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Propriedades Multifractais da Temperatura do Ar Diária no Nordeste do Brasil

Multifractal Properties of Daily Air Temperature Records Over Northeast, Brazil

Resumo

A investigação da dinâmica das variáveis climáticas fornece informações importantes sobre a sua variabilidade espaço-temporal. Compreender esses processos é fundamental para o desenvolvimento de modelos climáticos que sirvam de base para a análise de cenários futuros e para a previsão das mudanças climáticas. Neste trabalho, analisaram-se as propriedades multifractais das séries diárias de temperatura do ar no Nordeste do Brasil, registradas no período de 1990 a 2015, em 94 estações meteorológicas distribuídas na região. Aplicou-se o método Multifractal Detrended Fluctuation Analysis (MF-DFA), que foi desenvolvido para quantificar correlações de longo alcance em séries temporais multifractais. Os resultados mostraram que o processo que gera a variabilidade da temperatura do ar segue a dinâmica multifractal, com maior influência do componente sazonal. Observou-se, além disso, uma autocorrelação persistente, com maior persistência na proximidade da Linha do Equador. O grau de multifractalidade indicado pela largura do espectro multifractal varia de acordo com a classificação climática da região. A multifractalidade mais forte foi observada na Zona da Mata e no Agreste. Nesse sentido, os resultados indicam que uma longa memória em séries temporais da temperatura do ar média diária do Nordeste brasileiro deve ser modelada como um processo multifractal e pode contribuir para o desenvolvimento de modelos climáticos regionais mais confiáveis.

Palavras-chave:
série temporal; MF-DFA; Clima

Abstract

The investigation of the dynamics of climatic variables provides important information about their spatio-temporal variability. Understanding these processes is fundamental for the development of climate models that serve as a basis for analysis of future scenarios and prediction of climate change. In this work, we analyze multifractal properties of daily air temperature series in Northeast Brazil recorded during the period 1990 to 2015, in 94 meteorological stations distributed over the region. We applied the Multifractal Detrended Fluctuation Analysis (MF-DFA) method that was developed to quantify long-range correlations in multifractal time series. The results show that the process that generates the variability of the air temperature follows the multifractal dynamics, with greater influence of the seasonal component. A persistent auto-correlation was observed, with stronger persistence in the proximity of the equator. The degree of multifractality indicated by the width of the multifractal spectrum varies according to the climatic classification of the region. The strongest multifractality was observed in the Mata and Agreste Zone. The results indicate that long memory in time series of the daily average air temperature of the Brazilian Northeast should be modeled as a multifractal process and may contribute to the development of more reliable regional climate models.

Keywords:
iimes series; Multifractal processes; MF-DFA

1.

Introdução

O interesse em modelar a variabilidade temporal e espacial do clima tem aumentado nos últimos anos, principalmente devido às evidências de aquecimento global. Essa evolução climática a nível mundial tem impacto em vários aspectos da vida, incluindo a necessidade de adaptação, mitigação e planejamento de fornecimentos alimentares (Rötter, 2014RöTTER, R.P. Agricultural Impacts: Robust uncertainty. Nature Climate Change, v. 4, n. 4, p. 251-252, 2014; Baranowski et al., 2015BARANOWSKI, P.; KRZYSZCZAK, J.; SLAWINSKI, C.; HOFFMANN, H.; KOZYRA, J. et al. Multifractal analysis of meteorological time series to assess climate impacts. Climate Research, v. 65, p. 39-52, 2015.). Portanto, a modelagem da variabilidade cli­mática por meio da análise de dados empíricos é de gran­de importância, e, como se trata de um fenômeno extremamente complexo, tornou-se um grande desafio da ciência moderna.

As mudanças climáticas são investigadas por meio da análise de séries históricas de variáveis meteorológicas, principalmente temperatura do ar e precipitação pluvial. Tradicionalmente. as tendências temporais dessas variá­veis são usadas como indicadores das mudanças do clima (Santos e Brito, 2007SANTOS, C.A.C.; BRITO, J.I.B. Análise dos índices de extremos para o semi-árido do Brasil e suas relações com TSM e IVDN. Revista Brasileira de Meteorologia, v. 22, n. 3, p. 303-312, 2007.). Os modelos de circulação global (MCG) são uma ferramenta importante na avaliação e projeção das alterações climáticas e na ajuda na tomada de decisões para enfrentar as consequências da mudança climática. No entanto, a sua capacidade de captar padrões de escala local ou regional é menos promissora, especial­mente para pecipitação e temperatura nas regiões tropicais (Li et al., 2010LI, H.; SHEFFIELD, J.; WOOD, E.F. Bias correction of monthly precipitation and temperature fields from Intergovernmental Panel on Climate Change AR4 models using equidistant quantile matching. Journal of Geophysical Research Atmospheres, v. 115, n. 10, p. D10101, 2010.). Uma fonte inerente de incerteza vem da incapacidade de um modelo de simular as condições climáticas atuais com precisão (Christensen et al., 2008CHRISTENSEN, J.H.; BOBERG, F.; CHRISTENSEN, O.B.; LUCAS-PICHER, P. On the need for bias correction of regional climate change projections of temperature and precipitation. Geophysical Research Letters, v. 35, n. 20, p. L20709, 2008.). As análises empíricas dos dados históricos utilizando os mé­to­dos emergentes podem relevar as propriedades menos conhecidas da dinâmica dos fenômenos climáticos e, assim, ajudar a desenvolver os modelos climáticos mais confiáveis.

