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ATIVIDADE FÍSICA E MORTALIDADE POR COVID-19 NAS CAPITAIS BRASILEIRAS: UMA ANÁLISE ECOLÓGICA

RESUMO

Introdução:

Poucos estudos analisaram a associação entre atividade física e hospitalizações ou mortalidade pelo novo coronavírus, principalmente no Brasil.

Objetivo:

Analisar a associação entre atividade física e óbitos por COVID-19 nas capitais brasileiras.

Métodos:

Estudo ecológico observacional transversal, no qual foram analisados dados de prevalência de atividade física de lazer e óbitos por Covid-19 em 26 capitais brasileiras e Distrito Federal. Os dados foram coletados por meio do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco de doenças crônicas não transmissíveis e SUS Analítico para COVID-19 do Ministério da Saúde do Brasil. Para a análise dos dados, empregou-se correlação de Pearson simples e regressão múltipla com nível de significância de 5%.

Resultados:

Os dados demonstram existência de correlação inversa entre atividade física de lazer e óbitos acumulados (r = −0,44, p = 0,03), taxa de mortalidade/100.000 habitantes (r = −0,43, p = 0,02) e também com a letalidade da doença (r = −0,51, p = 0,01). Também demonstram associação inversa entre atividade física no lazer e óbitos acumulados (β = −485,1, p = 0,04), bem como com a letalidade da doença (β = −0,21, p = 0,02), mesmo após ajuste para variáveis de confundimento.

Conclusão:

A associação inversa observada entre atividade física, óbitos acumulados e letalidade da COVID-19 pode trazer reflexos importantes sobre as ações que vêm sendo implementadas por órgãos governamentais, tanto no âmbito estadual quanto municipal, no que diz respeito à prática de atividade física da população. Nível de evidência III; Estudo transversal ecológico.

Descritores:
Atividade Física; Mortalidade; COVID-19

ABSTRACT

Introduction:

Few studies have analyzed the association between physical activity and hospitalizations or mortality as a result of the new coronavirus, particularly in Brazil.

Objective:

To analyze the association between physical activity and deaths by Covid-19 in the Brazilian capitals.

Method:

An observational cross-sectional ecological study, in which data on the prevalence of physical activity during leisure time, and deaths by Covid-19 were analyzed for twenty-six Brazilian capitals plus the Federal District. Data were collected through the Risk Factor Surveillance System for chronic non-communicable diseases, and SUS Analytical for COVID-19 in Brazil, of the Brazilian Ministry of Health. For the data analysis, simple Pearson correlation and multiple regression were used, with a level of significance of 5%.

Results:

The data show the existence of an inverse correlation between physical activity during leisure time and accumulated deaths (r = −0.44, p = 0.03), mortality rate/100,000 inhabitants (r = −0.43, p = 0.02), and the lethality of the disease (r = −0.51, p = 0.01). They also show an inverse association between physical activity during leisure time and accumulated deaths (β = −485.1, p = 0.04), as well as with the lethality of the disease (β = −0.21, p = 0.02), even after adjusting for confounding variables.

Conclusion:

The inverse association observed between physical activity, accumulated deaths, and lethality of Covid-19 can bring important reflections on the actions that have been implemented by government agencies, at both state and municipal levels, in relation to the practice of physical activity by the population. Level of evidence III; Cross-sectional ecological study.

Keywords:
Physical Activity; Mortality; COVID-19

RESUMEN

Introducción:

Pocos estudios han analizado la asociación entre actividad física y las hospitalizaciones o la mortalidad por el nuevo coronavirus, especialmente en Brasil.

Objetivo:

Analizar la asociación entre la actividad física y las muertes por COVID-19 en las capitales brasileñas.

