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Arquivos e memórias de escritores e dramaturgos baianos: edição, crítica filológica, genética e sociológica

Archives and memories of writers and playwrights from bahia: editing, philological, genetic and sociological criticism

RESUMO

A filologia ocupa-se das práticas de edição e crítica de textos, buscando trazer, em novo circuito de leitura, as produções artístico-literárias e diferentes possibilidades de leitura e interpretação (crítica filológica). Neste artigo, pretende-se, a partir da massa documental que forma os acervos de escritores e dramaturgos baianos, relativa à produção dramatúrgica sob censura, no período da ditadura militar (1964-1985), dar destaque a algumas memórias lidas pelo pesquisador nos documentos que atestam a gênese do texto e/ou do espetáculo e as redes de sociabilidades do mesmo. Para tal fim, foram selecionados dois textos, levando-se em conta os gestos de produção e transmissão do texto teatral censurado, evidenciados no estudo do processo criativo (crítica genética) e das ações dos diferentes agentes sociais, escritores, atores, diretores, censores etc., envolvidos com a produção, circulação e recepção dos textos (crítica sociológica). No campo da filologia em diálogo com outros saberes, propõem-se edições e críticas em uma vertente editorial pragmática.

PALAVRAS-CHAVE:
filologia; acervos; memória; texto teatral; críticas

ABSTRACT

Philology deals with the practices of text editing and criticism, seeking to bring artistic-literary productions and different possibilities for reading and interpretation (philological criticism) in a new reading circuit. Based on the documentary mass that makes up the collections of writers and playwrights from Bahia, relating to dramaturgical production under censorship during the military dictatorship (1964-1985), this article intends to highlight some memories read by the researcher in the documents that attest to the genesis of the text and/or the spectacle and its sociability networks. Therefore, two texts were selected, taking into account the gestures of production and transmission of the censored theatrical text which were evidenced in the study of the creative process (genetic criticism) and of the actions of different social agents, writers, actors, directors, censors etc. involved with the production, circulation and reception of texts (sociological criticism). In the field of philology in dialogue with other knowledge, editions and critiques are proposed in a pragmatic editorial aspect.

KEYWORDS:
philology; collections; memory; theatrical text; criticism

Primeiras palavras

O trabalho com a massa documental relativa à produção dramatúrgica sob censura, proveniente de diferentes arquivos, empreendido por integrantes da Equipe Textos Teatrais Censurados (ETTC), permitiu organizar acervos de escritores e dramaturgos baianos ou que produziram na Bahia para fins de edição e estudos crítico-filológicos e de gênese. Nestes acervos, através da prática filológica editorial, damos acesso a textos de outros tempos e lugares, considerando sua condição de suporte material que transmite a obra (testemunho), prova das marcas que se apresentam na materialidade textual (documento) e forma de guardar/expressar a memória dos sujeitos envolvidos com os processos de produção, transmissão e recepção dos textos (monumento).

Os documentos que constituem cada acervo, na rede de investigação que o filólogo estabelece em suas práticas, possibilitam diferentes leituras e interpretações, tomando-se em conta as especificidades de cada testemunho e versão de um texto/obra, as ações dos sujeitos - agentes sociais e culturais - que atuam nos processos de produção e transmissão dos textos, expondo, desse modo, memórias plurais: da literatura e dramaturgia, com foco no teatro produzido no período da ditadura militar, da sociedade daquela época, das práticas culturais e censórias, entre outras. Reúnem-se em diferentes acervos os documentos de arquivo, a partir dos materiais que o filólogo recolhe quando realiza a recensio, preparando assim o dossiê a ser estudado. Nele, serão incluídos os documentos relacionados pelo filólogo-editor para representar a gênese textual e/ou as redes de sociabilidades constituídas no processo de transmissão e nos contextos de circulação e recepção dos textos (BORGES et al., 2021BORGES, Rosa. A edição de textos: crítica filológica e práticas editoriais. In: BORGES, Rosa et al. Edição do texto teatral na contemporaneidade: metodologias e críticas. Salvador: Memória e Arte , 2021. p. 13-49.).

Neste artigo, farei algumas considerações sobre os acervos de escritores e dramaturgos baianos, organizados por nós, cujos documentos são provenientes de diferentes arquivos, públicos e privados, reunidos no Arquivo Textos Teatrais Censurados (ATTC), em um banco de textos digital, recortando algumas memórias a partir dos textos editados e estudados, em diferentes vertentes editoriais (teleológica e/ou pragmática) e abordagens críticas (filológica, genética e sociológica), construídas pela ação dos filólogos envolvidos com cada projeto editorial nos trabalhos realizados por integrantes do nosso grupo de pesquisa e que podem ser consultados no site www.textoecensura.ufba.br e também no livro digital Edição do texto teatral na contemporaneidade: metodologias e críticas (BORGES et al., 2021BORGES, Rosa. A edição de textos: crítica filológica e práticas editoriais. In: BORGES, Rosa et al. Edição do texto teatral na contemporaneidade: metodologias e críticas. Salvador: Memória e Arte , 2021. p. 13-49.). Tomo aqui materiais que compõem a massa documental relativa aos acervos que se encontram no ATTC e no espaço Lugares de Memória (LM), localizado na Biblioteca Universitária Reitor Macedo Costa da UFBA, em especial, o Acervo Ildásio Tavares (AIT), selecionando dois textos e respectivos testemunhos para tecer algumas memórias, evidenciadas a partir dos gestos de produção e transmissão textuais.

Arquivos e acervos para trazer algumas memórias pelo viés da filologia

Começo por fazer alguns esclarecimentos quanto aos termos “arquivos” e “acervos” por Bordini.

Arquivos são considerados como lugares de guarda, com o propósito de preservar fisicamente os documentos neles contidos, implicando atividades de higienização, embalagem, restauro e arquivamento. Presumem prateleiras e estantes de aço, caixas especiais, umidade e temperatura controladas, assim como desinsetização. Acervos consistem no conjunto de documentos em papel ou em objetos que testemunham a vida e a obra de um escritor - já que se fala aqui de literatura. Implicam numeração, descrição e catalogação, mas cumprem uma função que vai além das normas de biblioteconomia. Acervos são mementos, vestígios de um processo criativo, de condições de produção e recepção, de peculiaridades de vidas humanas tornadas texto, ameaçados pelo fluir da História e os esquecimentos dele decorrentes. (BORDINI, 2012BORDINI, Maria da Glória. A função memorial dos acervos em tempos digitais. In: TELLES, Célia Marques; SANTOS, Rosa Borges dos (org.). Filologia, críticas e processos de criação. Curitiba: Appris, 2012. p. 119-126., p. 119, grifo nosso).

Marcada a diferença, ressalto que em nosso trabalho nos ocupamos dos arquivos, como “lugares e temp(l)os de memória” (OLIVEIRA, 2007OLIVEIRA, António Braz de. Arquivística literária: notas de memória e perspectiva. Veredas: Revista da Associação Internacional de Lusitanistas, Porto Alegre, v. 8, p. 372-382, 2007. Disponível em: https://revistaveredas.org/index.php/ver/article/view/314 . Acesso em: 27 out. 2021.
https://revistaveredas.org/index.php/ver...
, p. 375), sejam eles físico e/ou virtual, e dos acervos, por meio dos dossiês construídos, como um caminho para fazer representar a história de dada literatura e dramaturgia, a partir da práxis editorial filológica. Nos arquivos físicos, de onde provêm os materiais que formam o ATTC digital, suas caixas, pastas e estantes guardam corpora de natureza diversa: textos teatrais submetidos à avaliação censória; pareceres e certificados emitidos pelos órgãos de censura; solicitações e liberações de pauta dos teatros; notas fiscais, orçamentos, relatórios das produções dos espetáculos; desenhos, figurinos; fotos; roteiros, esquemas dos iluminadores; convites, cartazes e programas de espetáculos; bilhetes e cartas; rascunhos, manuscritos, datiloscritos e impressos; recortes de jornal; publicações do texto da peça, entre outros. Enfim, documentos que atestam a gênese do texto e/ou do espetáculo, bem como suas redes de sociabilidades, com marcas deixadas na materialidade textual por escritores, atores, diretores/encenadores, censores etc.

No livro Edição e estudo de textos teatrais censurados na Bahia, organizado por Santos (2012SANTOS, Rosa Borges dos (org.). Edição e estudo de textos teatrais censurados na Bahia: a filologia em diálogo com a literatura, a história e o teatro. Salvador: EDUFBA, 2012. p. 157, v 1. Disponível em: https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/26433 . Acesso em: 27 out. 2021.
https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri...
), no capítulo “Do arquivo filológico para a filologia do arquivo: adentrando espaços de preservação da memória do teatro baiano”, Souza, Matos e Almeida (2012SOUZA, Arivaldo Sacramento de; MATOS, Eduardo Silva Dantas de; ALMEIDA, Isabela Santos de. Do arquivo filológico para a filologia do arquivo: adentrando espaços de preservação da memória do Teatro Baiano. In: SANTOS, Rosa Borges dos (org.). Edição e estudo de textos teatrais censurados na Bahia: a filologia em diálogo com a literatura, a história e o teatro. Salvador: EDUFBA , 2012. p. 119-137. Disponível em: https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/26433 . Acesso em: 27 out. 2021.
https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri...
) apresentam alguns dos principais arquivos e instituições responsáveis pela guarda e preservação dos documentos que constituem a memória e atestam a história do teatro na Bahia, a saber: Teatro Vila Velha, Espaço Xisto Bahia, Teatro Castro Alves e Escola de Teatro da UFBA. Acrescente-se ainda o Arquivo Nacional, de Brasília, fundo Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP) do Departamento de Polícia Federal (DPF), e o espaço Lugares de Memória da UFBA. No mesmo livro, no capítulo “Filologia e Literatura: lugares afins para estudo do texto teatral censurado”, apresentei uma relação de dramaturgos e suas produções, bem como destaquei algumas das marcas que se registram na materialidade do texto submetido ao exame censório, ilustrando com alguns excertos dos textos selecionados (BORGES DOS SANTOS, 2013BORGES DOS SANTOS, Rosa. Arquivo Textos Teatrais Censurados: diálogos entre crítica textual, crítica genética, crítica sociológica e arquivística. In: CONGRESO INTERNACIONAL: NUEVOS HORIZONTES DE IBEROAMÉRICA, 1., 2013, Mendoza-Argentina. Actas... Mendoza: Diego Niemetz - Amor Hernández Penoloza, 2013. p. 1-13.).