Devido à sua grande extensão e localização, o Nordeste brasileiro (NEB) é influenciado pelos vários sistemas atmosféricos (zona de convergência intertropical, ondas de leste, frentes frias, brisas e vórtices ciclônicos de ar superior) (Silva et al., 2006SILVA, V.P.R.; SOUSA, F.D.A.S.; CAVALCANTI, E.P.; SOUZA, E.P.; SILVA, B.B. Teleconnections between sea-surface temperature anomalies and air temperature in northeast Brazil. Journal of Atmospheric and Solar-Terrestrial Physics, v. 68, n. 7, p. 781-792, 2006.). A região não apresenta uma distribuição de chuvas típica das áreas equatoriais, mas inclui principalmente três tipos de clima: litorâneo úmido (do litoral da Bahia ao Rio Grande do Norte, que apresenta altas temperaturas e a existência de duas estações: úmida e seca), tropical (em áreas dos estados da Bahia, Ceará, Maranhão e Piauí, apresenta verão quente e chuvoso e inverno com estiagem prolongada e tempe­ra­turas amenas) e tropical semiárido (em todo sertão nordestino, caracterizado por baixos níveis pluviais, com alta variação temporal e espacial, temperaturas elevadas e altas taxas de evaporação) (Kayano e Andreoli, 2009KAYANO, M.T.; ANDREOLI, R.V. Clima da região Nordeste do Brasil. In: I. F. de A. Cavalcanti; N. J. Derreira; M. G. A. J. da Silva; M. A. F. da S. Dias (Eds.); Tempo e Clima no Brasil. São Paulo: Oficina de Textos, p. 213-234, 2009.)

Aumentos de temperatura associados à mudança de clima decorrente do aquecimento global podem causar maior evaporação de lagos, açudes, reservatórios e au­men­to da evapotranspiração. A situação ainda se agrava com a redução no volume das chuvas e dos seus extremos (projeções dos modelos climáticos globais e regionais até finais do século XXI), isto é, projeta-se que a água se tornará um bem escasso, e são esperados impactos significativos na agricultura de subsistência, agroindústria e agropecuária, na geração de energia e irrigação, na saúde humana, migração e geração de empregos. Além disso, podem acontecer alterações irreversíveis na caatinga e em outros ecossistemas naturais (Marengo et al., 2011MARENGO, J.A.; ALVES, L.M.; BESERRA, E.A.; LACERDA, F.F. Variabilidade e mudanças climáticas no semiárido brasileiro. In: S. de S. Medeiros; H. R. Gheyi; C. de O. Galvão; V. P. da S. Paz (Eds.); Recursos hídricos em regiões áridas e semiáridas. p. 384-422, 2011. Campinha Grande: Instituto Nacional do Semiárido.). Considerando a extrema vulnerabilidade do Nordeste às varia­ções climáticas, principalmente às reduções de chuva e ao aumento das temperaturas, torna-se urgente uma ação coordenada dos governos para planejar e implementar políticas públicas de mitigação e de adaptação. Para atingir esse objetivo, é necessário mapear a vulnerabilidade e o risco, além de conhecer a natureza de suas causas. Isso exige estudos extensos sobre o tema, com uma ampla análise de dados históricos dos parâmetros climáticos relevantes. A precipitação pluvial na região NEB foi extensivamente estudada (Hastenrath e Heller, 1977HASTENRATH, S.; HELLER, L. Dynamics of climatic hazards in northeast Brazil. Quarterly Journal of the Royal Meteorological Society, v. 103, n. 435, p. 77-92, 1977.; Oliveira et al., 2014OLIVEIRA, P.T.; SILVA, C.M.S.E; LIMA, K.C. Linear trend of occurrence and intensity of heavy rainfall events on Northeast Brazil. Atmospheric Science Letters, v. 15, n. 3, p. 172-177, 2014.; Lyra et al., 2014LYRA, G.B.; OLIVEIRA-JúNIOR, J.F.; ZERI, M. Cluster analysis applied to the spatial and temporal variability of monthly rainfall in Alagoas state, Northeast of Brazil. International Journal of Climatology, v. 34, n. 13, p. 3546-3558, 2014.; Rao et al., 2016RAO, V.B.; FRANCHITO, S.H.; SANTO, C.M.E.; GAN, M.A. An update on the rainfall characteristics of Brazil: seasonal variations and trends in 1979-2011. International Journal of Climatology, v. 36, n. 1, p. 291-302, 2016.), enquanto a temperatura atraiu menos atenção devido ao fato de existir uma baixa variação temporal e espacial. Os estudos anteriores limitam-se à espacialização de dados históricos, com o objetivo de superar a falta e a má distribuição de estações meteorológicas, o que dificulta o zoneamento de aptidão climática das culturas, tornando inviável o planejamento agropecuário (Medeiros et al., 2005MEDEIROS, S.S.; CECíLIO, R.A.; MELO JúNIOR, J.C.F.; SILVA JUNIOR, J.L.C. Estimativa e espacialização das temperaturas do ar mínimas, médias e máximas na Região Nordeste do Brasil. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, v. 9, n. 2, p. 247-255, 2005.; Cavalcanti et al., 2006CAVALCANTI, E.P.; SILVA, V.P.R.; SOUSA, F.A.S. Programa computacional para a estimativa da temperatura do ar para a região Nordeste do Brasil. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, v. 10, n. 1, p. 140-147, 2006.). A investigação da dinâmica da temperatura do ar média pode fornecer informações importantes sobre os processos que geram a sua variabili­dade temporal, que é crucial para o desenvolvimento de modelos preditivos teóricos e computacionais confiáveis.

