , 1717. Benson LS, Waters PM, Kamil NI, Simmons BP, Upton 3rd J. Camptodactyly: classification and results of nonoperative treatment. J Pediatr Orthop. 1994;14(6):814-9.

O grau de envolvimento entre as mãos muitas vezes é assimétrico.

De uma maneira geral, as classificações têm como objetivo agrupar os diferentes casos de camptodactilia e a partir daí estabelecer um protocolo de tratamento.

Principais problemas e justificativas

Diversas formas de tratamento para a camptodactilia já foram propostas, com inúmeros trabalhos publicados com ênfase no tratamento conservador e outros com descrição de procedimentos cirúrgicos.

O problema dessa deformidade reside na existência de várias formas de apresentação, o que faz com que não haja um modelo único de tratamento efetivo (fig. 1).

Objetivos

O propósito deste estudo é avaliar, retrospectivamente, os casos tratados no serviço de Cirurgia da Mão, a partir de um protocolo preestabelecido; e fazer uma análise crítica dos resultados alcançados.

Figura 1
Camptodactilia em dedos anular e mínimo.

Figura 2
Fluxograma de tratamento.

Materiais e métodos

Foram selecionados 23 pacientes, num total de 40 dígitos, tratados no Serviço de Cirurgia da Mão do Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia do Rio de Janeiro.

Todos os pacientes foram tratados e acompanhados pelo orientador responsável e pelo coorientador do projeto desde 2004, de acordo com os parâmetros preestabelecidos no protocolo de tratamento abaixo descrito.

Fizemos a avaliação clínica inicial e separamos os casos, por meio de exame físico, nas formas redutíveis (flexíveis) e irredutíveis (fixas).

Nas formas redutíveis, dividimos os pacientes em dois sub-grupos e propomos o seguinte tratamento:

Se com a estabilização da articulação metacarpofalangiana é possível a extensão ativa da articulação interfalangiana, indicamos, nas deformidades menores de 30, o tratamento conservador; e nas deformidades acima de 30, o procedimento do lasso descrito por Zancolli.

Se com a flexão da articulação metacarpofalangiana a extensão da articulação interfalangiana, com a correção da deformidade, só for possível passivamente, instituímos o tratamento conservador, com exercícios de alongamento e o uso de órteses. Havendo falha no tratamento conservador, indicamos a exploração cirúrgica, para buscar anomalias no flexor superficial e/ou lumbrical.

Nas formas irredutíveis, isto é, fixas, dividimos os pacientes em três subgrupos e propomos o seguinte tratamento:

Deformidade abaixo de 30 : o tratamento se restringe à observação, aos exercícios de alongamento e ao uso de órtese noturna.

Deformidade entre 30 e 60 : tratamento conservador, com uso contínuo de órtese e acompanhamento da evolução da deformidade. Em caso de falha era instituído o tratamento cirúrgico.

Deformidade acima de 60 : nesses casos severos, nos quais é impossível o encaixe adequado de órteses, indicamos o tratamento cirúrgico, com a liberação em bloco das estruturas da face volar do dedo (fig. 2).

Procuramos relacionar as estruturas anatômicas alteradas encontradas nos casos que foram submetidos a procedimento cirúrgico; e relatar os resultados, tanto do tratamento cirúrgico como do conservador.

Analisamos os resultados pelo método de Sierget et al.77. Siegert JJ, Cooney WP, Dobyns JH. Management of simple camptodactyly. J Hand Surg Br. 1990;15(2):181-9. da clínica Mayo:

Excelente: Correção total da extensão com < 15 de perda de flexão da IFP.

Bom: Correção com perda de até 20 de extensão e ganho > 40 de extensão na IFP, com perda < 30 de flexão.

Regular: Correção com perda de até 40 de extensão e ganho > 20 de extensão na IFP, com perda < 45 de flexão.

