Acessibilidade / Reportar erro

CUIDADO MULTIDISCIPLINAR DE ATLETAS OLÍMPICAS BRASILEIRAS: UM ESTUDO OBSERVACIONAL

RESUMO

Introdução:

A participação feminina no esporte atingiu um marco em 1972, quando uma emenda foi implementada para garantir oportunidades iguais para homens e mulheres. Desde então, a porcentagem de participantes competitivas cresceu. Em 1992, foi feita uma associação entre três distúrbios relacionados a mulheres atletas denominadas “Tríade da Mulher Atleta”. Depois disso, muito tem sido estudado sobre essa e outras particularidades das atletas.

Objetivo:

Identificar os profissionais que acompanham atletas Olímpicas brasileiras e associar a abordagem multidisciplinar e o conhecimento das atletas sobre questões ginecológicas relacionadas à prática esportiva, ou seja, tríade da mulher atleta, incontinência urinária e controle de peso.

Métodos:

Este estudo observacional foi realizado no Rio de Janeiro, Brasil, em 2016, durante os Jogos Olímpicos. Incluiu 120 mulheres das seleções brasileiras. Um questionário autoaplicável, validado e adaptado utilizado para avaliação pré-participação ginecológica, foi utilizado para avaliar seus acompanhamentos multidisciplinares, preocupações com o controle de peso e conhecimento sobre a Tríade de Atleta Feminina e incontinência urinária.

Resultados:

Os atletas praticaram 28 esportes diferentes. Para 66%, era a primeira participação em uma Olimpíada, 56% desconheciam a tríade da mulher atleta, 77% referiram preocupação com o peso e 52% estavam fazendo dieta. O uso de diuréticos ou laxantes ou êmese foi relatado por 11%; 67,5% sabiam que o esporte é um fator de risco para incontinência urinária e 40% já haviam experimentado perda de urina. A diminuição do desempenho esportivo foi mencionada por 31%. Muitas atletas apresentaram acompanhamento multidisciplinar psicológico (83%), nutricional (96%) e ginecológico (83%).

Conclusão:

As atletas olímpicas brasileiras buscaram acompanhamento multidisciplinar durante o ciclo olímpico; no entanto, o conhecimento dos participantes sobre questões relacionadas ao esporte permanece limitado. Um programa de orientação sobre informações específicas sobre as condições acima é necessário para as atletas e profissionais que trabalham com essas para melhorar a saúde e desempenho. Nível de Evidência IV; Estudo observacional transversal.

Descritores:
Síndrome da Tríade da Mulher Atleta; Ginecologia; Incontinência urinária; Desempenho Atlético; Medicina Esportiva

ABSTRACT

Introduction:

Female participation in sports had reached a milestone in 1972 when a constitutional amendment was implemented to ensure equal opportunities for men and women. Since then, the percentage of participants in competitive sports has grown. In 1992, an association was made between three disorders related to female athletes called the “Female Athlete Triad”. After that, much has been studied about this and other particularities of female athletes.

Objective:

To identify the professionals who follow-up Brazilian female Olympic athletes and the association between a multidisciplinary approach and athletes’ knowledge about gynecological issues related to the practice of sport, i.e., female athlete triad, urinary incontinence, and weight control concerns.

Methods:

This observational study was conducted in Rio de Janeiro, Brazil, in 2016, during the Olympic Games. It included 120 female members of the Brazilian teams. A self-applied questionnaire, validated and adapted from the pre-participation gynecological evaluation of female athletes, was used to evaluate their multidisciplinary follow-ups, weight control concerns, and knowledge about the Female Athlete Triad and urinary incontinence.

Results:

The athletes practiced 28 different sports. For 66%, it was their first participation in Olympic Games; 56% were unaware of the female athlete triad, 77% indicated weight concerns, and 52% were on a diet. The use of diuretics or laxatives or vomiting was reported by 11%; 67.5% were aware that sports are a risk factor for urinary incontinence, and 40% had already experienced urine loss. Decreased sportive performance was mentioned by 31%. Several athletes presented multidisciplinary follow-ups psychological (83%), nutritional (96%), and gynecological (83%).

Conclusion:

Brazilian Olympic athletes sought multidisciplinary follow-ups during the Olympic cycle; however, participants’ knowledge of sports-related issues remains limited. An orientation program regarding the above conditions is needed for female athletes and the professionals working with them to improve health and performance. Evidence Level IV; Cross-sectional observational study.

