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Tendência do Vapor D'Água na Atmosfera Mediante Dados do NCEP/NCAR

Water Vapor Trend in the Atmosphere by NCEP/NCAR DATA

Resumo

Neste estudo foi analisando a tendência anual da Água Precipitável (AP) média global no período de 1984 a 2014. Foram utilizados dados extraídos das reanálises do National Center for Environmental Prediction/National Center for Atmospheric Research (NCEP/NCAR) e apresentados na forma de tabela. A distribuição espacial da tendência de Água Precipitável também foi avaliada. Os testes de significância estatísticas de Mann-Kendall e t de Student foram aplicados para as tendências das séries globais. O valor médio de AP para todo o período é de 24 mm correspondendo a um volume estimado para toda a atmosfera do globo de cerca de 12 trilhões de metros cúbicos. Os resultados apontam tendências significativas de 0,026; 0,013 e 0,019 mm/ano para o H.N.; H.S. e todo o Globo, respectivamente. Áreas específicas do globo apontam tendências positivas de 0,09 mm/ano e outras negativas de até −0,09 mm/ano demonstrando assim uma distribuição não homogênea dessa tendência no globo.

Palavras-chave:
água precipitável; reanálises do NCEP/NCAR; tendência climática

Abstract

In this study the mean global annual precipitable water is analyzed for the period of 1984 to 2014. For this purpose the data extracted from the reanalyses of NCEP/NCAR was used and presented in the form of a table. The spacial distribution of the tendency of precipitable water also was presented. Mann-Kendall and student t significant tests were applied for the tendency of global series. The mean value of precipitable water for the period is of 24 mm corresponding to the volume estimated for the entire global atmosphere of about 12 x 1012 m3. The results indicate significant tendencies of 0.026, 0.013 and 0.019 mm/year for the northern hemisphere, southern hemisphere and the entire globe, respectively. Specific areas of the globe show positive tendencies of 0.09 mm/year and the others show negative tendencies of the order of −0.09 mm/year demonstrating a non-homogeneous global tendency.

Keywords:
precipitable water; reanalysis NCEP/NCAR; climate trend

1. Introdução

A substância água é indispensável à vida na Terra e faz parte de cerca de três quartos da estrutura dos animais e vegetais. Na natureza, ela pode ser encontrada nos estados sólido, líquido e gasoso. As regiões glaciais do globo terrestre comportam grande volume de água na forma de gelo. Oceanos e mares são os principais reservatórios de água na forma líquida e cobrem cerca de três quartos da superfície do planeta Terra. O vapor d'água é armazenado na atmosfera e transportado pela circulação geral.

Segundo Peixoto e Oort (1992)PEIXOTO, J.P.; OORT, A.H. Physics of climate. New York: American Institute of Physics, 1992. 520 p. ISBN 13:978-0883187128, ISBN-10:0883187124., a água no globo é distribuída em três reservatórios básicos: oceanos, continentes e atmosfera. Ao considerar desta forma, 1.350 x 1015 m3 de água (cerca de 97% do volume total d'água da hidrosfera), estão contidos nos oceanos, enquanto 33,6 x 1015 m3 (cerca de 2,4%) se encontram nos continentes, incluindo as regiões glaciais Ártica e Antártica. A atmosfera contém 0,013 x 1015 m3 ou somente 0,001% do total, percentual este que, embora pequeno, representa um volume em torno de 13 trilhões de metros cúbicos, aproximadamente 31 mil vezes a capacidade máxima atual do açude Epitácio Pessoa (Boqueirão) localizado no Estado da Paraíba, com capacidade de 412 milhões de metros cúbicos. Sobre os continentes, a água é distribuída em reservatórios secundários, da seguinte forma: regiões glaciais 25 x 1015 m3; água subterrânea 8,4 x 1015 m3; lagos e rios 0,2 x 1015 m3 e, finalmente, na biosfera, 0,0006 x 1015 m3. O volume de água na forma de gelo polar é expressivo, correspondendo a 1,8% de toda a água contida na hidrosfera. Dada a extensão oceânica, o volume d'água evaporada é, em m3 /ano, aproximadamente 6 vezes a evapotranspiração dos continentes, ao passo que a precipitação representa cerca de 3 vezes a precipitação nos continentes.