Nos arquivos, deparamo-nos com uma heterogeneidade de documentos, rastros e vestígios de um passado, ruínas do trabalho da escrita, entre outros materiais, que nos interpelam no presente (MARQUES, 2011MARQUES, Reinaldo. O que resta nos arquivos literários. In: SOUZA, Eneida Maria de; MIRANDA, Wander Melo (org.). Crítica e coleção. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2011. p. 192-203.), para pensarmos, como sujeitos do mundo, procedimentos e metodologias que permitam dar voz e visibilidade aos homens e mulheres que foram silenciado(a)s e/ou esquecido(a)s no momento em que produziram seus textos, suas obras. Os materiais que compõem a massa documental dos acervos em questão são de grande relevância para o campo da filologia, que se ocupa da edição e crítica de textos, buscando trazer, em novo circuito de leitura, as produções dramatúrgicas, literárias e culturais, recortadas dos acervos estudados, colaborando, assim, para a construção de uma identidade nacional que nos representa e que nos permite discutir questões de gênero, sexualidade, política, literatura, entre outras.

O ATTC, organizado por membros da ETTC, guarda em ambiente digital cópias digitalizadas de textos teatrais produzidos no período da ditadura militar (1964-1985) na Bahia, em sua maioria, e no Brasil. Traz matérias de jornais que tratam sobre teatro e censura, sobretudo a censura a textos teatrais, e documentação censória, obtida através da Coordenação Regional (COREG) do Arquivo Nacional do Distrito Federal (AN-DF), fundo DCDP. Integram ainda o ATTC documentos provenientes de arquivos pessoais, que nos foram cedidos em cópias fotográficas ou digitalizadas e até alguns originais por pessoas entrevistadas por nós. As entrevistas também fazem parte do ATTC. No Lugares de Memória, há outro acervo, o de Ildásio Tavares, formado por textos teatrais, poemas, contos, romances e textos jornalísticos, além de ensaios, traduções, resenhas, publicações em matérias de jornal, revistas e livros, material de ensino, artigos, textos acadêmicos e científicos, cartas, discursos. Tais materiais permitem construir uma narrativa sobre o sujeito múltiplo, Ildásio Tavares, e sua produção literária, dramatúrgica, jornalística, entre outras.

Os documentos/monumentos que integram os referidos acervos são estudados pelo filólogo-editor em sua materialidade histórica e social, levando-se em conta as marcas que nele se registram, deixadas pelos sujeitos produtores ou ainda por aqueles que interferem ou colaboram com os gestos de produzir, de publicar ou até mesmo de fazer circular, em se tratando da ação dos censores nos textos das peças teatrais encaminhadas aos órgãos censórios. Nos documentos, vê-se a inscrição de um processo que vai das revisões e reescritas, com a retomada do texto para modificá-lo, ao texto passado a limpo para a publicação e/ou encenação; as anotações dos atores nas cópias tomadas para os ensaios; os cortes fixados nos textos submetidos à Censura etc. O destino material e analítico de tais acervos é nosso foco de interesse, sobretudo por entendermos o “texto”, objeto da ciência filológica, como testemunho, documento e monumento (SANTOS, 2007SANTOS, Rosa Borges dos. Literatura, teatro e história: o texto em cena. In: SEMINÁRIO DE ESTUDOS FILOLÓGICOS, 2., 2007, Feira de Santana. Anais do II Seminário de Estudos Filológicos - SEF. Filologia e História: múltiplas possibilidades de estudo. Salvador: Quarteto , 2007. p. 71-82., 2008SANTOS, Rosa Borges dos. Texto e memória: edição e estudo de textos teatrais. In: CONGRESSO NACIONAL DE LINGÜÍSTICA E FILOLOGIA, 11., 2008. Cadernos do CNLF. Rio de Janeiro: CiFEFil , v. 11, n. 6, p. 88-102, 2008. Disponível em: http://www.filologia.org.br/xicnlf/6/texto_e_memoria_edicao_e_estudo_de_texto.pdf . Acesso em: 27 out. 2021.
http://www.filologia.org.br/xicnlf/6/tex...
, 2013[2015]SANTOS, Rosa Borges dos. Filologia, genética e sociologia dos textos. In: ROMANELLI, Sérgio (org.). Compêndio de crítica genética: América Latina. Vinhedo: Horizonte, 2013 [2015]. p. 43-50. ), além de considerá-lo, como diz Grésillon (2007GRÉSILLON, Almuth. Elementos de crítica genética: ler os manuscritos modernos. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2007 [1994].[1994]) a propósito do manuscrito moderno, objeto material, cultural e de conhecimento.

Todo e qualquer pesquisador, diante desta variedade que os documentos de arquivo oferecem, são espectadores de uma cena com diversas possibilidades de leitura e interpretação. Segundo Oliveira, tais materiais

[...] ora espelham o pulsar da oficina de escrita própria de cada criador (mostrando a gestação e o devir de sua obra), ora desvendam o especioso percurso de que foi feito o impulso, sucesso ou insucesso, de muitas intervenções singulares e movimentos coletivos (literários, artísticos, cívicos, etc.) que marcaram decisivamente a nossa história cultural mais recente. (OLIVEIRA, 2007OLIVEIRA, António Braz de. Arquivística literária: notas de memória e perspectiva. Veredas: Revista da Associação Internacional de Lusitanistas, Porto Alegre, v. 8, p. 372-382, 2007. Disponível em: https://revistaveredas.org/index.php/ver/article/view/314 . Acesso em: 27 out. 2021.
https://revistaveredas.org/index.php/ver...
, p. 375).

Somos nós, pesquisadores, que, ao explorarmos a relação entre arquivos e memória, manipulamos os documentos para fins de estudos, para produzirmos saberes. Trata-se de uma construção, pois

“[a] memória [...] não está dada nos arquivos. É ela fruto de um trabalho, de uma elaboração executada conscientemente por diferentes sujeitos, articulada às demandas e aos anseios por determinados sentidos do passado, num processo enraizado no presente.” (CAMPOS, 2015CAMPOS, José Francisco Guelfi. Arquivos e memória: elementos para o debate sobre uma relação controversa. Revista Escrita da História, v. 2, n. 4, p. 100-119, set./dez. 2015. Disponível em: https://www.escritadahistoria.com/index.php/reh/article/view/39 . Acesso em: 27 out. 2021.
https://www.escritadahistoria.com/index....
, p. 114).

A preservação e a disponibilização de acervos literários, a ação de editar e de interpretar, são atitudes que cabem, respectivamente, aos arquivistas, filólogos e críticos, considerando o valor e a importância histórico-cultural desses materiais, as obras produzidas por escritores/dramaturgos baianos ou por aqueles que viveram e produziram na Bahia. Mabel Meira Mota (2017MOTA, Mabel Meira. Filologia e Arquivística em tempos digitais: o arquivo hipertextual e as edições filológicas de A Escolha ou o Desembestado de Ariovaldo Matos. 2017. 234 f. Tese (Doutorado em Letras) - Instituto de Letras, Programa de Pós-Graduação em Literatura e Cultura, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2017.), arquivista e filóloga, membro da ETTC, também compartilha desse entendimento e tem defendido uma ação colaborativa em suas práticas acadêmicas entre filologia e arquivística, considerando o trabalho da recensio realizado pelo filólogo na construção do dossiê para exercício do labor filológico e outras práticas arquivístico-filológicas. No Grupo de Edição e Estudo de Textos (GEET), sob minha coordenação, temos desenvolvido edições hipermídias em arquivo hipertextual ou hiperedição, explorando a relação entre filologia, arquivística e informática. Para conhecimento destas práticas editoriais, recomendo a leitura dos capítulos de Débora de Souza (edições crítica e interpretativa hipermídias), Sacramento e Prudente (edição sinóptica), e Almeida e Mota (hiperedição) no livro Edição do texto teatral na contemporaneidade: metodologias e críticas (BORGES et al., 2021BORGES, Rosa. A edição de textos: crítica filológica e práticas editoriais. In: BORGES, Rosa et al. Edição do texto teatral na contemporaneidade: metodologias e críticas. Salvador: Memória e Arte , 2021. p. 13-49.), bem como do artigo Diálogos entre filologia e arquivística: acervos de dramaturgos baianos (BORGES, 2019BORGES, Rosa. Diálogos entre Filologia e Arquivística: acervos de dramaturgos baianos. In: CONGRESSO NACIONAL DE LINGUÍSTICA E FILOLOGIA, 23., 2019, Rio de Janeiro. Cadernos do CNLF. Rio de Janeiro: CiFEFil, v. 23, n. 3, 2019, p. 180-195. Disponível em: https://www.filologia.org.br/xxiii_cnlf/cnlf/tomo01/14.pdf . Acesso em: 22 nov. 2021.
https://www.filologia.org.br/xxiii_cnlf/...
).

