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Impacto da Seca na Agricultura dos Territórios Agreste Central, Alto Sertão e Centro-Sul de Sergipe

Impact of Drought on Agriculture in the Agreste Central, Alto Sertão and Centro-Sul territories of Sergipe

Resumo

A gestão de risco das secas é fundamentada em três pilares principais sendo estes o monitoramento, a avaliação de impacto e a elaboração dos planos de ação. O Monitor de Secas do Brasil representa o início da gestão de riscos no país, no entanto ainda é necessário avançar nas demais etapas desse modelo de gestão. A agricultura é considerada mais sensível às variações climáticas, assim, estudos de impactos de seca neste setor buscam identificar vulnerabilidades e melhorar a capacidade adaptativa. Diante deste contexto, esta pesquisa identificou impactos de secas no setor agrícola em três territórios do estado de Sergipe. O coeficiente de correlação linear indicou que a produção de grãos e o rendimento médio da cultura possui correlação direta com a precipitação. Em relação aos dados do garantia-safra e da pecuária, a correlação não foi considerada aceitável. Verificou-se que as categorias de seca extrema e excepcional foram responsáveis por grandes perdas da safra de grãos. Apesar de ser em menor grau, a categoria de seca grave também gerou alguns danos a este setor. As categorias de seca fraca e moderada não resultaram em perdas na produção anual de grãos dos territórios, no entanto geraram prejuízos para pequenos produtores.

Palavras-chave
gestão de risco; monitor de secas; produção agrícola

Abstract

Drought risk management is based on three main pillars, such as monitoring, impact assessment and the preparation of action plans. The Brazil Drought Monitor represents the beginning of risk management in the country, however it is still necessary to advance in the other stages of this management model. Agriculture is considered more sensitive to climate variations, studies of drought impacts in this sector seek to identify vulnerabilities and improve adaptive capacity. In this context, this research identified impacts of droughts in the agricultural sector in three territories of the state of Sergipe. The linear correlation coefficient indicated that grain yield and average yield of the crop have a direct correlation with precipitation. Regarding the crop guarantee and livestock data, the correlation was not considered acceptable. It was found that the categories of extreme and exceptional drought were responsible for large losses of the grain crop. Despite being to a lesser extent, the severe drought category has also generated some damage to this sector. The categories of weak and moderate drought did not result in losses in the annual grain production of the territories, however they generated losses for small producers.

Keywords
risk management; drought monitor; agricultural production

1. Introdução

As mudanças nos padrões climáticos e a maior demanda por recursos hídricos têm intensificado a ocorrência de secas em diversos países nos últimos anos (Baudoin et al., 2017BAUDOIN, M.A.; VOGEL, C.; NORTJE, K.; NAIK, M. Living with drought in South Africa: lessons learnt from the recent El Niño drought period. International Journal of Disaster Risk Reduction, v. 23, p. 128-137, 2017. DOI
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; Martin et al., 2020MARTIN, J.T.; PEDERSON, G.T.; WOODHOUSE, C.A.; COOK, E.R.; MCCABE, G.J.; ANCHUKAITIS, K.J.; et al. Increased drought severity tracks warming in the United States' largest river basin. PNAS, v. 117, n. 21, p. 11328-11336, 2020.; Naumann et al., 2021NAUMANN, G.; CAMMALLERI, C.; MENTASCHU, L.; FEYEN, L. Increased economic drought impacts in Europe with anthropogenic warming. Nature Climate Change, v. 11, p. 485-491, 2021. DOI
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). No Brasil, a seca está presente em várias regiões (Marengo et al., 2015MARENGO, J.A.; CUNHA, A.P.; ALVES, L.M. A seca e a crise hídrica de 2014-2015 em São Paulo. Revista USP, v. 106, p. 31-44, 2015. DOI
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; Santos et al., 2017SANTOS, S.R.Q.; SANSIGOLO, C.A.; NEVES, T.T.A.T.; CAMPOS, T.L.O.B.; SANTOS, A.P.P. Frequências dos eventos extremos de seca e chuva na Amazônia utilizando diferentes bancos de dados de precipitação. Revista Brasileira de Geografia Física, v. 10, n. 2, p. 468-478, 2017.; Jesus et al., 2020JESUS, E.T.; AMORIM, J.S.; JUNQUEIRA, R.; VIOLA, M.R.; MELLO, C.R. Meteorological and hydrological drought from 1987 to 2017 in Doce River Basin, Southeastern Brazil. Brazilian Journal of Water Resources, v. 25, e29, 2020. DOI
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; Fernandes et al., 2021FERNANDES, V.R.; CUNHA, A.P.M.A.; PINEDA, L.A.C.; LEAL, K.R.D.; COSTA, L.C.O.; BROEDEL, E.; FRANçA, D.A.; ALVALá, R.C.S.; SELUCHI, M.E.; MARENGO, J. Secas e os impactos da região Sul do Brasil. Revista Brasileira de Climatologia, v. 28, p. 561-584, 2021. DOI
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). No entanto, a variabilidade natural do clima do Nordeste torna este evento mais frequente nesta região e com impactos mais acentuados.