Pobre: Correção com ganho < 20 de extensão na IFP com arco de movimento < 40.55. Rhee SH, Oh WS, Lee HJ, Roh YH, Lee JO, Baek GH. Effect of passive stretching on simple camptodactyly in children younger than three years of age. J Hand Surg Am. 2010;35(11):1768-73. , 77. Siegert JJ, Cooney WP, Dobyns JH. Management of simple camptodactyly. J Hand Surg Br. 1990;15(2):181-9. , 88. Adams BD. Congenital contracture. In: Wolfe SW, Hotchkiss RN, Pederson WC, Kozin SH, editors. Green's operative hand surgery. 6th ed. Philadelphia: Churchill Livingstone/Elsevier; 2011. p. 1443-51. , 1212. Scott BD. Camptodactyly and clinodactyly in hand surgery. In: Berger RA, Weiss AP, editors. Hand surgery. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2004. p. 1478-91.

Resultados

Foram avaliados 23 pacientes, 12 do sexo feminino (52,17%) e 11 do masculino (47,82%) (fig. 3).

Figura 3
Distribuição entre sexos.

Figura 4
Acometimento bilateral × unilateral.

Treze pacientes (56,52%) apresentavam comprometimento bilateral. Quando unilateral, era mais frequente do lado direito (56,5%) (fig. 4).

O dígito mais acometido foi o dedo mínimo, num total de 34 (85%); e em segundo lugar o dedo anular, em cinco (14,6%) (fig. 5).

Dez pacientes foram classificados como Benson tipo I (42,5%), que ficou evidente durante a infância; oito como tipo II (35%), que se desenvolveu entre sete e 11 anos; e apenas quatro pacientes como tipo III (10%), presente desde o nascimento (fig. 6).

Dos 40 dígitos avaliados, 16 eram redutíveis. Com a estabilização da metacarpofalangiana, apenas um dígito apresentou uma extensão ativa da IFP com uma deformidade > 30. Nesse, indicamos o procedimento do lasso descrito por Zan-colli. Durante o peroperatório encontramos inserção anômala dos lumbricais (fig. 7). O resultado foi excelente, com correção total da extensão.

Os outros 15 dígitos que eram redutíveis só apresentavam a extensão da interfalangiana, com a flexão da metacarpo-falangiana passivamente. Nesses, instituímos o tratamento conservador por meio do uso de órteses (figs. 8A e 8B) e exercícios de estiramento.

Em oito dígitos obtivemos um excelente resultado, em dois um resultado bom, com perda de até 20 da extensão e ganho maior do que 40 de extensão na interfalangiana proximal, com perda menor do que 30 de flexão.

Três pacientes abandonaram o tratamento e dois dígitos tiveram um resultado pobre, com correção com ganho menor do que 20 de extensão na interfalangiana proximal com arco de movimento menor do que 40. Nesses casos indicamos a exploração cirúrgica. Em ambos fizemos o procedimento de Zacolli. Em um caso foi encontrada inserção anômala dos lumbricais. Um dígito apresentou um excelente resultado com correção total da extensão e o outro evoluiu com retração cicatricial no pós-operatório.

Os outros 23 dígitos eram irredutíveis. Um apresentava deformidade abaixo de 30 e teve um excelente resultado com o tratamento conservador.

Quatorze dígitos apresentavam deformidade entre 30 e 60. Instituímos o uso contínuo de órtese e acompanhamento. Oito deformidades evoluíram com um resultado excelente; dois pacientes abandonaram o tratamento; e quatro evoluíram com um resultado pobre e foi indicada exploração cirúrgica. Desses, em três foi feito o procedimento de release volar, que evoluiu com um resultado excelente, com perda de flexão da IFP menor do que 15 e extensão completa em um; e resultado bom, com perda de flexão menor do que 30 na IFP, em dois.

Figura 5
Dígito mais acometido.

Figura 6
Distribuição de acordo com a classificação de Benson.

Figura 7
Procedimento do lasso.