No ATTC, tem-se uma lista com aproximadamente sessenta dramaturgos. Contam-se os autores que produziram seus próprios textos e também os que realizaram adaptações e traduções. Os textos das peças teatrais são, em sua maioria, datiloscritos originais ou cópias mimeografadas ou xerocopiadas que apresentam cortes, hachurados em vermelho ou azul, identificados com um carimbo que traz as seguintes inscrições: CORTE ou COM CORTES. Outros carimbos também são registrados no suporte textual: em formato redondo, o da DCDP do DPF; em formato retangular, outro carimbo da DCDP, no qual se nota a remissão para o número do processo, que consta no Certificado de Censura emitido pelos órgãos do Serviço de Censura; o da Superintendência Regional da Bahia - Censura Federal - Departamento de Polícia Federal, e o da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT). Os textos trazem anotações que podem ser do próprio escritor/autor da peça, do autor/diretor, do diretor, sugestões dos atores e de outros, que podem ou não ser acatadas pelo responsável pelo texto da peça, seu autor ou não, ou ainda marcas que resultam do exercício da autocensura (BORGES DOS SANTOS, 2013BORGES DOS SANTOS, Rosa. Arquivo Textos Teatrais Censurados: diálogos entre crítica textual, crítica genética, crítica sociológica e arquivística. In: CONGRESO INTERNACIONAL: NUEVOS HORIZONTES DE IBEROAMÉRICA, 1., 2013, Mendoza-Argentina. Actas... Mendoza: Diego Niemetz - Amor Hernández Penoloza, 2013. p. 1-13.).

Quanto aos textos que circularam na imprensa baiana, a propósito do teatro e/ou da censura ao teatro, ressalto a importância dessas informações no que concerne à prática editorial. Têm-se no ATTC: Jornal da Bahia, 118 matérias; Correio da Bahia, 44; Tribuna da Bahia, 127; A Tarde, 182; Diário de Notícias, 47; Jornal da Cidade, 3. Há ainda um acervo pessoal com recortes de jornal organizado por Antônio Cerqueira (46 recortes), além de matérias de outros jornais do Brasil, como: Correio de Copacabana (1), Jornal do Brasil (2), Jornal do Comércio (3) e Estado de São Paulo (2). Integram também o ATTC as entrevistas com alguns nomes da cena teatral baiana, como Cleise Mendes, Harildo Deda, Haydil Linhares, Chico Ribeiro Neto, Deolindo Checcucci, Aninha Franco, Bemvindo Sequeira, Nivalda Costa, Ademario Ribeiro, Raimundo Matos de Leão, Nonato Freire, entre outros. Essas entrevistas oferecem valiosas contribuições para as diversas leituras dos acervos e dossiês constituídos (BORGES DOS SANTOS, 2013BORGES DOS SANTOS, Rosa. Arquivo Textos Teatrais Censurados: diálogos entre crítica textual, crítica genética, crítica sociológica e arquivística. In: CONGRESO INTERNACIONAL: NUEVOS HORIZONTES DE IBEROAMÉRICA, 1., 2013, Mendoza-Argentina. Actas... Mendoza: Diego Niemetz - Amor Hernández Penoloza, 2013. p. 1-13.).

Para organização dos materiais dos acervos de escritores e dramaturgos baianos, a prática arquivística contribuiu sobremaneira com todo o aparato para a classificação e inventariação dos documentos, distinguindo-os em grupos, conforme as séries e subséries, codificando-os, formando os dossiês para estudo, possibilitando o acesso aos mesmos. Os textos foram digitalizados e, para eles, prepararam-se resumos e descrições que constam da ficha-catálogo. Foram também elaboradas fichas-catálogo para as matérias de jornal e para a documentação censória. Cada documento do ATTC, em cada um de seus acervos, foi classificado, conforme quadro de arranjo, por séries: 01 Produção intelectual, 02 Publicações na imprensa e em diversas mídias, 03 Documentação censória, 04 Esboços, notas e rascunhos, 05 Documentação audiovisuais e digitais, 06 Correspondência, 07 Memorabilia, 08 Adaptações e traduções, 09 Estudos, 10 Varia (SANTOS, 2018aSANTOS, Rosa Borges dos. Dramaturgia censurada em arquivo digital: acervos e edição. In: ALMEIDA, Isabela Santos de; BARREIROS, Patrício Nunes; SANTOS, Rosa Borges dos. Filologia e humanidades digitais. Feira de Santana: EDUEFS, 2018a. p. 103-130.; BORGES, 2021BORGES, Rosa et al. Edição do texto teatral na contemporaneidade: metodologias e críticas. Salvador: Memória e Arte, 2021. Disponível em: https://www.memoriaarte.com.br/_files/ugd/d9b288_b5e2af4f7f994f67b5f050097921520d.pdf . Acesso em: 01 jun. 2022.
https://www.memoriaarte.com.br/_files/ug...
).

Partindo-se dos materiais que formam os acervos, desenvolvem-se as etapas metodológicas para edição e estudo crítico-filológico do texto selecionado para tal fim (BORGES, 2020BORGES, Rosa. Uma metodologia para a edição de textos do século XX. Revista Philologus, Rio de Janeiro, v. 26, n. 76, p. 787-805, jan./abr. 2020. Disponível em: http://www.filologia.org.br/xii_sinefil/completos/uma_metodologia_ROSA.pdf . Acesso em: 22 nov. 2021.
http://www.filologia.org.br/xii_sinefil/...
; BORGES et al., 2021BORGES, Rosa. A edição de textos: crítica filológica e práticas editoriais. In: BORGES, Rosa et al. Edição do texto teatral na contemporaneidade: metodologias e críticas. Salvador: Memória e Arte , 2021. p. 13-49.). Inicialmente, realiza-se a montagem do(s) dossiê(s), para, em seguida, investir na publicação e crítica filológica do(s) texto(s) (crítica textual), no estudo do processo criativo (crítica genética) e das ações dos diferentes atores/agentes sociais e culturais envolvidos com a produção, circulação e recepção dos textos (crítica sociológica).

Memórias tecidas pelos gestos de produção e transmissão do texto teatral

Pelo exercício da crítica filológica, busca-se

[...] compreender as inter-relações entre os conteúdos produzidos historicamente no texto e os mecanismos (linguístico-discursivos) produtores de significados [...] [para] pensar a leitura [...] por meio de coordenadas linguístico-discursivas, culturais, sócio-históricas e políticas nas quais o texto foi (re)inscrito e inseminado. (BORGES; SOUZA, 2012BORGES, Rosa; SOUZA, Arivaldo Sacramento de. Filologia e edição de texto. In: BORGES, Rosa et al. Edição de texto e crítica filológica. Salvador: Quarteto, 2012. p. 15-59. , p. 48).

“Cada uma das atuações de sujeitos históricos diferentes na trama textual traz novidades à tessitura e demonstram intencionalidades diferentes que enriquecem e atualizam as diversas produções de sentido no/do texto.” (BORGES; SOUZA, 2012SOUZA, Arivaldo Sacramento de; MATOS, Eduardo Silva Dantas de; ALMEIDA, Isabela Santos de. Do arquivo filológico para a filologia do arquivo: adentrando espaços de preservação da memória do Teatro Baiano. In: SANTOS, Rosa Borges dos (org.). Edição e estudo de textos teatrais censurados na Bahia: a filologia em diálogo com a literatura, a história e o teatro. Salvador: EDUFBA , 2012. p. 119-137. Disponível em: https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/26433 . Acesso em: 27 out. 2021.
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, p. 59). Como afirma Chartier (2002CHARTIER, Roger. Os desafios da escrita. São Paulo: EDUNESP, 2002., p. 61-62), “[o]s textos não existem fora dos suportes materiais (sejam eles quais forem) de que são os veículos”. O texto traz as marcas de seus processos, e, para estudá-lo, devemos levar em conta os suportes e instrumentos de escrita ou de reprodução, quem escreveu ou reproduziu o texto, o contexto sócio-histórico de produção, transmissão e recepção. Desse modo, a partir do estudo dos textos teatrais censurados, pode-se falar de um tempo, uma sociedade, das práticas histórico-culturais e suas memórias tecidas na trama dos documentos dos acervos do ATTC.

Para trazer as memórias recortadas dos gestos de produção e transmissão do texto teatral deixados pelos agentes que atuaram na materialidade textual (escritor/dramaturgo, atores, censores, etc.), destaco dois textos, tomados em seus testemunhos e versões, para evidenciar algumas características do modo de fazer teatro em plena ditadura, do trabalho colaborativo para a construção do texto cênico, dos ajustes para a publicação do texto, da ação censória nos textos das peças, nos pareceres e em outros documentos. Os textos são: Quincas Berro d’Água[ DISCO de] Quincas Berro d’Água de Jorge Amado. Direção e adaptação de João Augusto. Compacto duplo, em cinco faixas, da Philips (EP nº 6245 021). Salvador, nov. 1972. , adaptado da novela de Jorge Amado para o teatro por João Augusto (1928-1979), e Caramuru, de Ildásio Tavares (1940-2010), dois sujeitos críticos que atuaram de forma significativa na sociedade daquela época. Ambos foram professores, escritores, dramaturgos, colunistas, cada um na sua área, João Augusto, no Teatro, Ildásio Tavares, nas Letras, contribuindo com sua arte, como formas de resistência, nas lutas que enfrentaram durante aquele período de repressão.