Keywords:
Female Athlete Triad Syndrome; Gynecology; Urinary incontinence; Athletic Performance; Sports Medicine

RESUMEN

Introducción:

La participación femenina en el deporte alcanzó un hito en 1972 cuando se implementó una enmienda para garantizar la igualdad de oportunidades para hombres y mujeres. Desde entonces, el porcentaje de participantes en deportes competitivos ha crecido. En 1992, se estableció una asociación entre tres trastornos relacionados con atletas femeninas denominada “Tríada de la mujer atleta”. Posteriormente se ha estudiado mucho sobre esta y otras particularidades de las deportistas.

Objetivo:

Identificar a los profesionales que dan seguimiento a atletas olímpicas brasileñas y la asociación entre un enfoque multidisciplinario y el conocimiento de las atletas sobre los aspectos ginecológicos relacionados con la práctica del deporte: la tríada, la incontinencia urinaria y las preocupaciones sobre el peso.

Métodos:

Este estudio observacional se realizó en Rio de Janeiro, Brasil, 2016, durante los Juegos Olímpicos. Incluyó 120 mujeres integrantes de los equipos brasileños. Se utilizó un cuestionario auto aplicado, validado y adaptado de la evaluación ginecológica, para evaluar sus seguimientos multidisciplinarios, preocupaciones sobre control de peso y conocimiento sobre la Tríada y la incontinencia urinaria.

Resultados:

Los deportistas practicaron 28 deportes diferentes. Para el 66%, fue su primera participación en los Juegos Olímpicos, 56% desconocía la tríada, 77% indicó preocupaciones sobre el peso y 52% estaba a dieta. El uso de diuréticos, laxantes o emesis fue reportado en un 11%; 67,5% sabía que el deporte es un factor de riesgo de incontinencia urinaria y 40% ya había experimentado una pérdida de orina. Un 31 mencionó una disminución del rendimiento deportivo. Varias deportistas presentaron seguimientos multidisciplinarios psicológicos (83%), nutricionales (96%) y ginecológicos (83%).

Conclusión:

Las atletas olímpicas brasileñas buscaron seguimientos multidisciplinarios durante el ciclo olímpico, sin embargo, el conocimiento sigue siendo limitado. Se necesita un programa de orientación específico sobre las condiciones anteriores tanto para atletas como para profesionales involucrados con ellas para mejorar salud y rendimiento. Nivel de Evidencia IV; Estudio observacional transversal.

Descriptores:
Síndrome de la Tríada de la Atleta Femenina; Ginecología; Incontinencia Urinaria; Rendimiento Atlético; Medicina Deportiva

INTRODUÇÃO

São inúmeros os benefícios relacionados à prática esportiva. O engajamento regular no exercício físico provoca importantes alterações orgânicas associadas à prevenção e ao tratamento de doenças crônicas como diabetes, hipertensão e obesidade.11 Pedersen BK, Saltin B. Exercise as medicine - evidence for prescribing exercise as therapy in 26 different chronic diseases. Scand J Med Sci Sports. 2015;25 Suppl 3:1-72. Os resultados positivos estão relacionados à melhoria da contratibilidade e capacidade cardíaca, aumento da função endotelial e tolerância à glicose, melhora da sensibilidade à insulina e diminuição dos níveis de hemoglobina glicada.11 Pedersen BK, Saltin B. Exercise as medicine - evidence for prescribing exercise as therapy in 26 different chronic diseases. Scand J Med Sci Sports. 2015;25 Suppl 3:1-72. Em contraste, o excesso de exercício pode afetar negativamente a saúde, particularmente com uma dieta inadequada.22 Logue DM, Madigan SM, Melin A, Delahunt E, Heinen M, Mc Donnell S-J, et al. Low energy availability in athletes 2020: an updated narrative review of prevalence, risk, within-day energy balance, knowledge, and impact on sports performance. Nutrients. 2020;12(3):835.,33 Orio F, Muscogiuri G, Ascione A, Marciano F, Volpe A, La Sala G, et al. Effects of physical exercise on the female reproductive system. Minerva Endocrinol. 2013;38(3):305-19.

