Terapia fotodinâmica com verteporfina associada à injeção intravítrea de antifator de crescimento endotelial vascular para tratamento de hemangioma circunscrito de coroide

Photodynamic therapy with verteporfin associated with intravitreal injection of vascular endothelial growth factor for the treatment of circumscribed choroidal hemangioma

RESUMO

O hemangioma de coroide é um tumor vascular benigno, de coloração vermelho-alaranjada, bem delimitado, caracterizado por uma placa elevada. É um tumor raro, com prevalência de um caso a cada 40 tumores de coroide. O diagnóstico pode ser feito por meio da clínica associada à avaliação biomicroscópica e a exames complementares para diferenciação de outros tumores. O tratamento pode ser expectante nos casos assintomáticos. Para os casos sintomáticos ou com presença de fluido sub-retiniano, existem diversas terapias. O objetivo deste estudo foi relatar um caso de hemangioma circunscrito de coroide submetido a tratamento combinado de terapia fotodinâmica com verteporfina e injeção intravítrea de antiangiogênico (bevacizumabe). A decisão de tratar um hemangioma de coroide deve ser individualizada com base nos sintomas, na perda visual e em qualquer potencial de sua recuperação. O exame oftalmológico completo é necessário, mesmo em casos assintomáticos, para rastreamento precoce de doenças oculares.

Descritores:
Doenças da coroide; Hemangioma; Verteporfina; Bevacizumab

ABSTRACT

Choroid hemangioma is a benign, well-delimited orange-red, vascular tumor characterized by an elevated plaque. It is a rare tumor with a prevalence of one case in every 40 choroidal tumors. It can be diagnosed by the clinic associated with biomicroscopic evaluation and complementary tests to differentiate from other tumors. Treatment can be expectant in asymptomatic cases. For symptomatic cases or those with the presence of subretinal fluid, there are several therapies. The objective of this study was to report a case of circumscribed choroidal hemangioma submitted to combined treatment of photodynamic therapy with verteporfin and intravitreal injection of an antiangiogenic agent (bevacizumab). The decision to treat choroidal hemangioma must be individualized based on symptoms, visual loss, and any potential for recovery. A complete eye examination is necessary, even in asymptomatic cases, for early screening for eye diseases.

Keywords:
Choroid diseases; Hemangioma; Verteporfin; Bevacizumab

INTRODUÇÃO

O hemangioma de coroide é um tumor vascular benigno, de coloração vermelho-alaranjada, bem delimitado, caracterizado por uma placa elevada. É raro, com prevalência de um caso a cada 40 tumores de coroide.(¹,²) Pode ocorrer em duas formas distintas: o circunscrito, sem associações extraoculares, ou a forma difusa, associada à variações da síndrome de Sturge-Weber.(¹-⁴) A maioria dos tumores apresenta como localização mais frequente o polo posterior e sua apresentação mais comum na vida adulta, em geral na quarta década de vida. A descoberta pode ser realizada em exame oftalmológico de rotina, podendo o hemangioma de coroide ser assintomático, ou, então, apresentar queixas relacionadas a embaçamento visual decorrente da hipermetropia ou do descolamento seroso induzidos.(⁵,⁶)

O diagnóstico pode ser feito por meio da clínica associada à avaliação biomicroscópica e a exames complementares para diferenciação de outros tumores.(⁶) À ultrassonografia, é possível avaliar lesão discretamente elevada, oval ou placoide, com limites bem definidos e alta reflectividade. A angiofluoresceinografia permite avaliar a presença de hiperfluorescência precoce e progressiva, com vazamento progressivo nas fases tardias ao redor do tumor e no espaço sub-retiniano adjacente. Outro exame importante na propedêutica dos tumores é a angiografia com indocianina verde, o qual permite visualização precoce dos grandes vasos da coroide. A diminuição progressiva da hiperfluorescência ao longo do exame configura um sinal característico de hemangioma, denominado wash out.(⁷-⁹)

O tratamento pode ser expectante nos casos assintomáticos. Para os casos sintomáticos ou com presença de fluido sub-retiniano, existem diversas terapias, como a fotocoagulação a laser, crioterapia, diatermia, termoterapia transpupilar, radiação externa, radiocirurgia, terapia antiangiogênica, braquiterapia e terapia fotodinâmica (TFD) com verteporfina. O tratamento visa à preservação da acuidade visual. Atualmente, o tratamento com melhor resposta clínica é a TFD com verteporfina, o qual produz uma fototrombose endotelial e consequente necrose tumoral.(¹⁰-¹⁶)

O objetivo deste estudo foi relatar um caso de hemangioma circunscrito de coroide submetido a tratamento combinado de TFD com verteporfina e injeção intravítrea de antiangiogênico (bevacizumabe).

RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, 54 anos, branco, advogado. Apresentou à avaliação oftalmológica queixa de baixa acuidade visual (BAV) em olho esquerdo (OE) há 30 dias. Negava antecedentes pessoais e oftalmológicos. Ao exame ocular, acuidade visual corrigida (AVcc) 20/20 e 20/50, pinhole (PH) OE 20/70. Pressão intraocular de 14mmHg e 15 mmHg. Biomicroscopia sem alterações em ambos os olhos. Fundoscopia em olho direito (OD) sem alterações e OE com alteração do brilho macular, presença de lesão ovalada em polo posterior justafoveal temporal à mácula (Figura 1). Foram solicitados exames complementares.

Figura 1
Retinografia panorâmica de olho esquerdo com alteração do brilho macular, lesão ovalada em polo posterior justafoveal temporal à mácula.

Exames de OD apresentaram-se sem alterações. A autofluorescência de OE mostrou lesão hipoautofluorescente ovalada em região macular com halo de hiperautofluorescência e rastro em direção inferior (Figura 2). Indocianinografia de OE evidenciou fase precoce com preenchimento em dilatações vasculares aneurismáticas temporais à mácula, progressiva captação de contraste, impregnação disciforme e atenuação da hiperfluorescência na lesão em fases tardias, configurando o sinal do wash out (Figura 3). A ultrassonografia do OE demonstrava espessamento macular, lesão coroidal de alta refletividade temporal com descolamento de retina (DR) marginal (Figura 4). Tomografia de coerência óptica (OCT, sigla do inglês optical coherence tomography) de mácula do OE apresentou espessamento macular, depressão foveal atenuada, espaços cistoides confluentes intrarretinianos, distorção da arquitetura interna, lesão sub-retiniana na topografia de coroide, sobrelevada, formato globoso, cupuliforme com sombreamento posterior e fluido sub-retiniano sobrejacente à lesão (Figura 5).

Figura 2
Autofluorescência do olho esquerdo mostrando lesão hipoautofluorescente ovalada em região macular com halo de hiperautofluorescência e rastro em direção inferior.

Figura 3
Angiografia com indicianina verde do olho esquerdo mostrando a fase precoce com preenchimento em dilatações vasculares aneurismáticas temporais à mácula, progressiva captação de contraste, impregnação disciforme e atenuação em fases tardias (wash out).

Figura 4
Ultrassonografia do olho esquerdo evidenciando espessamento macular e lesão coroidal de alta refletividade temporal com DR marginal.

Figura 5
Tomografia de coerência óptica macular de olho esquerdo com espessamento macular, depressão foveal atenuada, cistos intrarretinianos, lesão sub-retiniana na topografia de coroide, sobrelevada, formato globoso, cupuliforme com fluido sub-retiniano sobrejacente à lesão.

Foi feito então o diagnóstico de hemangioma circunscrito de coroide em OE. Indicou-se TFD com verteporfina associada à injeção de antiangiogênico (bevacizumabe). Após 2 meses, o paciente referiu melhora subjetiva BAV em OE e AVcc OE 20/50 (PH 20/25), e novos exames foram solicitados.

Na avaliação comparativa tomográfica e ultrassonográfica, após tratamento, foram observadas redução do volume de líquido sub-retiniano e menor espessura da lesão (Figura 6). Devido à resposta parcial, considerou-se novo tratamento em 3 meses.

Figura 6
Ultrassonografia ocular e tomografia de coerência óptica macular após 2 meses de tratamento combinado de TFD com verteporfina e injeção intravítrea de antifator de crescimento endotelial vascular. Na avaliação comparativa, observam-se redução do volume líquido sub-retiniano e menor espessura da lesão.

DISCUSSÃO

O hemangioma de coroide é um tumor benigno e raro, porém o diagnóstico diferencial com outros tumores e o tratamento adequado são essenciais para o prognóstico ocular do paciente. Apesar de seu caráter indolente, alguns relatos descrevem evolução mais agressiva, com amaurose, descolamento de retina e glaucoma neovascular.(¹⁰) Além disso, cerca de metade dos casos podem evoluir com perda de visão profunda secundária a edema macular a longo prazo. Diante disso, o tratamento precoce pode ser considerado essencial, nos casos sintomáticos. A incidência precisa não é conhecida porque apenas os casos sintomáticos ou diagnosticados em exames de rotina são contabilizados. Com isso, diversas modalidades de manejo têm sido defendidas ao longo dos anos.