De 1967 a 1976, situo o trabalho de João Augusto com Quincas Berro d’Água, texto e espetáculo, que corresponde ao “[...] período mais nefasto de repressão política, ideológica e artística do país, sob o poder do Departamento de Ordem Pública e Social (DOPS).” (COSTA, 2008COSTA, Cristina (org.). Censura, repressão e resistência no teatro brasileiro. São Paulo: Annablume: FAPESP, 2008., p. 20). De 1975 a 1978, o trabalho de Ildásio Tavares com Caramuru. Nesta época, a censura às produções artísticas fazia-se cada vez mais acirrada, sendo a década de 1970 o período mais duro do regime militar, de maior conflito entre o governo militar e a classe teatral. Apenas no final da década de 1970, teve “início a abertura política, que prepara[va] o fim da ditadura militar, com a eleição de Tancredo Neves para a presidência da República.” (COSTA, 2008COSTA, Cristina (org.). Censura, repressão e resistência no teatro brasileiro. São Paulo: Annablume: FAPESP, 2008., p. 21). A produção dramatúrgica baiana e brasileira, com a qual trabalhamos na ETTC, submetida aos órgãos censórios para exame das diversões públicas, inscreve-se neste contexto. Os documentos censórios evidenciam “três fases da censura teatral na ditadura militar: a primeira, de reformulação administrativa da estrutura censória entre os anos de 1964 e 1972; a segunda, de centralização de censura teatral a partir de 1967, e a terceira de descentralização em 1975 e 1978.” (SOUZA, 2010SOUZA, Miliandre Garcia de. “ Ou vocês mudam ou acabam": aspectos políticos da censura teatral (1964-1985). TOPOI, Rio de Janeiro, v. 11, n. 21, p. 235-259, jul./dez. 2010. Disponível em: https://www.scielo.br/j/topoi/a/R5RCGsSyFzP7PXmVtjNNBBC/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 27 out. 2021.
https://www.scielo.br/j/topoi/a/R5RCGsSy...
, p. 237). Os textos teatrais censurados são exemplos de como se deu a censura nesse período em suas diferentes fases, especialmente se se tomam em conta os carimbos, que revelam todo o percurso do texto pelos órgãos censórios.

Foi nesse contexto sócio-político que João Augusto, Ildásio Tavares e seus pares produziram e enfrentaram a ditadura no país, tiveram os textos de suas peças submetidos ao exame da Censura, que impunha restrições de idade (Livre, Proibido para menores até 10, 12, 14, 16 e 18 anos) e realizava cortes (total ou parcial), justificados por questões de ordem moral, política, religiosa e social (COSTA, 2008COSTA, Cristina (org.). Censura, repressão e resistência no teatro brasileiro. São Paulo: Annablume: FAPESP, 2008.), cujo conteúdo, que poderia motivar a proibição ou o corte, examinado por sua mensagem (ideia comunicada) e impressão final (aspectos positivos e negativos), pautava-se no artigo 41 do Decreto no. 20.493/461 1 Decreto datado de 24 de janeiro de 1946, baixado pelo presidente José Linhares que assumiu a presidência da República após o suicídio do presidente Getúlio Vargas (por 93 dias até a posse do novo presidente eleito Eurico Gaspar Dutra), que “Aprova o Regulamento do Serviço de Censura de Diversões Públicas do Departamento Federal de Segurança Pública” (Decreto N. 20.493/46). Consultar o Decreto, na íntegra, no site: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1940-1949/decreto-20493-24-janeiro-1946-329043-publicacaooriginal-1-pe.html. , nos artigos 2º. e 3º. da Lei no. 5.536/68BRASIL. Lei n. 5.536, de 21 de novembro de 1968. Dispõe sobre a censura de obras teatrais e cinematográficas, cria o Conselho Superior de Censura, e dá outras providências. Brasília, DF: Diário Oficial da União, Seção 1, p. 10177, 22 nov. 1968. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-5536-21-novembro-1968-357799-publicacaooriginal-1-pl.html . Acesso em: 6 mar. 2019.
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei...
2 2 Lei da Censura, datada de 21 de novembro de 1968, sancionada pelo presidente A. Costa e Silva (período de 1967 a 1969), que “Dispõe sobre a censura de obras teatrais e cinematográficas, cria o Conselho Superior de Censura, e dá outras providências” (Lei N. 5.536/68). Consultar a Lei, na íntegra, no site: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-5536-21-novembro-1968-357799-publicacaooriginal-1-pl.html. , no art. 1º. do Decreto-lei no. 1.077/70BRASIL. Decreto-Lei n. 1.077, de 26 de janeiro de 1970. Dispõe sobre a execução do artigo 153, § 8º., parte final, da Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Presidência da República, 1970. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1965-1988/Del1077.htm . Acesso em: 6 mar. 2019.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/dec...
3 3 Decreto-Lei, datado de 26 de janeiro de 1970, baixado pelo presidente Emílio G. Médici (período de 1969 a 1974), que “Dispõe sobre a execução do artigo 153, § 8º., parte final, da Constituição da República Federativa do Brasil”, que instituía a censura prévia à imprensa, não sendo “toleradas as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos costumes, quaisquer que sejam os meios de comunicação” (DECRETO-LEI N. 1077/70). Consultar Decreto-Lei, na íntegra, no site: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1965-1988/Del1077.htm. e no art. 20 do Decreto no. 69.845/71BRASIL . Decreto n. 69.845, de 27 de dezembro de 1971. Regulamenta a Lei n. 5.726 de 29 de outubro de 1971. Brasília, DF: Presidência da República, 1971. Disponível em: https://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/115073/decreto-69845-71 . Acesso em: 6 mar. 2019.
https://presrepublica.jusbrasil.com.br/l...
4 4 Decreto datado de 27 de dezembro de 1971 que regulamenta a Lei nº 5.726 de 29 de outubro de 1971. Consultar Decreto no. 69.845/71, na íntegra, no site: https://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/115073/decreto-69845-71. . Assim, no campo da diversão pública, seria censurado tudo o que atentasse contra a segurança nacional, ferisse princípios éticos e contrariasse direitos e garantias individuais (FAGUNDES, 1974FAGUNDES, Coriolano de Loyola Cabral. Censura & liberdade de expressão. São Paulo: Edital, 1974.).

Começo pela peça teatral Quincas Berro d’Água, uma produção do Teatro Livre da Bahia e de Roberto Santana, adaptada e dirigida por João Augusto, pela primeira vez encenada na Bahia em 1972, e, posteriormente, em 1976, enquanto vivo seu autor. Jorge Amado, considerando que a adaptação de uma obra é outra criação, define os papéis dele e de João Augusto no que se refere à “paternidade” do Quincas. Diz ele: “[...] é o meu Quincas, não abro mão da paternidade, mas é, ao mesmo tempo, outro Quincas, o de João Augusto, cabe-lhe também a paternidade” (AMADO, [1972] AMADO, Jorge. [Bilhete de Jorge Amado a João Augusto], Salvador, 19 out. 1972. 1 f. , p. 1, grifo nosso). Adiante, registra: “[...] mesclam-se minha experiência humana e a de João Augusto, os meus sonhos e os dele, minha luta e a dele, minha Bahia e a dele.” (AMADO, [1972]AMADO, Jorge. [Bilhete de Jorge Amado a João Augusto], Salvador, 19 out. 1972. 1 f. , p. 1). Jorge Amado reconhece ainda, além dele e de João Augusto, a ação de outros atores sociais responsáveis por “outro Quincas”, que se realiza em uma produção coletiva, a saber: Dorival Caymmi (1914-2008), Fernando Lona (1937-1977), Gereba, Edil Pacheco, Patinhas (compositores das canções do espetáculo que estão em disco), e Roberto Santana (produtor) (SANTOS, 2018bSANTOS, Rosa Borges dos. João Augusto, Jorge Amado e a “Paternidade” de Quincas Berro D’água: por uma história do texto. In: FONSECA, Aleilton; PATRÍCIO, Rosana (org.). O olhar de Castro Alves: ensaios críticos de Literatura Baiana. 2. ed. aum. Salvador: Academia de Letras da Bahia: Via Litterarum Editora, 2018b. p. 533-603. 2 v.).

Outros documentos também revelam as mãos (sujeitos/atores sociais) que trabalharam na construção do espetáculo. Em um bilhete a João Augusto, Jorge Amado escreveu: “aí lhe envio o texto para a edição do seu - nosso - Quincas. Use-o como melhor lhe parecer: orelha, contra-capa [sic], prefácio. Ou jogue fora se não lhe agradar” (AMADO, 1972bAMADO, Jorge. João Augusto criador. Salvador. Texto de abertura do programa para divulgação da peça. [1972b]. 2 f., p. 1). Há outro texto, As músicas de Quincas, em suporte material distinto: um datiloscrito sem identificação de autoria, e um impresso, com assinatura de Jorge Amado, na contracapa do disco, que traz uma síntese do conteúdo das canções, conforme se pode observar nas Figuras 1 e 2.

Figuras 1 e 2 -
Texto datiloscrito e impresso de As músicas de Quincas

Têm-se, até o presente momento, para Quincas Berro d´Água, oito testemunhos, resultando em quatro versões do texto: um datiloscrito incompleto (QBAsdT1 (TVV)5 5 Os testemunhos são identificados por um código que contém: título da peça abreviado, ano (últimos dígitos, quando sem data, registrar “sd”), enumeração do Testemunho (T) e o acervo de proveniência (TVV=Teatro Vila Velha; EXB=Espaço Xisto Bahia; ETUFBA=Escola de Teatro da UFBA; DCDP-AN=Divisão de Censura de Diversões Públicas-Arquivo Nacional); FCJA=Fundação Casa de Jorge Amado, AP=Arquivo Pessoal, onde se acha depositado o documento, ficando assim: QBA72T4 (EXB), por exemplo. ), versão 1, que traz modificações autógrafas para um novo texto da peça que se vê realizado nas versões de 1967 (QBA67T2 (FCJA)), versão 2, e de 1972, versão 3 (QBA72fragT3 (DCDP-AN), QBA72T4 (EXB), QBA72T5 (FCJA) e QBA72T6 (TVV)), que, por sua vez, traz diferenças que resultam das ações dos diversos sujeitos que datilografaram e/ou anotaram os textos dos referidos testemunhos. A versão 2 parece ser a base da 3. Os demais testemunhos (QBA75T7 (TVV) e QBA75/83T8 (DCDP-AN)) trazem a versão 4, datada de 1975.