Figura 8
Órtese.

Durante o ato cirúrgico encontramos um caso com inserção anômala dos lumbricais e um com flexor superficial hipoplásico.

Oito dígitos apresentavam uma deformidade maior do que 60 e foi indicada liberação em bloco das estruturas da face volar do dedo (figs. 9 e 10).

Em três dedos foi encontrada inserção anômala dos lumbricais. Tivemos um resultado excelente em três deformidades e um resultado bom em um dígito. Três pacientes abandonaram o tratamento antes mesmo da cirurgia e um abandonou após o procedimento cirúrgico.

Figura 9
Acesso volar.

Figura 10
Liberação das estruturas volares.

Discussão

Avalia-se corretamente o grau de flexão da IFP na camp-todactilia ao se colocarem as articulações do punho e metacarpofalangiana em posição neutra.

Deformidades < 30 não requerem tratamento e aquelas > 60 interferem na função.

A avaliação radiográfica é feita na posição AP e perfil do dedo, para examinar a configuração do conjunto da articulação IFP.

As alterações que podem ser observadas e que geralmente estão associadas a severas contraturas são o alargamento da base da falange média com um entalhe em sua superfície articular e o corte em cinzel na cabeça da falange proximal com achatamento da sua superfície.88. Adams BD. Congenital contracture. In: Wolfe SW, Hotchkiss RN, Pederson WC, Kozin SH, editors. Green's operative hand surgery. 6th ed. Philadelphia: Churchill Livingstone/Elsevier; 2011. p. 1443-51. , 1818. Miura T, Nakamura R, Tamura Y. Long-standing extended dynamic splintage and release of an abnormal restraining structure in camptodactyly. J Hand Surg Br. 1992;17(6):665-72. , 1919. McFarlane RM, Classen DA, Porte AM, Botz JS. The anatomy and treatment of camptodactyly of the small finger. J Hand Surg Am. 1992;17(1):35-44.

Os aspectos clínicos que devem ser observados e que nos orientam no tratamento são a redutibilidade (flexibilidade) e o grau da deformidade.

A postura em flexão da IFP pode ser redutível, ou flexível (passiva ou ativamente), e irredutível, ou fixa, quando a extensão da articulação acometida não é alcançada.1616. Glicenstein J, Haddad R, Guero S. Surgical treatment of camptodactyly. Ann Chir Main Memb Super. 1995;14(6):264-71.

Na maioria dos casos o movimento de flexão não é afetado. Essa deformidade congênita, de aparência relativamente simples, tem vários tipos de apresentação e é extremamente difícil de ser tratada.88. Adams BD. Congenital contracture. In: Wolfe SW, Hotchkiss RN, Pederson WC, Kozin SH, editors. Green's operative hand surgery. 6th ed. Philadelphia: Churchill Livingstone/Elsevier; 2011. p. 1443-51. , 1313. Ogino T, Kato H. Operative findings in camptodactyly of the little finger. J Hand Surg Br. 1992;17(6):661-4.

A família deve ser avisada de que o tratamento é longo, que é necessário acompanhamento durante todo o período de crescimento esquelético e que, após correção parcial ou total, recidivas poderão ocorrer.55. Rhee SH, Oh WS, Lee HJ, Roh YH, Lee JO, Baek GH. Effect of passive stretching on simple camptodactyly in children younger than three years of age. J Hand Surg Am. 2010;35(11):1768-73.

Vários trabalhos demonstram o sucesso do tratamento conservador, por meio de órteses e de exercícios de estiramento.33. Medina J, Pajardi G. An algorithm for treatment of camptodactyly based on a review of 135 fingers treated in 109 patients. J Hand Surg Br. 1994;28:36. , 55. Rhee SH, Oh WS, Lee HJ, Roh YH, Lee JO, Baek GH. Effect of passive stretching on simple camptodactyly in children younger than three years of age. J Hand Surg Am. 2010;35(11):1768-73. , 88. Adams BD. Congenital contracture. In: Wolfe SW, Hotchkiss RN, Pederson WC, Kozin SH, editors. Green's operative hand surgery. 6th ed. Philadelphia: Churchill Livingstone/Elsevier; 2011. p. 1443-51. , 1313. Ogino T, Kato H. Operative findings in camptodactyly of the little finger. J Hand Surg Br. 1992;17(6):661-4.