Os elementos e fenômenos meteorológicos dependem de vários processos naturais e mostram flutuações em diferentes escalas temporais e espaciais. Esses processos são muitas vezes não lineares, e os métodos estatísticos lineares são insuficientes para uma análise completa de sé­ries temporais de elementos e fenômenos meteorológicos. O progresso da análise de fenômenos não-lineares nas últimas décadas é a consequência do desenvolvimento de novos métodos que podem revelar propriedades inportantes de séries temporais meteorológicas que não podem ser detectadas usando técnicas lineares (Mali, 2016MALI, P. Multifractal detrended moving average analysis of global temperature records. Journal of Statistical Mechanics: Theory and Experiment, v. 2016, n. 1, p. 13201, 2016.). Entre essas propriedades destaca-se a existência das correlações de longo alcance (memória longa), característica dos processos fractais em que as flutuações aumentam com a escala de observação seguindo uma lei de potência. Em casos mais complexos, o comportamento das séries temporais não pode ser caracterizado por apenas um expoente de escala, ou seja, esses sinais não apresentam um comportamento monofractal simples, mas sua estrutura complexa requer o uso de diferentes expoentes de escala para diferentes partes da série. Esses processos são conhecidos como multifractais, e é necessária uma hierarquia de expoentes de escala para uma descrição completa do comportamento das flutuações (Feder, 1988FEDER, J. Fractals. New York: Plenum Press, 1988.; Kantelhardt, 2012KANTELHARDT, J.W. Fractal and multifractal time series. In: R. A. Meyers (Ed.); Mathematics of complexity and dynamical systems. New York: Springer, p. 463-487, 2012.). As propriedades fractais e multifractais foram observadas em séries temporais climáticas como tempe­ratura (Lin e Fu, 2008LIN, G.; FU, Z. A universal model to characterize different multi-fractal behaviors of daily temperature records over China. Physica A: Statistical Mechanics and its Applications, v. 387, n. 2-3, p. 573-579, 2008.; Burgueño et al., 2014BURGUEñO, A.; LANA, X.; SERRA, C.; MARTíNEZ, M.D. Daily extreme temperature multifractals in Catalonia (NE Spain). Physics Letters A, v. 378, n. 11, p. 874-885, 2014.; Mali, 2016MALI, P. Multifractal detrended moving average analysis of global temperature records. Journal of Statistical Mechanics: Theory and Experiment, v. 2016, n. 1, p. 13201, 2016.), umidade (Li-Hao e Zun-Tao, 2013LI-HAO, G.; ZUN-TAO, F. Multi-fractal Behaviors of Relative Humidity over China. Atmospheric and Oceanic Science Letters, v. 6, n. 2, p. 74-78, 2013.), velocidade do vento (Figueirêdo et al., 2014FIGUEIRêDO, B.C.L.; MOREIRA, G.R.; STOSIC, B.; STOSIC, T. Multifractal analysis of hourly wind speed records in Petrolina, Northeast Brazil. Revista Brasileira de Biometria, v. 32, n. 4, p. 599-608, 2014.), radiação solar (Calif et al., 2013CALIF, R.; SCHMITT, F.G.; HUANG, Y.; SOUBDHAN, T. Intermittency study of high frequency global solar radiation sequences under a tropical climate. Solar Energy, v. 98, p. 349-365, 2013.), precipitação (Kantelhardt et al., 2006KANTELHARDT, J.W.; KOSCIELNY-BUNDE, E.; RYBSKI, D.; BRAUN, P.; BUNDE, A. et al. Long-term persistence and multifractality of precipitation and river runoff records. Journal of Geophysical Research, v. 111, n. D1, p. D01106, 2006.) e vazão fluvial (Kantelhardt et al., 2006KANTELHARDT, J.W.; KOSCIELNY-BUNDE, E.; RYBSKI, D.; BRAUN, P.; BUNDE, A. et al. Long-term persistence and multifractality of precipitation and river runoff records. Journal of Geophysical Research, v. 111, n. D1, p. D01106, 2006.; Araújo et al., 2014ARAúJO, L.S.; FILHO, M.C.; STOSIC, B.D.; STOšIć,T. Avaliaçăo do impacto humano na dinâmica das variáveis hidrológicas da Bacia do Rio Piracicaba através da análise multifractal. Revista Brasileira de Biometria, v. 32, n. 1, p. 170-179, 2014.).