Além das modificações feitas pelo próprio João Augusto no texto da peça, que se manifestam por meio das rasuras de supressão, substituição, acréscimo e deslocamento (QBAsdT1 (TVV)), outras alterações se realizam por uma ação que envolve a participação do elenco, nos ensaios, como se pode notar nos testemunhos que disponibilizam as cópias pertencentes a Arivaldo Barata, Passos Neto e Nilda Spencer (QBA72T4 (EXB), QBA72T5 (FCJA) e QBA75T7 (TVV)), atores que interpretaram os papeis de “Cantador”, “Eduardo”, “Otacília” (entre outros papeis femininos), respectivamente. Por exemplo, a relação contendo o prólogo e as cenas foi modificada. Nos testemunhos das versões 1 e 2, f. 2, listam-se dez cenas, que foram, inicialmente, mantidas nos testemunhos da versão 3 (de 1972):

Prólogo - O ABC DE QUINCAS BERRO D' AGUA

Cena I - A FAMÍLIA DO FUNCIONARIO PÚBLICO

Cena II - O MORTO NO SEU QUARTO

Cena III - OS URUBUS ALMOÇAM LONGE DA CARNIÇA

Cena IV - CADA UM DEVE CUIDAR DO SEU ENTERRO

Cena V - OS HOMENS SE COMUNICAM

Cena VI - CASTELO DE VIVIANA

Cena VII - O PRIMEIRO AMIGO - CURIÓ

Cena VIII - O ENCONTRO DOS QUATRO

Cena IX - O VELORIO DE Q BERRO D'AGUA

Cena X - A GRANDE NOITE

Depois, foram acrescentadas, a lápis, em QBA72T4 (EXB) e em QBA72T5 (FCJA), duas cenas, XI e XII, aceitas em QBA72T6 (TVV), texto passado a limpo, mas provavelmente não revisado, considerando os erros de datilografia que nele se apresentam (Cf. Figura 3). Vejam-se:

Figura 3 -
Excertos de textos de "Quincas Berro d'Água" (rasura de acréscimo)

Quanto ao texto que reproduz a versão de 1975, com intervenções manuscritas de outros sujeitos que não João Augusto (para além da letra de Nilda Spencer, parece haver outra caligrafia), notam-se mudanças no texto, sobretudo relacionadas à encenação. Quando cotejadas as versões 3 e 4, vê-se o trabalho de uma escrita colaborativa que envolve João Augusto e o elenco, fato que se explica no trecho desta matéria de jornal:

[...] O Quincas ria escondido. O tempo passado. Até que um dia ele não resistiu: assoviou matreiro no meio da noite dentro do quarto. Resolvi reler. Que tal uma nova adaptação? Quincas sorriu. Sou lá aleijado pra ficar aqui? Me soprou no ouvido: o brasileiro pode dispensar o pão, mas não dispensa o circo. Além disso, olha, olha a palhaçada que nos rodeia. Vamos, anda - raia o sol, suspenda a lua, eu como palhaço vou estar na tua. Concordei. Afinal nossa forma de arte popular está mesmo no circo, na revista, na chanchada, na verborragia do baiano - e na violência de tudo que nos cerca. Na violência do quotidiano, da realidade (cada vez mais relegada) e do nosso inconsciente. Quincas foi taxativo: é isso que a gente tem de devorar e esculhambar. [...] Juntos - eu e o Quincas - fizemos um texto - o da peça. O outro texto, o que será lido pelo público, o texto do espetáculo, começamos - o elenco e eu a preparar, dia a dia. Estamos ainda escrevendo. E apesar do trabalho começar agora a ser mostrado ao público - ele não está acabado, pronto, embalado para consumo. Não está e - se tudo der certo - até o último dia do espetáculo, não estará acabado. Depende muito do elenco.

O outro texto, o texto da peça (o que sofre perseguição e cortes) o texto-palavra sabe que não se realiza sozinho. Nunca se realizou. E hoje - mais do que nunca: desde 64 a dramaturgia brasileira foi substituída pelo espetáculo. [...] (AUGUSTO, [1976] AUGUSTO, João. Quincas Berro d’Água - Re-lance. [A Tarde], Salvador, [16 fev. 1976]. Coluna Teatro. Recorte de jornal.).

A partir desta citação, embora João Augusto aqui esteja referindo-se às modificações feitas ao Quincas para encenação em 1976AUGUSTO, João. Quincas Berro d’Água - Re-lance. [A Tarde], Salvador, [16 fev. 1976]. Coluna Teatro. Recorte de jornal., podemos estender seu comentário ao entendimento de todo um processo que se inicia na versão incompleta, sem data (196-?), passando pela versão de 1967, às versões de 1972 e 1975, evidenciando os gestos de uma criação coletiva na riqueza do processo de transmissão do texto, desde o primeiro contato entre João Augusto e o “Quincas” na produção do texto da peça, aquele que se realiza no contexto da ditadura (nos anos de 1967, 1972 e 1975) e da violência que cerca os brasileiros, submetido à Censura (com cortes (1972) ou sem cortes (1983[1975])), ao texto do espetáculo, preparado por João Augusto e o elenco, inacabado, sempre “outro” a cada encenação, capturado nos testemunhos e nas anotações manuscritas de QBA72T4(EXB), QBA72T5(FCJA) e QBA75T7(TVV) (scripts que pertenceram aos atores que participaram da peça).

Passo a Caramuru, texto de Ildásio Tavares, submetido à Censura em 1975TAVARES, Ildásio. Caramuru ou Toda a verdade sobre as andanças do fidalgo D. Diogo Álvares Correia em terras de Pindorama. Salvador, 1975. 26 f., encenado pela primeira vez em 1978 no Teatro Castro Alves (TCA) e publicado em 2004 na Coleção Dramaturgia da Bahia. Caramuru foi uma superprodução da Companhia Baiana de Comédias, dirigida por Jurema Penna. O espetáculo foi concebido para ser montado ao ar livre, de preferência no bairro do Rio Vermelho. Sua montagem, porém, ocorreu no Teatro Castro Alves, no período de 20 de setembro a 1º. de outubro de 1978, às 21 horas (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 1978DIÁRIO DE NOTÍCIAS. Caramuru tem estréia amanhã pela Cia. Baiana de Comédias. 19 set. 1978. Recorte de jornal.). Contava com “[...] músicas de Caetano Veloso, Wagner, Vila Lobos, Djalma Correia e temas afros.” (A TARDE, 1978AUGUSTO, João. O pombal e o mastro. A Tarde, Salvador, 20 out. 1978. Coluna Teatro. Recorte de jornal. ). É também uma obra que resulta da ação colaborativa de várias pessoas. Trata-se de uma sátira à convencional história de Caramuru e sobre o princípio da colonização no Brasil. A história se passa no século XX, tendo como apresentador Américo Vespúcio, que cobra os ingressos e convida a plateia a assistir cada cena.

No Lugares de Memória, encontram-se 6 testemunhos não datados de Caramuru (3 completos e 3 fragmentos, sendo que para um deles, tem-se apenas 1 folha). No ATTC, tem-se 5 testemunhos, sendo que três deles reproduzem a mesma matriz, diferenciando-se apenas pelos registros do processo de circulação do texto ao ser encaminhado para exame censório, passando, inicialmente, pela SBAT e, na sequência, pela DCDP. Quanto aos outros dois, um se encontra na Escola de Teatro da UFBA (ETUFBA) e o outro é a cópia digitalizada do texto publicado em 2004. Ao todo, têm-se 11 testemunhos, sendo 8 completos (Cf. Quadro 1). São eles:

Quadro 1 -
Testemunhos e Versões de "Caramuru"

Considerando as diferenças entre os testemunhos, notam-se rasuras, revisões feitas aos textos dos datiloscritos e uma redução do texto, que de 52 folhas (CsdT1-T2(LM)) passa a 32 (CsdT3(ETUFBA)) e a 26 (C[75]T4-T5-T6(EXB)). Verifica-se a transformação do texto, de prosa para versos, objetivando a elaboração de uma ópera, e assim está publicado na coleção referida anteriormente, identificado como uma “ópera baiana”, quando se compara um dos testemunhos de Caramuru (CsdT7(LM)) com o texto publicado em 2004 (C04T8(AP)). Do cotejo entre as páginas finais de Caramuru de CsdT7(LM) e C04T8(AP), nota-se que o texto publicado tem por base a versão do texto que se apresenta em CsdT7(LM), inclusive as rasuras de supressão (<abc>) e acréscimo ([abc]) apresentam seus resultados em C04T8 (AP): “<c>/C\atapora, Gonorreia, <t>/T\uberculose, <†, Cachaça, Video, ††>. Outros trazem copos e começa[m] a distribuir aos índios.” (l. 2, 3 e 4) / “catapora, gonorreia, tuberculose. Outros trazem copos e começam a distribuir aos índios.” (p. 74, l. 32, 33 e 34); “O sagrado coquetel [(bis)]” (l. 8) / “O sagrado coquetel (bis)” (p. 75, l. 4) (Cf. Figuras 4 e 5). As três primeiras versões apresentam textos diferentes das versões 4 e 5 na última folha.

