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TREINAMENTO RESISTIDO É UM FATOR DE PROTEÇÃO PARA LESÕES MUSCULOESQUELÉTICAS NO CROSSFIT?

RESUMO

Objetivo:

Avaliar a prevalência e as características das lesões musculoesqueléticas associadas aos praticantes de CrossFit® e a relação dessa prevalência entre aqueles que realizam de forma concomitante o treinamento resistido (TR).

Métodos:

Estudo transversal, no qual foram incluídos participantes adultos de ambos os sexos, que responderam a um questionário misto de morbidade adaptado. Os participantes foram divididos em grupos de acordo com a prática ou não de outra modalidade juntamente ao CrossFit®, com destaque para o TR. Foram utilizados procedimentos de estatísticas analítica e descritiva, com um nível de significância estatística de 5% (p<0,05).

Resultados:

Foram incluídos no estudo 179 participantes. Observaram-se prevalências de lesões musculoesqueléticas na amostra geral do estudo de 32,4% e naqueles que realizam o CrossFit® com TR de 30,8%. A razão de prevalência de lesões para esse grupo foi de 0,95, com menor prevalência de lesões para os membros superiores (p=0,03) e inferiores (p=0,02). Vale a pena destacar que 96% dos praticantes de CrossFit® e TR realizaram treinamentos de força com foco apenas nas musculaturas dos membros superiores e/ou inferiores, sem realização de treinamento específico para o segmento anatômico do Core (regiões lombar e pelve).

Conclusão:

O TR associado ao CrossFit® e com abrangência a todos os segmentos anatômicos pode ser considerado um fator de proteção para a ocorrência de lesões musculoesquelética no CrossFit®. Nível de Evidência IV; Série de Casos.

Descritores:
Lesões; Prevalência; Esportes; Lesões Esportivas

ABSTRACT

Objective:

To evaluate the prevalence and characteristics of musculoskeletal injuries associated with CrossFit® practitioners and the relationship of this prevalence among those who concomitantly perform resistance training (RT).

Methods:

Cross-sectional study in which adult participants of both sexes were included, who answered a mixed morbidity questionnaire adapted. The participants were allocated into groups according to whether or not they practiced another modality along with CrossFit®, with emphasis on RT. Analytical and descriptive statistics procedures were used, with a statistical significance level of 5% (p<0.05).

Results:

A total of 179 participants were included in the study. Prevalences of musculoskeletal injuries were observed in the overall study sample of 32.4% and in those who perform CrossFit® with RT of 30.8%. The injury prevalence ratio for this group was 0.95, with lower injury prevalence for the upper limbs (p=0.03) and lower limbs (p=0.02). It is worth noting that 96% of the CrossFit® and RT practitioners did strength training focused only on the upper and/or lower limb musculatures, without specific training for the anatomical segment of the Core (lumbar and pelvis).

Conclusion:

RT associated with CrossFit® and covering all anatomical segments, can be considered a protective factor for the occurrence of musculoskeletal injuries in CrossFit®. Level of Evidence IV; Case Series.

Keywords:
Injuries; Prevalence; Sports; Sports Injuries

RESUMEN

Objetivo:

Evaluar la prevalencia y las características de las lesiones musculoesqueléticas asociadas a los practicantes de CrossFit® y la relación entre esta prevalencia y los que realizan simultáneamente entrenamiento de resistencia (ER).

Métodos:

Se trató de un estudio transversal en el que participaron adultos de ambos sexos que respondieron a un cuestionario adaptado de morbilidad mixta. Los participantes se dividieron en grupos según practicaran o no otro deporte junto con CrossFit®, en particular entrenamiento de resistencia. Se utilizaron procedimientos estadísticos analíticos y descriptivos, con un nivel de significación estadística del 5% (p<0,05).

Resultados:

Se incluyó en el estudio a un total de 179 participantes. Hubo una prevalencia de lesiones musculoesqueléticas en la muestra global del estudio del 32,4% y en los que practicaban CrossFit® con ER del 30,8%.El ratio de prevalencia de lesiones para este grupo fue de 0,95, con una menor prevalencia de lesiones en las extremidades superiores (p=0,03) y en las extremidades inferiores (p=0,02).Cabe destacar que el 96% de los practicantes de CrossFit® y ER realizaban entrenamientos de fuerza centrados únicamente en la musculatura de los miembros superiores y/o inferiores, sin realizar entrenamientos específicos para el segmento anatómico del Core (regiones lumbar y pélvica).

