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Os arquivos, as ideias assentes e o elogio da desconfiança

Archives, established ideas and the praise of distrust

RESUMO

Este artigo tem por objetivo apresentar e discutir os abalos que a pesquisa em fontes primárias pode causar em ideias assentes no campo das Letras, retomando investigações que realizei em diferentes épocas, sempre sustentadas no trabalho em arquivos. Para tanto, o texto será subdivido em três partes, em que comentarei três asserções tidas como fatos antes de que fossem confrontadas com documentos e dados históricos. A primeira delas é a que afirma ser a literatura de folhetos nordestina uma adaptação local do cordel português. A segunda alega ter sido precária ou quase nula a cultura letrada no Brasil no período colonial. E a terceira assevera que a história literária se desenvolve no interior de territórios nacionais, sendo autor e obra seus elementos centrais.

PALAVRAS-CHAVE:
história da literatura; circulação internacional de impressos; cultura letrada; literatura de folhetos nordestina; literatura de cordel portuguesa

ABSTRACT:

This article's aim is to present and discuss what changes the research in primary sources can produce in traditional ideas rooted in the field of Letters. It will resume investigations that I carried out at different times, always supported by researching in archives. The text will be subdivided into three parts, in which I will comment on three assertions taken as facts before they were confronted with documents and historical data. The first of them is the one that claims Portuguese "literatura de cordel" is the source from which derives the "literatura de folhetos" from the Northeastern part of Brazil. The second states that literate culture in the colonial period was precarious or almost null in Brazil. And the third asserts that the history of literature develops itself within national borders, and should have authors and texts as its central elements.

KEYWORDS:
history of literature; international circulation of printed matter; literate culture; Northeastern “literatura de folhetos”; Portuguese “literature de cordel”

A área de Letras tende a concentrar seus esforços de pesquisa sobre alguns autores canônicos e seus textos, valorizando a interpretação como contribuição maior para o conhecimento. As pesquisas em fontes primárias são menos numerosas, mas podem abalar velhas certezas e abrir novos caminhos de investigação. Foi o que aconteceu em alguns momentos da minha trajetória, em que o contato com dados e documentos históricos conservados em arquivos e acervos sacudiu antigas convicções e abriu novos rumos de investigação.

Vou discutir três dessas proposições e mostrar como elas se fragilizam quando confrontadas com documentos históricos. A primeira delas sustenta que a literatura de folhetos nordestina é fruto de uma adaptação local do cordel português. A segunda alega ter sido precária ou quase nula a cultura letrada no Brasil no período colonial. E a terceira assevera que a história da literatura é algo que ocorre dentro das fronteiras de territórios nacionais, sendo autor e obra seus elementos centrais.

As raízes lusas da literatura de cordel

Uma das velhas certezas presentes nos estudos literários afirma ser a literatura de folhetos nordestina uma adaptação local do cordel português que aqui teria chegado com os colonizadores. Afirmação muitas vezes repetida sem que se apresentem dados, argumentos e exemplos que a afastem do terreno das convicções infundadas. Mesmo assim, poucos dela desconfiaram uma vez que a ideia se assentava comodamente num modo de pensar segundo o qual a cultura letrada seria algo transplantado para o Brasil junto com plantas, pessoas e animais, tendo aqui se modificado pelo contato com novos terrenos, climas e grupos humanos. A proposição caminha de mãos dadas com um pensamento marcado pelos conceitos de influência e dependência, que faz com que se acredite que o polo produtor de cultura é a Europa, cabendo à América o papel de receptor mais ou menos passivo, ao qual cabe, na melhor hipótese, modificar o que foi para aqui transplantado.

