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Acuidade visual: um olhar para crianças escolares

Visual acuity: a look at school children

RESUMO

Introdução:

A visão é um dos sentidos que mais integra o indivíduo ao meio ambiente, pois capta a maior parte dos estímulos sensoriais aos quais o ser humano está exposto, e é justamente essa integração que permite a criação de memórias e a formação do conhecimento. A baixa visão na infância prejudica o aprendizado, a socialização e também a qualidade visual na idade adulta.

Objetivo:

Identificar a acuidade visual de crianças escolares, utilizando a tabela de Snellen e encaminhar e realizar intervenções necessárias naquelas com baixa visão.

Métodos:

Estudo transversal, com abordagem quantitativa. Utilizou-se a tabela de Snellen para determinar a acuidade visual de alunos do 1º ano do ensino fundamental da rede estadual de ensino.

Resultados:

Os participantes tem idade de 5 a 7 anos, sendo 40 do sexo feminino e 38 do sexo masculino. Destes, 23 apresentavam baixa acuidade visual e foram encaminhados para consulta oftalmológica.

Conclusão:

Com base nos resultados do presente estudo, sugere-se que a aplicação do teste de Snellen, por ser um teste de triagem de fácil treinamento e baixo custo, torne-se útil na promoção de saúde ocular. Sugere-se a importância da continuidade de estudos como este, visando na sensibilidade e na especificidade, com foco nas crianças escolares.

Descritores:
Acuidade visual; Desenvolvimento infantil; Saúde ocular; Criança

ABSTRACT

Introduction:

Vision is one of the senses that most integrates the individual with the environment, since it captures most of the sensory stimuli to which the human being is exposed, and it is precisely this integration that allows the creation of memories and the formation of the knowledge. Low vision in childhood impairs learning, socialization, and also determines visual quality in adulthood.

Objective:

to identify the visual acuity of school children using the Snellen Test and refer and carry out actions with those with low vision.

Methods:

Cross-sectional study with a quantitative approach. The Snellen Table was used to determine the visual acuity of students in the 1st year of elementary school in the state education network.

Results:

Participants are aged 5-7 years, 40 females and 38 males. Of these, 23 had low visual acuity and were referred to an ophthalmological consultation.

Conclusion:

Based on the results of the present study, the application of the Snellen Test is suggested, as it is an easy-to-train, low-cost screening test, so that it become useful in promoting eye health. Continuing studies like this one are important and target sensitivity and specificity, with a focus on schoolchildren.

Keywords:
Visual acuity; Child development; Eye health; Child

INTRODUÇÃO

Os sistemas sensoriais fornecem o tempo todo estímulos para o sistema nervoso central. Essas informações captadas do meio ambiente compõem a percepção, que é a habilidade de receber um estímulo e atribuir significado a ele. De forma geral, os sistemas sensoriais são representados pelos cinco sentidos básicos: visão, audição, tato, gustação e olfação.(11 Infante-Malachias ME. Sistemas sensoriais e aprendizagem: o nosso meio de comunicação com o mundo. [citado 2023 Dez 29]. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/6513544/mod_resource/content/2/Sistemas%20Sensoriais%20versão%20pdf%202014.pdf
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) Nem sempre esses sentidos operam de forma eficiente, e diversos graus de deficiência visual podem acarretar enormes prejuízos para a aprendizagem e a socialização, principalmente das crianças, que vivem uma fase repleta de descobertas e de novas experiências visuais. A baixa acuidade visual na infância também determinará a qualidade da visão na fase adulta, por meio de um processo conhecido como "maturação visual", em que o cérebro interage intensamente com a retina para interpretar, de forma cada vez mais eficiente ao longo do tempo, as imagens obtidas do ambiente. Por isso é tão importante que os estímulos recebidos sejam precisos e nítidos.(22 Sousa SJ. Fisiologia e desenvolvimento da visão. Medicina. 1997c[citado 2023 Dez 29];30:16-9. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/rmrp/article/view/807/819
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)