Conclusión:

El ER asociado al CrossFit® y que cubre todos los segmentos anatómicos puede ser considerado un factor protector contra la ocurrencia de lesiones músculo-esqueléticas en CrossFit®. Nivel de Evidencia IV; Serie de Casos.

Descriptores:
Lesiones; Prevalencia; Deportes; Lesiones en Deportes

INTRODUÇÃO

O CrossFit® é uma modalidade esportiva muito popular,11 Whiteman-Sandland J, Hawkins J, Clayton D. The role of social capital and community belongingness for exercise adherence: an exploratory study of the CrossFit gym model. J Health Psychol. 2018;23(12):1545-56. baseada em treinamento funcional multiarticular de alta intensidade com participantes de diferentes biotipos.22 Claudino JG, Gabbett TJ, Bourgeois F, Souza HS, Miranda RC, Mezêncio B, et al. CrossFit Overview: Systematic Review and Meta-analysis. Sports Med Open. 2018;4(1):11. doi:10.1186/s40798-018-0124-5.
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,33 Butcher SJ, Neyedly TJ, Horvey KJ, Benko CR. Do physiological measures predict selected CrossFit(®) benchmark performance?. Open Access J Sports Med. 2015;6:241-7. doi:10.2147/OAJSM.S88265.
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Quanto à sua dinâmica, é caracterizada por diferentes exercícios praticados de forma rápida, repetitiva e com pouco ou nenhum intervalo entre as séries.22 Claudino JG, Gabbett TJ, Bourgeois F, Souza HS, Miranda RC, Mezêncio B, et al. CrossFit Overview: Systematic Review and Meta-analysis. Sports Med Open. 2018;4(1):11. doi:10.1186/s40798-018-0124-5.
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O objetivo de seus praticantes, geralmente, é a melhora de diferentes capacidades físicas, especialmente força, resistência cardiorrespiratória e potência.44 Glassman G. Understanding CrossFit. CrossFit J. 2007;56:1-2.

Devido a essas particularidades inerentes ao esporte, há uma preocupação com o possível surgimento de lesões musculoesqueléticas relacionadas à sua prática. Nesse sentido, como forma de mitigar possíveis riscos no esporte, em geral, parâmetros como controle de carga e trabalho preventivo devem ser realizados rotineiramente.55 Drew MK, Finch CF. The Relationship Between Training Load and Injury, Illness and Soreness: A Systematic and Literature Review. Sports Med. 2016;46(6):861-83. doi:10.1007/s40279-015-0459-8.
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,66 Coyne JOC, Coutts AJ, Newton RU, Haff GG. The Current State of Subjective Training Load Monitoring: Follow-Up and Future Directions. Sports Med Open. 2022;8(1):53. doi:10.1186/s40798-022-00433-y.
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Quanto aos protocolos de prevenção esportiva, que visam controlar determinados fatores intrínsecos do atleta, o objetivo é a melhoria geral da capacidade funcional, com ênfase nas habilidades físicas mais exigidas no esporte. No caso do CrossFit®, destaca-se o trabalho específico de força muscular,22 Claudino JG, Gabbett TJ, Bourgeois F, Souza HS, Miranda RC, Mezêncio B, et al. CrossFit Overview: Systematic Review and Meta-analysis. Sports Med Open. 2018;4(1):11. doi:10.1186/s40798-018-0124-5.
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o que garantirá uma melhor capacidade de acomodação de microtraumas teciduais, principalmente naqueles que iniciam o esporte diretamente nessa modalidade.

Até o momento, alguns dados da literatura relacionados a lesões e suas variáveis no CrossFit® são discordantes. Portanto, este estudo teve como objetivo avaliar a prevalência e as características das lesões musculoesqueléticas associadas aos praticantes do esporte e a relação dessa prevalência entre aqueles que concomitantemente realizam treinamento resistido (TR). Nossa hipótese era que o treinamento de resistência é um fator de proteção contra o surgimento de lesões musculoesqueléticas no CrossFit®.