Segundo Howarth (1983)HOWARTH, D.A. Seasonal variations in the vertically integrated water vapor transport fields over the Southern Hemisphere. Monthly Weather Review, AMS, v. 111, p. 1259-1272, 1983. considerando-se que a água precipitável média global é de 25 mm e que a precipitação média global é de 1.000 mm/ano, verifica-se que o tempo de permanência da água na atmosfera é de aproximadamente 9 a 10 dias. Se o calor latente de condensação for tomado como 2,5 x 106 J kg-1, a quantidade de energia liberada na atmosfera será de aproximadamente 1,28 x 1024 J ano-1, equivalente a 35% da energia solar absorvida pelo sistema terra-atmosfera no mesmo período.

Vários estudos buscam avaliar a qualidade das informações de água precipitável (AP) fornecidas pelas reanálises do National Center for Environmental Prediction/National Center for Atmospheric Research (NCEP/NCAR) com informações obtidas de dados observados e/ou gerados por outros modelos numéricos da atmosfera e normalmente ressaltam a boa qualidade destas (Higgins et al. 1996HIGGINS, R.W.; MO, K.C.; SCHUBERT, S.D. The moisture of the central United States in spring as evaluated in the NCEP/NCAR and the NASA/DAO reanalyses. Monthly Weather Review, v. 124, p. 939-963, 1996.; Mo e Higgins, 1996MO, K.C.; HIGGINS, R.W. Large-scale atmospheric moisture transport as evaluated in the NCEP/NCAR and the NASA/DAO reanalyses. Journal of Climate, v. 9, p. 1531-1545, 1996.; Sudradjat et al. 2005SUDRADJAT, A.; FERRARO, R.R.; FIORINO, M. A comparison of total precipitable water between Reanalyses and NVAP. Journal of Climate, v. 18, n. 11, p. 1790-1807, 2005.; Vey et al. 2010VEY, S.; DIETRICH, R.; RÜLKE, A.; FRITSCHE, M.; STEIGENBERGER, P.; ROTHACHER, M. Validation of precipitable water vapor within the NCEP/DOE Reanalysis using global GPS observations from one decade. Journal of Climate, v. 23, n. 7, p. 1675-1695, 2010.; Koulali et al. 2012KOULALI, A.; OUAZAR, D.; BOCK, O.; FADIL, A. Study of seasonal-scale atmospheric water cycle with ground-based GPS receivers, radiosondes and NWP models over Morocco. Atmospheric Research, v. 104-105, p. 273—291, 2012.).

Vey et al. (2010)VEY, S.; DIETRICH, R.; RÜLKE, A.; FRITSCHE, M.; STEIGENBERGER, P.; ROTHACHER, M. Validation of precipitable water vapor within the NCEP/DOE Reanalysis using global GPS observations from one decade. Journal of Climate, v. 23, n. 7, p. 1675-1695, 2010. observaram que sobre a Europa e grande parte da América do Norte, o ciclo sazonal e as variações interanuais na AP de global positioning system (GPS) e NCEP concordam muito bem. Segundo os autores, nas regiões acima mencionadas, NCEP fornece uma base de dados altamente precisos para estudos de longo prazo de alterações no vapor d'água atmosférico. No entanto, no Hemisfério Sul grandes diferenças foram encontradas nos sinais sazonais e de anomalias de AP entre GPS e NCEP.

Neste trabalho, dá-se ênfase ao ramo aéreo do ciclo hidrológico, abordando-se questões relacionadas com o vapor d'água na atmosfera. Portanto, objetiva-se analisar aspectos climáticos do armazenamento de água na atmosfera do globo terrestre a partir de informações de AP, médias mensais, obtidas das reanálises do NCEP/NCAR.