Figuras 4 e 5 -
Cotejo entre os testemunhos CsdT7(LM) e C04T8(AP)

Da breve análise dos gestos de produção, passo aos gestos que se mostram nos processos de transmissão e circulação dos textos de teatro, a partir da documentação censória. Quanto aos registros realizados pelos censores na materialidade dos suportes que transmitiram os textos das peças teatrais selecionadas, destaco os cortes para melhor caracterizar a prática censória realizada no âmbito da DCDP, bem como algumas das informações que constam dos pareceres.

No que se refere ao Quincas Berro d’Água, registram-se os cortes, indicados com o uso de parênteses angulares, às folhas 20, 21, 23, 24, 25, 38, 49, 51, 59 e 65: “VOZ - Olhe, sabem de uma coisa? (pausa longa) <Vão pra merda!> Jararacas!” (f.20); “VOZ - <(para Marocas) Olá saco de peidos.>” (f.21); “BENEDITA - (enchendo o copo) Você se lembra quando...lembra quando êle defendeu a Clara daqueles dois <filhos da puta> de boa família que apareceram aqui, lembra? [...]” (f.23); “VOZ-QUINCAS - (cortando) Vocês precisam aprender a tocar numa mulher, <seus merdas.> Sujos. Filhinhos de papai! [...]” (f.24); “BENEDITA - Não. Não recebo ninguém hoje. Hoje tá fechado. Também tenho direito de um dia dizer - NÃO! <Vão pra merda.> e “QUITERIA - (levantando-se, definitiva) Morte de Getúlio? É como se fosse quinta ou sexta-feira santa: <nenhum macho hoje trepa aqui dentro.> Tá fechado! [...]” (f.25); “PASTINHA - <(sentando-se) Rico e merda é a mesma coisa.>” (f.38); “RITA - <Vá beliscar as coxas da puta que pariu.>” (f.49); “EDUARDO - Foram beber. Esses vagabundos podem lá passar sem isso? <Vai vê é até maconha.>” (f.51) (Cf. Figura 6); “PASTINHA - <(olhando Rita) Puto de sorte, nunca ví.>” (f.59); “VOZ - <Saco de peidos.>” e “VOZ - <(cuspindo) Boa merda!>” (f.65).

Figura 6 -
Corte em QBA72fragT3(DCDP-AN), f. 51

A justificativa para os cortes é por conter “palavrões, expressões indecorosas e alusão à [sic] tóxico.” (PARECER, 1972PARECER. Acervo do Arquivo Nacional - Distrito Federal, Fundo Divisão de Censura de Diversões Públicas - DCDP. Brasília, 12 out. 1972., p. 1). A peça recebeu classificação etária de 18 anos. A linguagem foi classificada como sendo “[i]rreverente, popular da Bahia” e a mensagem “positiva e negativa alternadas” (PARECER, 1972PARECER. Acervo do Arquivo Nacional - Distrito Federal, Fundo Divisão de Censura de Diversões Públicas - DCDP. Brasília, 12 out. 1972., p. 1). No texto do Parecer, o censor adverte para o fato de a adaptação diferir “do texto anterior [adaptado por José Gomes Campos em 1970] em seus aspectos externos, permanecendo, contudo, sua essência” (PARECERPARECER. Acervo do Arquivo Nacional - Distrito Federal, Fundo Divisão de Censura de Diversões Públicas - DCDP. Brasília, 12 out. 1972., 1972, p. 1).

Quanto ao texto de Caramuru, submetido à Censura, em três vias, tem-se o primeiro (C[75]T4(EXB)) deles, aquele que a SBAT recebe e autentica com seu carimbo, e os demais (C75T5(DCDP-EXB) e C75T6(DCDP-EXB)) encaminhados à DCDP para a avaliação censória, trazendo em sua materialidade os registros dos cortes realizados pelos censores. Em C75T5(DCDP-EXB), há cortes apenas em 3 folhas, enquanto C75T6(DCDP-EXB) registra cortes em 8 folhas, identificados com o carimbo “COM CORTES”. Listam-se os cortes que evidenciam diferentes tipos de censura, de ordem moral, social, religiosa e política:

C75T5(DCDP-EXB):

Voz off (com uma gargalhada) Tu és mesmo um parvo, <Ó bunda mole> [...] (f.6);

Voz off - Eu disse atacar, <Ó italianinho de merda.> (f. 7(3));

[...] <LSD, Anfetamina, Maconha, sarampo, Gonorréia> Gripe etc... (f.26(22)).

C75T6(DCDP-EXB):

[...] enquanto existir a América, existe Américo. Como ela está perigando atualmente, saí do anonimato, e em <Rio Vermelho> onde acontecem e aconteceram tantas coisas importantes para o Brasil [...] (f.5(2));

Voz off - Of course. Abastece-te no Cabo Verde, <aquelas ilhas nordestinas onde mandei levar uns negrinhos da Guiné Bissau, e outras tantas Guinés que há por aí, pega tua correntezinha.> (f.6(2-A));

[...] Ó italianinho <de merda.> (f.7(3));

[...] aponta para a figura de D. Diogo envolto em sargaços, retalhos de pano de vela preso a um mastro lascado, dormindo com <uma mão crispada num engradado de Coca-cola e> outra num baú pequeno. (f.7(3));

[...] <É claro que vocês sabem que caramuru é enguia aqui nesta terra e vendo-o branco e magro nesta praia (Se bem que ele chegou mesmo foi na Mariquita, onde estão fazendo o Terminal de cocô que vai aj[u]dar a denegrir sua memória) os silvícolas (saboreia a palavra) os silvícolas pensaram que se tratava de um desses caramurus que> (f.7(3));

[...] <Vocês selvagens só entendem uma linguagem - A FORÇA!> (f.8(4));

[...] Lá o Tuxaua deposita D. Diogo delicadamente no chão e <dá ordens para outros índios, que o despem,> banham-no em água perfumada [...] (f.11(7));

Bruxos <E minha roupa! Deus meu estou nu! (tenta cobrir as vergonhas com as mãos)> (f.11(7));

D. Diogo - Não puderam entender como o <pai espiritual de todos seja mais servido do que sirva. Não podiam compreender as lutas religiosas. Não conseguiam admitir riqueza do Vaticano.> (f.18(14));

[...] <D. Varon pega o estandarte de Cristo como se fosse o de uma escola de samba e saem todos da igreja ao som de uma batucada, em fila indiana. Black e fins da Cena II.> (f.23(19));

Todo o texto da última folha foi cortado (f.26(22)) (Cf. Figura 8).

Comparem os testemunhos C75T5(DCDP-EXB) e C75T6(DCDP-EXB) em sua última folha (Cf. Figuras 7 e 8):

Figuras 7e 8 -
Cortes nos testemunhos C75T5(DCDP-EXB) e C75T6(DCDP-EXB)

Se cotejarmos os testemunhos C75T5(DCDP-EXB) e C75T6(DCDP-EXB) com CsdT7(LM) e C04T8(AP) (Cf. Figuras 4 e 5), observaremos que o final do texto da peça foi modificado em CsdT7(LM) e no livro (TAVARES, 2004TAVARES, Ildásio. Lídia de Oxum; Homem e mulher; Mulher de rojo; Caramuru; O vendedor de jóias. Salvador: SCT, 2004. p. 41-75.), como se verifica na Figura 9:

Figura 9 -
Página final de “Caramuru” em C04T8(AP)

O encaminhamento ao Serviço de Censura de textos das peças para encenação no teatro baiano obedece ao seguinte protocolo: solicitação para apreciação dos órgãos censórios (feita pelo autor, encenador ou produtor), seguida do texto (mimeografado ou impresso) em três vias (como se vê nos três testemunhos de Caramuru (C[75]T4(EXB), C75T5(DCDP-EXB), C75T6 (DCDP-EXB)), pareceres relativos ao texto da peça e ao ensaio geral, certificado de censura, com validade de cinco anos. Se houvesse qualquer modificação no texto, ou a realização do espetáculo em outro Estado, a peça deveria ser outra vez submetida à Censura, como se vê na documentação censória correspondente à peça Quincas Berro d’Água.

A encenação das peças teatrais dependia da censura prévia, do ensaio geral e do certificado de censura expedido pela DCDP. Quando o ensaio geral era realizado nos Estados, o diretor da DCDP delegava competência ao setor correspondente dos órgãos descentralizados do DPF para exame da peça teatral, conforme se vê exposto por Coriolano Fagundes em Censura e liberdade de expressão. (SANTOS, 2013SANTOS, Rosa Borges dos. Leitura crítico-filológica dos “cortes” em textos teatrais censurados na Bahia. In: CONGRESSO NACIONAL DE LINGUÍSTICA E FILOLOGIA, 23., 2013, Rio de Janeiro. Cadernos do CNLF. Rio de Janeiro: CiFEFil , v. 22, n. 3, p. 105-123, 2013. Disponível em: http://www.filologia.org.br/xvii_cnlf/cnlf/03/07.pdf . Acesso em: 27 out. 2021.
http://www.filologia.org.br/xvii_cnlf/cn...
, p. 4).

Como resultado da ação dos censores, marcas se registram nos textos examinados, algumas vezes, a lápis, outras, à tinta, e, além delas, o uso de carimbos com as inscrições: CORTE, COM CORTE ou CORTES e COM CORTES, como se observa nas Figuras 6, 7 e 8. A partir de tais marcas e das justificativas dos censores apresentadas nos pareceres, constroem-se leituras para as diferentes formas de censura.