MATERIAIS E MÉTODOS

Desenho do estudo

Foi realizado um estudo descritivo e observacional de corte transversal em academias devidamente licenciadas pela marca CrossFit® no município de Uberaba (Minas Gerais, Brasil) e região. A amostra foi por conveniência, por meio do uso da técnica 'snowball' (Figura 1). O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Uberaba (n° 4370713/2020) e conduzido de acordo com os princípios estabelecidos na Declaração de Helsinque.

Figura 1
Fluxograma representativo do desenho do estudo.

Participantes

Foram incluídos atletas adultos, com idade entre 18 e 50 anos, de ambos os sexos, que praticavam o esporte por um período mínimo de seis meses. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os critérios de exclusão foram a existência de cirurgia ortopédica anterior à prática do CrossFit®, a presença de doença metabólica ativa, alterações ortopédicas crônicas que pudessem causar alguma repercussão biomecânica considerável (como exemplo, instabilidade ligamentar diagnosticada) e o preenchimento incorreto e/ou incompreensível do questionário do estudo.

Os participantes foram alocados em grupos, de acordo com a prática de outros esportes. O Grupo 1 foi composto pela amostra geral do estudo, o Grupo 2 por praticantes de CrossFit® e de TR, e o Grupo 3 por praticantes de CrossFit® e de outros esportes, exceto TR.

Coleta de dados

Cada participante respondeu a um questionário de morbidade mista adaptado, validado para uso em traumatologia esportiva77 Pastre CM, Carvalho Filho G, Monteiro HL, Neto Júnior N, Padovani CR. Sports injuries in track and field: comparison between information obtained in medical records and reported morbidity inquires. Rev Bras Med Esporte. 2004;10(1):9-15. doi:10.1590/S1517-86922004000100001.
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e usado em estudos com metodologias semelhantes,88 Juliano Eustaquio JM, Fontoura Borges AM, Vilela LS, Carvalho Gouveia MP, Rabelo AL, Kaleka CC, et al. Does the Fight Profile Interfere with Orthopedic Injuries in Brazilian Jiu-Jitsu?. Open Access J Sports Med. 2021;12:171-8. doi: 10.2147/OAJSM.S337912.
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,99 Weisenthal BM, Beck CA, Maloney MD, DeHaven KE, Giordano BD. Injury rate and patterns among CrossFit athletes. Orthop J Sports Med. 2014;2(4):2325967114531177. doi:10.1177/2325967114531177.
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com as devidas explicações e supervisão do preenchimento por alguém responsável pelo estudo. O questionário foi preenchido pessoalmente, no ambiente de treinamento dos atletas, seis semanas após a visita inicial às academias por um dos autores. Esse tempo foi definido com base em estudos anteriores, com o objetivo de deixar os participantes mais familiarizados com o questionário.88 Juliano Eustaquio JM, Fontoura Borges AM, Vilela LS, Carvalho Gouveia MP, Rabelo AL, Kaleka CC, et al. Does the Fight Profile Interfere with Orthopedic Injuries in Brazilian Jiu-Jitsu?. Open Access J Sports Med. 2021;12:171-8. doi: 10.2147/OAJSM.S337912.
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O período retroativo para análise das lesões foi de três anos, baseado em estudos anteriores com a mesma metodologia88 Juliano Eustaquio JM, Fontoura Borges AM, Vilela LS, Carvalho Gouveia MP, Rabelo AL, Kaleka CC, et al. Does the Fight Profile Interfere with Orthopedic Injuries in Brazilian Jiu-Jitsu?. Open Access J Sports Med. 2021;12:171-8. doi: 10.2147/OAJSM.S337912.
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e justificado principalmente por se tratar de uma modalidade esportiva individual, que requer um período maior que um ano para investigação.