2. Material e Métodos

Os dados utilizados são de água precipitável (AP) derivados das reanálises (Kalnay et al. 1996KALNAY, E.; KANAMITSU, M.; KISTLER, R.; COLLINS, W.; et al. The NCEP/NCAR 40-year reanalysis project. Bulletin of the American Meteorological Society, v. 77, n. 3, p. 437-471, 1996.; Kistler et al. 2001KISTLER R.; KALNEY, E.; COLLINS, W.; SAHA, S.;et al. The NCEP—NCAR 50—Year Reanalysis: Monthly Means CD—ROM and Documentation. Bulletin of the American Meteorological Society, v. 82, n. 2, p. 247-267, 2001.) do National Center for Environmental Prediction/National Center for Atmospheric Research (NCEP/NCAR), cobrindo todo o globo terrestre. O período utilizado vai de janeiro de 1984 a dezembro de 2014. AP representa o conteúdo de água numa coluna de área unitária caso todo vapor d'água, da superfície até o topo, seja condensado. Matematicamente é expressa por (Benton e Estoque, 1954BENTON, G.S.; ESTOQUE, M.A. Water-vapor transfer over the North American Continent. Journal of Meteorology, v.11, p. 462-477, 1954.; Serreze et al . 1995SERREZE, M.C.; BARRY, R.G.; WALSH, J.E. Atmospheric water vapor characteristics at 70° N. American Meteorological Society, v. 8, p. 719-731, 1995.)

(1) A P = 1 g p s p q d p

em que q é a umidade específica, g a aceleração da gravidade, ps a pressão à superfície, p a pressão no topo (300 hPa) e dp é um elemento infinitesimal de pressão avaliado pela diferença entre camadas. As reanálises do NCEP/NCAR contemplam 17 camadas: 1000, 925, 850, 700, 600, 500, 400, 300, 250, 200, 150, 100, 70, 50, 30, 20, 10 hPa. Em média, a umidade especifica tende a zero acima do nível de 300 hPa, portanto, é comum este nível ser considerado o topo para a integração vertical.

O projeto reanálise do NCEP/NCAR teve início por volta de 1995 e gerou uma base de informações de variáveis meteorológicas em pontos de grade. Nesse processamento foi aplicado o estado atual da arte em análise e previsão dentro de um rígido controle de qualidade. Diferentes plataformas de observações foram utilizadas na geração das reanálises (Kalnay et al. 1996KALNAY, E.; KANAMITSU, M.; KISTLER, R.; COLLINS, W.; et al. The NCEP/NCAR 40-year reanalysis project. Bulletin of the American Meteorological Society, v. 77, n. 3, p. 437-471, 1996.; Kistler et al. 2001KISTLER R.; KALNEY, E.; COLLINS, W.; SAHA, S.;et al. The NCEP—NCAR 50—Year Reanalysis: Monthly Means CD—ROM and Documentation. Bulletin of the American Meteorological Society, v. 82, n. 2, p. 247-267, 2001.).

Dentro dos propósitos estabelecidos neste trabalho, as reanálises do NCEP/NCAR se constituem numa base de dados representativos das condições globais e já foi utilizado com sucesso em outros estudos relacionados a vapor d'água na atmosfera (Cavalcanti et al. 2002CAVALCANTI, E.P.; GANDU, A.W.; AZEVEDO, P.V. Transporte e balanço de vapor dágua atmosférico sobre o Nordeste do Brasil. Revista Brasileira de Meteorologia, v.17, n. 2, p. 207-217, 2002. e 2008CAVALCANTI, E.P.; GOMES FILHO, M.F.; BEZERRA, W. de A. Fluxo de vapor d'água atmosférico na obtenção do resíduo ET-P em três macro regiões brasileiras. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, v. 12, p. 471-479, 2008.; Nóbrega e Cavalcanti, 2010NÓBREGA, R.S.; CAVALCANTI, E.P. Variabilidade sazonal e intra-anual da reciclagem de vapor d'água no Brasil. Revista de Geografia (Recife), v. 27, p. 169-184, 2010.).

A média global de água precipitável para cada mês e ano foi calculada a partir das reanálises do NCEP/NCAR. Esta variável apresenta cobertura espacial T62 que corresponde a uma grade de 193 pontos na longitude e por 94 pontos na latitude espaçados de cerca de 1,9 graus. O domínio global vai de 180° W a 180° E e de 88,542° N a 88,542° S. A expressão usada para o cálculo da média foi:

(2) A P M k , l = 1 M N i = 1 M [ j = 1 N A P k , l ( i , j ) ]

para k = jan, fev,…, dez e l = 1984, 1985, …, 2014. Em que M é o número de pontos na longitude (193), N é o número de pontos na latitude (94) e (i, j) corresponde ao ponto da grade.