A fim de contribuir para melhor compreensão do processo estocástico subjacente, que gera a variabilidade temporal da temperatura do ar média do ar no Nordeste brasileiro, avaliou-se, neste trabalho, as propriedades multifractais das séries temporais da temperatura média do ar dessa região, utilizando o método Multifractal Detrended Fluctuation Analysis (Kantelhardt et al.,2002KANTELHARDT, J.W.; ZSCHIEGNER, S.A.; KOSCIELNY-BUNDE, E.; HAVLIN, S.; BUNDE, A. et al. Multifractal detrended fluctuation analysis of nonstationary time series. Physica A: Statistical Mechanics and its Applications, v. 316, n. 1-4, p. 87-114, 2002.). Foram realizadas estimativas para 94 estações meteorológicas, posteriormente interpoladas utilizando-se o método Inverso da Potência da Distância (IDW), ampliando a estimação para todo Nordeste brasileiro. Dessa forma, avaliou-se o comportamento dessas estatísticas no espaço.

2.

Material e Métodos

2.1

Dados

Os dados utilizados neste trabalho foram séries históricas diárias de temperatura do ar média, obtidas pelo Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) em 94 estações meteorológicas distribuídas no Nordeste, durante o período de 1990 a 2015. Esses dados estão disponíveis no endereço eletrônico do INMET, e a distribuição espacial das estações pode ser observada na Fig. 1.

Figura 1
Disposição espacial das 94 estaóões meteorológicas do INMET localizadas na região Nordeste do Brasil.
2.2

Multifractal Detrended Flutuation Analysis (MF-DFA)

O método Multifractal Detrended Fluctuation Analysis (MF-DFA) foi introduzido por Kantelhardt et al. (2002)KANTELHARDT, J.W.; ZSCHIEGNER, S.A.; KOSCIELNY-BUNDE, E.; HAVLIN, S.; BUNDE, A. et al. Multifractal detrended fluctuation analysis of nonstationary time series. Physica A: Statistical Mechanics and its Applications, v. 316, n. 1-4, p. 87-114, 2002., para quantificar correlações de longo alcance em séries temporais multifractais não estacionárias. Esse método vem sendo utilizado com sucesso na fisiologia (Figliola et al., 2007FIGLIOLA, A.; SERRANO, E.; ROSSO, O.A. Multifractal detrented fluctuation analysis of tonic-clonic epileptic seizures. The European Physical Journal Special Topics, v. 143, n. 1, p. 117-123, 2007.), na geofísica (Tanna e Pathak, 2014TANNA, H.J.; PATHAK, K.N. Multifractal behaviour of the ionospheric scintillation index time series over an Indian low latitude station Surat. Journal of Atmospheric and Solar-Terrestrial Physics, v. 109, p. 66-74, 2014), na climatologia (Lin e Fu, 2008LIN, G.; FU, Z. A universal model to characterize different multi-fractal behaviors of daily temperature records over China. Physica A: Statistical Mechanics and its Applications, v. 387, n. 2-3, p. 573-579, 2008.; Telesca e Lovallo, 2011TELESCA, L.; LOVALLO, M. Analysis of the time dynamics in wind records by means of multifractal detrended fluctuation analysis and the Fisher-Shannon information plane. Journal of Statistical Mechanics: Theory and Experiment, v. 2011, n. 7, p. P07001, 2011.; Calif et al., 2013CALIF, R.; SCHMITT, F.G.; HUANG, Y.; SOUBDHAN, T. Intermittency study of high frequency global solar radiation sequences under a tropical climate. Solar Energy, v. 98, p. 349-365, 2013.; Liu et al., 2014LIU, Z.; XU, J.; CHEN, Z.; NIE, Q.; WEI, C. Multifractal and long memory of humidity process in the Tarim River Basin. Stochastic Environmental Research and Risk Assessment, v. 28, n. 6, p. 1383-1400, 2014.), na hidrologia (Jovanovic et al., 2016JOVANOVIC, T.; MEJíA, A.; GALL, H.; GIRONáS, J. Effect of urbanization on the long-term persistence of streamflow records. Physica A: Statistical Mechanics and its Applications, v. 447, p. 208-221, 2016.; Tan e Gan, 2017TAN, X.; GAN, T.Y. Multifractality of Canadian precipitation and streamflow. International Journal of Climatology, v. 37, n. 51, p. 1221-1236, 2017.) e nas finanças (Matia et al., 2003MATIA, K.; ASHKENAZY, Y.; STANLEY, H.E. Multifractal properties of price fluctuations of stocks and commodities. Europhysics Letters (EPL), v. 61, n. 3, p. 422-428, 2003.; Stošić et al., 2003STOšIć, D.; STOšIć, D.; STOšIć, T.; EUGENE STANLEY, H. Multifractal properties of price change and volume change of stock market indices. Physica A: Statistical Mechanics and its Applications, v. 428, p. 46-51, 2015.).