Lesão musculoesquelética

O conceito de lesão foi adotado com base em estudos anteriores,88 Juliano Eustaquio JM, Fontoura Borges AM, Vilela LS, Carvalho Gouveia MP, Rabelo AL, Kaleka CC, et al. Does the Fight Profile Interfere with Orthopedic Injuries in Brazilian Jiu-Jitsu?. Open Access J Sports Med. 2021;12:171-8. doi: 10.2147/OAJSM.S337912.
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,1010 Das Graças D, Nakamura L, Barbosa FSS, Martinez PF, Reis FA, Oliveira-Junior SA. Could current factors be associated with retrospective sports injuries in BJJ? A cross-sectional study. BMC Sports Sci Med Rehabil. 2017;9:16. doi:10.1186/s13102-017-0080-2.
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nos quais foi considerado como qualquer dor ou evento traumático causado pelo treinamento do esporte e que exigisse a interrupção do treinamento por pelo menos uma semana, ou a modificação das características do treinamento devido à lesão por pelo menos duas semanas, ou uma queixa séria o suficiente para procurar atendimento médico.

Elas foram autorrelatadas e classificadas como contusão, dor inespecífica (origem não traumática), luxação, lesão muscular, fratura e entorse.

Foram considerados todos os segmentos anatômicos ortopédicos do eixo apendicular, dividido em membros inferiores e superiores, e do eixo axial, dividido em tronco e pelve. As lesões foram divididas anatomicamente dessa forma porque, na literatura atual, há discordância entre os locais anatômicos mais afetados por lesões no CrossFit®22 Claudino JG, Gabbett TJ, Bourgeois F, Souza HS, Miranda RC, Mezêncio B, et al. CrossFit Overview: Systematic Review and Meta-analysis. Sports Med Open. 2018;4(1):11. doi:10.1186/s40798-018-0124-5.
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,99 Weisenthal BM, Beck CA, Maloney MD, DeHaven KE, Giordano BD. Injury rate and patterns among CrossFit athletes. Orthop J Sports Med. 2014;2(4):2325967114531177. doi:10.1177/2325967114531177.
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,1111 da Costa TS, Louzada CTN, Miyashita GK, da Silva PHJ, Sungaila HYF, Lara PHS, et al. CrossFit®: Injury prevalence and main risk factors. Clinics (São Paulo). 2019;74:e1402. doi:10.6061/clinics/2019/e1402.
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,1212 Sprey JW, Ferreira T, de Lima MV, Duarte A Jr, Jorge PB, Santili C. An Epidemiological Profile of CrossFit Athletes in Brazil. Orthop J Sports Med. 2016;4(8):2325967116663706. doi:10.1177/2325967116663706.
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e, além disso, o principal objetivo do estudo foi analisar o comportamento geral das lesões musculoesqueléticas entre os três grupos de estudo, sem considerar estruturas anatômicas específicas, mas sim segmentos cinemáticos relacionados à biomecânica do movimento no esporte. Essa divisão anatômica seria um motivo de viés metodológico se houvesse resultados consolidados e concordantes em relação aos locais mais afetados pelas lesões.

Análise estatística

Os dados coletados foram processados no Excel® e as análises estatísticas foram feitas com o programa SigmaStat®2.0 (GraphPad Software Jandel, SPSS, Chicago, IL, EUA).

O teste de Kolmogorov-Smirnov foi realizado para avaliar a norma-lidade da distribuição dos dados. Os dados normalmente distribuídos foram relatados como média aritmética (± desvio padrão). As variáveis categóricas foram expressas em valores absolutos e porcentagens.

Para comparação entre os grupos, foi usado o teste t de Student não pareado (bicaudal) para variáveis quantitativas. Para a análise de variáveis categóricas, foi usado o teste de qui-quadrado. A avaliação comparativa da presença de lesões nos diferentes grupos de estudo foi realizada por meio do cálculo da prevalência e da razão de prevalência. Quanto aos segmentos anatômicos afetados pelas lesões, foi realizado o teste Z para duas proporções. Os valores de probabilidade <0,05 foram considerados estatisticamente significativos.

RESULTADOS

Do total de 198 participantes iniciais, 179 foram incluídos no estudo (taxa de exclusão de 9%). Cerca de 86% desse total iniciaram a prática do CrossFit® como sua primeira modalidade esportiva, todos com o objetivo de perder peso e ganhar condicionamento cardiorrespiratório.

Com relação à menor prevalência de lesões (Tabela 1), foi encontrada uma diferença estatística a favor do gênero feminino (p=0,011), da população mais jovem (p=0,002), do menor tempo de prática de CrossFit (p<0,001) e do não uso de equipamentos de proteção (p=0,001).