A participação feminina no esporte alcançou um marco histórico em 1972, quando uma emenda constitucional, o Título IX, foi implementada para garantir igualdade de oportunidades para homens e mulheres em relação a estudos e incentivos à prática esportiva e prevenção da exclusão ou discriminação por qualquer uma dessas atividades.44 Warren MP, Goodman LR. Exercise-induced endocrine pathologies. J Endocrinol Invest. 2003;26(9):873-8. Desde então, o percentual de mulheres engajadas nos esportes competitivos tem crescido e tende a aumentar no futuro.

Em 1992, o American College of Sports Medicine realizou uma conferência para discutir questões diretamente relacionadas às mulheres. Em particular, três transtornos distintos e interconectados pareciam comprometer um número crescente de atletas: amenorreia, osteoporose e distúrbios alimentares. Esses três transtornos foram associados à “Tríade da mulher atleta” (TMA).55 Beals KA, Meyer NL. Female athlete triad update. Clin Sports Med. 2007;26(1):69-89.

Atualmente, o conceito dos componentes da TMA foi estendido para melhorar os diagnósticos precoces. Portanto, distúrbios alimentares relacionados a condições adversas de equilíbrio energético – relacionadas ou não à anorexia e bulimia, alterações na menstruação devido ao hipoestrogenismo, oligomenorreia, amenorreia anterior e perda de densidade mineral óssea (demonstrando possível evolução para fraturas por estresse), ganharam atenção entre os estudiosos do assunto.66 Donaldson ML. The female athlete triad. A growing health concern. Orthop Nurs. 2003;22(5):322-4.

Em muitos esportes, peso e composição corporal são variáveis importantes para o desempenho. Por essa razão, muitos atletas se envolvem em hábitos insalubres para alcançar esse corpo “ideal”. A baixa disponibilidade de energia muda cronicamente o sistema endócrino e altera o metabolismo da atleta, que arrisca tanto a saúde quanto o desempenho esportivo.77 Torstveit MK, Sundgot-Borgen, J. Eating disorders in male and female athletes. In: Maughan RJ, editors. Sports nutrition: the encyclopaedia of sports medicine. Chichester, UK: Wiley-Blackwell; 2014. p. 513-25.

A incontinência urinária (IU) também é uma das condições mais prevalentes entre as mulheres.88 Aoki Y, Brown HW, Brubaker L, Cornu JN, Daly JO, Cartwright R. Urinary incontinence in women. Nat Rev Dis Primers. 2017;3:17042. A incontinência urinária por esforço é definida como perda involuntária de urina devido ao esforço, tosse ou espirro.99 Heath A, Folan S, Ripa B. Stress urinary incontinence in female athletes. J Womens Health Phys Therap. 2014;38:104-9. Quando a perda está explicitamente relacionada à prática esportiva, é referida como incontinência urinária atlética (IUA).1010 Araujo MP, Sartori MGF, Girão MJBC. Athletic Incontinence: proposal of a new term for a newwoman. Rev Bras Ginecol Obstet. 2017;39:441-2.

A maioria das atletas de elite conta com uma abordagem multidisciplinar para ajudá-las a alcançar seus objetivos esportivos. No entanto, os profissionais de confiança podem não estar cientes dos problemas específicos das atletas femininas ou podem não se preocupar com eles durante suas consultas regulares. Isso pode levar à continuidade dos riscos que todos desconhecem. Diferentes profissionais passam muito tempo com as atletas; portanto, poderiam ser um recurso para disseminar informações sobre questões específicas de saúde, ajudando a melhorar a saúde das atletas e, provavelmente, o desempenho esportivo.

A prevenção dessas condições envolve maior disseminação do conhecimento entre profissionais que trabalham com essas mulheres, ou seja, treinadores, pais e as próprias atletas do sexo feminino, que muitas vezes subestimam os riscos inerentes ao exercício físico intenso sem o acompanhamento multiprofissional.1111 Waldrop J. Early identification and interventions for female athlete triad. J Pediatr Health Care. 2005;19(4):213-20. O rastreamento dessas informações é muito importante para o diagnóstico precoce e, consequentemente, para melhorar o resultado do tratamento.1212 Rumball JS, Lebrun CM. Preparticipation physical examination: selected issues for the female athlete. Clin J Sport Med. 2004;14:153-60.