Métodos:

Estudio ecológico observacional transversal, donde se analizaron datos de prevalencia de la actividad física en el tiempo libre y las muertes por COVID-19 en 26 capitales brasileñas y en el Distrito Federal. Los datos fueron recopilados a través del Sistema de Vigilancia de Factores de Riesgo de enfermedades crónicas no transmisibles y SUS Analítico para COVID-19 del Ministerio de Salud de Brasil. Para el análisis de los datos se utilizó la correlación de Pearson simple y la regresión múltiple con un nivel de significancia del 5%.

Resultados:

Los datos demuestran la existencia de una correlación inversa entre la actividad física en el tiempo libre y las muertes acumuladas (r = −0,44, p = 0,03), la tasa de mortalidad / 100.000 habitantes (r = −0,43, p = 0,02) y también con la letalidad de la enfermedad (r = −0,51, p = 0,01). También demuestran una asociación inversa entre la actividad física en el tiempo libre y las muertes acumuladas (β = −485,1, p = 0,04), así como con la letalidad de la enfermedad (β = −0,21, p = 0,02), incluso después del ajuste por variables de confusión.

Conclusión:

La asociación inversa observada entre la actividad física, las muertes acumuladas y la letalidad de la COVID--19 puede traer consigo importantes reflexiones sobre las acciones que están siendo implementadas por organismos gubernamentales, tanto en el ámbito estatal como municipal, en cuanto a la práctica de la actividad física por parte de la población. Nivel de evidencia III; Estudio ecológico transversal.

Descriptores:
Actividad física; Mortalidad; COVID-19

INTRODUÇÃO

Os importantes benefício da atividade física para a saúde cardiometabólica11 Lin X, Alvim SM, Simoes EJ, Bensenor IM, Barreto SM, Schmidt MI, Ribeiro AL, Pitanga F, Almeida MC, Liu S, Lotufo PA. Leisure Time Physical Activity and Cardio-Metabolic Health: Results From the Brazilian Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil). J Am Heart Assoc. 2016;5(6):e003337., imunológica22 Gonçalves CAM, Dantas PMS, Dos Santos IK, Dantas M, da Silva DCP, Cabral BGAT, Guerra RO, Júnior GBC. Effect of Acute and Chronic Aerobic Exercise on Immunological Markers: A Systematic Review. Front Physiol. 2020;10:1602. e mental33 Jonsdottir IH, Rödjer L, Hadzibajramovic E, Börjesson M, Ahlborg G Jr.A prospective study of leisure-time physical activity and mental health in Swedish health care workers and social insurance officers. Prev Med.2010 Nov;51(5):373-7. já são amplamente conhecidos pela comunidade científica. A prática regular da atividade física pode ser muito efetiva para prevenir a obesidade, hipertensão arterial, diabetes e outros agravos cardiometabólicos que são fatores de risco para a gravidade das internações hospitalares em decorrência do Covid-1911 Lin X, Alvim SM, Simoes EJ, Bensenor IM, Barreto SM, Schmidt MI, Ribeiro AL, Pitanga F, Almeida MC, Liu S, Lotufo PA. Leisure Time Physical Activity and Cardio-Metabolic Health: Results From the Brazilian Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil). J Am Heart Assoc. 2016;5(6):e003337.. Especificamente com relação ao sistema imunológico, durante o processo infeccioso causado pelo novo coronavírus, os indivíduos mais ativos fisicamente podem apresentar mecanismos de defesa mais adequados para reduzir o processo inflamatório causado pelo conflito entre o vírus e as células imunes do nosso organismo. Assim, a redução do processo inflamatório nos pulmões pode diminuir a gravidade do quadro clínico do paciente, evitando o uso de intervenções mais drásticas, como, por exemplo, a ventilação mecânica44 Sallis JF, Pratt M. Multiple benefits of physical activity during the Coronavirus pandemic. Rev Bras Ativ Fís Saúde. 2020;25e0112..