Tabela 1
Caracterização da amostra do estudo, dividida de acordo com a ocorrência de lesões musculoesqueléticas e analisada quanto a variáveis quantitativas e qualitativas.

Observamos uma prevalência de lesões musculoesqueléticas na amos-tra deste estudo de 32,4% (Tabela 2). Desse total, 63% precisaram de atendimento médico, mas apenas 6,3% necessitaram de tratamento cirúrgico.

Tabela 2
Caracterização dos participantes do estudo quanto à prevalência e à razão de prevalência em relação à amostra geral (Grupo 1), CrossFit® e RT (Grupo 2) e CrossFit® e outra modalidade (Grupo 3).

Entretanto, quando analisado de acordo com a variável de prática concomitante de TR, a taxa foi de 30,8% para os que praticavam TR e 33,3% para os que não praticavam essa modalidade em conjunto. A taxa de prevalência de lesões musculoesqueléticas para os praticantes de CrossFit® e TR foi de 0,95. (Tabela 2)

Os membros superiores (p=0,03) e inferiores (p=0,02) foram os segmentos anatômicos menos lesionados no Grupo 2, em comparação com o Grupo 1. (Tabela 3)

Tabela 3
Caracterização da localização anatômica das lesões musculoesqueléticas nos Grupos 1 e 2, em valores absolutos e porcentagens.

Além disso, observou-se que 96% dos praticantes de CrossFit® e TR realizavam treinamento de força com foco apenas nas musculaturas dos membros superiores e/ou inferiores, sem realizar treinamento específico para o segmento anatômico do Core (regiões lombar e pélvica).

DISCUSSÃO

Os principais achados do presente estudo foram a menor proporção de lesões musculoesqueléticas nos membros superiores e inferiores dos participantes que treinam CrossFit® juntamente com TR, a associação desses treinamentos de força foi um fator de proteção contra o risco de lesão e a alta taxa de atletas que começaram a praticar CrossFit® como sua primeira modalidade esportiva.

A prevalência geral de lesões na amostra estudada está próxima dos resultados encontrados em outros estudos.1111 da Costa TS, Louzada CTN, Miyashita GK, da Silva PHJ, Sungaila HYF, Lara PHS, et al. CrossFit®: Injury prevalence and main risk factors. Clinics (São Paulo). 2019;74:e1402. doi:10.6061/clinics/2019/e1402.
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1313 Szeles PRQ, da Costa TS, da Cunha RA, Hespanhol L, Pochini AC, Ramos LA, et al. CrossFit and the Epidemiology of Musculoskeletal Injuries: A Prospective 12-Week Cohort Study. Orthop J Sports Med. 2020;8(3):2325967120908884. doi:10.1177/2325967120908884.
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Vale mencionar que, em geral, os estudos epidemiológicos em traumatologia esportiva costumam carecer de padronização metodológica, o que exige a tentativa de criar metodologias padronizadas de avaliação. Nesse sentido, uma prevalência de até 73,5% dos profissionais foi encontrada em um estudo anterior.1414 Hak PT, Hodzovic E, Hickey B. The nature and prevalence of injury during CrossFit training. J Strength Cond Res. 2013. doi:10.1519/JSC.0000000000000318.
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Portanto, no presente estudo, procuramos usar conceitos semelhantes aos de outros com temas e metodologias semelhantes.88 Juliano Eustaquio JM, Fontoura Borges AM, Vilela LS, Carvalho Gouveia MP, Rabelo AL, Kaleka CC, et al. Does the Fight Profile Interfere with Orthopedic Injuries in Brazilian Jiu-Jitsu?. Open Access J Sports Med. 2021;12:171-8. doi: 10.2147/OAJSM.S337912.
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,1010 Das Graças D, Nakamura L, Barbosa FSS, Martinez PF, Reis FA, Oliveira-Junior SA. Could current factors be associated with retrospective sports injuries in BJJ? A cross-sectional study. BMC Sports Sci Med Rehabil. 2017;9:16. doi:10.1186/s13102-017-0080-2.
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A busca das pessoas por hábitos de vida mais saudáveis deve ser feita com cuidado para que não ocorram consequências prejudiciais à saúde. Nesse sentido, em modalidades esportivas como o CrossFit®, caracterizadas por movimentos repetitivos e pliométricos, há um risco potencialmente maior de lesões musculoesqueléticas em participantes sem a capacidade articular e muscular adequada para suportar essa demanda de exercícios.1515 Gean RP, Martin RD, Cassat M, Mears SC. A Systematic Review and Meta-analysis of Injury in Crossfit. J Surg Orthop Adv. 2020;29(1):26-30.