O estado de Sergipe está parcialmente inserido na região semiárida do Nordeste brasileiro. Entre 1991 e 2012 ocorreram 345 registros oficiais de estiagem e seca no estado, maior parte registrada na região semiárida (CEPED UFSC, 2013CEPED-UFSC - Centro Universitário de Estudos e Pesquisas sobre Desastres - Universidade Federal de Santa Catarina. Atlas Brasileiro de Desastres Naturais: 1991 a 2012. 2. ed, Florianópolis: CEPED-UFSC, 89 p., 2013.). Adicionalmente, em 2016 as precipitações observadas no estado ficaram muito abaixo do normal, estima-se que 450 mil pessoas tenham sido afetadas pela seca em Sergipe neste período (Rocha, 2017ROCHA, A.F. Panorama da seca no estado de Sergipe: Impactos e ações de enfrentamento. Parcerias Estratégicas, v. 22, n. 44, p. 181-200, 2017.).

Os impactos das secas mais recentes no Nordeste evidenciaram a necessidade de substituição do modelo de gestão até então adotado pela gestão de riscos (Martins et al., 2016MARTINS, E.S.P.R.; QUINTANA, C.M.; DIAS, M.A.F.S.; SILVA, R.F.V.; BIAZETO, B.; FORATTINI, G.D.; MARTINS, J.C. O caso técnico e institucional - Monitor de Secas do Nordeste como âncora e facilitador da colaboração. In: De Nys, E; Engle, N. L.; Magalhães, A.R. (orgs). Secas no Brasil: Política e Gestão Proativas. Brasília: Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, 292 p., 2016.). Este novo modelo é fundamentado no monitoramento, estudo de impactos e elaboração de planos de preparação para as secas. No Brasil, o Monitor de Secas representa a primeira etapa do processo de implantação da gestão de riscos. No entanto, apesar do avanço quanto ao monitoramento, ainda é necessário avançar nas demais fases do processo.

Estudos de impactos buscam identificar setores vulneráveis com o objetivo de melhorar a capacidade adaptativa aos efeitos das secas. Estes estudos concentram-se principalmente no setor agrícola, que é considerado mais vulnerável às variações climáticas (Kuwayama et al., 2018KUWAYAMA, Y.; THOMPSON, A.; BERNKNOPF, R.; ZAITCHIK, B.; VAIL, P. Estimating the impact of drought on agriculture using the U.S. Drought Monitor. American Journal of Agricultural Economics, v. 101, n. 1, p. 193-210, 2018.; Peña-Gallardo et al., 2019PEñA-GALLARDO, M.; VICENTE-SERRANO, S.M.; DOMíNGUEZ-CASTRO, F.; E BEGUERíA, S. The impact of drought on the productivity of two rainfed crops in Spain. Hazards Earth Syst, v. 19, n. 6, p. 1215-1234, 2019.).

Diante desse contexto, o presente trabalho tem o objetivo de estudar impactos agrícolas associados às categorias de secas do Monitor de Secas em territórios do estado de Sergipe, a fim de contribuir para a gestão risco e entendimento das secas no estado.