A visão pode ser classificada em central e periférica, de acordo com a sensibilidade em cada região da retina. A visão central é mediada pela porção central da retina, chamada fóvea, local em que a acuidade visual é máxima, devido à elevada concentração de cones, células fotorreceptoras responsáveis pela percepção das cores. Conforme se afasta da fóvea, a quantidade de cones diminui, e a quantidade de bastonetes, células responsáveis pela percepção de luminosidade, aumenta; essa região está envolvida na visão periférica.(33 Hall JE, Guyton AC. Tratado de fisiologia médica. 12a ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2011 [citado 2023 Dez 29]. Disponível em: https://cssjd.org.br/imagens/editor/files/2019/Abril/Tratado%20de%20Fisiologia%20Médica.pdf
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) Na criança, essa visão central passa por uma maturação desde o período intrauterino e se completa por volta dos 10 anos de idade. A eficiência desse processo maturação sofre influência de fatores genéticos e ambientais. Assim, crianças com boa acuidade visual, que percebem uma imagem clara e precisa, serão adultos cuja retina e o córtex visual primário trabalharão melhor para interpretar uma imagem.(44 Brasil. Ministério da Saúde. Diretrizes de estimulação precoce crianças de zero a 3 anos com atraso no desenvolvimento neuropsicomotor. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2016 [citado 2023 Dez 29]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_estimulacao_criancas_0a3anos_neuropsicomotor.pdf
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)

É justamente a influência ambiental no processo de maturação visual que determina a plasticidade da visão, um período crítico, no qual estímulos adequados permitem melhor desenvolvimento desse sentido.(44 Brasil. Ministério da Saúde. Diretrizes de estimulação precoce crianças de zero a 3 anos com atraso no desenvolvimento neuropsicomotor. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2016 [citado 2023 Dez 29]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_estimulacao_criancas_0a3anos_neuropsicomotor.pdf
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) Assim, avaliações médicas periódicas são fundamentais para reconhecer e/ou evitar um desenvolvimento visual inadequado. Daí a importância de testes realizados ainda no período neonatal, como o Teste do Olhinho ou do Reflexo Vermelho, a fim de identificar precocemente algum tipo de oftalmopatia congênita.(55 Silva ML, Quental OB, Nascimento DD, Quental OB. A importância do Teste do Olhinho para triagem de doenças oculares no período neonatal: revisão integrativa. Rev Bras Engenharia Prod. 2020;6(6):69-79.) Existem ainda diversas doenças oculares não congênitas, que podem surgir e evoluir com o avançar da idade – como a ambliopia, uma redução na acuidade visual devido à falta de estímulos no período crítico, e as ametropias – reduzindo a acuidade visual, o que justifica triagens periódicas com oftalmologista.(66 Zagui RM. Ambliopia: revisão da literatura, definição, avanços e tratamentos. eOftalmo. 2019 [citado 2023 Dez 29]. Disponível em: http://eoftalmo1.hospedagemdesites.ws/details/143/pt-BR
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)

Durante a idade pré-escolar, a deficiência visual, muitas vezes, passa despercebida pelos pais. Já entre os escolares, cerca de 20% apresentam algum tipo de dificuldade visual que não relatam aos responsáveis ou aos professores.(77 Gasparetto ME, Temporini ER, Carvalho KM, Karan-José N. Dificuldade visual em escolares: conhecimentos e ações de professores do ensino fundamental que atuam com alunos que apresentam visão subnormal. Arq Bras Oftalmol. 2004;67(1). Alves MR, Nishi MI, Carvalho KM, Ventura LM, Schellini SA, Kara-José N. Refração ocular: uma necessidade social. Rio de Janeiro: Cultura Médica; 2014.) Esses dados só evidenciam a necessidade de ampliação da investigação acerca da qualidade da visão infantil, a fim de garantir sucesso escolar e nos relacionamentos interpessoais, além de permitir uma maturação visual adequada.