O método MF-DFA procede como se segue:

  1. A série temporal original x(i), i = 1, 2, ..., N é integrada,

    (1) y ( k ) = i = k k x ( i ) x , k = 1 , , N

    em que x representa a média da série x(i).

  2. A série integrada y(k) é dividida em Nn = int[N/n] segmentos não sobrepostos de tamanho n e em cada segmento s = 1, 2, ..., Nn calcula-se a tendência local yn,s(k) pelo ajuste li­near ou polinomial.

  3. Em cada segmento determina-se a variância sem tendência:

    (2) F 2 ( n , s ) = 1 n i = ( s 1 ) n + 1 s n [ y ( k ) y n , s ( k ) ] 2

  4. Calcula-se o valor médio sobre todos os segmentos para obter a função de flutuação de ordem q,

    (3) F q ( n ) = { 1 N n s = 1 N n [ F 2 ( n , s ) ] q 2 } 1 q

    em que q pode assumir qualquer valor real diferente de zero. Para q = 0, Fq(n) é calculada como [Fε(n) - F(n)] / 2, em que ε → 0. Esse cálculo se repete para diferentes tamanhos dos segmentos, fornecendo a relação entre a função de flutuação Fq(n) e o tamanho do segmento n.

  5. Se a série yi possui as correlações de longo alcance, a função de flutuação Fq(n) aumenta com n, como uma lei de potência,

    (4) F q ( n ) ~ n h ( q )

O expoente de escala h(q) é uma estimativa do ex­po­ente de Hurst (1965)HURST, H.E. Long-term storage: An experimental study. London: Constable, 1965., sendo igual ao coeficiente angular da reta log (n) versus log Fq(n). Para valores positivos de q, h(q) descreve a invariância de escala dos segmentos com grandes flutuações e, para valores negativos de q, h(q) descreve a invariância de escala dos segmentos com pequenas flutuações. O expoente de Hurst está diretamente relacionado aos expoente de Renyi (1976)RENYI, A. Selected papers of Alfred Renyi. Budapest: Akademiai Kiado, 1976., denominado τ(q) e definido como (Kantelhardt et al., 2002KANTELHARDT, J.W.; ZSCHIEGNER, S.A.; KOSCIELNY-BUNDE, E.; HAVLIN, S.; BUNDE, A. et al. Multifractal detrended fluctuation analysis of nonstationary time series. Physica A: Statistical Mechanics and its Applications, v. 316, n. 1-4, p. 87-114, 2002.),

(5) τ ( q ) = q × h ( q ) 1

Além da forma funcional h(q), pode-se caracterizar a multifractalidade de uma série temporal através do espectro de singularidade f(α), relacionando τ(q) via transformação de Legendre,

(6) α = τ ( q ) = τ ( q ) q f ( α ) = q α τ ( q )

em que α é o expoente de singularidade, enquanto f(α) denota a dimensão do subconjunto da série caracterizado por α.

Em séries monofractais, o espectro f(α) é represen­tado por apenas um ponto, no entanto, em uma série multifractal, o espectro é representado por uma função côn­cava para baixo (Feder, 1988FEDER, J. Fractals. New York: Plenum Press, 1988.; Kantelhardt et al., 2002KANTELHARDT, J.W.; ZSCHIEGNER, S.A.; KOSCIELNY-BUNDE, E.; HAVLIN, S.; BUNDE, A. et al. Multifractal detrended fluctuation analysis of nonstationary time series. Physica A: Statistical Mechanics and its Applications, v. 316, n. 1-4, p. 87-114, 2002.).

Um conjunto de parâmetros pode ser extraído a partir dos espectros multifractais (Fig. 2) para a caracteri­za­ção da complexidade do processo (Jones et al., 1986JONES, P.D.; RAPER, S.C.B.; BRADLEY, R.S.; DIAZ, H.F.; KELLYO, P.M. et al. Northern Hemisphere Surface Air Temperature Variations: 1851-1984. Journal of Climate and Applied Meteorology, v. 25, n. 2, p. 161-179, 1986.; Shimizu et al., 2002SHIMIZU, Y.; THURNER, S.; EHRENBERGER, K. Multifractal Spectra as a Measure of Complexity in Human Posture. Fractals, v. 10, n. 1, p. 103-116, 2002.):

  1. α0, a posição do máximo de f(α), que corresponde ao pont­o em que q → 0.

  2. δα, a largura do espectro, obtida como δα = αmax - αmin.

  3. B, o parâmetro de assimetria que pode ser quantificado por B=αmaxα0α0αmin.

Figura 2
Representação esquemática dos parâmetros multifractais extraídos a partir do espectro multifractal.