2. Material e Métodos

O estado de Sergipe localiza-se na região Nordeste do Brasil, limitando-se a Sul e a Oeste com o estado da Bahia, a Norte com o estado de Alagoas e a Leste com o oceano Atlântico. Quantos as divisões climática, Sergipe divide-se em três regiões principais: o Semiárido, localizado no interior do estado, com características áridas, precipitação média anual entre 500 e 800 mm e clima seco (Bsh) conforme classificação Koppen; o Litoral, localizado na costa, com característica subúmida e precipitações médias entre de 1 300 e 1 800 mm anuais, de clima tropical quente com chuva de inverno (As) segundo classificação Koppen; e o Agreste, na transição do Semiárido para o Litoral, com precipitações entre 700 e 900 mm anuais. A principal quadra chuvosa do estado compreende o período entre abril e julho (SERHMA, 2021SERHMA - Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos. Boletins de Precipitação Mensal. Disponível em https://sedurbs.se.gov.br/portalrecursoshidricos/#, acesso em abril de 2021.
https://sedurbs.se.gov.br/portalrecursos...
; Carvalho e Martins, 2017CARVALHO, L.M.; MARTINS, V.S. Geodiversidade do Estado de Sergipe. Salvador: CPRM, 154 p., 2017.).

Além das divisões climáticas existentes, os 75 municípios do estado de Sergipe dividem-se em oito unidades de planejamento, denominadas territórios. Nesta pesquisa, a área de estudo se concentrou em três territórios que estão totalmente ou parcialmente inseridos na delimitação do semiárido, são estes: Agreste Central, Alto Sertão e Centro-Sul, conforme Fig. 1.

Figura 1
Mapa de localização dos territórios Alto Sertão, Agreste Central e Centro-Sul de Sergipe.

A classificação das categorias de severidade de seca dos três territórios em estudo foi obtida a partir dos mapas mensais do Monitor de Seca no período de julho de 2014 a dezembro de 2020, que são publicados mensalmente pela Agência Nacional de águas (ANA). Nesta etapa não se considerou o período anterior a julho de 2014, uma vez que o Monitor passou a realizar o monitoramento a partir deste período.

O Monitor de Seca classifica as regiões de seca em até cinco categorias de severidade, que são representadas por cores e variam de fraca a excepcional. Neste estudo, para os territórios que coincidiram com a transição de categorias de secas, e por isso apresentaram duas categorias, foi considerada a mais severa para o território.

Os dados de precipitação foram obtidos do Centro de Análises, Previsão do Tempo e Clima, Meteorologia e Mudanças Climáticas (CMT) da Superintendência Especial de Recursos Hídricos e Meio Ambiente (SERHMA), para o período 2006 a 2020. Posteriormente, utilizando o método dos polígonos de Thiessen (Tucci, 2001TUCCI, C.E. Hidrologia - Ciência e Aplicação. 2. ed. Porto Alegre: Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 943 p., 2001.) e o software Qgis®, foi determinada a precipitação acumulada anual (Panual) para cada um dos três territórios.

Em relação aos dados agrícolas, consideraram-se os impactos possíveis adotados pelo Monitor de Seca: redução da produção das culturas de sequeiro e danos às pastagens. Desta forma, foram utilizados dados de produção de grãos, rendimento médio da cultura, número de pessoas beneficiadas com o programa garantia-safra e dados da produção pecuária.

Os dados de produção agrícola e rendimento médio da cultura foram obtidos da Pesquisa de Produção Agrícola Municipal (PAM), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que são disponibilizados no Sistema de Recuperação Automática (SIDRA). Em relação à produção de grãos, considerou-se a produção anual do milho e do feijão em tonelada (t), uma vez que estas são as principais culturas de sequeiro dos territórios.

Para o rendimento médio (kg/ha), considerou-se apenas a cultura do milho, em decorrência de falhas nos dados da cultura do feijão. Estes dados também foram obtidos da PAM.

A informação sobre pessoas anualmente aderidas ao programa garantia-safra foi obtida do sistema de acompanhamento da Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (SEAD). Este programa é direcionado aos pequenos agricultores que tenham sofrido perda de mais de 50% (cinquenta por cento) da produção de feijão, milho, arroz, mandioca ou algodão, por consequência de seca ou excesso de chuva.

Em decorrência da falta de monitoramento de pastagens nos territórios, buscou-se identificar impactos da seca neste setor a partir dos dados da pecuária obtidos da Pesquisa da Pecuária Municipal (PPM), também do IBGE. Para esta análise, foram consultadas informações de rebanho bovino (número de cabeças) e produção de leite (mil litros).

A associação entre precipitação e impacto agrícola foi obtida através do coeficiente de correlação linear de Pearson (r), determinado pela Eq. (1) definida por Mukaka (2012)MUKAKA, M.M. Statistics corner: a guide to appropriate use of correlation coefficient in medical research. Malawi Medical Journal, v. 24, n. 3, p. 69-71, 2012..