Atualmente, há uma lacuna desses dados no Brasil. Novos protocolos relativos à saúde e cuidados das atletas femininas são necessários. A equipe de apoio deve ir além de suas práticas regulares e se engajar em declarações de prevenção para ampliar o conhecimento das atletas sobre essas condições, facilitando desfechos mais positivos.1313 Ackerman KE, Stellingwerff T, Elliott-Sale KJ, Baltzell A, Cain M, Goucher K, et al. #REDS (Relative Energy Deficiency in Sport): time for a revolution in sports culture and systems to improve athlete health and performance. Br J Sports Med. 2020;54(7):369-70.

Este estudo teve como objetivo entrevistar atletas brasileiras olímpicas antes dos Jogos Olímpicos de Verão realizados no Rio de Janeiro, em 2016, para identificar os profissionais que fizeram seus acompanhamentos. Além disso, teve como objetivo investigar o conhecimento das atletas sobre questões ginecológicas relacionadas à prática esportiva: TMA, IUA, preocupações com controle de peso e, por fim, relacionar a abordagem multidisciplinar ao seu conhecimento.

MÉTODOS

Projeto de estudo

Trata-se de um estudo observacional realizado entre julho e agosto de 2016, entre atletas femininas da Seleção Brasileira Olímpica, nos Jogos Olímpicos de Verão, realizados no Rio de Janeiro em 2016. As atletas responderam a um questionário autoaplicado, validado e adaptado do questionário proposto como Preparticipation Gynecological Evaluation (PPGE) (versão online).1414 Parmigiano TR, Zucchi EV, Araujo MP, Guindalini CSC, Castro RA, Di Bella ZIK, et al. Pre-participation gynecological evaluation of female athletes: a new proposal. Einstein (Sao Paulo). 2014;12(4):459-66. Este questionário avalia dados demográficos e socioeconômicos, histórico esportivo, abordagem multidisciplinar e questões sobre saúde, como as preocupações com a TMA, IUA e controle de peso. O Comitê de Ética em Pesquisa aprovou o estudo da Universidade Federal de São Paulo, Brasil (CAAE 1.615.280), o Comitê Olímpico Brasileiro apoiou o fornecimento de informações de contato das atletas e permitiu a pesquisa.

Participantes

As participantes compuseram uma amostragem por conveniência com 120 atletas brasileiras olímpicas competindo nos Jogos Olímpicos de Verão, Rio de Janeiro, 2016. Todas elas com mais de 16 anos de idade, concordaram em participar por consentimento on-line informado, preencheram o questionário e foram incluídas no estudo.

Avaliação

O questionário online é uma versão adaptada do proposto como Preparticipation Gynecological Evaluation (PPGE), um instrumento previamente validado.1414 Parmigiano TR, Zucchi EV, Araujo MP, Guindalini CSC, Castro RA, Di Bella ZIK, et al. Pre-participation gynecological evaluation of female athletes: a new proposal. Einstein (Sao Paulo). 2014;12(4):459-66. Ele indaga dados demográficos, modalidade esportiva, histórico socioeconômico esportivo e acompanhamento multidisciplinar. Também aborda preocupações de controle de peso, o conhecimento do TMA e a ocorrência de IUA.

Análise de dados

Os dados foram armazenados em uma planilha de software do Microsoft® Excel® 2016 (Microsoft Corporation, Redmond, WA, EUA). As análises estáticas foram realizadas utilizando-se o software estatístico Stata/SE 15.1 Windows®.

Medições de frequência absoluta e relativa descreveram os dados de número (n) e percentual (%), respectivamente, para variáveis categóricas. As variáveis quantitativas foram descritas por média e desvios-padrão (SD). Os testes de Qui-quadrado ou exato de Fisher foram realizados para examinar associações entre variáveis categóricas.

Foi adotado um nível de significância de 5% para todas as análises estatísticas, o que significa que os resultados com valor-p >5% (p <0,05) foram considerados estatisticamente significativos.

RESULTADOS

As participantes pertenciam a 28 modalidades esportivas. A média de idade das participantes foi de 27±5 anos, e 66% participaram de seus primeiros Jogos Olímpicos (Tabela 1, 2).

Tabela 1
Características demográficas das participantes.
Tabela 2
Histórico esportivo das participantes.