Nas crianças menores, a órtese deverá incluir a mão e o punho. Essa órtese é inicialmente usada durante o período máximo de aceitação, com intervalos para exercícios de estiramento, orientados por terapeutas e feitos pelos pais, até a correção da deformidade.1313. Ogino T, Kato H. Operative findings in camptodactyly of the little finger. J Hand Surg Br. 1992;17(6):661-4. , 1818. Miura T, Nakamura R, Tamura Y. Long-standing extended dynamic splintage and release of an abnormal restraining structure in camptodactyly. J Hand Surg Br. 1992;17(6):665-72.

A importância dos pais para executar os exercícios corretamente não deve ser subestimada, pois alongamentos agressivos podem causar dor e danos teciduais.55. Rhee SH, Oh WS, Lee HJ, Roh YH, Lee JO, Baek GH. Effect of passive stretching on simple camptodactyly in children younger than three years of age. J Hand Surg Am. 2010;35(11):1768-73.

Em uma fase mais tardia, para evitar a recidiva, a órtese é mantida por períodos menores durante o dia com o uso noturno mantido até o fim do crescimento esquelético.88. Adams BD. Congenital contracture. In: Wolfe SW, Hotchkiss RN, Pederson WC, Kozin SH, editors. Green's operative hand surgery. 6th ed. Philadelphia: Churchill Livingstone/Elsevier; 2011. p. 1443-51. , 1212. Scott BD. Camptodactyly and clinodactyly in hand surgery. In: Berger RA, Weiss AP, editors. Hand surgery. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2004. p. 1478-91. , 1313. Ogino T, Kato H. Operative findings in camptodactyly of the little finger. J Hand Surg Br. 1992;17(6):661-4. , 1616. Glicenstein J, Haddad R, Guero S. Surgical treatment of camptodactyly. Ann Chir Main Memb Super. 1995;14(6):264-71. O tratamento cirúrgico fica reservado para casos específicos e em casos de falha do tratamento conservador.33. Medina J, Pajardi G. An algorithm for treatment of camptodactyly based on a review of 135 fingers treated in 109 patients. J Hand Surg Br. 1994;28:36. , 55. Rhee SH, Oh WS, Lee HJ, Roh YH, Lee JO, Baek GH. Effect of passive stretching on simple camptodactyly in children younger than three years of age. J Hand Surg Am. 2010;35(11):1768-73. , 77. Siegert JJ, Cooney WP, Dobyns JH. Management of simple camptodactyly. J Hand Surg Br. 1990;15(2):181-9. , 88. Adams BD. Congenital contracture. In: Wolfe SW, Hotchkiss RN, Pederson WC, Kozin SH, editors. Green's operative hand surgery. 6th ed. Philadelphia: Churchill Livingstone/Elsevier; 2011. p. 1443-51. , 1313. Ogino T, Kato H. Operative findings in camptodactyly of the little finger. J Hand Surg Br. 1992;17(6):661-4. , 1616. Glicenstein J, Haddad R, Guero S. Surgical treatment of camptodactyly. Ann Chir Main Memb Super. 1995;14(6):264-71. Alterações ósseas não são uma contraindicação para cirurgia, embora depreciem muito o resultado esperado.1212. Scott BD. Camptodactyly and clinodactyly in hand surgery. In: Berger RA, Weiss AP, editors. Hand surgery. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2004. p. 1478-91.