(1) r = σ ( x i x ) ( y i y ) [ i = 1 n ( x i x m e d ) 2 ] [ i = 1 n ( y i y m e d ) 2 ]

em que n é tamanho da amostra; x é a variável independente; y é a variável dependente; xmed e ymed são as médias das vaiáveis x e y, respectivamente.

O coeficiente r pode variar de 0 a 1, em módulo, e é tão mais próximo de 1 (ou -1) quanto mais forte é a correlação. A Tabela 1 indica a classificação da intensidade de correlação para o coeficiente r.

Tabela 1
Valores de r e respectiva intensidade da correlação.

3. Resultados e Discussão

3.1. Categorias de secas

A Fig. 2 (a,b,c) representa as categorias de secas de cada território estudo, elaboradas a partir dos mapas mensais do Monitor de Seca.

Figura 2
Categorias de secas mensais nos territórios Agreste Central (a), Alto Sertão (b), Centro-Sul (c)

Os meses de secas mais severas ocorreram no verão, quando, além da baixa pluviosidade natural, a evapotranspiração é mais elevada. No entanto, o ano de 2016 foi atípico, uma vez que a seca extrema teve início ainda na quadra chuvosa, entre abril e julho.

Os anos de 2017, 2019 e 2020 apresentaram redução de categorias de seca após início da quadra chuvosa, sugerindo que as precipitações neste período foram maiores em comparação aos outros anos, no entanto não foram suficientes para anular as secas, uma vez que se observou a predominância de alguma categoria de severidade de seca neste período.

é possível identificar que no período estudado os três territórios estão constantemente em alguma categoria de seca, visto que no total foram observadas apenas seis ocorrências na categoria “sem seca relativa”. Isto indica que os territórios em estudo, sobretudo o Alto Sertão, estão em situação de seca plurianual que dura pelo menos seis anos. Este resultado corrobora com o observado por Martins et al. (2017)MARTINS, E.S.P.R.; MAGALHãES, A.R.; FONTENELE, D. A seca plurianual de 2010-2017 no Nordeste e seus impactos. Parcerias Estratégicas, v. 22, n. 44, p. 17-40, 2017., que verificaram entre 2010 e 2017 apenas o ano de 2011 não enquadrado em condições de seca em parte dos estados do Nordeste. Adicionalmente, Lima e Magalhães (2018)LIMA, J.R.; MAGALHãES, A.R. Secas no Nordeste: registros históricos das catástrofes econômicas e humanas do século 16 ao século 21. Parcerias Estratégicas, v. 23, n. 46, p. 191-212, 2018. ao analisar registros históricos de secas no Nordeste destacaram a seca de 2012/2017.

3.2. Correlação entre precipitação e agropecuária

A fim de identificar como a seca plurianual afetou o setor agrícola no estado de Sergipe nos últimos anos, foi determinada a correlação linear de Pearson entre a precipitação acumulada anual e os dados agrícolas e pecuários. Na Tabela 2 verificam-se os coeficientes de correção de Pearson obtidos para esta associação.

Tabela 2
Coeficientes de correlação linear de Pearson (r) para precipitação e os dados da agricultura e pecuária.

Observou-se a existência de correlação regular entre produção de grãos e precipitação anual para o território Agreste Central e o Centro-Sul. Já para o Alto Sertão o coeficiente de correlação é considerado forte. Em relação ao rendimento médio da produção do milho, o coeficiente de correlação linear obtido foi regular nos três territórios.

Este resultado vai ao encontro do observado por Dias e Da Silva (2015)DIAS, R.S.; DA SILVA, D.F. Relação entre variabilidade pluviométrica, indicadores socioeconômicos e produção agrícola no Cariri/Centro Sul cearense. Ambiência Guarapuava, v. 11, n. 2, p. 345-358, 2015., que obtiveram coeficiente r entre 0.53 e 0.83 ao correlacionar precipitação e rendimento do médio do milho em onze municípios do estado do Ceará.

Adicionalmente, Luna et al. (2021)LUNA, I.R.G.; SILVA, M.R.; CARTAXO, P.H.A.; GONZAGA, K.S; ALVES, A.K.S.; SANTOS, J.P.O.; BULHõES, L.E.L.; PEREIRA, D.D.; ARAúJO, J.R.E.S. Variabilidade pluviométrica e seus efeitos na produção de feijão-caupi em um município do semiárido paraibano. Revista Thêma et Scientia, v. 11, n. 1, p. 255-265, 2021. obtiveram coeficiente r igual a 0.77 ao correlacionar precipitação e a produção de feijão (t) em um município do semiárido paraibano.