O conhecimento de TMA das participantes foi baixo; 56% não tinham conhecimento dessa síndrome. No entanto, 77% expressaram preocupação com o peso, e 52% estavam atualmente em dieta. Não houve relação significativa entre a idade e a preocupação com o peso (p=0.753) ou a preocupação com o peso e o conhecimento de TMA. (p=0,873).

O uso de diuréticos ou laxantes ou vômitos para perda de peso foi indicado por 11% das participantes, sendo mais prevalente entre aquelas que fazem dieta (77%). Entre essas, 77% mencionaram usar desses meios para otimizar o emagrecimento. As fraturas por estresse também podem estar relacionadas à TMA e foram referidas por 18% das participantes (Tabela 3).

Tabela 3
Questões relacionadas à TMA e distúrbios alimentares.

Em relação à incontinência urinária, 67,5% sabiam que a perda involuntária de urina poderia acontecer durante a prática esportiva, e 40% já haviam sofrido perda de urina. Não houve associação significativa entre idade e perda de urina (p=0.422). Além disso, 31% das que sofreram perda de urina a relacionaram com impactos negativos no desempenho esportivo (Tabela 4).

Tabela 4
Questões relacionadas à incontinência urinária.

Ainda, houve associação significativa entre o conhecimento TMA e a IUA (p<0.001). Aquelas que sabiam sobre a TMA também estavam cientes da IUA.

Muitas atletas apresentaram acompanhamento psicológico (83%), nutricional (96%) e ginecológico (83%) (Tabela 5). A maioria (83%) referiu consultas anuais a um ginecologista, mesmo sem uma queixa específica.

Tabela 5
Questões relacionadas ao uso de suplemento alimentar e acompanhamento multidisciplinar.

A maioria (82,5%) referiu o uso de suplementos prescritos principalmente por nutricionistas (70%). Não houve relação significativa entre idade e acompanhamento nutricional (p=0.394).

A maioria (91%) indicou o acompanhamento psicológico como importante para o desempenho esportivo. Houve diferença significativa nas preocupações com o peso entre aquelas que receberam das que não receberam acompanhamento psicológico (p=0,041). Entre as preocupadas com o controle de peso, 21% não mencionaram atendimento psicológico.

DISCUSSÃO

O estudo foi realizado com 120 atletas brasileiras, das quais 66% participaram de seus primeiros Jogos Olímpicos.

A TMA é uma questão minuciosamente investigada entre as participantes do esporte feminino.1515 Yeager KK, Agostini R, Nattiv A, Drinkwater B. The female athlete triad: disordered eating, amenorrhea, osteoporosis. Med Sci Sports Exerc. 1993;25:775-7. Em estudo realizado entre atletas brasileiras jovens e amadoras, 89,9% não tinham conhecimento da TMA.1414 Parmigiano TR, Zucchi EV, Araujo MP, Guindalini CSC, Castro RA, Di Bella ZIK, et al. Pre-participation gynecological evaluation of female athletes: a new proposal. Einstein (Sao Paulo). 2014;12(4):459-66. Embora as atletas olímpicas tenham mais conhecimento sobre essa questão, a maioria delas (56%) não sabem os riscos que correm.

A fratura por estresse tem etiologias diferentes e talvez um resultado negativo da TMA. A lesão pode ser causada por hipoestrogenismo resultante de distúrbios menstruais relacionados à TMA. 1616 Otis CL, Drinkwater B, Johnson M, Loucks A, Wilmore J. American College of Sports Medicine position stand. The Female Athlete Triad. Med Sci Sports Exerc. 1997;29(5):i-ix. Uma limitação deste estudo foi a impossibilidade de relacionar as fraturas de estresse, mencionadas por 18% das atletas, à irregularidade do ciclo menstrual, também relatada por por algumas das participantes (35%). Estudos anteriores descrevem menor incidência entre atletas do sexo feminino (13%),1717 Ackerman KE, Cano Sokoloff N, DE Nardo Maffazioli G, Clarke HM, Lee H, Misra M. Fractures in relation to menstrual status and bone parameters in young athletes. Med Sci Sports Exerc .2015;47(8):1577-86. em comparação com o que é mostrado acima. Além da associação com a TMA, essas lesões podem causar dor e impedir que os atletas participem dos treinos.1818 Abbott A, Bird ML, Wild E, Brown SM, Stewart G, Mulcahey MK. Part I: epidemiology and risk factors for stress fractures in female athletes. Phys Sportsmed. 2020;48(1):17-24.