Torna-se importante a realização da triagem oftalmológica para avaliar a acuidade visual e detectar erros de refração. A idade ideal para identificar erros de refração é entre zero a 6 anos de idade, período que reflete o maior desenvolvimento ocular da criança.(88 Thurston A, Thurston MJ. A literature review of refractive error and its potential effect on reading attainment in the early years of school. Optometry Vis Perform. 2013;1(1); 25-31.) A criança desenvolve, no início de sua vida escolar, atividades sociais e intelectuais, que se relacionam com suas capacidades visual e psicomotora. Durante o aprendizado, a função visual é primordial para obter a informação para uma correta leitura.(99 Kniestedt C, Stamper RL. Visual acuity and its measurement. Ophthalmol Clin North Am. 2003;16(2):155-70, v.)

Os testes de rastreio para a identificação de anormalidades na visão medem a acuidade visual que consiste em mais do que apenas a capacidade de detectar a luz; trata-se da medida da capacidade de discriminar dois pontos. Em termos técnicos, pode ser definida como o inverso do ângulo visual (α) em minutos de arco (acuidade visual = 1/α). O ângulo visual, por sua vez, é o ângulo formado, no ponto de convergência, pela menor distância entre dois pontos que ainda possam ser percebidos como separados.(1010 Veronese ML. Oftalmologia clínica. Rio de Janeiro: Cultura Médica; 2001.,1111 Zapparoli M, Klein F, Moreira H. Avaliação da acuidade visual Snellen. Arq Bras Oftalmol. 2010:72;6.)

Dentre os métodos usados para triagem oftalmológica, há a tabela de Snellen, publicada em 1862 pelo oftalmologista Herman Snellen, em parceria com Donders, que passou a ser, desde então, um método universalmente aceito para medir a acuidade visual.(1212 Procianoy L. Acurácia do teste de fixação preferencial para o diagnóstico de ambliopia em pacientes estrábicos [Tese de Doutorado]. Rio Grande do Sul: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2008 [citado 2023 Dez 29]. Disponível em: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/60475
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) No entanto, essa tabela apresenta alguns problemas como os intervalos não constantes entre as linhas e os diferentes números de letras por linhas, o que pode subestimar a diferença de acuidade visual entre os dois olhos. Surgiu, então, a fim de sanar esses problemas, a escala ETDRS, que contém o mesmo número de letras por linhas, e cujas linhas e letras são igualmente espaçadas em uma escala logarítmica.(1313 Brasil. Ministério da Saúde. Saúde ocular. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2016 [citado 2023 Dez 29]. Cadernos temáticos do PSE. Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/documentos/caderno_saude_ocular.pdf
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)

Apesar das limitações, a tabela de Snellen continua sendo de grande utilidade para o rastreio de crianças com baixa visão, pois foi altamente difundida desde sua criação e também porque consiste em uma maneira simples, rápida e economicamente viável de verificar a acuidade visual. O teste pode ser efetuado por qualquer profissional da área da saúde e da educação, desde que devidamente capacitados.(1414 Ottaiano JA, Ávila MP, Umbelino CC, Taleb CC. As condições de saúde ocular no Brasil - 2019. São Paulo: Conselho Brasileiro de Oftalmologia; 2019 [citado 2023 Dez 29]. Disponível em: https://www.cbo.com.br/novo/publicacoes/condicoes_saude_ocular_brasil2019.pdf
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) Outra vantagem é sua aplicabilidade em indivíduos que não foram alfabetizados, uma vez que a tabela de Snellen é formada por símbolos fáceis de serem compreendidos, os optótipos.(88 Thurston A, Thurston MJ. A literature review of refractive error and its potential effect on reading attainment in the early years of school. Optometry Vis Perform. 2013;1(1); 25-31.)

Considerando que a visão é um sentido de grande importância para a aprendizagem, principalmente durante a infância, e que os problemas visuais nem sempre são percebidos pelos responsáveis e pelos educadores, este estudo teve como objetivo identificar a acuidade visual de crianças escolares, por meio da tabela de Snellen e encaminhar e realizar as intervenções necessárias nas crianças com baixa visão para atendimento especializado, a fim de garantir êxito no processo de maturação visual infantil.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo transversal, com abordagem quantitativa. A população elegível para este estudo foi composta de crianças com idade entre 5 e 7 anos de idade, matriculados no primeiro ano do Ensino Fundamental em escolas de rede pública de ensino, na cidade de Franca, interior do estado de São Paulo, no ano de 2022. O estudo foi realizado em local preparado pelos pesquisadores e com a devida autorização da diretora, com horário previamente agendado. O tempo de avaliação individual de cada criança não ultrapassou 10 minutos, para que não atrapalhasse suas atividades escolares.