Os procedimentos cirúrgicos podem ser descritos como: aqueles que tentam identificar uma causa primária; aqueles que tentam reequilibrar a articulação interfalangiana pela transferência da força flexora para a superfície extensora; aqueles que liberam em bloco todas as estruturas da face volar para alcançar a correção; e procedimentos ósseos com osteotomias de angulação dorsal do colo da falange proximal.33. Medina J, Pajardi G. An algorithm for treatment of camptodactyly based on a review of 135 fingers treated in 109 patients. J Hand Surg Br. 1994;28:36. , 1616. Glicenstein J, Haddad R, Guero S. Surgical treatment of camptodactyly. Ann Chir Main Memb Super. 1995;14(6):264-71.

Se a extensão ativa é possível, com a correção da deformidade e colocação da articulação metacarpofalangiana em leve flexão, o problema se encontra na estabilização da articulação metacarpofalangiana e em analogia com a garra ulnar. Esses casos se beneficiariam efetivamente pelo procedimento cirúrgico do lasso descrito por Zancolli apud Adams88. Adams BD. Congenital contracture. In: Wolfe SW, Hotchkiss RN, Pederson WC, Kozin SH, editors. Green's operative hand surgery. 6th ed. Philadelphia: Churchill Livingstone/Elsevier; 2011. p. 1443-51. e McFarlane et al.1919. McFarlane RM, Classen DA, Porte AM, Botz JS. The anatomy and treatment of camptodactyly of the small finger. J Hand Surg Am. 1992;17(1):35-44.

Se a deformidade só puder ser reduzida passivamente, com a colocação do punho ou da metacarpofalangiana em flexão, é de se supor que a estrutura responsável pela contração cruze as articulações sobre a superfície flexora e as possibilidades são: o músculo lumbrical com origem ou inserção anômala ou o flexor superficial anormalmente fixado.

Cirurgia para camptodactilia, especialmente nos casos de contratura grave, tem várias complicações, como lesão das estruturas neurovasculares, tensão cicatricial durante a extensão e perda da flexão.

Uma extensão incompleta é mais bem tolerada do que uma flexão deficiente. A mobilização precoce deve ser instituída para promover a restauração da flexão.88. Adams BD. Congenital contracture. In: Wolfe SW, Hotchkiss RN, Pederson WC, Kozin SH, editors. Green's operative hand surgery. 6th ed. Philadelphia: Churchill Livingstone/Elsevier; 2011. p. 1443-51. , 1010. Smith PJ, Grobbelaar AO. Camptodactyly: a unifying theory and approach to surgical treatment. J Hand Surg Am. 1998;23(1):14-9.

O retorno do conjunto do movimento do flexor profundo dos dedos e da IFP é lento e pode levar de seis a 12 meses nos pacientes tratados cirurgicamente.88. Adams BD. Congenital contracture. In: Wolfe SW, Hotchkiss RN, Pederson WC, Kozin SH, editors. Green's operative hand surgery. 6th ed. Philadelphia: Churchill Livingstone/Elsevier; 2011. p. 1443-51.

Conclusão

De acordo com nossas observações nas consultas ambulatoriais de revisão, concluímos que os casos de camptodactilia isolada do dedo mínimo na forma flexível, > 60, que foram submetidos a tratamento cirúrgico de maneira uniforme apresentaram resultados excelentes.

Nas formas rígidas, nossas observações indicam benefícios com ganho de extensão e correção da deformidade. Entretanto, o arco de movimento com flexão ativa na articulação interfalangiana proximal é sempre parcial, isto é, mesmo nos casos com resultado excelente, apresentam uma perda de flexão de em média 15.

Com o tempo de evolução alguns casos apresentaram alguma perda de ganho previamente alcançado, o que corrobora a permanente vigilância necessária no acompanhamento, com uso sistemático de órteses, até a fase final do crescimento esquelético.