Como mencionado, o foco da TMA são os transtornos alimentares. Ocasionalmente, a ingestão restrita de alimentos é voluntária e evolui para dietas persistentes relacionadas à flutuação de peso.1919 Klungland Torstveit M, Sundgot-Borgen J. Are under- and overweight female elite athletes thin and fat? a controlled study. Med Sci Sports Exerc. 2012;44(5):949-57. Neste estudo, 77% das atletas referiram-se ao peso como uma preocupação, e 52% estavam em dieta para perder peso. Ainda, diuréticos, laxantes ou vômitos podem ser usados para otimizar a perda. Neste estudo, 11% das participantes já haviam utilizado desses recursos, e essa prática foi mais comum entre aquelas que estavam atualmente em dieta (77%).

Atletas que participam de esportes de resistência (ou seja, corrida, ciclismo e natação), esportes que envolvem controle de peso (ou seja, luta livre e judô), ou aqueles que envolvem julgamentos estéticos (ou seja, ginástica, mergulho e natação artística) têm maior risco de apresentarem comportamento alimentar inadequado ou distúrbios alimentares.2020 Ackland TR, Lohman TG, Sundgot-Borgen J, Maughan RJ, Meyer NL, Stewart AD, et al. Current status of body composition assessment in sport: review and position statement on behalf of the ad hoc research working group on body composition health and performance, under the auspices of the I.O.C. Medical Commission. Sports Med. 2012;42(3):227-49. No entanto, nossos achados não revelaram diferenças estatisticamente significantes entre os três grupos de esportes acima, sugerindo que um biotipo magro é foco comum entre os esportes femininos ou uma aspiração para alcançar a imagem corporal padrão socialmente aceita.

Em relação à incontinência urinária, a maioria dos participantes referiu conhecimento sobre a IUA (67,5%) e 40% teve perda urinária durante a prática esportiva. A literatura anterior indica que a frequência de perda de urina pode variar entre 5 a 80% entre atletas do sexo feminino.1414 Parmigiano TR, Zucchi EV, Araujo MP, Guindalini CSC, Castro RA, Di Bella ZIK, et al. Pre-participation gynecological evaluation of female athletes: a new proposal. Einstein (Sao Paulo). 2014;12(4):459-66.,2121 Almousa S, Bandin Van Loon A. The prevalence of urinary incontinence in nulliparous female sportswomen: a systematic review. J Sports Sci. 2019;37(14):1663-72. Destaca-se que a alta prevalência pode estar relacionada ao fato de que a perda de urina é frequentemente subestimada, e as atletas, portanto, não relatam suas queixas à equipe médica ou ao seu treinador,1414 Parmigiano TR, Zucchi EV, Araujo MP, Guindalini CSC, Castro RA, Di Bella ZIK, et al. Pre-participation gynecological evaluation of female athletes: a new proposal. Einstein (Sao Paulo). 2014;12(4):459-66. possivelmente por subestimarem, terem vergonha, ou pela falta de consciência das possibilidades de tratamento por meio de exercícios de fortalecimento do assoalho pélvico.2222 Carls C. The prevalence of stress urinary incontinence in high school and college-age female athletes in the midwest: implications for education and prevention. Urol Nurs. 2007;27(1):21-39. IUA deve ser tratada, pois pode limitar o exercício, incluindo a prática esportiva, levando a alteração ou até mesmo ao abandono da prática esportiva.2323 Hägglund D, Wadensten B. Fear of humiliation inhibits women's care-seeking behaviour for long-term urinary incontinence. Scand J Caring Sci. 2007;21(3):305-12.

A incontinência urinária também pode impactar o desempenho esportivo, como 31% mencionaram. Tem uma influência negativa na qualidade de vida e concentração.2424 Jácome C, Oliveira D, Marques A, Sá-Couto P. Prevalence and impact of urinary incontinence among female athletes. Int J Gynaecol Obstet. 2011;114(1):60-3. Por essa razão, seria importante tratar e incorporar programas de prevenção durante as sessões de prática esportiva para todas as atletas do sexo feminino.2525 Woodley SJ, Boyle R, Cody JD, Mørkved S, Hay-Smith EJC. Pelvic floor muscle training for prevention and treatment of urinary and faecal incontinence in antenatal and postnatal women. Cochrane Database Syst Rev. 2017;12(12):CD007471.