A amostra foi por conveniência, de acordo com a presença no dia da coleta, sendo que os critérios de inclusão foram crianças matriculadas no primeiro ano do Ensino Fundamental, em escolas de rede pública na cidade de Franca, crianças com alguma irritação ou infecção ocular.

Instrumentos de coleta de dados

A coleta de dados foi realizada entre os dias 23 de maio de 2022 e 29 de agosto de 2022, no ambiente escolar, durante o horário de aula, com autorização da coordenação da escola, em salas devidamente preparadas, com o auxílio de um instrumento para identificação das crianças, contendo o nome dela e um código numérico (para que sua identidade fosse preservada), idade, sexo e informação sobre uso de óculos.

A coleta de dados foi realizada por alunas do terceiro ano do curso de Medicina previamente preparadas, orientadas e treinadas, sob a supervisão de uma professora do curso de graduação, para a realização correta da tabela de Snellen como prega o Caderno de Saúde Ocular do Ministério da Saúde.(1414 Ottaiano JA, Ávila MP, Umbelino CC, Taleb CC. As condições de saúde ocular no Brasil - 2019. São Paulo: Conselho Brasileiro de Oftalmologia; 2019 [citado 2023 Dez 29]. Disponível em: https://www.cbo.com.br/novo/publicacoes/condicoes_saude_ocular_brasil2019.pdf
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)

Para aferir a acuidade visual, foi utilizado a tabela de Snellen, composta somente de linhas com letras "E", posicionadas em diferentes direções e com escalas decrescentes de tamanho, considerando que as crianças estavam em processo de alfabetização.(55 Silva ML, Quental OB, Nascimento DD, Quental OB. A importância do Teste do Olhinho para triagem de doenças oculares no período neonatal: revisão integrativa. Rev Bras Engenharia Prod. 2020;6(6):69-79.) O teste foi realizado em uma sala da escola, em ambiente silencioso e com boa iluminação, sendo examinada uma criança por vez, que estava sentada durante a realização do teste, com distância de 6m da tabela de Snellen, a qual encontrava-se afixada na parede, à altura dos olhos da criança. Após a criança se sentar na cadeira, um dos pesquisadores deste estudo colocava um oclusor de papel, de material lúdico no olho esquerdo da criança avaliada, testando a acuidade visual do olho direito e, após, o esquerdo, trocando o oclusor. As crianças que faziam uso de óculos foram examinadas portando-os. Os resultados obtidos foram registrados em uma planilha específica para posterior análise.

Para avaliar os resultados, foram seguidos os valores do Caderno de Saúde Ocular do Ministério da Saúde, que considera os testes normais quando a acuidade visual for superior a 0,7.(1414 Ottaiano JA, Ávila MP, Umbelino CC, Taleb CC. As condições de saúde ocular no Brasil - 2019. São Paulo: Conselho Brasileiro de Oftalmologia; 2019 [citado 2023 Dez 29]. Disponível em: https://www.cbo.com.br/novo/publicacoes/condicoes_saude_ocular_brasil2019.pdf
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) Assim, as crianças que apresentaram dificuldade no exame igual ou inferior a 0,7 foram encaminhadas a consultas oftalmológicas para melhor análise do défice visual. A fim de diminuir a chance de encaminhamento desnecessário, devido à possível concentração insuficiente, por parte das crianças no momento do exame, outro integrante deste trabalho as avaliou por meio de um reteste.

A aplicação da tabela de Snellen em crianças apresenta riscos mínimos, pela baixa possibilidade de causar algum dano à saúde, não havendo procedimento invasivo. Caso os pesquisadores observassem, durante a aplicação do teste, algum tipo de constrangimento, ele seria imediatamente suspenso/interrompido. A autonomia dos participantes, mesmo sendo crianças, foi respeitada pela livre decisão de participar da pesquisa, após o fornecimento das orientações que subsidiaram sua decisão. Foram respeitados os valores culturais, sociais, morais, éticos, hábitos e costumes de cada participante. Foram previstos procedimentos que assegurassem a confidencialidade, o anonimato das informações, a privacidade, garantindo que as informações obtidas não fossem utilizadas em nenhum prejuízo, de qualquer natureza.