APM é dada em mm (em Meteorologia: litro por metro quadrado), portanto, considerando que a superfície da esfera é 4πR2 esta pode ser convertida em m3. Considerando que R é o raio médio da terra, 6,37 x 106 m, a superfície da esfera é, portanto, 5,099 x 1014 m2.

A tendência na série temporal de AP foi avaliada pelo método de Mann-Kendall. Este método é sugerido pela Organização Meteorológica Mundial para a verificação de tendências em séries temporais (Yu et al. 2002). Segundo Silva (2004)SILVA, V.P.R. On climate variability in Northeast of Brazil. Journal of Arid Environments, v. 58, n. 4, p. 575-596, 2004. a estatística S usada no teste de Mann-Kendall é dada por

(3) S = i = 2 n j = 1 N 1 s i g n ( x i x j )

em que sign (xi — xj) é −1 para xi —xj < 0, 0 para xi —xj = 0 e 1 para xi —xj > 0. A estatística S tende a uma distribuição normal com média E[S] = 0 e variância dada por

(4) V a r ( S ) = 1 18 [ n ( n 1 ) ( 2 n + 5 ) p = 1 q t p ( t p 1 ) ( 2 t p + 5 ) ]

em que n é o número de elementos da série, tp é o número de dados com valores iguais num certo grupo e q é o número de grupos contendo valores iguais na série de dados.

Valor positivo de S indica tendência positiva e valor negativo indica tendência negativa na série. Portanto, sabendo-se que S é normalmente distribuído pode-se checar se a tendência é significante a 99% (α = 0,01) e 95% (α = 0,05), avaliando Z (S) por (S1)/Var(S) se S > 0, 0 se S = 0 e (S+1)/Var(S) se S <0.

Também foi obtida a inclinação da linha de tendência pelo método de regressão linear e calculado o coeficiente de correlação entre os valores observados de AP e os valores inferidos pela reta de tendência. Neste caso, aplicou-se o teste t de Student com significância estatística de 99% (α = 0.01) e 95% (α = 0.05) com (n −2) graus de liberdade, (n = 30). O valor obtido na tabela para estas condições foram tc = 2,763; tc = 2,048 respectivamente. Calculando-se as correspondentes correlações críticas, utilizando-se da relação

(5) t = r n 2 1 r 2
(6) r c = t c / ( n 2 ) + t c 2

obteve-se rc = 0,463 e rc = 0,361, portanto, para r > rc a hipótese nula é descartada caracterizando valor significativo à 99% e(ou) 95% respectivamente.

Para avaliar a distribuição sazonal e espacial da tendência de AP foram definidas as médias de duas décadas distintas, a inicial de 1984-1993 e final de 2005-2014. A razão da diferença entre as médias das duas décadas pelo intervalo de tempo entre os anos centrais de cada uma das décadas foi utilizada como uma estimativa para se obter a distribuição espacial da tendência de AP no período estudado.

3. Resultados e Discussão

Na Tabela 1 encontram-se os valores médios globais de AP para cada mês, no período de janeiro de 1984 a dezembro de 2014, obtidos a partir das reanálises do NCEP/NCAR. Os valores máximos situam-se no mês de julho-agosto enquanto que os valores mais baixos oscilam de novembro-dezembro. O valor médio de AP para todo o período é de 24 mm correspondendo a um volume estimado para toda a atmosfera do globo de 12,237 x 1012 m3, ou seja, cerca de 12 trilhões de metros cúbicos. Esse valor equivale, em ordem de grandeza, ao indicado por Peixoto e Oort (1992)PEIXOTO, J.P.; OORT, A.H. Physics of climate. New York: American Institute of Physics, 1992. 520 p. ISBN 13:978-0883187128, ISBN-10:0883187124. e por Howarth (1983)HOWARTH, D.A. Seasonal variations in the vertically integrated water vapor transport fields over the Southern Hemisphere. Monthly Weather Review, AMS, v. 111, p. 1259-1272, 1983. para o volume médio de água na forma de vapor presente em toda a atmosfera da Terra.

Tabela 1
Água precipitável (mm) média mensal para o globo, de 1984 a 2014 obtida a partir das reanálises do NCEP/NCAR.