As participantes tiveram acesso a acompanhamentos ginecológicos, psicológicos e nutricionais durante a maior parte do ciclo olímpico. No entanto, os achados atuais demonstram que as atletas continuam ignorando a TMA, aceitando a diminuição do desempenho esportivo relacionado à IUA e se engajando em dietas e métodos inadequados para o controle de peso. A maioria das participantes em dietas não supervisionadas não mencionou acompanhamento psicológico. Devem, portanto, ser direcionadas a esse recurso para proteger sua saúde, melhorando sua compreensão e minimizando a exposição aos riscos à sua saúde e às habilidades atléticas.

Além dos acompanhamentos multidisciplinares mencionados acima, considerados essenciais para o cuidado ideal, é necessária uma abordagem individualmente adaptada, com a inclusão de todas as equipes envolvidas com a saúde e desempenho das atletas, para identificar possíveis riscos individuais.1313 Ackerman KE, Stellingwerff T, Elliott-Sale KJ, Baltzell A, Cain M, Goucher K, et al. #REDS (Relative Energy Deficiency in Sport): time for a revolution in sports culture and systems to improve athlete health and performance. Br J Sports Med. 2020;54(7):369-70.

O grande valor deste estudo é que, pelo que sabemos, é o primeiro destinado a investigar principalmente questões ginecológicas, como o conhecimento de preocupações inerentes à saúde entre as atletas brasileiras olímpicas. Além disso, embora uma equipe multidisciplinar acompanhe as atletas, parece que os profissionais envolvidos com sua assistência à saúde devem ser incentivados a identificar e auxiliar aquelas com necessidades específicas relacionadas às condições de saúde das atletas femininas.

Esperamos que esses achados capacitem equipes multidisciplinares para promover a educação, melhorar os esforços colaborativos e estabelecer protocolos confiáveis adaptados às necessidades específicas das mulheres atletas.

Uma limitação deste estudo é que o questionário foi preenchido remotamente (online), o que impossibilitou o esclarecimento de ambiguidades ou a elaboração de questões adicionais às atletas.

CONCLUSÕES

Foi apresentado um acompanhamento multidisciplinar às atletas olímpicas brasileiras durante o ciclo olímpico. No entanto, nossos achados demonstraram que o conhecimento das atletas sobre questões relacionadas ao esporte ainda é limitado. Isso indica a necessidade de um programa de orientação específico para fornecer informações relevantes à atleta feminina sobre as condições a que estão expostas - preocupação com o peso, TMA e IUA. A equipe multidisciplinar que trabalha com elas também deve ser capacitada e incentivada a fornecer informações e cuidados sobre essas questões específicas e trabalhar em conjunto para alcançar esse objetivo.