Todos os participantes foram identificados por códigos elaborados pelos pesquisadores, para manter o anonimato e a identificação pessoal, sem uso de siglas do nome. Ficou restrita a coleta de dados somente das variáveis propostas para este estudo descritas na metodologia. As informações a serem tornadas públicas foram codificadas para minimizar o risco de identificação dos participantes, respeitando a ética profissional.

Para análise estatística, todos os dados obtidos foram apontados em planilhas eletrônicas no software Microsoft Excel. Em seguida, foram transferidos para o programa estatístico STATA 9.0 para cálculos de frequência absoluta e relativa para a análise da tabela de Snellen. Para o instrumento de identificação das crianças, os resultados foram apresentados por meio de números absoluto e relativos.

Este estudo foi realizado após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CAAE: 56835822.4.0000.5495) e com a devida autorização dos pais e/ou responsáveis, por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para menores e o Termo de Assentimento devidamente preenchido pela criança.

RESULTADOS

Participaram deste estudo 78 crianças, sendo 40 meninas (51%). A faixa etária avaliada variou de 5 a 7 anos de idade, sendo a idade média igual a 6,23 anos. Das crianças avaliadas, apenas cinco usavam óculos. A prevalência de baixa acuidade visual foi encontrada em 23 (29%) crianças, sendo a acuidade visual média da população estudada igual a 0,69 com acuidade visual mínima igual a 0,5 e máxima igual a 0,8. Todas as 23 crianças foram encaminhadas para atendimento especializado com oftalmologista, por meio de consultas para melhor investigação do défice visual.

Compareceram à consulta na data previamente agendada entre pesquisadores deste estudo e pais/responsáveis. Das 23 crianças encaminhadas, apenas 16 (69,5%) crianças compareceram na consulta. Dentre elas, seis (37,5%) receberam prescrição de lentes corretivas – o que correspondeu a 7,7% do total de crianças triadas no estudo – e dez (62,5%) não apresentavam alteração oftalmológica. Após a avaliação médica, evidenciou-se que, dentre as causas de baixa acuidade nesses pacientes, estavam alguns erros refrativos, como astigmatismo, miopia e hipermetropia. Algumas crianças apresentavam mais de um erro refrativo simultaneamente.

As crianças que compareceram à consulta receberam prescrição de lentes corretivas quando necessário, e os responsáveis foram orientados quanto à saúde ocular do menor. Aos pais/responsáveis por crianças que não apresentavam baixa acuidade visual com base na tabela de Snellen e que, dessa forma, não foram encaminhados à consulta, foram fornecidas informações sobre a saúde visual de cada criança e ressaltada a importância da detecção precoce de baixa acuidade visual, por meio de exames oftalmológicos de rotina.

DISCUSSÃO

Os resultados obtidos puderam contribuir para a prática clínica das crianças analisadas. É durante a idade escolar que as alterações oftalmológicas tendem a se tornar mais evidentes. Isso acontece porque, nesse período, a visão é um sentido muito solicitado, e alterações que antes passavam despercebidas pelos pais acabam se revelando.

Entre as crianças brasileiras, os erros refrativos não corrigidos, como a miopia, a hipermetropia, o astigmatismo e a presbiopia, principais causas de deficiência visual.(1414 Ottaiano JA, Ávila MP, Umbelino CC, Taleb CC. As condições de saúde ocular no Brasil - 2019. São Paulo: Conselho Brasileiro de Oftalmologia; 2019 [citado 2023 Dez 29]. Disponível em: https://www.cbo.com.br/novo/publicacoes/condicoes_saude_ocular_brasil2019.pdf
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) Esse dado epidemiológico foi comprovado, já que essas patologias foram diagnosticadas em várias crianças que participaram desse estudo. Os erros refrativos influenciam no rendimento escolar, na socialização e na economia, justificando a importância da triagem oftalmológica, que deve ser realizada idealmente entre zero e 6 anos de idade, quando se completa o desenvolvimento visual.(1515 Becker TO, Matsuhara ML, Miura H, Matsuhara ML. Avaliação da acuidade visual em escolares do ensino fundamental. Rev Bras Oftalmol. 2019;78(1).) O presente estudo foi realizado com crianças entre 5 e 7 anos de idade, ou seja, majoritariamente dentro da faixa etária ideal para a realização dessa triagem.