Esses parâmetros descrevem a multifractalidade do sinal e, consequentemente, a "Complexidade" da série temporal. O parâmetro α0 fornece uma estimativa do expoente de Hurst (Shimizu et al., 2002SHIMIZU, Y.; THURNER, S.; EHRENBERGER, K. Multifractal Spectra as a Measure of Complexity in Human Posture. Fractals, v. 10, n. 1, p. 103-116, 2002.), no qual um valor de α0 > 0,5 indica um processo correlacionado ou persistente, α0 < 0,5 um processo anticorrelacionado ou antipersistente e α0 = 0,5 indica um processo totalmente aleatório. O parâmetro δα mede a amplitude de expoentes fractais necessários para descrever o sinal, ou seja, mede a largura do espectro multifractal f(α). Portanto, quanto maior a amplitude mais "forte" são as características multifractais. O Parâmetro B funciona como uma medida do domínio de pequenas e grandes flutuações do espectro multifractal. Se B = 1, significa que o espectro é simétrico, B > 1 significa que é assimétrico à direita, ou seja, indica que subconjuntos com pequenas flutuações têm maior contribuição do espectro multifractal, e B < 1 significa que o espectro possui uma assimetria à esquerda, ou seja, indica que subconjuntos com grandes flutuações têm maior contribuição do espectro multifractal (Shimizu et al., 2002SHIMIZU, Y.; THURNER, S.; EHRENBERGER, K. Multifractal Spectra as a Measure of Complexity in Human Posture. Fractals, v. 10, n. 1, p. 103-116, 2002.).

2.3

Inverso da potência da distância (IDW)

Um método matemático para interpolação de dados que tem sido amplamente utilizado em dados climáticos (Jones et al., 1986JONES, P.D.; RAPER, S.C.B.; BRADLEY, R.S.; DIAZ, H.F.; KELLYO, P.M. et al. Northern Hemisphere Surface Air Temperature Variations: 1851-1984. Journal of Climate and Applied Meteorology, v. 25, n. 2, p. 161-179, 1986.; Bowen e Revenaugh, 2003BOWEN, G.J.; REVENAUGH, J. Interpolating the isotopic composition of modern meteoric precipitation. Water Resources Research, v. 39, n. 10, 2003.; Wang et al., 2014WANG, S.; HUANG, G.H.; LIN, Q.G.; LI, Z. ZHANG, H. et al. Comparison of interpolation methods for estimating spatial distribution of precipitation in Ontario, Canada. International Journal of Climatology, v. 34, n. 14, p. 3745-3751, 2014.) é o Inverso da Potência da Distância (IDW). Tal método foi proposto por Shepard (1968)SHEPARD, D. A two-dimensional interpolation function for irregularly-spaced data. In: S. R. B. Blue; A. M. Rosenberg (Eds.); Proceedings of the 1968 23rd ACM national conference. p. 517-524, 1968. New York: ACM Press. e pressupõe que quanto mais distante um ponto observado estiver do estimado menor será seu peso, ou seja, menor será sua influência sobre o valor de inferência. A expressão usual é dada por

(7) Z ^ ( s 0 ) = i = 1 N λ i Z ( s i )

em que Z^(s0) é o valor estimado para o local s0; λi são os pesos atribuídos da i-ésima localidade vizinha; Z(s0) são os valores observados; e N é o número de pontos observados. Pode-se determinar os valores dos pesos a partir de

(8) λ i = d i 0 p i = 1 N d i 0 p

em que a quantidade di0 é a distância entre o local estimado (s0) e cada um dos demais pontos observados, e i=1Nλi=1. Observa-se que, quando o expoente p aumenta, o peso diminui para pontos distantes e aumenta para pontos mais próximos. Neste trabalho, adotou-se um valor de p = 2. Outra observação é que o método possui uma tendência a formar contornos concêntricos ao redor dos pontos de amostragem (Andriotti, 2013ANDRIOTTI, J.L.S. Fundamentos de estatística e geoestatística. São Leopoldo: UNISINOS, 2013.).

3.

Resultados e Discussão

Foi realizada uma análise descritiva da temperatura do ar média diária, na qual foram calculados a média e o desvio padrão dessa variável em cada uma das 94 estações meteorológicas e, posteriormente, realizou-se a interpo­la­ção espacial das estatísticas calculadas (Fig. 3). A tempe­ratura do ar média diária apresentou maiores valores nas regiões mais ao norte da região Nordeste do Brasil, o que condiz com o conhecimento prévio sobre o fenômeno em estudo, esperando-se maiores temperaturas do ar nas regiões mais próximas da Linha do Equador (Mendonça e Danni-Oliveira, 2007MENDONçA, F.; DANNI-OLIVEIRA, I.M. Climatologia: noções básicas e climas do Brasil. São Paulo: Oficina de Textos, 2007.; Torres e Machado, 2008TORRES, F.T.P.; MACHADO, P.J.O. Introdução à Climatologia. Geographica: Santo André, 2008.). Na Fig. 3 B, observou-se que o desvio padrão também tem relação com a latitude, observando-se as maiores variabilidades em locais mais distantes do Equador, logo as maiores va­riabilidades da temperatura do ar média diária estão localizadas nas regiões com menores médias da mesma.