Para o programa garantia-safra verificou-se coeficiente regular apenas para o Centro-Sul. O sinal negativo indica que a relação inversa, ou seja, quanto maior a precipitação, menor o número de pessoas que são aderidas ao programa. Para os demais territórios a correlação é próximo ao valor nulo, o que sugere não existir correlação entre precipitação e o programa garantia-safra nestes territórios.

Este resultado pode estar associado ao fato que o programa garantia-safra é direcionado à agricultura familiar, ou seja, não inclui grandes produtores. Além disso, trata-se de um programa que depende de recursos públicos e da atuação do poder público no sentido de identificar as famílias impactadas pela seca ou excesso de chuva.

Em relação à pecuária, no Agreste Central foi identificada correlação direta e regular entre precipitação e rebanho bovino, e entre precipitação e produção de leite. Resultado parecido foi obtido por Lucena et al. (2013)LUCENA, J.A.; SOUZA, B.I; MOURA, M.O; LIMA, J.O. Produção agropecuária e correlação com a dinâmica climática em Caicó-RN. Revista Brasileira de Geografia Física, v. 6, n. 6, p. 1617-1634, 2013. no município de Caicó do estado do Rio Grande do Norte. Os autores obtiveram coeficiente de correlação r igual a 0.54 entre a precipitação e rebanho bovino e 0.54 entre precipitação e produção de leite.

Para os demais territórios o resultado diferiu do esperado, uma vez que não foi possível identificar relação direta entre precipitação e a pecuária. Destaca-se que a pecuária possui uma resposta mais lenta às alterações de categorias de seca, uma vez que com o agravamento da seca os produtores substituem as pastagens por forragens e outros tipos de ração animal.

Apesar de não ser observada correlação entre a pecuária e a precipitação, os relatórios de pecuária para o estado de Sergipe indicaram queda sucessiva no efetivo de rebanho do estado entre 2015 e 2020 (SERGIPE, 2022SERGIPE. Perfil da Pecuária. Disponível em https://www.observatorio.se.gov.br/app/?categoria=perfil-agropecuaria&subcategoria=perfil-da-pecuria, acesso em março de 2022.
https://www.observatorio.se.gov.br/app/?...
), possivelmente em decorrência da seca no estado. O percentual de redução se deu ano a ano, com maior queda entre 2015 e 2016 (-10,79%). Isto indica que os anos de maior precipitação e a substituição das pastagens por ração animal não foram suficientes para manter o efetivo de rebanho. Ademais, a queda sucessiva contribuiu para a dificuldade de obter correlação com a precipitação. Por último, o estado vegetativo das pastagens pode ter sido afetado pela presença de veranicos de curto prazo, podendo não apresentar relação direta com o volume total de precipitação.

Destaca-se que ao analisar produção agrícola, deve-se levar em consideração que o total de precipitação pode não representar a estação chuvosa de determinada localidade, conforme observado por Lopes et al. (2019)LOPES, J.R.F.; DANTAS, M.P.; FERREIRA, F.E.P. Variabilidade da precipitação pluvial e produtividade do milho no semiárido brasileiro através da análise multivariada. Revista Nativa Sinop, v. 7, n. 1, p. 77-83, 2019.. Isto porque os veranicos, período de prolongada estiagem sazonal, podem estar intercalados de período de chuva intensa, que apesar de resultarem em um volume anual maior de chuva não anulam os efeitos negativos dos veranicos sobre a agricultura e as pastagens.

Rocha et al. (2021)ROCHA, T.B.C.; VASCONCELOS JúNIOR, F.C.; SILVEIRA, C.S.; MARTINS, E.S.P.R.; GONçALVES, S.T.N.; SILVA, E.M.; ALVES, J.M.B.; SAKAMOTO, M.S. Indicadores de veranicos e de distribuição de chuva no Ceará e os impactos na agricultura de Sequeiro. Revista Brasileira de Meteorologia, v. 36, n. 3, p. 579-589, 2021., ao estudarem a influência dos veranicos na agricultura de sequeiro do Ceará, observaram correlação direta entre eventos de veranicos e perda de safra. Além disso, os autores observaram que a melhor distribuição das precipitações contribui para menor perda de safra.