A origem lusa da literatura de folhetos nordestina parece fazer sentido no interior desse quadro teórico e eu mesma nela acreditei por um algum tempo. Entretanto, o contato com o material conservado no acervo da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, começou a minar as bases dessas convicções. A instituição detém 793 folhetos e papéis avulsos, impressos e manuscritos, produzidos entre 1692 e 1886, provenientes de alguns acervos particulares, com destaque para a coleção composta pelo escritor e bibliógrafo Albino Forjaz de Sampaio, que reuniu 553 peças. Outros contemporâneos contribuíram com coleções menores, todas incorporadas ao acervo da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, sob o nome de “Literatura de Cordel” (FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN, 1970FUNDAÇÃO Calouste Gulbenkian. Catálogos - Literatura de cordel. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1970. 178 p.).

Em um tempo em que não havia internet e muito menos busca de dados por palavra, o acesso a um catálogo bibliográfico abria um mundo novo e um rol de problemas.

O núcleo coligido por Albino Forjaz de Sampaio1 1 O escritor e bibliófilo Albino Forjaz de Sampaio publicou um catálogo de sua coleção, precedido de um breve estudo (SAMPAIO, 1922). era composto por peças teatrais, com destaque para temas religiosos, e especial predileção pela vida dos santos. Seus autores pouco ou nada tinham de popular: eram militares como Gastão Fausto da Câmara Coutinho, tipógrafos como Fernando Lucas Alvim, advogados como José Antonio Cardoso de Castro, professores como José Joaquim Bordalo, médicos como Nuno José Coimbra, e até mesmo padres, como Rodrigo Antônio de Almeida. (SAMPAIO, 1922PENTEADO, Pedro (org.). Real Mesa Censória: catálogo. Lisboa: Arquivo Nacional da Torre do Tombo - Divisão de Tratamento Técnico Documental e Aquisições, 2019. 100 p. Disponível em: https://antt.dglab.gov.pt/wp-content/uploads/sites/17/2008/09/ID-L-750-PT-TT-RMC-2019-v01.pdf . Acesso em: 20 jan. 2022.
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, p. 9).

Tampouco se poderia chamar de populares os tipógrafos que deram à luz esses folhetos, pois entre eles estavam Pedro Ferreira, “impressor da Augustíssima Rainha N. S.” e também Antônio Rodrigues Galhardo, “Impressor do Eminentíssimo Senhor Cardeal Patriarca”, além de Simão Thaddeo Ferreira, um dos mais destacados tipógrafos do século XVIII, de cujas oficinas saíram obras como Arte poética da Q. Horacio Flacco.

Sequer a venda dos livretos ocorria exclusivamente em locais que poderiam ser considerados populares. Conforme esclarece Forjaz de Sampaio, ela poderia ocorrer em locais públicos, de circulação ampla, mas também nas próprias tipografias em que os folhetos eram impressos (SAMPAIO, 1922PENTEADO, Pedro (org.). Real Mesa Censória: catálogo. Lisboa: Arquivo Nacional da Torre do Tombo - Divisão de Tratamento Técnico Documental e Aquisições, 2019. 100 p. Disponível em: https://antt.dglab.gov.pt/wp-content/uploads/sites/17/2008/09/ID-L-750-PT-TT-RMC-2019-v01.pdf . Acesso em: 20 jan. 2022.
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, p. 17) assim como em livrarias bem estabelecidas, como de Antonio Marques da Silva, na Rua Augusta n.º 2, onde se vendiam, por exemplo, obras de vulto como a Constituição politica da monarchia portuguesa.

Outra complicação era o fato de haver muita tradução no conjunto de folhetos que compõem o acervo da Fundação Calouste Gulbenkian, na qual se encontram versões de originais alemães, italianos, espanhóis, franceses e ingleses. Entre as peças recolhidas por Forjaz de Sampaio, 23 são de Metastasio e 15, de Goldoni; há 9 de Molière, 5 de Voltaire e 2 de Corneille. É difícil conceber que uma produção popular portuguesa se valesse com tal intensidade de composições escritas por renomados autores dramáticos dos séculos XVII e XVIII. Havia, ainda, uma infinidade de tragédias, comédias, e entremezes compostos em Portugal. A venda dos folhetos acompanhava as encenações, feitas no Teatro do Bairro Alto, no Teatro da Rua dos Condes e no Teatro do Salitre, podendo ter função semelhante à dos libretos de ópera ao permitir o acompanhamento da encenação. Podiam também ser sucedâneos a ela, possibilitando o conhecimento do texto àqueles que não podiam estar presentes às encenações (ou queriam delas se recordar).