Figura 3
Média (A) e o desvio padrão (B) da temperatura média diária do ar no Nordeste do Brasil, no período de 1990 a 2015.

As propriedades multifractais foram analisadas para série de anomalias (xdix¯di) / sdi, em que xdi é cada valor observado em determinado dia, x¯di é a média e sdi é o desvio padrão correspondente à data do calendário em que ocorreu a observação, e foram avaliadas face às 94 estações meteorológicas. Para representar estas estações, foi escolhida a estação meteorológica de Curado-PE para exibir os gráficos da função de flutuação Fq(n) versus o tamanho de caixa (n) (Fig. 4 A), o Expoente generalizado de Hurst h(q) (Fig. 4 B), o Expoente de Rényi τ(q) (Fig. 4 C) e o Espectro Multifractal f(α) (Fig. 4 D). Observou-se, na Fig. 4 A, que a função de flutuação Fq(n) exibe um comportamento linear na escala logarítmica para q = -10, ..., 10, indicando comportamento multifractal para a temperatura média do ar. O expoente generalizado de Hurst h(q) é uma função decrescente, e o Expoente de Rényi τ(q) é não linear, como pode ser observado nas Figs. 4 B e C, característico de processos multifractais. Na Fig. 4 D, o resultado observado de f(α) confirmou que a temperatura do ar média diária pertence a processos multifractais. Os parâmetros estimados foram α0 = 0,84, δα = 0,36 e B= 2,01. A largura do espectro (δα) indica grau de multifractalidade baixo, e o valor do expoente Holder α0 é maior que 0,5, indicando que as flutuações da temperatura exibem propriedades persistentes; nesse caso, a persistência é caracterizada quando um valor da tempe­ratura média aumenta e continua aumentando até um longo intervalo de tempo, valendo o mesmo comportamento para a diminuição da temperatura média. O valor de parâmetro B é maior que 1, indicando uma assimetria para a direita, ou seja, subconjuntos com pequenas flutuações têm maior contribuição ao espectro multifractal. Resultado seme­lhante foi encontrado para a China (Lin; Fu, 2008CHRISTENSEN, J.H.; BOBERG, F.; CHRISTENSEN, O.B.; LUCAS-PICHER, P. On the need for bias correction of regional climate change projections of temperature and precipitation. Geophysical Research Letters, v. 35, n. 20, p. L20709, 2008.), apesar de este país exibir uma variação temporal e espacial da temperatura muito maior.

Figura 4
(A) Função de flutuação Fq(n) versus o tamanho de caixa (n) para diferentes valores q; (B) Expoente generalizado de Hurst h(q); (C) Expoente de Rényi τ(q); (D) Espectro Multifractal da temperatura média diéria do ar registrados entre 1990 e 2015, da estação Patos-PB, Brasil.

Em todo Nordeste brasileiro, observou-se que os valores de posição do máximo (α0) são maiores que 0,5, indicando persistência climática para a temperatura do ar média diária (Fig. 5 A), sendo que os valores de α0, em geral, diminuíram com a latitude. Esse comportamento assemelha-se aos resultados observados por Tsonis et al. (1999)TSONIS, A.A.; ROEBBER, P.J.; ELSNER, J.B. Long-Range Correlations in the Extratropical Atmospheric Circulation: Origins and Implications. Journal of Climate, v. 12, n. 5, p. 1534-1541, 1999., Király e Jánosi (2004)KIRáLY, A.; JáNOSI, I.M. Detrended fluctuation analysis of daily temperature records: Geographic dependence over Australia. Meteorology and Atmospheric Physics, v. 88, n. 3–4, p. 119–128, 2004. e Yuan et al. (2012)YUAN, N.; FU, Z.; MAO, J. Different multi-fractal behaviors of diurnal temperature range over the north and the south of China. Theoretical and Applied Climatology, v. 112, n. 3-4, p. 673-682, 2012.. A autocorrelação de longo alcance torna-se mais forte à medida que a posição de máximo se aproxima de 1 (α0→1), ou seja, mais duradouro será esse comportamento e maior será o alcance da autocorrelação temporal. Dessa forma, o estado do Ceará e o oeste da Paraíba e do Rio Grande do Norte foram as regiões que apresentaram a persistência mais forte, enquanto que as áreas que apre­sen­taram os menores valores de α0 se concentraram no sul da Bahia e no noroeste do Maranhão.

Figura 5
(A) Parâmetro multifractal α0, (B) Largura do espectro ∆α e (C) Coeficiente de assimetria B da temperatura média diária do ar no Nordeste do Brasil, no período de 1990 a 2015.