Entretanto, a AP apresenta uma variação sazonal com características específicas para o Hemisfério Norte e Sul (ver Fig. 1). Para o H.N. a variação é mais acentuada com máximo em julho-agosto associado ao pós Solstício de Verão. Para o H.S. a variação é mais tênue com máximo em fevereiro. Embora no H.S. exista maior cobertura superficial de água os maiores valores de AP são para o H.N. Esse efeito, certamente, é acarretado pelo maior aquecimento da atmosfera produzida pela disponibilidade de energia solar à superfície continental (no H.N. há mais continente que no H.S.) e, por conseguinte, o teor de vapor d'água na atmosfera é diretamente relacionado com a temperatura do ar.

Figura 1
Distribuição sazonal da água precipitável média do período 1984 a 2014 para o H.N.; H.S. e todo o Globo.

Para o valor médio global de AP, representado pela média dos hemisférios Norte e Sul, prevalece o comportamento do H.N. embora, relativamente suavizado.

A variação sazonal observada mostra-se coerente com outros resultados (Koulali et al. 2012KOULALI, A.; OUAZAR, D.; BOCK, O.; FADIL, A. Study of seasonal-scale atmospheric water cycle with ground-based GPS receivers, radiosondes and NWP models over Morocco. Atmospheric Research, v. 104-105, p. 273—291, 2012.; Smith e Arken, 2015SMITH, T.M.; ARKIN, P.A. Improved Historical Analysis of Oceanic Total Precipitable Water. Journal of Climate, v. 28, n. 8, p. 3099-3121, 2015.) ao apresentar máximos de AP na estação de verão e mínimos na estação de inverno. Entretanto, esse comportamento padrão difere de ano para ano e é modulado por fenômenos de maior escala estabelecendo uma variabilidade interanual.

Na Fig. 2 é apresentada a série temporal de AP, média anual, no período de 1984 a 2014. Observa-se a existência de uma inclinação positiva indicando tendência de aumento de AP, comprovado pelo cálculo da inclinação da linha de tendência pelo método de regressão linear. Essa tendência também é observada quando se analisa separadamente as séries para o H.N. e H.S. Estatísticas para avaliar a significância são apresentadas na Tabela 2 onde se utilizou os métodos de Mann-Kendall e t de Student. Os dois testes apontam tendências positivas de 0,019 e 0,017 mm/ano na série global de AP para os métodos de Mann-Kendall e t de Student, respectivamente, e ambos estatisticamente significativos à 99% (α = 0,01) . Para o H.N. também se observa essa mesma significância com tendências de 0,026 e 0,024 mm/ano. Já para o H.S. a hipótese nula só é rejeitada para 95% (α = 0,05) com valores de 0,012 e 0,013 mm/ano para os métodos de Mann-Kendall e t de Studente, respectivamente.

Figura 2
Série temporal da água precipitável (mm), média global anual para o período de 1984 a 2014.
Tabela 2
Mann-Kendall e t de Student na avaliação da significância estatística da tendência nas séries anuais de AP (mm) para o H.N., H.S. e o Globo.

Os valores de τ de Kendall, que corresponde a uma medida da correlação, apresentaram valores 0,458 para o H.N.; 0,295 para o H.S. e 0,406 para o Globo. Nessa mesma ordem, os valores obtidos da correlação por regressão linear são 0,616; 0,402 e 0,545. Os valores para o H.N. são mais efetivos porque a variação sazonal de temperatuara e AP é mais acentuada e se reflete para o Globo. É incrível que os valores menos acentuados observados para o H.S. se dão por conta da menor qualidade das reanálises do NCEP/NCAR para esse hemisfério (Vey et al. 2010VEY, S.; DIETRICH, R.; RÜLKE, A.; FRITSCHE, M.; STEIGENBERGER, P.; ROTHACHER, M. Validation of precipitable water vapor within the NCEP/DOE Reanalysis using global GPS observations from one decade. Journal of Climate, v. 23, n. 7, p. 1675-1695, 2010.).

