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Como ficam os pacientes e os oftalmologistas com as mudanças na saúde suplementar?

What about patients and ophthalmologists with the changes in supplementary health?

Com o avanço da expectativa de vida da população e o progresso tecnológico da Medicina, os gastos com a saúde aumentaram, em especial na Oftalmologia. No Brasil, o sistema público de saúde se ajusta a um orçamento limitado, regulando a quantidade de procedimentos executados, o que resulta em fila de espera infindável para exames e cirurgias.

Como no sistema suplementar de saúde a limitação da oferta de tratamento não é permitida, a conta não fecha, ou seja, o lucro obtido com a diferença entre a receita e os gastos dos clientes mais jovens, em geral, saudáveis não cobre o prejuízo fiscal com os idosos, adicionados aos dividendos almejados pelas empresas.

A necessidade de se obter o lucro operacional cobiçado trouxe algumas soluções: dispensar as carteiras deficitárias; verticalizar as operações, em que a própria operadora presta o atendimento e regula os gastos operacionais ao controlar as indicações clínicas de seus médicos; e, um artifício antigo, porém recentemente utilizado em larga escala na Oftalmologia, que é fazer a remuneração per capita (capitation), em que empresas prestadoras são contratadas por um valor fixo para cuidar da saúde de determinadas carteiras de clientes, numa espécie de terceirização dos riscos de sinistralidade.

No capitation, quando se avalia transferir o risco da operadora para empresas prestadoras de serviço, considera-se que as chances de o paciente reclamar o direito a um tratamento indicado pelo médico, mas negado pelo plano de saúde, são maiores do que quando o próprio médico se abstém de propor o tratamento. Assim, os empresários não estariam mais expostos, negando procedimentos; agora seriam os médicos que resolveriam a questão no início do processo. Ou seja, quem irá tentar enganar os pacientes, que pagam por um plano de assistência integral à saúde, será o médico, e não mais os executivos.

Oferecer tratamento de qualidade para doenças de idosos sai caro, e é isso que algumas operadoras de saúde tentam evitar. Hoje em dia, o que está assegurando a prestação dos tratamentos mais dispendiosos pelas operadoras, além da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), é a judicialização. Nos modelos de remuneração da saúde suplementar, em que o prestador tem interesse financeiro em minimizar as indicações dos tratamentos, os médicos que lá trabalham podem ser inibidos de indicar determinados procedimentos, com prováveis danos à saúde dos pacientes.

Nesse cenário, oftalmologistas sem autonomia, para manter seu emprego, assumiriam o risco de não indicar o tratamento adequado. Contudo, o risco dos empresários, sejam eles diretores das operadoras de saúde ou das empresas prestadoras de serviço, pode ser precificado e incorporado na negociação. Porém, como precificar o risco do médico, que pode perder seu registro no Conselho Regional de Medicina (CRM), sua reputação e ainda ser processado civilmente, no caso de se constatar eventual má prática? Se o médico precisar manter seu emprego, não terá outra opção. O número excessivo de novos formandos em Medicina, desproporcional às oportunidades de especialização, contribui para agravar esse panorama.(11 Kara-Junior N. A responsabilidade das entidades representativas. Rev Bras Oftalmol. 2021;80(3).33 Kara-Junior N. [The ophthalmologist's dilemma]. Rev Bras Oftalmol. 2020;79(1):5. Portuguese.)

As escolas médicas que, além de formarem recursos humanos, produzem e difundem conhecimento baseado em pesquisas científicas, não vão mudar suas orientações de como tratar adequadamente as doenças e os doentes, por esse tipo de pressão de mercado. Assim como oftalmologistas com autonomia não deixarão de emitir opiniões clínicas apropriadas. O problema é que muitas doenças oculares necessitam de tratamento urgente, que demoram nesses casos.

Portanto, se essas manobras vingarem, a conta financeira das operadoras de saúde suplementar pode melhorar, mas em detrimento das condições de trabalho dos oftalmologistas e da saúde dos pacientes.

  • Fonte de auxílio à pesquisa: não financiado.

Referências

  • 1
    Kara-Junior N. A responsabilidade das entidades representativas. Rev Bras Oftalmol. 2021;80(3).
  • 2
    Kara-Junior N. Are ophthalmologists being trained for Brazil's social needs? Clinics. 2020;75:e2221.
  • 3
    Kara-Junior N. [The ophthalmologist's dilemma]. Rev Bras Oftalmol. 2020;79(1):5. Portuguese.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    24 Fev 2022
  • Aceito
    11 Mar 2022
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