No acervo da Fundação Calouste Gulbenkian há majoritariamente dramaturgia, tendo em vista o fato de ele ter sido constituído por meio da aquisição de coleções particulares, formadas segundo o gosto ou os interesses dos colecionadores. Esse é um limite dos acervos - e não apenas deste - que pode levar o pesquisador a equívocos como o de imaginar que a coleção que tem diante dos olhos é representativa (no sentido estatístico do termo) do universo estudado. Pensar que o núcleo principal da chamada literatura de cordel portuguesa é a dramaturgia seria um erro. Mas, de qualquer forma, a abundância de folhetos contendo roteiros teatrais coloca um problema importante para a filiação da literatura de folhetos nordestina à produção portuguesa uma vez que inexistem folhetos dessa natureza produzidos no Brasil.

A questão pode ser mais bem examinada em dois outros acervos de literatura de cordel existentes em Lisboa, por serem mais diversificados do ponto de vista das formas e temas: o da Biblioteca da Ajuda e o da Biblioteca Nacional de Portugal.

A Biblioteca da Ajuda, uma das mais antigas de Portugal, conserva mais de 19 mil itens manuscritos e impressos, em diferentes coleções, uma das quais é destinada a “folhetos” e contém cerca de 9.000 itens portugueses e estrangeiros, dos séculos XVI ao XX. Sem que se tenham feito agrupamentos por tipos de folhetos ou procedido à elaboração de catálogos, os livretos que fazem parte da literatura de cordel não são facilmente identificáveis.2 2 Parte dos folhetos encontra-se catalogada e os dados bibliográficos disponibilizados em: http://bibliotecas.patrimoniocultural.pt/Opac/Pages/Search/SimpleSearch.aspx. A mesma dificuldade se encontra na Biblioteca Nacional, que detém o maior acervo existente no país, superando os 3 milhões de documentos, e onde estão guardadas algumas dezenas de folhetos de cordel não agrupados em coleção. A pequena presença de exemplares desse tipo de publicação nos maiores acervos lusos é significativa. Incunábulos impressos em pouquíssimos exemplares, por exemplo, têm mais chances de serem preservados do que livretos baratos produzidos aos milhares em período recente. O desprestígio dessas publicações, advindo da precariedade de sua forma material e de sua destinação a amplos públicos, pode levá-las ao desaparecimento tendo em vista sua reduzida presença em arquivos e bibliotecas. Isso compromete a realização de pesquisas, como é evidente, e dificulta sobremaneira a compreensão da cultura letrada lusa não erudita.

Felizmente, o material conservado nessas instituições é suficiente para fazer avançar a discussão sobre as relações entre os folhetos portugueses e brasileiros, pois ali se conservam impressos, designados como cordel, que dão a ler narrativas em prosa, receitas culinárias, letras de fado, rezas, antologias poéticas etc. A enumeração é mais saborosa nas palavras do professor Arnaldo Saraiva, pesquisador e colecionador de literatura de cordel em Portugal. Em 2006SARAIVA, Arnaldo. Folhetos de cordel e outros da minha colecção: catálogo. Colaboração de Isabel Ventura et al. Porto: Biblioteca Municipal Almeida Garrett, 2006. 174 p, ele publicou Folhetos de cordel e outros da minha colecção, um catálogo em que arrola 499 folhetos e 61 folhas volantes, publicadas entre 1602 e 1982, composto por