Neste contexto, recentes publicações têm demonstrado que a inatividade física pode ser um importante fator de risco para internações hospitalares, admissão em unidades de terapia intensiva e óbitos por Covid-19 e sugerem que a adoção de estilo de vida saudável pode reduzir o risco do agravamento do quadro clínico por Covid-1955 Hamer M, Kivimäki M, Gale CR, Batty GD. Lifestyle risk factors, inflammatory mechanisms, and COVID-19 hospitalization: A community-based cohort study of 387,109 adults in UK. Brain Behav Immun. 2020;87:184-187.,66 Sallis R, Young DR, Tartof SY, et al. Physical inactivity is associated with a higher risk for severe COVID-19 outcomes: a study in 48 440 adult patients. Br J Sports Med. Epub ahead of print: [April, 14, 2021].. Além disto, pontos de vista chamam atenção para a importância da continuidade da prática atividade física e redução do comportamento sedentário durante a pandemia de Covid-1977 Pitanga FJG, Beck, CC, Pitanga CPS. Physical Activity And Reducing Sedentary Behavior During The Coronavirus Pandemic. Arq Bras Cardiol. 2020;114(6):1058-1060., além de sugerir aos governantes que ao publicar decretos sobre restrições de deslocamento da população considerem a atividade física como essencial durante a atual pandemia88 Pitanga FJG, Beck, CC, Pitanga CPS. Should physical activity be considered essential activity during the covid-19 pandemic?Int J Cardiovasc Sci.2020;33(4):401-403.. Também sugerem que vivemos um momento em que, além da COVID-19, outras pandemias assolam a humanidade, como o sedentarismo e a obesidade, que trazem graves consequências para a saúde da população mundial99 Pitanga FJG, Beck CC, Pitanga CPS. Inatividade física, obesidade e COVID-19: perspectivas entre múltiplas pandemias. Rev Bras Ativ Fis Saúde. 2020;25:e0114..

Além disso, publicações sobre a influenza/H1N1, transportadas para a atual pandemia, sugerem que quanto mais ativa fisicamente estiver a população menores serão as taxas de mortalidade e gravidade da infecção causada pelo COVID-191010 Siu E, Campitelli MA, Kwong JC. Physical activity and influenza-coded outpatient visits, a population-based cohort study. PLoS One. 2012;7(6):e39518.,1111 Wong CM, Lai HK, Ou CQ, et al. Is exercise protective against influenza-associated mortality?. PLoS One. 2008;3(5):e2108.. Nesse contexto, em recente publicação, quando dados de domínio público foram analisados em 45 países africanos foi demonstrado uma associação entre a prevalência de atividade física insuficiente e mortalidade por COVID-191212 Okeahalam C, Williams V, Otwombe K. Factors associated with COVID-19 infections and mortality in Africa: a cross-sectional study using publicly available data. BMJ Open. 2020;10(11):e042750..

Por outro lado, publicações chamam a atenção para a importância da prática regular da atividade física como meio de proteção para a gravidade da infecção causada pelo novo coronavírus1313 Luzi L, Radaelli MG. Influenza and obesity: its odd relationship and the lessons for COVID-19 pandemic. Acta Diabetol. 2020;57(6):759-764.,1414 Carter SJ, Baranauskas MN, Fly AD. Considerations for Obesity, Vitamin D, and Physical Activity Amid the COVID-19 Pandemic. Obesity (Silver Spring). 2020;28(7):1176-1177.. Sugerem, inclusive, que sejam “inoculadas” doses de atividade física na população como meio de proteção para futuras pandemias1515 Laddu DR, Lavie CJ, Phillips SA, Arena R. Physical activity for immunity protection: Inoculating populations with healthy living medicine in preparation for the next pandemic. Prog Cardiovasc Dis. 2020:S0033-0620 (20) 30078-5.. Além do mais, estudos demonstram que a vacina contra influenza tem efeitos protetores mais significativos em idosos ativos fisicamente, fato que poderá também se configurar na atual pandemia1616 Song Y, Ren F, Sun D, et al. Benefits of Exercise on Influenza or Pneumonia in Older Adults: A Systematic Review. Int J Environ Res Public Health. 2020;17(8):E2655. Published 2020 Apr 13.,1717 Pitanga FJG, Pitanga CPS, Beck CC. Can physical activity influence the effect of the COVID-19 vaccine on older adults?Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum. 2020; 22:e76586..