Movimentos comuns no esporte, como saltos, aterrissagens e agachamentos, se realizados de forma repetitiva, podem desencadear o surgimento de vetores lesivos para as articulações dos membros inferiores.1616 Gardiner B, Devereux G, Beato M. Injury risk and injury incidence rates in CrossFit. J Sports Med Phys Fitness. 2020;60(7):1005-13. doi:10.23736/S0022-4707.20.10615-7.
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Nesse cenário, lesões como inguinomalácia,1717 Juliano Eustaquio JM. Inguinomalacia: Alternative Nomenclature to the Sports Hernia. Ortho Res Online J. 2022;9(2). doi:10.31031/OPROJ.2022.09.000707.
https://doi.org/10.31031/OPROJ.2022.09.0...
lesões musculares,1111 da Costa TS, Louzada CTN, Miyashita GK, da Silva PHJ, Sungaila HYF, Lara PHS, et al. CrossFit®: Injury prevalence and main risk factors. Clinics (São Paulo). 2019;74:e1402. doi:10.6061/clinics/2019/e1402.
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,1313 Szeles PRQ, da Costa TS, da Cunha RA, Hespanhol L, Pochini AC, Ramos LA, et al. CrossFit and the Epidemiology of Musculoskeletal Injuries: A Prospective 12-Week Cohort Study. Orthop J Sports Med. 2020;8(3):2325967120908884. doi:10.1177/2325967120908884.
https://doi.org/10.1177/2325967120908884...
tendinopatias,1111 da Costa TS, Louzada CTN, Miyashita GK, da Silva PHJ, Sungaila HYF, Lara PHS, et al. CrossFit®: Injury prevalence and main risk factors. Clinics (São Paulo). 2019;74:e1402. doi:10.6061/clinics/2019/e1402.
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,1313 Szeles PRQ, da Costa TS, da Cunha RA, Hespanhol L, Pochini AC, Ramos LA, et al. CrossFit and the Epidemiology of Musculoskeletal Injuries: A Prospective 12-Week Cohort Study. Orthop J Sports Med. 2020;8(3):2325967120908884. doi:10.1177/2325967120908884.
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entre outras, aparecem com índices preocupantes entre os praticantes do esporte. Por isso, a hipótese deste estudo foi que o TR, ao proporcionar uma base musculoesquelética mais eficaz para suportar a sobrecarga do esporte e ao garantir condições para equilibrar as musculaturas agonistas e antagonistas,1818 Torres-Banduc MA, Jerez-Mayorga D, Moran J, Keogh JWL, Ramírez-Campillo R. Isokinetic force-power profile of the shoulder joint in males participating in CrossFit training and competing at different levels. PeerJ. 2021;9:e11643. doi:10.7717/peerj.11643.
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está relacionado a uma menor prevalência de lesões.

De fato, o TR foi associado aos menores achados de lesões nos segmentos dos membros superiores e inferiores. Vale ressaltar que uma parcela considerável (96%) dos praticantes de TR não realizava treinamento específico para o segmento do core, razão pela qual não foram observados achados semelhantes aos dos membros nesse segmento. Com isso, supõe-se que, se o grupo de praticantes de CrossFit® e TR também fizesse um treinamento focado nos músculos do core, os resultados da prevalência geral de lesões nesse grupo seriam menores.