Poesia, narrativa, teatro, crítica…; autos, dramas, tragédias, farsas, entremezes, monólogos, desafios, comédias, sátiras, invectivas, paródias, anedotas, cartas, crónicas, biografias, histórias, contos, moralidades, dissertações, elogios, exemplos, testamentos, orações, oráculos, hinos, canções, elegias, fados, décimas, odes, coplas, aventuras, paixões, sonhos, viagens, suspiros, sucessos, confissões, velhos e novos, príncipes, bandidos, soldados, namorados, clérigos, criados, deputados, fanfarrões, fantasmas, Adão e Eva, S. João e S. Pedro, Paulo e Virgínia, Manuel e Maria, Imperatriz Porcina, Carlos Magno, Bertoldo, a Padeira de Aljubarrota, Donzela Teodora, Magalona, João de Calais, Bocage, José do Telhado, Deus e o Diabo... (SARAIVA, 2006SARAIVA, Arnaldo. Folhetos de cordel e outros da minha colecção: catálogo. Colaboração de Isabel Ventura et al. Porto: Biblioteca Municipal Almeida Garrett, 2006. 174 p, p. 7).

A leitura de parte desse material deixa evidente a completa falta de coerência temática ou formal da chamada literatura de cordel portuguesa, que acolhe das receitas culinárias às elegias, das tragédias aos hinos, da prosa à poesia. Não há qualquer semelhança entre isso e a literatura de folhetos nordestina, exceto por seu suporte material: livretos de pequeno formato, impressos em papel barato.

Os folhetos nordestinos caracterizam-se por formas poéticas específicas, desde o final do século XIX, quando começaram a sair dos prelos de tipografias de Pernambuco e da Paraíba. Se a profusão de temas pode ser tão ou mais vasta do que a presente em Portugal, a forma textual é bem definida e bastante restrita. Os folhetos nordestinos não acolhem textos em prosa e sequer recebem qualquer tipo de poesia. Eles são compostos predominantemente em sextilhas com versos de sete sílabas poéticas, com rimas nos versos pares. Aceitam-se também as setilhas, em versos heptassílabos, com uma rima no segundo, quarto e sétimo versos e outra no quinto e sexto versos. Fortemente conectados à oralidade, os folhetos podem reproduzir pelejas e desafios, em que há uma gama maior de formas codificadas, mas sempre dentro dos limites da poesia.

Pouco ou nada se saberia sobre o início dessas publicações, para além de vagas especulações sobre origens, se não houvesse acervos como o da Fundação Casa de Rui BarbosaFUNDAÇÃO Casa de Rui Barbosa.Literatura popular em verso: antologia. Autoria atribuída a Leandro Gomes de Barros. Rio de Janeiro: MEC; Fundação Casa de Rui Barbosa, 1976. t. 2.. Folhetos, impressos em papel barato, com apenas uma ou duas folhas dobradas (para formar livretos com 8 ou 16 páginas - e, mais raramente 32 ou 64), com capas frágeis. Tais folhetos danificam-se com facilidade e simplesmente desaparecem. Felizmente, o Centro de Pesquisas da Casa de Rui Barbosa iniciou, na década de 1960, um processo de compilação e organização de folhetos, criando um acervo corretamente denominado Literatura Popular em Verso - e não “literatura de cordel”, terminologia desconhecida no Nordeste.

Tendo em vista a fragilidade dos suportes e a raridade dos folhetos mais antigos, o papel da Fundação na preservação, restauração e disponibilização do material foi essencial para o conhecimento dos livretos e de seus autores, editores e vendedores.3 3 Os processos de restauração e conservação dos folhetos são apresentados em http://antigo.casaruibarbosa.gov.br/cordel/apresentacao.html Atualmente, o acervo conserva um dos maiores conjuntos de publicações desse tipo, contando com nove mil exemplares, dentre os quais algo como 400 títulos atribuídos a Leandro Gomes de Barros, o mais antigo autor de folhetos que se conhece.4 4 Cf. http://antigo.casaruibarbosa.gov.br/cordel/apresentacao.html e http://antigo.casaruibarbosa.gov.br/interna.php?ID_S=99&ID_M=171