Considerando que são poucos os estudos originais, principalmente no Brasil, que relacionam a atividade física à alterações do quadro clínico, hospitalizações e mortalidade por COVID-19, bem como diversos pontos de vista que chamam a atenção para a importância da atividade física no contexto do novo coronavírus, e também, de diversos estudos sobre atividade física e influenza com dados transportados para a pandemia atual, o presente trabalho pode ampliar o conhecimento inicial sobre a associação entre atividade física e Covid-19 contribuindo para um melhor entendimento sobre o assunto.

Assim, o objetivo do estudo foi analisar a associação entre atividade física e mortalidade por Covid-19 nas capitais brasileiras.

MÉTODOS

Tipo do estudo

Trata-se de estudo observacional transversal ecológico, quando foram analisados dados sobre prevalência da atividade física no tempo livre (AFTL), óbitos acumulados, letalidade da doença e óbitos acumulados/100.000 habitantes por Covid-19 em 26 capitais brasileiras e Distrito Federal.

Coleta de dados

Foram utilizados dados de prevalência de AFTL, obesidade e hipertensão arterial coletados em 2019 por meio do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco para doenças crônicas não transmissíveis (VIGITEL 2019), disponíveis em documento publicado pelo Ministério da Saúde do Brasil1818 Vigitel Brazil 2019: surveillance of risk and protective factors for chronic diseases by telephone survey: estimates of frequency and sociodemographic distribution of risk and protective factors for chronic diseases in the capitals of the Brazilian states and the Federal District in 2019. Brasília, 2020.. As informações sobre óbitos referem-se ao dia 22 de janeiro de 2021, extraídas do SUS Analítico: dados do COVID-19 no Brasil, disponíveis no site do Ministério da Saúde do Brasil1919 Ministry of Health of Brazil. Analytical SUS: data on COVID-19 in Brazil. 2020. [accessed 22 jan 2021]. Available in: https://susanalitico.saude.gov.br/extensions/covid-19_html/covid-19_html.html.
https://susanalitico.saude.gov.br/extens...
. Foram utilizadas informações sobre óbitos acumulados pela Covid-19, letalidade da doença e taxa de mortalidade pela Covid-19 por cem mil habitantes, nas capitais brasileiras e Distrito Federal.

Análise de dados

Inicialmente foi realizada a análise de correlação simples de Pearson entre AFTL e óbitos acumulados por Covid-19, letalidade da doença e mortalidade por Covid-19 por 100 mil habitantes. Posteriormente, foi utilizada a análise de regressão múltipla entre AFTL e óbitos acumulados por Covid-19, letalidade da doença e mortalidade por Covid-19 por cem mil habitantes, ajustada para obesidade e hipertensão arterial. A adequação do modelo final foi testada por meio da análise dos resíduos, coeficiente de determinação ajustado, soma dos quadrados dos resíduos da regressão, teste de normalidade dos resíduos da regressão e análise da presença de pontos aberrantes. O nível de significância utilizado foi <0,05. Foi utilizado o programa estatístico STATA 12.0.

RESULTADOS

As informações sobre as prevalências das variáveis analisadas no estudo, bem como óbitos acumulados por Covid-19, letalidade da doença e óbitos acumulados por Covid-19 por 100 mil habitantes, em cada uma das capitais brasileiras e no Distrito Federal estão disponibilizadas na Tabela 1.

Tabela 1
Características das variáveis analisadas em capitais brasileiras.

As correlações simples entre AFTL, óbitos acumulados, letalidade da doença e mortalidade por Covid-19 por 100 mil habitantes são apresentadas nas Figuras 1, 2 e 3. Há uma correlação inversa e estatisticamente significativa entre AFTL, óbitos acumulados, taxa de mortalidade/100.000 habitantes e letalidade da doença.