Apesar da importância epidemiológica dos erros refrativos, na literatura, estudo semelhante, realizado no período de 2017 a 2018, encontrou nos alunos avaliados a presença de outras alterações oftalmológicas, como estrabismo, ambliopia, catarata congênita, retinocoroidite e ceratocone.(1616 Granzoto JA, Ostermann CE, Brum LF, Pereira PG, Granzoto T. Avaliação da acuidade visual em escolares da 1a série do ensino fundamental. Arq Bras Oftalmol. 2003;66(2).) Alterações como essas não foram constatadas nos escolares avaliados no presente estudo.

Em termos quantitativos, 78 crianças do primeiro ano do Ensino Fundamental de escolas municipais de Franca foram submetidas à tabela de Snellen; 29% apresentaram baixa acuidade visual e foram encaminhadas para atendimento oftalmológico. Em estudo semelhante, realizado em Pelotas (RS), no ano de 1999, com alunos que também cursavam o primeiro ano do Ensino Fundamental, o resultado de baixa acuidade visual foi encontrado em 15,1% das crianças.(1717 Souza AG, Benetti B, Ferreira CI, Fiz D, Oliveira RS, Purim KS. Avaliação e triagem da acuidade visual em escolares da primeira infância. Rev Bras Oftalmol. 2019;78(2).) Essa diferença pode ser justificada por novos padrões de comportamento que surgiram durante pouco mais de 20 anos de diferença entre os estudos, como a exposição exagerada a telas de celular, televisão, computador e tablets, principalmente em um contexto pós-pandemia da doença pelo coronavírus de 2019 (Covid-19), quando crianças realizavam atividades escolares virtualmente e também eram expostas a esses recursos tecnológicos como forma de distração e entretenimento. Outra possível justificativa seria um menor acesso das crianças no sistema de saúde ocular.

A realidade socioeconômica de algumas famílias pode justificar o motivo para o não comparecimento de sete (30,5%) estudantes do presente estudo à consulta, como elucidou trabalho de triagem visual realizado em Curitiba (PR), que relacionou a não adesão com dificuldades de deslocamento dos pais.(18)

Apesar das abstenções, o estudo, além de ter contribuído para a prática clínica, também teve importância social, já que ofereceu acesso a atendimento oftalmológico gratuito para crianças que apresentaram baixa acuidade visual; muitos desses escolares que foram encaminhados tiveram a oportunidade de consultar com oftalmologista pela primeira vez por meio desta pesquisa.

Evidenciou-se que a maioria dos pais e responsáveis por essas crianças não tinham notado dificuldades ou problemas, e, dentre as crianças que compareceram ao atendimento proposto especializado com oftalmologista, 37,5% receberam prescrição de lentes corretivas.

Entende-se que existem fragilidades e pontos que merecem ser melhorados quando se diz respeito às ações de prevenção, detecção e correção de problemas oculares dos estudantes da rede municipal. Avaliações oftalmológicas periódicas devem ser inseridas nas estratégias públicas de saúde, visto que, quanto mais precoce for o diagnóstico, melhor o prognóstico dessas crianças.

CONCLUSÃO

Sugere-se que a aplicação da tabela de Snellen, como exame de triagem de fácil capacitação e baixo custo, torna-se útil na promoção de saúde ocular. Sugere-se a importância da continuação de estudos como este, concentrando-se na sensibilidade e na especificidade, com foco nas crianças escolares.

  • Instituição de realização do trabalho: Universidade de Franca, Franca, SP, Brasil.
  • Fonte de auxílio à pesquisa: trabalho não financiado.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    15 Ago 2023
  • Aceito
    02 Jan 2024
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