Quando se compara AP global da média para a década de 1984-1993 com a média da década de 2005-2014 (Fig. 3) observa-se que houve um aumento de cerca 0,5 mm. Essa suposta pequena diferença representa um aumento no volume de água contido na atmosfera, na forma de vapor, de 0,255 x 1012 m3, ou seja 0,26 trilhões de metros cúbicos. Entretanto, a distribuição espacial dessa diferença pode apresentar áreas positivas indicando aumento de uma década para outra como pode apresentar áreas negativas indicando diminuição de AP, embora apresente uma média positiva para todo o globo.

Figura 3
Variação sazonal da água precipitável (mm) para duas décadas distintas: a) 1984-1993 e b) 2005-2014.

Neste contexto, a Fig. 4 expressa a distribuição espacial da tendência de AP . Pode-se observar que as maiores tendências encontram-se na região tropical alternando áreas com tendência positiva de até 0,09 mm/ano, indicando aumento de AP e áreas de tendência negativa de até −0,09 mm/ano indicando uma secagem com diminuição de AP .

Figura 4
Espacialização da tendência da água precipitável do período (10-2 mm/ano).

Observa-se ainda na Fig. 4 que grandes áreas nos Oceanos Atlântico e Pacífico Tropicais apresentam tendências de diminuição de AP . Considerando a relação entre AP com a temperatura do ar (Gaffen et al. 1992GAFFEN, D.J.; WLLIOTT, W.P.; ROBOK, A. Relationships between tropospheric water vapor and surface temperature as observed by radiosondes. Geophysical Research Letters, v. 19, n. 18, p. 1839-1842, 1992.; Mears et al. 2007MEARS, C.A.; SANTER, B.D.; WENTZ, F.J.; TAYLOR, K.E. Realationship between temperature and precipitable water changes over tropical oceans. Geophysical Research Letters, v. 34, p. 1-5, 2007.), conclui-se que nestas áreas há também uma tendência de resfriamento da atmosfera. O Atlântico Tropical Norte apresenta tendências positivas com abrangência para o Oeste da África. Para o Atlântico Tropical Sul é observado tendências negativas, essa condição se expande para a região Nordeste do Brasil.

Observa-se que toda a faixa polar norte, mais precisamente acima de 60° N, observa-se tendências positivas com áreas atingindo cerca de 0,05 mm/ano. Nesta região têm-se evidências de áreas onde há derretimento de gelo (Hardy, 2003HARDY, J.T. Climate Change. Causes, Effects, and Solutions. John Wiley & Sons. 260 p. June, 2003. ISBN: 978-0-470-85019-0.), indicando aquecimento. Na faixa polar sul, as tendências são bem amenas oscilando ente −0,02 e 0,02 mm/ano. Estes fatos estão fortemente associados aos produzidos pelo efeito estufa na atmosfera, resultante do aumento da emissão de gases por ações antrópicas, e apontam para um aquecimento global relatado em Hardy (2003)HARDY, J.T. Climate Change. Causes, Effects, and Solutions. John Wiley & Sons. 260 p. June, 2003. ISBN: 978-0-470-85019-0..

4. Conclusões

Face ao que foi discutido pode-se concluir que: 1) A AP média global do período (1984-2014) foi de 24 mm/ano o que equivale a um volume de 12,237 x 1012 m3, ou seja, cerca de 12 trilhões de metros cúbicos de água na atmosfera em estado de vapor; 2) A distribuição sazonal de AP apresenta máximo em julho-agosto para o H.N. e fevereiro para o H.S. Já para a média global prevalece o comportamento do H.N. com característica mais suavizada. 3) A série de AP (1984-2014) apresenta tendências de 0,019 mm/ano pelo método de Mann-Kendall e 0,017 pelo método de regressão linear e indicam aquecimento global.. Ambas as tendências foram estatisticamente significativas à 99% (α = 0,01). As tendências verificadas para os hemisférios Norte e Sul também apontam aquecimento e foram significativos à 99% e 95%, respectivamente. 4) Verificou-se aumento de AP em todos os meses do ano, ao se comparar as médias das décadas inicial e final do período estudado. 5) A distribuição espacial da tendência de AP entre as duas décadas evidenciam áreas de fortes tendências positivas e negativas explicitando variações climáticas provocadas por ações antrópicas. Destaca-se sobre o NE do Brasil tendência de diminuição de AP e aumento em toda região polar Norte.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2016

Histórico

  • Recebido
    14 Maio 2015
  • Aceito
    11 Abr 2016
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