A TFD com verteporfina causa oclusão seletiva dos vasos com dano retiniano mínimo, promovendo ligação química com as lipoproteínas de baixa densidade do endotélio tumoral.(¹²) A técnica envolve administração intravenosa de substância química fotossensibilizante seguida da aplicação direcionada de feixe de laser infravemelho de baixa potência e longa duração. A dose padrão descrita é de 6mg/m² de verteporfina intravenosa infundida durante 10 minutos (com adição de 5 minutos antes da ativação do laser), e a configuração do laser é de 50J/cm² de potência e 600mW/cm².(¹²-¹⁶) A TFD atua por meio de dois mecanismos: destruição direta do tumor por meio de atividade citotóxica seletiva contra células tumorais e promoção da fototrombose intraluminal nos vasos que irrigam o tumor.(¹⁶) O procedimento pode ser repetido até quatro vezes para fluidos sub-retinianos persistentes em intervalos de 3 meses. Estudos têm mostrado boa resposta com regressão completa do tumor, rápida absorção do líquido e resultados visuais favoráveis. No entanto, mais de 15% dos casos requerem mais de uma sessão de tratamento. Além disso, isquemia, atrofia da coroide e defeitos persistentes no campo visual podem se desenvolver com tratamento focal excessivo. A localização do tumor é de extrema importância para decisão da modalidade terapêutica. Tumores localizados abaixo de um grande descolamento seroso podem não responder ao TFD ou esta pode não ser realizada por conta da localização anterior.(¹²,¹⁶)

As injeções de antiangiogênicos são utilizadas com objetivo de resolução do edema macular, muitas vezes sendo necessário repeti-las e fazê-las em associação.(¹³) Mandal et al., em uma série de casos, conseguiram resultados promissores com duas doses de bevacizumabe mostrando resolução completa do fluido subfoveal.(¹⁴) A injeção foi administrada em dois pacientes de forma secundária após falha na redução do fluido sub-retiniano depois de TTT e fotocoagulação a laser. A injeção combinada de antiangiogênico com TFD demonstrou resolução rápida e sustentada do quadro com melhora acentuada da acuidade visual. Sagong et al. descreveram o uso do antifator de crescimento endotelial vascular (anti-VEGF) como pré-tratamento de dois casos seguidos por TFD após 1 semana.(¹⁵) Os dois casos mostraram redução do fluido sub-retiniano atingindo o objetivo primário. No entanto, deve-se atentar que ele atua como tratamento adjuvante, reduzindo a inflamação e podendo ser usado para permitir melhor visualização retiniana para aplicação do TFD. Por não atuar na patologia de base, deve ser combinado com outras modalidades de tratamento, como foi feito no nosso caso.

A decisão de tratar um hemangioma de coroide deve ser individualizado com base nos sintomas, na perda visual e em qualquer potencial de sua recuperação. O objetivo do tratamento é induzir atrofia nas células tumorais e resolução do fluido sub-retiniano, para minimizar a distorção foveal induzida. A condução do caso descrito neste relato foi feita com associação da TFD ao antiangiogênico, apresentando bons resultados. Na literatura, a utilização da TFD para hemangioma de coroide apresenta resultados positivos a curto prazo. Além disso, quando comparada com outras formas de radioterapia, tem as vantagens de evitar radiação e efeitos colaterais mínimos. Por outro lado, estudos de longo prazo são necessários para avaliar totalmente sua eficácia, dada a baixa frequência de aparecimento do hemangioma.

Conclui-se que o exame oftalmológico completo é necessário, mesmo em casos assintomáticos, para rastreamento precoce de doenças oculares. Apesar de não poder excluir uma lesão maligna, os aspectos clínicos e radiológicos apresentam descrições características do hemangioma circunscrito de coroide, podendo auxiliar o médico oftalmologista a conduzir de forma mais direcionada, para que o diagnóstico seja feito mais precocemente, bem como o tratamento, quando necessário.

• Instituição de realização do trabalho: Instituto Paulista de Estudos e Pesquisas em Oftalmologia - IPEPO.
• Fonte de auxílio à pesquisa: não financiado.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  29 Abr 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  05 Out 2021
• Aceito
  03 Dez 2021