Figura 1
Associação entre AFTL (%) e óbitos acumulados nas capitais brasileiras.
Figura 2
Associação entre AFTL (%) e letalidade da doença nas capitais brasileiras.
Figura 3
Associação entre AFTL (%) e taxa de mortalidade/100.000 habitantes nas capitais brasileiras..

As análises de regressão múltipla entre as variáveis envolvidas no estudo são apresentadas nas Tabelas 2, 3 e 4. Pode-se observar coeficientes de regressão estatisticamente significantes na associação entre AFTL, óbitos acumulados e letalidade da doença mesmo após ajustes para as variáveis de confusão. Com relação à análise de regressão múltipla entre AFTL e taxa de mortalidade de Covid-19 para cada 100 mil habitantes, a associação perde a significância estatística.

Tabela 2
Análise de regressão múltipla entre AFTL e mortes acumuladas por Covid-19.
Tabela 3
Análise de regressão múltipla entre AFTL e letalidade da Covid-19.
Tabela 4
Análise de regressão múltipla entre AFTL e taxa de mortalidade por COVID-19 por 100 mil habitantes.

DISCUSSÃO

O estudo analisou de forma ecológica a associação entre atividade física, óbitos acumulados, letalidade da doença e taxa de mortalidade por Covid-19 a cada 100 mil habitantes. Os resultados demonstram a existência de associação inversa, mesmo após ajuste para variáveis de confusão entre AFTL, óbitos acumulados e letalidade da doença. Apesar das limitações inerentes aos estudos com características ecológicas, as informações obtidas a partir dessas análises podem servir de base para estudos futuros.

Nesse contexto, considerando que a pandemia de Covid-19 é muito recente, encontramos na literatura consultada poucos estudos sobre a associação entre atividade física e alterações do desfecho clínico, internações hospitalares e mortalidade por Covid-19. Em um desses estudos, realizado na Inglaterra, os autores demonstraram que a inatividade física foi um fator de risco para internações hospitalares pela Covid-19, apesar das informações sobre atividade física terem sido obtidas entre 2006 e 2010, ou seja, há aproximadamente 10 anos55 Hamer M, Kivimäki M, Gale CR, Batty GD. Lifestyle risk factors, inflammatory mechanisms, and COVID-19 hospitalization: A community-based cohort study of 387,109 adults in UK. Brain Behav Immun. 2020;87:184-187..

Outro estudo mais recente, com características semelhantes às do nosso, realizado em 45 países africanos, demonstrou associação entre inatividade física e mortalidade por Covid-19. Ressalta-se que a associação foi observada apenas nos óbitos acumulados, não permanecendo estatisticamente significativa quando ajustados os óbitos por milhão de habitantes1212 Okeahalam C, Williams V, Otwombe K. Factors associated with COVID-19 infections and mortality in Africa: a cross-sectional study using publicly available data. BMJ Open. 2020;10(11):e042750.. Em nosso estudo, pudemos demonstrar uma associação inversa entre atividade física e óbitos acumulados, óbitos por 100 mil habitantes e letalidade de Covid-19. Em outra publicação recente, foi observado que os atletas têm menos probabilidade de serem internados em hospitais, ir para a unidade de terapia intensiva ou morrer de Covid-19 do que os não atletas2020 Halabchi F, Mazaheri R, Sabeti K, Yunesian M, Alizadeh Z, Ahmadinejad Z, Aghili SM, Tavakol Z. Regular Sports Participation as a Potential Predictor of Better Clinical Outcome in Adult Patients With COVID-19: A Large Cross-Sectional Study. J Phys Act Health. 2020:1-5..