Enfim, quando nos debruçamos sobre os documentos e materiais de determinado acervo literário e/ou dramatúrgico, temos uma percepção dos processos que envolvem a produção e a transmissão textual, nos contextos de circulação e recepção. No AIT, há vários manuscritos apresentados a partir dos textos datilografados e revisados pelo próprio escritor, são fragmentos, textos completos, que ensaiam a escrita de um texto final para fins de submissão aos órgãos censórios, para encenação ou para publicação. O texto também se transforma pelas várias tentativas de escrita. O mesmo acontece no Acervo João Augusto (AJA), com o texto da peça Quincas Berro d`Água, modificado pelo próprio dramaturgo como também por outros sujeitos que dão vida ao texto cênico. Entre as matérias jornalísticas, tem-se uma de João Augusto sobre Caramuru e outra de Ildásio Tavares sobre Quincas Berro d`Água (Cf. Figuras 10 e 11):

Figuras 10 e 11 -
Excertos de matérias do Jornal da cidade (1976TAVARES, Ildásio. Quincas Berro d’Água redivivo. Jornal da Cidade, 22 e 29 fev. 1976, p. 8, col. 1.) e do A Tarde (1978A TARDE. Caramuru e a eliminação do índio em todo o mundo. [Salvador], 20 set. 1978. Recorte de jornal.)

Nos documentos que formam a massa documental de tais acervos, destacam-se vozes que, por muitas vezes, foram silenciadas, a dos dramaturgos ou dos integrantes da classe teatral, de modo geral, atores, cenógrafos, figurinistas, entre outros, e ainda as vozes dos censores, pelos gestos dos cortes e do veto, como se pode notar nas Figuras 6, 7 e 8 e na lista dos cortes transcritos extraídos dos textos das peças Quincas Berro d’Água e Caramuru. Informações sobre o que representou a censura às produções artístico-literárias, no período da ditadura, foram obtidas também em matérias veiculadas na imprensa baiana e em entrevistas concedidas aos integrantes do nosso grupo de pesquisa (SANTOS, 2013SANTOS, Rosa Borges dos. Leitura crítico-filológica dos “cortes” em textos teatrais censurados na Bahia. In: CONGRESSO NACIONAL DE LINGUÍSTICA E FILOLOGIA, 23., 2013, Rio de Janeiro. Cadernos do CNLF. Rio de Janeiro: CiFEFil , v. 22, n. 3, p. 105-123, 2013. Disponível em: http://www.filologia.org.br/xvii_cnlf/cnlf/03/07.pdf . Acesso em: 27 out. 2021.
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). As ações do filólogo-editor no sentido de editar e ler, em diferentes perspectivas críticas, o texto teatral censurado, a documentação paratextual e o prototexto, o coloca na posição de quem se mostra comprometido com a salvaguarda destes documentos, ocupando-se da preservação e difusão dos mesmos, e com as formas de fazer representar ou simular, através das práticas filológicas, a literatura e a dramaturgia produzidas naquele tempo e lugar.

Edições e críticas para estudo do texto teatral censurado

Como vimos, o filólogo é um pesquisador que lida, sobretudo, com fontes primárias, matéria por excelência da história, no intento de buscar trazer à cena a obra, bem como os elementos de sua construção, incluindo os processos de produção e recepção. Os documentos selecionados para determinado estudo testemunham o processo de criação, as redes de sociabilidades e permitem atualizar a memória, aqui entendida como “o ponto de intersecção entre as fontes e a criação artística. [...] A memória, portanto, fica a meio caminho entre o coletivo e o individual, o histórico e o pessoal, o apropriado e o original.” “Da importância da memória, fala a longa tradição em que ela é objeto de reflexão e assunto para a expressão artística.” (ZILBERMAN, 2004ZILBERMAN, Regina. Minha theoria das edições humanas’: Memórias póstumas de Brás Cubas e a poética de Machado de Assis. In: ZILBERMAN, Regina et al. As pedras e o arco: fontes primárias, teoria e história da literatura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004. p. 17-117, p. 18-19). “A memória ata os dois tempos [presente e passado]; mas se efetiva porque a linguagem é capaz de trazer de volta o passado e apresentá-lo a algum tipo de audiência.” (, 2004ZILBERMAN, Regina. Minha theoria das edições humanas’: Memórias póstumas de Brás Cubas e a poética de Machado de Assis. In: ZILBERMAN, Regina et al. As pedras e o arco: fontes primárias, teoria e história da literatura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004. p. 17-117, p. 20). Assim se faz o trabalho filológico.

Por meio da prática editorial filológica, aliada à prática arquivística, tornamos disponíveis diversos dossiês (que resultam da atividade da recensio) e tipos de edição, em papel e em suporte eletrônico, com tratamento hipertextual, bem como desenvolvemos pesquisas, filológicas, genéticas, literárias, entre outras possibilidades, que se construíram dos e nos arquivos literários. Como afirma Jean-Louis Lebrave, em O manuscrito será o futuro do texto,

[...] [n]ão há arquivamento sem triagem - arquivar é classificar, organizar, escolher. O manuscrito perderia toda a significação se ele não se constituísse na complementaridade do texto. É certa a tarefa de uma ‘filologia eletrônica’ para o século XXI: a de redefinir o arquivo, a de dominar sua evanescência constitutiva e sua proliferação exponencial, a de criar instrumentos de exploração dessa imensa memória eletrônica indiferenciada. (LEBRAVE, 2003LEBRAVE, Jean-Louis. O manuscrito será o futuro do texto. In: SOUZA, Eneida Maria de; MIRANDA, Wander Melo Miranda (org.). Arquivos literários. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003. p. 83-92., p. 92).

Ao longo dos anos, assim procedemos: organizamos os acervos, classificando os documentos, conforme quadro de arranjo; elaboramos dossiês e edições, para, assim, representar a literatura e dramaturgia produzidas em dado período de nossa história; e buscamos ler o texto teatral censurado, a partir de diferentes abordagens críticas - filológica, genética e sociológica - que se aliam no exercício de uma leitura ética e comprometida.

Considerando as produções reunidas em dado espaço, tomando os arquivos como lugares de memórias, oferecemos leituras e interpretações, além de saberes que são (des)construídos nos arquivos, permitindo, então, chegar-se à memória do teatro sob censura nos documentos arquivados e editados, como se procurou mostrar no corpo deste artigo. Para os textos da dramaturgia baiana ou encenados na Bahia, foram elaborados os seguintes tipos de edição: a) edição fac-similar digital; b) edição interpretativa em suporte papel, digital e hipermídia; c) edição crítica em suporte papel, digital e hipermídia; d) edição genética em suporte papel; e) edição sinóptico-crítica em suporte papel, digital e hipermídia; f) edição eletrônica/arquivo hipertextual/hiperedição (BORGES et al., 2021BORGES, Rosa. A edição de textos: crítica filológica e práticas editoriais. In: BORGES, Rosa et al. Edição do texto teatral na contemporaneidade: metodologias e críticas. Salvador: Memória e Arte , 2021. p. 13-49.).

Os documentos, devidamente armazenados, a partir de técnicas e métodos adotados para sua conservação, preservação e difusão pela arquivística literária (OLIVEIRA, 2007OLIVEIRA, António Braz de. Arquivística literária: notas de memória e perspectiva. Veredas: Revista da Associação Internacional de Lusitanistas, Porto Alegre, v. 8, p. 372-382, 2007. Disponível em: https://revistaveredas.org/index.php/ver/article/view/314 . Acesso em: 27 out. 2021.
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), são objeto de estudo da filologia como crítica textual, que estabelece/fixa determinado estado do texto ou dá aos textos de dada tradição a mesma importância, editando cada um deles separadamente, e os interpreta, por meio de uma leitura crítico-filológica, como também considera a produção escritural, na perspectiva da crítica genética, bem como os sujeitos que deixam marcas nos textos que transmitem ou fazem circular um texto ou uma obra, além dos que leram esses papéis reveladores de suas relações múltiplas e particulares com a sociedade, a história, a política etc., na perspectiva da crítica sociológica, pelo viés da sociologia dos textos e dos estudos sobre a recepção.

Nesse sentido, de acordo com Oliveira (2007OLIVEIRA, António Braz de. Arquivística literária: notas de memória e perspectiva. Veredas: Revista da Associação Internacional de Lusitanistas, Porto Alegre, v. 8, p. 372-382, 2007. Disponível em: https://revistaveredas.org/index.php/ver/article/view/314 . Acesso em: 27 out. 2021.
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, p. 382), “a interdisciplinaridade entre Arquivística literária e qualquer outro ramo do saber exploratório do texto pode tornar-se disciplinaridade interactiva, traduzida em efectiva permuta da informação e consequente desenvolvimento de conhecimento.” “É justamente a partir dessa interação de diversas áreas do conhecimento que se estabelece uma dinâmica de trocas e de contribuições, e assim novos saberes são construídos.” (BORGES DOS SANTOS, 2013BORGES DOS SANTOS, Rosa. Arquivo Textos Teatrais Censurados: diálogos entre crítica textual, crítica genética, crítica sociológica e arquivística. In: CONGRESO INTERNACIONAL: NUEVOS HORIZONTES DE IBEROAMÉRICA, 1., 2013, Mendoza-Argentina. Actas... Mendoza: Diego Niemetz - Amor Hernández Penoloza, 2013. p. 1-13., p. 9). Conciliando a filologia e a arquivística, no campo das humanidades digitais, nos estudos literários, a prática editorial se fará de maneira proveitosa. Os diversos documentos (textos, fotos, discos, cartazes, pareceres etc.), sobretudo se a documentação está sob forma digital, ganham mobilidade e celeridade, na edição e no estudo dos textos. Desse modo, as hiperedições elaboradas por integrantes do Grupo de Edição e Estudo de Textos, por meio da Equipe Textos Teatrais Censurados, dão conta de colocar em rede os textos teatrais em suas diversas propostas de edição, além dos documentos que se ligam a tais textos, fazendo interagir texto, paratexto e prototexto.