Observou-se, na Fig. 5 B, que a largura do espectro (δα) variou de forma similar aos biomas característicos da região (Mendonça e Danni-Oliveira, 2007MENDONçA, F.; DANNI-OLIVEIRA, I.M. Climatologia: noções básicas e climas do Brasil. São Paulo: Oficina de Textos, 2007.). As maiores larguras do espectro foram observadas no noroeste do Maranhão, sob a Floresta Amazônica. Nas regiões da Mata Atlântica e Caatinga também foram observados grandes valores da largura do espectro, onde notou-se que esses valores diminuem no sentido leste-oeste. Já os menores valores foram observados na porção são observadas no Cerrado, no oeste da Bahia e do Piauí e sudeste do Maranhão. Quanto maior a largura do espectro multifractal maior é a complexidade do processo estocástico gerador da série analisada e, consequentemente, é maior a dificuldade em se realizar previsões.

Os valores do parâmetro de assimetria (B) foram todos maiores que 1, revelando que a multifractalidade da temperatura média do ar em todo Nordeste é mais influenciada por pequenas flutuações (Fig. 5 C). Ou seja, a sazonalidade é a principal característica temporal que determina as oscilações da temperatura na região. Quanto menor a assimetria aumenta a contribuição das grandes flutuações e maiores são as chances de serem observados eventos climáticos fora de estação, como a redução da temperatura no verão, ocasionada por pancadas de chuva. Estudos semelhantes realizados na Europa também observaram uma maior contribuição das grandes flutuações sobre a característica multifractal da temperatura do ar (Kalamaras et al., 2017KALAMARAS, N.; PHILIPPOPOULOS, K.; DELIGIORGI, D.; TZANIS, C.G.; KARVOUNIS, G. Multifractal scaling properties of daily air temperature time series. Chaos, Solitons & Fractals, v. 98, p. 38-43, 2017.; Krzyszczak et al., 2017KRZYSZCZAK, J.; BARANOWSKI, P.; HOFFMANN, H.; ZUBIK, M.; SłAWIńKI, C. Analysis of Climate Dynamics Across a European Transect Using a Multifractal Method. In: I. Rojas; H. Pomares; O. Valenzuela (Eds.); Advances in Time Series Analysis and Forecasting. p. 103-116, 2017. Springer, Cham.). Ge­ralmente, esses eventos são ocasionados pela influência das massas de ar, e o que observamos é que a faixa com maior assimetria se localiza sobre a faixa central e sudeste do Maranhão (Fig. 5 C). Esta área é a que sofre menos influência de massas de ar ao longo do ano, além de que a massa de ar Equatorial Atlântica chega com menos força à região durante o inverno, e a massa de ar Equatorial Continental não consegue alcançar a região durante o inverno, devido à barreira gerada pela Serra dos Carajás. Jiménez-Hornero et al. (2011)JIMéNEZ-HORNERO, F.J.; PAVóN-DOMíNGUEZ, P.; RAVé, E.G.; ARIZA-VILLAVERDE, A.B. Joint multifractal description of the relationship between wind patterns and land surface air temperature. Atmospheric Research, v. 99, n. 3-4, p. 366-376, 2011. também observaram uma relação entre as características multifractais da temperatura do ar com as massas de ar, onde o aumento da multifractalidade da série foi associado a massas de ar quentes.

4.

Conclusões

Neste trabalho, investigamos as propriedades multifractais dos registros diários de temperatura do ar média no Nordeste do Brasil, durante o período de 1990 a 2015, aplicando o método Multifractal Detrended Flutuation Analysis. Descobrimos que o processo estocástico que gera a variabilidade da temperatura média do ar segue uma dinâmica multifractal, caracterizado por diferentes comportamentos de escala de pequenas e grandes flutuações.

Observou-se, em todo o Nordeste brasileiro, uma autocorrelação persistente para a temperatura do ar média diária, sendo que em geral a persistência diminui com a latitude. A dinâmica multifractal da região varia conforme a classificação climática local, e as maiores larguras do espectro estão localizadas nas regiões da Zona da Mata e do Agreste (ao leste), e as menores, nas regiões do Sertão Nordestino e do Meio Norte (a oeste). A multifractalidade é mais influenciada pelas pequenas flutuações, indicando que a componente temporal de maior influência sobre a temperatura do ar foi a sazonalidade. A distribuição espacial dessa propriedade (assimetria do espetro) reflete a influência dos sistemas atmosféricos que atuam na região.

Por fim, os resultados deste estudo indicam que a modelagem da memória longa em séries temporais da temperatura média diária do Nordeste brasileiro deveria ser feita utilizando-se um modelo multifractal, contribuindo, assim, para uma melhor compreensão do fenômeno em estudo. A propriedade multifractal da dinâmica da temperatura do ar deveria ser considerada nos desenvolvimentos dos modelos novos e na avaliação dos mo­delos existentes da previsão climática para a região Nordeste do Brasil. Os modelos mais confiáveis podem prever as mudanças climáticas com maior precisão e, assim, providenciar uma base teórica para planejamento das políticas públicas de mitigação e de adaptação que vão garantir a estabilidade social e a segurança da população, assim como o desenvolvimento sustentável da região.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Maio 2019
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2019

Histórico

  • Recebido
    12 Jun 2017
  • Aceito
    18 Jan 2018
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