Além disso, pontos de vista recentes foram publicados sobre o tópico de atividade física e Covid-19: o primeiro relatou a importância de continuar a atividade física durante a pandemia de Covid-19 e foi baseado na cidade de Wuhan, na China2121 Chen P, Mao L, Nassis GP, Harmer P, Ainsworth BE, Li F. Coronavirus disease (COVID-19): The need to maintain regular physical activity while taking precautions. J Sport Health Sci. 2020 Mar;9(2):103-104., o epicentro inicial da doença, onde foi recomendado às pessoas que continuassem a praticar exercícios físicos até mesmo em casa. Em seguida, pesquisadores da Espanha e dos Estados Unidos2222 Jiménez-Pavón D, Carbonell-Baeza A, Lavie CJ. Physical exercise as therapy to fight against the mental and physical consequences of COVID-19 quarantine: Special focus in older people. Prog Cardiovasc Dis. 2020;63(3):386-388., com foco específico em idosos, enfatizaram a importância da prática de exercícios físicos ao ar livre ou em casa como terapia para combater as consequências físicas e mentais da quarentena devido à pandemia de Covid-19. Em seguida, publicou-se a posição do Colégio Americano de Medicina do Esporte2323 American College of Sport Medicine. Staying Physically Active During the COVID-19 Pandemic.[accessed 11 abr 2020]. Available in: https://www.acsm.org/.
https://www.acsm.org/...
quando foi sugerido continuar a prática de atividade física ao ar livre ou em ambientes fechados durante a pandemia.

É importante destacar, que foi recentemente publicado no Brasil o “Manifesto para a Promoção da Atividade Física em Pós Covid”, que chama a atenção para sensibilizar e mobilizar os mais distintos grupos populacionais, órgãos governamentais, não governamentais e iniciativas privadas para o fomento de um estilo de vida mais ativo, considerando seus efeitos preventivos na mitigação de pandemias como a Covid-192424 Centro de Estudos do Laboratório de Aptidão Física de São Caetano do Sul. Manifesto to Promote Physical Activity Post-COVID-19: An International Call for Urgent Action. Rev Bras Ativ Fís Saúde. 2020;25:e0175..

Além disso, uma publicação de pesquisadores italianos apresenta lições aprendidas de estudos sobre influenza e atividade física em pacientes obesos e sugere que os resultados podem ser considerados para Covid-19. Neste trabalho, os autores enfatizam a importância da atividade física para potencializar a imunomodulação positiva proporcionada pela prática de exercícios físicos de intensidade leve a moderada, principalmente em obesos1313 Luzi L, Radaelli MG. Influenza and obesity: its odd relationship and the lessons for COVID-19 pandemic. Acta Diabetol. 2020;57(6):759-764..

Também é digno de nota a forte relação entre o exercício físico e as enzimas superóxido dismutase extracelular (EcSOD), que em estudo recente, foi demonstrado que o exercício de intensidade moderada aumentou as enzimas EcSOD e reduziu a atividade citotóxica das células ROS EcSOD2525 Pinho CS. Isolamento Social e Imunomodulação através do Exercício Físico. Social Isolation and Immunomodulation by Physical Exercises. 2020. E-book Ed.CBL/Amazon. p. 99-100., um transdutor molecular dos benefícios à saúde do exercício que tem sido associado a menores danos aos tecidos endoteliais2626 Yan Z, Spaulding HR. Extracellular superoxide dismutase, a molecular transducer of health benefits of exercise. Redox Biology. 2020;32:101508.,2727 Call JA, et al. Muscle-derived extracellular superoxide dismutase inhibits endothelial activation and protects against multiple organ dysfunction syndrome in mice. Free Radical Biology and Medicine. 2017; 113: 212-223..