Como forma de abordar a prevenção de lesões no esporte, a maioria dos protocolos destaca a importância do treinamento desse segmento central do corpo,1919 Jeong J, Choi DH, Shin CS. Core Strength Training Can Alter Neuromuscular and Biomechanical Risk Factors for Anterior Cruciate Ligament Injury. Am J Sports Med. 2021;49(1):183-92. doi:10.1177/0363546520972990.
https://doi.org/10.1177/0363546520972990...
,2020 Sasaki S, Tsuda E, Yamamoto Y, Maeda S, Kimura Y, Fujita Y, et al. Core-Muscle Training and Neuromuscular Control of the Lower Limb and Trunk. J Athl Train. 2019;54(9):959-69. doi:10.4085/1062-6050-113-17.
https://doi.org/10.4085/1062-6050-113-17...
essencial para a estabilidade corporal e um importante local de lesão no CrossFit®.1111 da Costa TS, Louzada CTN, Miyashita GK, da Silva PHJ, Sungaila HYF, Lara PHS, et al. CrossFit®: Injury prevalence and main risk factors. Clinics (São Paulo). 2019;74:e1402. doi:10.6061/clinics/2019/e1402.
https://doi.org/10.6061/clinics/2019/e14...
1313 Szeles PRQ, da Costa TS, da Cunha RA, Hespanhol L, Pochini AC, Ramos LA, et al. CrossFit and the Epidemiology of Musculoskeletal Injuries: A Prospective 12-Week Cohort Study. Orthop J Sports Med. 2020;8(3):2325967120908884. doi:10.1177/2325967120908884.
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Um estudo longitudinal realizado por Szeles et al,1313 Szeles PRQ, da Costa TS, da Cunha RA, Hespanhol L, Pochini AC, Ramos LA, et al. CrossFit and the Epidemiology of Musculoskeletal Injuries: A Prospective 12-Week Cohort Study. Orthop J Sports Med. 2020;8(3):2325967120908884. doi:10.1177/2325967120908884.
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com a participação de 406 praticantes do esporte, observou que o segmento do tronco e da pelve foi o segundo local mais comum de lesões musculoesqueléticas (29,1%), atrás dos membros superiores (39,3%). Achados semelhantes foram observados em outros estudos epidemiológicos com metodologias semelhantes.1111 da Costa TS, Louzada CTN, Miyashita GK, da Silva PHJ, Sungaila HYF, Lara PHS, et al. CrossFit®: Injury prevalence and main risk factors. Clinics (São Paulo). 2019;74:e1402. doi:10.6061/clinics/2019/e1402.
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,1212 Sprey JW, Ferreira T, de Lima MV, Duarte A Jr, Jorge PB, Santili C. An Epidemiological Profile of CrossFit Athletes in Brazil. Orthop J Sports Med. 2016;4(8):2325967116663706. doi:10.1177/2325967116663706.
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Alguns resultados do estudo atual devem ser interpretados com cautela. Observamos, por exemplo, taxas de lesões mais altas entre os praticantes mais experientes do esporte e aqueles que usam equipamentos de proteção. Sabe-se que em outras modalidades, e isso pode ser estendido aos atletas de CrossFit®, os atletas avançados apresentam mais lesões devido ao maior nível de competitividade e ao maior volume na prática esportiva.88 Juliano Eustaquio JM, Fontoura Borges AM, Vilela LS, Carvalho Gouveia MP, Rabelo AL, Kaleka CC, et al. Does the Fight Profile Interfere with Orthopedic Injuries in Brazilian Jiu-Jitsu?. Open Access J Sports Med. 2021;12:171-8. doi: 10.2147/OAJSM.S337912.
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Essa mesma característica pode justificar o achado de mais lesões no grupo dos que usam equipamentos de proteção.

As principais limitações deste estudo foram seu desenho transversal e o possível esquecimento de alguma lesão por parte do profissional, fato minimizado quando se considera o período anterior de três anos. Além disso, nem todas as lesões relatadas pelos participantes foram diagnosticadas por um médico. No entanto, todos os questionários foram preenchidos com a ajuda de um dos participantes do estudo.

Esse estudo forneceu dados importantes sobre os benefícios do treinamento de TR concomitante com a prática de CrossFit®, com o objetivo de prevenir lesões musculoesqueléticas. Por meio dele, esse treinamento pode ser estimulado de forma mais sistematizada pelos instrutores da modalidade.

CONCLUSÃO

O treinamento de resistência associado ao CrossFit® e que abrange todos os segmentos anatômicos pode ser considerado um fator de proteção contra a ocorrência de lesões musculoesqueléticas no CrossFit®.

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Editado por

Editor Associado responsável pelo processo de revisão: André Pedrinelli

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    08 Dez 2022
  • Aceito
    18 Set 2023
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