REFERENCES

  • 1
    Foucher G, Loréa P, Khouri RK, Medina J, Pivato G. Camptodactyly as a spectrum of congenital deficiencies: a treatment algorithm based on clinical examination. Plast Reconstr Surg. 2006;117(6):1897-905.
  • 2
    Ekblom AG, Laurell T, Arner M. Epidemiology of congenital upper limb anomalies in 562 children born in 1997-2007: a total population study from Stockholm, Sweden. J Hand Surg Am. 2010;35(11):1742-54.
  • 3
    Medina J, Pajardi G. An algorithm for treatment of camptodactyly based on a review of 135 fingers treated in 109 patients. J Hand Surg Br. 1994;28:36.
  • 4
    Minami A, Sakai T. Camptodactyly caused by abnormal insertion and origin of lumbrical muscle. J Hand Surg Br. 1993;18(3):310-1.
  • 5
    Rhee SH, Oh WS, Lee HJ, Roh YH, Lee JO, Baek GH. Effect of passive stretching on simple camptodactyly in children younger than three years of age. J Hand Surg Am. 2010;35(11):1768-73.
  • 6
    Goldfarb CA. Congenital hand differences. J Hand Surg Am. 2009;34(7):1351-6.
  • 7
    Siegert JJ, Cooney WP, Dobyns JH. Management of simple camptodactyly. J Hand Surg Br. 1990;15(2):181-9.
  • 8
    Adams BD. Congenital contracture. In: Wolfe SW, Hotchkiss RN, Pederson WC, Kozin SH, editors. Green's operative hand surgery. 6th ed. Philadelphia: Churchill Livingstone/Elsevier; 2011. p. 1443-51.
  • 9
    Reichert B, Brenner P, Berger A. Considerations on etiology, correction and treatment of camptodactyly. J Hand Surg Br. 1994;19:9.
  • 10
    Smith PJ, Grobbelaar AO. Camptodactyly: a unifying theory and approach to surgical treatment. J Hand Surg Am. 1998;23(1):14-9.
  • 11
    Gupta A, Burke FD. Correction of camptodactyly. Preliminary results of extensor indicis transfer. J Hand Surg Br. 1990;15(2):168-70.
  • 12
    Scott BD. Camptodactyly and clinodactyly in hand surgery. In: Berger RA, Weiss AP, editors. Hand surgery. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2004. p. 1478-91.
  • 13
    Ogino T, Kato H. Operative findings in camptodactyly of the little finger. J Hand Surg Br. 1992;17(6):661-4.
  • 14
    Oberg KC, Feenstra JM, Manske PR, Tonkin MA. Developmental biology and classification of congenital anomalies of the hand and upper extremity. J Hand Surg Am. 2010;35(12):2066-76.
  • 15
    Monteiro AV, Almeida SF. Deformidades congênitas do membro superior. In: Pardini AG, Freitas A, editors. Cirurgia da mão: lesões não traumáticas. 2a. ed. Rio de Janeiro: Medbook; 2008. p. 206-8.
  • 16
    Glicenstein J, Haddad R, Guero S. Surgical treatment of camptodactyly. Ann Chir Main Memb Super. 1995;14(6):264-71.
  • 17
    Benson LS, Waters PM, Kamil NI, Simmons BP, Upton 3rd J. Camptodactyly: classification and results of nonoperative treatment. J Pediatr Orthop. 1994;14(6):814-9.
  • 18
    Miura T, Nakamura R, Tamura Y. Long-standing extended dynamic splintage and release of an abnormal restraining structure in camptodactyly. J Hand Surg Br. 1992;17(6):665-72.
  • 19
    McFarlane RM, Classen DA, Porte AM, Botz JS. The anatomy and treatment of camptodactyly of the small finger. J Hand Surg Am. 1992;17(1):35-44.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2014

Histórico

  • Recebido
    18 Out 2012
  • Aceito
    13 Maio 2013
Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia Al. Lorena, 427 14º andar, 01424-000 São Paulo - SP - Brasil, Tel.: 55 11 2137-5400 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbo@sbot.org.br