REFERENCES

  • 1
    Pedersen BK, Saltin B. Exercise as medicine - evidence for prescribing exercise as therapy in 26 different chronic diseases. Scand J Med Sci Sports. 2015;25 Suppl 3:1-72.
  • 2
    Logue DM, Madigan SM, Melin A, Delahunt E, Heinen M, Mc Donnell S-J, et al. Low energy availability in athletes 2020: an updated narrative review of prevalence, risk, within-day energy balance, knowledge, and impact on sports performance. Nutrients. 2020;12(3):835.
  • 3
    Orio F, Muscogiuri G, Ascione A, Marciano F, Volpe A, La Sala G, et al. Effects of physical exercise on the female reproductive system. Minerva Endocrinol. 2013;38(3):305-19.
  • 4
    Warren MP, Goodman LR. Exercise-induced endocrine pathologies. J Endocrinol Invest. 2003;26(9):873-8.
  • 5
    Beals KA, Meyer NL. Female athlete triad update. Clin Sports Med. 2007;26(1):69-89.
  • 6
    Donaldson ML. The female athlete triad. A growing health concern. Orthop Nurs. 2003;22(5):322-4.
  • 7
    Torstveit MK, Sundgot-Borgen, J. Eating disorders in male and female athletes. In: Maughan RJ, editors. Sports nutrition: the encyclopaedia of sports medicine. Chichester, UK: Wiley-Blackwell; 2014. p. 513-25.
  • 8
    Aoki Y, Brown HW, Brubaker L, Cornu JN, Daly JO, Cartwright R. Urinary incontinence in women. Nat Rev Dis Primers. 2017;3:17042.
  • 9
    Heath A, Folan S, Ripa B. Stress urinary incontinence in female athletes. J Womens Health Phys Therap. 2014;38:104-9.
  • 10
    Araujo MP, Sartori MGF, Girão MJBC. Athletic Incontinence: proposal of a new term for a newwoman. Rev Bras Ginecol Obstet. 2017;39:441-2.
  • 11
    Waldrop J. Early identification and interventions for female athlete triad. J Pediatr Health Care. 2005;19(4):213-20.
  • 12
    Rumball JS, Lebrun CM. Preparticipation physical examination: selected issues for the female athlete. Clin J Sport Med. 2004;14:153-60.
  • 13
    Ackerman KE, Stellingwerff T, Elliott-Sale KJ, Baltzell A, Cain M, Goucher K, et al. #REDS (Relative Energy Deficiency in Sport): time for a revolution in sports culture and systems to improve athlete health and performance. Br J Sports Med. 2020;54(7):369-70.
  • 14
    Parmigiano TR, Zucchi EV, Araujo MP, Guindalini CSC, Castro RA, Di Bella ZIK, et al. Pre-participation gynecological evaluation of female athletes: a new proposal. Einstein (Sao Paulo). 2014;12(4):459-66.
  • 15
    Yeager KK, Agostini R, Nattiv A, Drinkwater B. The female athlete triad: disordered eating, amenorrhea, osteoporosis. Med Sci Sports Exerc. 1993;25:775-7.
  • 16
    Otis CL, Drinkwater B, Johnson M, Loucks A, Wilmore J. American College of Sports Medicine position stand. The Female Athlete Triad. Med Sci Sports Exerc. 1997;29(5):i-ix.
  • 17
    Ackerman KE, Cano Sokoloff N, DE Nardo Maffazioli G, Clarke HM, Lee H, Misra M. Fractures in relation to menstrual status and bone parameters in young athletes. Med Sci Sports Exerc .2015;47(8):1577-86.
  • 18
    Abbott A, Bird ML, Wild E, Brown SM, Stewart G, Mulcahey MK. Part I: epidemiology and risk factors for stress fractures in female athletes. Phys Sportsmed. 2020;48(1):17-24.
  • 19
    Klungland Torstveit M, Sundgot-Borgen J. Are under- and overweight female elite athletes thin and fat? a controlled study. Med Sci Sports Exerc. 2012;44(5):949-57.
  • 20
    Ackland TR, Lohman TG, Sundgot-Borgen J, Maughan RJ, Meyer NL, Stewart AD, et al. Current status of body composition assessment in sport: review and position statement on behalf of the ad hoc research working group on body composition health and performance, under the auspices of the I.O.C. Medical Commission. Sports Med. 2012;42(3):227-49.
  • 21
    Almousa S, Bandin Van Loon A. The prevalence of urinary incontinence in nulliparous female sportswomen: a systematic review. J Sports Sci. 2019;37(14):1663-72.
  • 22
    Carls C. The prevalence of stress urinary incontinence in high school and college-age female athletes in the midwest: implications for education and prevention. Urol Nurs. 2007;27(1):21-39.
  • 23
    Hägglund D, Wadensten B. Fear of humiliation inhibits women's care-seeking behaviour for long-term urinary incontinence. Scand J Caring Sci. 2007;21(3):305-12.
  • 24
    Jácome C, Oliveira D, Marques A, Sá-Couto P. Prevalence and impact of urinary incontinence among female athletes. Int J Gynaecol Obstet. 2011;114(1):60-3.
  • 25
    Woodley SJ, Boyle R, Cody JD, Mørkved S, Hay-Smith EJC. Pelvic floor muscle training for prevention and treatment of urinary and faecal incontinence in antenatal and postnatal women. Cochrane Database Syst Rev. 2017;12(12):CD007471.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    Jul-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    29 Jun 2021
  • Aceito
    29 Nov 2021
Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte Av. Brigadeiro Luís Antônio, 278, 6º and., 01318-901 São Paulo SP, Tel.: +55 11 3106-7544, Fax: +55 11 3106-8611 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: atharbme@uol.com.br