3.3. Impacto da seca na produção de milho e feijão

Neste estudo, além da correlação com a precipitação anual, identificaram-se como as categorias de severidade de seca do Monitor de Secas afetam a agricultura dos territórios em estudo. Já que as categorias de secas não se baseiam apenas em volume de precipitação, mas são definidas a partir da combinação de diversos indicadores hidrometeorológicos, inclusive nos de veranicos.

Na Fig. 3 (a,b,c) observaa-se a evolução da produção agrícola entre 2006 e 2020 para os territórios Agreste Central, Alto Sertão e Centro-Sul.

Figura 3
Gráfico de produção de grãos (t) para os territórios Agreste Central (a), Alto Sertão (b) e Centro-Sul (c)

O plantio do milho, no estado de Sergipe, ocorre entre os meses de abril e junho, já o feijão é plantado entre maio e julho. Em relação à colheita, a do milho é realizada entre outubro e dezembro, já a do feijão ocorre entre os meses de agosto e outubro (CONAB, 2019CONAB - Companhia Nacional de Abastecimento. Calendário de Plantio e Colheita de Grãos no Brasil (2019). Disponível em https://www.conab.gov.br/institucional/publicacoes/outras-publicacoes/item/7694-calendario-agricola-plantio-e-colheita, acesso em maio de 2021.
https://www.conab.gov.br/institucional/p...
). A partir desta informação foi possível verificar como as categorias de secas afetam as etapas de crescimento destas culturas.

Conforme pode ser observado nas Figs. 2 e 3, a redução da produção nos anos 2016 e 2018 coincidiram com a ocorrência de seca excepcional e extrema entre o período de plantio e colheita do milho e feijão. Apesar de em 2017 e 2019 ocorrer seca excepcional e extrema, esta categoria não coincidiu com o período de plantio e colheita das culturas, o que não levou a grandes perdas na produção de grãos.

A produção de 2015 e 2019 foi menor quando comparado a de 2017 e 2020. Isto porque em 2015 e 2019 houve ocorrência de seca grave nos três territórios, o que possivelmente contribuiu para alguns danos à produção dos grãos. Já em 2017 e 2020, apesar da predominância da seca fraca e moderada, a produção agrícola foi elevada, sugerido que estas duas categorias de secas não afetaram a produção de grãos no estado.

Embora se tenha observado correlação regular no Centro-Sul e inexistência de correlação para o Agreste Central e Alto Sertão, os dados de pessoas beneficiadas com o programa garantia-safra permitiram verificar alguns pontos importantes.

Observou-se que houve pagamento do garantia-safra todos os anos nos três territórios durante o período de estudo, o que sugere que mesmo quando houve predominância de seca fraca e moderada os pequenos produtores foram impactados pela seca. Isto diverge do observado na produção de grãos nos territórios, uma vez que não se observou redução do rendimento e produção de grãos em decorrência da seca fraca e moderada.

Adicionalmente, verificou-se que o território Alto Sertão possui maior número de pessoas anualmente beneficiadas. Neste território pelo menos 8 800 pessoas foram beneficiadas anualmente com o programa garantia-safra, conforme observado nos relatórios anuais do SEAD (2021)SEAD - Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário. Relatório B7: Listagem de Agricultores Aderidos por Município. Disponível em http://garantiasafra.mda.gov.br/GarantiaSafra/Relatorios/default.aspx?relatorio=27, acesso em junho de 2021.
http://garantiasafra.mda.gov.br/Garantia...
.

Por último, os resultados da pecuária para os territórios estudados não foram suficientes para identificar como as categorias de seca do Monitor de Secas afetaram as pastagens nos territórios estudados.

4. Conclusões

A seca plurianual dos últimos anos gerou impactos em alguns setores nos territórios Agreste Central, Alto Sertão e Centro-Sul de Sergipe. Observou-se correlação linear entre precipitação e produção de grãos (milho e feijão) e entre precipitação e rendimento médio do milho. Verificou-se que a partir da categoria seca grave as produções agrícolas passaram a apresentar redução, intensificando-se com a evolução da severidade da seca. Por fim, não se observou impacto na safra anual dos territórios em decorrência das categorias de seca fraca e moderada, no entanto os pequenos agricultores necessitaram do garantia-safra nestas categorias de seca, especialmente no território Alto Sertão. Em relação à pecuária, os dados não foram representativos para estudos de impacto nas pastagens.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2022

Histórico

  • Recebido
    04 Jan 2022
  • Aceito
    07 Mar 2022
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