Além disso, outro estudo importante, nos chama muita atenção sobre o papel do hormônio Irisina no sistema imunológico. Este estudo original foi conduzido por pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (UNESP) e sugere que a Irisina, um hormônio secretado pelos músculos em resposta ao exercício, de fato, poderia ter um importante efeito terapêutico em pacientes com COVID-19. Os pesquisadores analisaram a expressão do gene da célula adiposa e descobriram que os genes modulados da Irisina estão associados à replicação do novo coronavírus SARS-CoV-2 em células humanas. Eles encontraram em adipócitos não infectados, que a Irisina foi alterada a expressão de genes que regulam ACE-2, e este codifica uma proteína à qual o vírus se liga para invadir células humanas2828 de Oliveira M, De Sibio MT, Mathias LS, Rodrigues BM, Sakalem ME, Nogueira CR. Irisin modulates genes associated with severe coronavirus disease (COVID-19) outcome in human subcutaneous adipocytes cell culture. Molecular and Cellular Endocrinology. 2020 Sep 15;515:11091-7..

Nossos resultados demonstram que a atividade física tem associação inversa com os óbitos acumulados por Covid-19, bem como com a letalidade da doença. Observamos também, como pode ser visto nas Tabelas 3 e 4, que para cada 1% de aumento na prevalência de atividade física, haveria uma redução de aproximadamente 485 óbitos por Covid-19, bem como uma redução de 0,21% na letalidade da doença. Nesse sentido, é importante ressaltar que a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou em 2018 o Plano de Ação Global para a atividade física 2018-2030, quando ações para reduzir a inatividade física em 10% foram recomendadas a todos os países do mundo até 2025 e 15% em 20302929 World Health Organization. Global action plan for physical activity 2018-2030. Geneva, 2018..

A força do estudo está no fato de ter sido um dos primeiros a analisar associações entre atividade física e óbitos decorrentes da atual pandemia de Covid-19 no Brasil. Por outro lado, os presentes resultados devem ser interpretados com cautela, uma vez que o estudo ecológico ou agregado analisa grupos, ao invés de indivíduos, fato que pode levar à falta de informação sobre os dados em relação às variáveis envolvidas na análise. Além disso, não foi encontrada no VIGITEL a média de idade dos participantes do estudo, bem como informações socioeconômicas das capitais brasileiras, fato que inviabilizou o uso dessas variáveis como possíveis confundidores. Ressalta-se ainda que as informações utilizadas são do VIGITEL 2019, visto que os dados do ano de 2020 serão divulgados posteriormente em 2021. Em relação às informações sobre óbitos, é importante esclarecer que os resultados aqui apresentados podem sofrer alterações ao longo do tempo, pois o número de óbitos está sendo alterado de acordo com a continuidade da pandemia, embora tenhamos finalizado nossa análise no momento em que a vacinação começou no Brasil, pois esse fato poderia impactar nossos resultados.

CONCLUSÕES

Os resultados do presente estudo nos levam a acreditar que a prática de atividade física no lazer pode ser um importante aliado no enfrentamento de Covid-19. A associação inversa observada entre atividade física, mortes acumuladas e letalidade pela doença pode trazer reflexos importantes sobre as ações que vêm sendo implementadas pelos órgãos governamentais, tanto estaduais quanto municipais. A informação, embora preliminar, de que cada 1% de aumento na prevalência de atividade física pode significar uma redução de aproximadamente 485 mortes por Covid-19, bem como uma diminuição de aproximadamente 0,21% na letalidade da doença, precisa ser urgentemente assimilados por nossos governantes, para que busquem medidas concretas e seguras para aumentar os níveis de atividade física da população, para que estejamos mais bem preparados para as atuais e possíveis futuras pandemias com características semelhantes às que vivemos no momento. Ressalta-se que ao projetarmos os resultados deste estudo para atender a meta da OMS de aumentar em 10% a prevalência de atividade física na população mundial, em tese, observaríamos uma redução de 2,1% na letalidade da doença, que poderia zerar a mortalidade em algumas capitais brasileiras. Novos estudos observacionais prospectivos e retrospectivos são sugeridos, bem como ensaios clínicos que possam confirmar os resultados encontrados neste estudo ecológico.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    18 Abr 2021
  • Aceito
    28 Jul 2021
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