A criação de acervos e de arquivos, documentais e literários, em meio digital, evita a manipulação, e, portanto, o desgaste material do texto. É importante também, no que se refere à organização arquivística de textos paralelos ao texto base, levar em conta entrevistas com autores, matérias jornalísticas, e outros textos que tratem de reflexões acerca do autor ou da produção artística. Tais elementos, que vão além do texto principal, possibilitam remontar à época e à sociedade em que estão inseridos a obra e o autor(a) no processo de produção e de recepção.

Considerando ainda as especificidades do texto teatral, efêmero, múltiplo, variável, conciliam-se os campos do saber da filologia, da crítica genética, da sociologia dos textos e das humanidades digitais, interessando-se, respectivamente, pelo produto (texto final), pelo processo (prototexto) e pelos atores sociais que deixam marcas na produção, reprodução e publicação dos textos (escritor, autor, copista, censor, revisor, editor...) (BORGES DOS SANTOS, 2013BORGES DOS SANTOS, Rosa. Arquivo Textos Teatrais Censurados: diálogos entre crítica textual, crítica genética, crítica sociológica e arquivística. In: CONGRESO INTERNACIONAL: NUEVOS HORIZONTES DE IBEROAMÉRICA, 1., 2013, Mendoza-Argentina. Actas... Mendoza: Diego Niemetz - Amor Hernández Penoloza, 2013. p. 1-13.), apresentando as edições em um arquivo eletrônico/hipertextual ou em uma hiperedição. Tais campos de conhecimentos afetam a prática da crítica textual, resultando em diferentes modalidades (crítica textual genética e crítica textual sociológica), como se pode ver no esquema que segue (Cf. Figura 12).

Figura 12 -
Saberes em relação na prática filológica

Desse modo, a crítica textual, a crítica genética e a crítica sociológica são práticas metodológicas que se entrecruzam na investigação filológica contemporânea no que se refere ao estudo das obras quanto aos aspectos de sua produção, circulação e recepção.

Está-se diante de uma situação em que vários agentes interferem na produção, reprodução e impressão de uma obra, de uma variedade de formas autorizadas, em que se mostra uma instabilidade textual, e de recursos provenientes das novas tecnologias que permitem aos leitores reconstruir e difundir os textos. (BORGES DOS SANTOS, 2013BORGES DOS SANTOS, Rosa. Arquivo Textos Teatrais Censurados: diálogos entre crítica textual, crítica genética, crítica sociológica e arquivística. In: CONGRESO INTERNACIONAL: NUEVOS HORIZONTES DE IBEROAMÉRICA, 1., 2013, Mendoza-Argentina. Actas... Mendoza: Diego Niemetz - Amor Hernández Penoloza, 2013. p. 1-13., p. 10).

Nessa direção, em uma vertente editorial pragmática, sociológica, cada versão reclama o direito de ser editada (MCKENZIE, 2005MCKENZIE, Donald Francis. Bibliografía y sociología de los textos. Tradução Fernando Bouza. Madrid: Akal, 2005 [1986].[1986]), sendo as novas tecnologias instrumentos para a apresentação e o fazer da própria edição, e para a história do texto, realizada a partir das diversas abordagens críticas. O esquema resume o trabalho filológico dentro desta vertente (Cf. Figura 13). Veja-se:

Figura 13 -
Vertente pragmática da filologia editorial

Considerações finais

Enfim, para além da apresentação da edição de textos, o labor filológico se realiza pela prática dos comentários que, em uma abordagem hermenêutica, “costuram as leituras críticas que fazemos a partir da materialidade textual, avançando-se pela discursividade, restituindo os sentidos que foram modificados ao longo do tempo [...]” (BORGES DOS SANTOS, 2013SANTOS, Rosa Borges dos. Leitura crítico-filológica dos “cortes” em textos teatrais censurados na Bahia. In: CONGRESSO NACIONAL DE LINGUÍSTICA E FILOLOGIA, 23., 2013, Rio de Janeiro. Cadernos do CNLF. Rio de Janeiro: CiFEFil , v. 22, n. 3, p. 105-123, 2013. Disponível em: http://www.filologia.org.br/xvii_cnlf/cnlf/03/07.pdf . Acesso em: 27 out. 2021.
http://www.filologia.org.br/xvii_cnlf/cn...
, p. 12), trazendo à cena, a partir da documentação textual, pré-textual, paratextual e pós-textual, que se encontra nos acervos do ATTC, temas, como: os sujeitos arquivados, os sujeitos autor, escritor e leitor, que se constroem na trama do arquivo e nos textos, respectivamente; os bastidores da criação, com foco no estudo das marcas indiciadoras da gênese textual; os eventos sociais e históricos que se materializam na construção e publicação do texto; os efeitos da censura nos textos e na sociedade (contexto sócio-histórico); as memórias de um tempo e lugar avivadas pelos estudos das “pistas” deixadas na escritura, nas anotações feitas por diferentes sujeitos e nos cortes que se registram nos textos produzidos na cena teatral baiana, nos anos de chumbo de nossa história mais recente, por autores, atores, encenadores e censores; as memórias do oprimido e do repressor, que, em nome da moral e dos bons costumes, controlavam a produção intelectual brasileira, dentre outros.

A partir das reflexões feitas até aqui, pude, por meio da prática filológica, avivar a memória da sociedade brasileira para um dos períodos mais violentos da História do Brasil, e, em particular, da Bahia, o da ditadura militar e seus efeitos sobre a dramaturgia, tanto no que diz respeito aos espetáculos quanto aos textos produzidos no referido período (1964-1985), e ainda para o fato de que, apesar da repressão, também foi um período rico de produção de textos e espetáculos. O trabalho que realizamos, por meio da construção de dossiês e do preparo de edições e estudos crítico-filológicos, possibilita trazer a memória literária e dramatúrgica da Bahia no contexto brasileiro; a memória do teatro baiano no Brasil; os aspectos sociais, políticos, culturais, entre outros, lidos nos textos examinados e nas ações dos escritores e dramaturgos e de outros agentes que participam dos processos de produção e transmissão dos textos nos contextos de circulação e recepção (memórias dos sujeitos envolvidos em tais processos). Todos os trabalhos realizados pelos integrantes da ETTC convergem para o estudo da cultura baiana plasmada nos textos e rememorada na cena contemporânea pela intervenção da filologia e de outros saberes que interagem com ela.

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  • ZILBERMAN, Regina. Minha theoria das edições humanas’: Memórias póstumas de Brás Cubas e a poética de Machado de Assis. In: ZILBERMAN, Regina et al As pedras e o arco: fontes primárias, teoria e história da literatura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004. p. 17-117
  • 1
    Decreto datado de 24 de janeiro de 1946, baixado pelo presidente José Linhares que assumiu a presidência da República após o suicídio do presidente Getúlio Vargas (por 93 dias até a posse do novo presidente eleito Eurico Gaspar Dutra), que “Aprova o Regulamento do Serviço de Censura de Diversões Públicas do Departamento Federal de Segurança Pública” (Decreto N. 20.493/46BRASIL. Decreto n. 20.493, de 24 de janeiro de 1946. Aprova o Regulamento do Serviço de Censura de Diversões Públicas do Departamento Federal de Segurança Pública. Brasília, DF: Diário Oficial da União, Seção 1, p. 1456, 29 jan. 1946. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1940-1949/decreto-20493-24-janeiro-1946-329043-publicacaooriginal-1-pe.html . Acesso em: 6 mar. 2019.
    https://www2.camara.leg.br/legin/fed/dec...
    ). Consultar o Decreto, na íntegra, no site: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1940-1949/decreto-20493-24-janeiro-1946-329043-publicacaooriginal-1-pe.html.
  • 2
    Lei da Censura, datada de 21 de novembro de 1968, sancionada pelo presidente A. Costa e Silva (período de 1967 a 1969), que “Dispõe sobre a censura de obras teatrais e cinematográficas, cria o Conselho Superior de Censura, e dá outras providências” (Lei N. 5.536/68). Consultar a Lei, na íntegra, no site: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-5536-21-novembro-1968-357799-publicacaooriginal-1-pl.html.
  • 3
    Decreto-Lei, datado de 26 de janeiro de 1970, baixado pelo presidente Emílio G. Médici (período de 1969 a 1974), que “Dispõe sobre a execução do artigo 153, § 8º., parte final, da Constituição da República Federativa do Brasil”, que instituía a censura prévia à imprensa, não sendo “toleradas as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos costumes, quaisquer que sejam os meios de comunicação” (DECRETO-LEI N. 1077/70). Consultar Decreto-Lei, na íntegra, no site: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1965-1988/Del1077.htm.
  • 4
    Decreto datado de 27 de dezembro de 1971 que regulamenta a Lei nº 5.726 de 29 de outubro de 1971. Consultar Decreto no. 69.845/71, na íntegra, no site: https://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/115073/decreto-69845-71.
  • 5
    Os testemunhos são identificados por um código que contém: título da peça abreviado, ano (últimos dígitos, quando sem data, registrar “sd”), enumeração do Testemunho (T) e o acervo de proveniência (TVV=Teatro Vila Velha; EXB=Espaço Xisto Bahia; ETUFBA=Escola de Teatro da UFBA; DCDP-AN=Divisão de Censura de Diversões Públicas-Arquivo Nacional); FCJA=Fundação Casa de Jorge Amado, AP=Arquivo Pessoal, onde se acha depositado o documento, ficando assim: QBA72T4 (EXB), por exemplo.

Editado por

Editor-chefe:

Rachel Esteves Lima

Editor executivo:

Regina Zilberman

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    07 Dez 2021
  • Aceito
    11 Jan 2022
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