Além de garantir a conservação física dos impressos, a Fundação deu a conhecer esse raro material por meio da publicação de um Catálogo (FUNDAÇÃO CASA DE RUI BARBOSA, 1961FUNDAÇÃO Casa de Rui Barbosa.Literatura popular em verso: catálogo. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura; Casa de Rui Barbosa, 1961. ), contendo indicações bibliográficas de mil folhetos, recolocou em circulação exemplares antigos com a publicação de Literatura popular em verso: antologia, em cinco tomos (FUNDAÇÃO CASA DE RUI BARBOSA, 1964FUNDAÇÃO Casa de Rui Barbosa.Literatura popular em verso: antologia. Seleção, introdução e comentários Manoel Cavalcanti Proença. Rio de Janeiro: MEC; Fundação Casa de Rui Barbosa, 1964. t. 1. - 1983FUNDAÇÃO Casa de Rui Barbosa. O cordel e os desmantelos do mundo: literatura popular em verso. Organizado por Orígenes Lessa e Vera Lúcia de Luna e Silva. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1983. 304 p.) e deu à luz um volume de Estudos (FUNDAÇÃO CASA DE RUI BARBOSA, 1973FUNDAÇÃO Casa de Rui Barbosa. O cordel e os desmantelos do mundo: literatura popular em verso. Organizado por Orígenes Lessa e Vera Lúcia de Luna e Silva. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1983. 304 p.).

Entretanto, o contato direto com o material recolhido e preservado pela Casa de Rui Barbosa não foi suficiente para abalar velhas convicções sobre as relações culturais entre o Brasil e sua antiga metrópole. Assim é que o primeiro trabalho publicado no volume Estudos, “Ciclos temáticos na literatura de cordel”, elaborado por Manuel Diégues Júnior, principia com o costumeiro item sobre a procedência europeia, apresentada nos dois primeiros subitens de seu texto: “A literatura oral tradicional e sua tradição ibérica” e “As origens lusas”. (DIÉGUES JÚNIOR, 1973DIÉGUES JÚNIOR, Manuel. Ciclos temáticos na literatura de cordel. In: Literatura Popular em Verso - Estudos. Tomo I. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura. Fundação Casa de Rui Barbosa, 1973. 468 p., p. 5-13).

O estudo principia afirmando que “o nome literatura de cordel vem de Portugal e, como todos sabem, pelo fato de serem os folhetos presos por um pequeno cordel ou barbante” (DIÉGUES JÚNIOR, 1973DIÉGUES JÚNIOR, Manuel. Ciclos temáticos na literatura de cordel. In: Literatura Popular em Verso - Estudos. Tomo I. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura. Fundação Casa de Rui Barbosa, 1973. 468 p., p. 5). É bem verdade que o nome veio de Portugal, mas ele jamais foi utilizado pelos poetas, vendedores, editores e leitores nordestinos, que designavam as composições como folheto ou literatura de folheto, e elas tampouco eram penduradas em barbantes e sim expostas em malas ou caixas. O termo “literatura de cordel” começou a ser empregado por estudiosos brasileiros, a partir de meados do século XX, em função de sua convicção de que aquilo se produzia em Portugal era o mesmo que se fazia aqui. Portanto, a situação é exatamente o contrário do que afirma o autor ao dizer que “o próprio nome que a consagrou entre nós também é usual em Portugal” (DIÉGUES JÚNIOR, 1973, p. 7)

Diégues Júnior prossegue sua apresentação, afirmando que “a presença da literatura de cordel no Nordeste tem raízes lusitanas; veio-nos com o romanceiro peninsular, e possivelmente começam esses romances a ser divulgados entre nós (...) trazidos pelos colonos em suas bagagens” (Diégues Júnior, 1973, p.5 - grifo meu) “Tudo isso, evidentemente e como seria natural, se transladou, com o colono português, para o Brasil; nas naus colonizadoras, com os lavradores, os artífices, a gente do povo, veio naturalmente esta tradição de romanceiro, que se fixaria no Nordeste como literatura de cordel” (DIÉGUES JÚNIOR, 1973DIÉGUES JÚNIOR, Manuel. Ciclos temáticos na literatura de cordel. In: Literatura Popular em Verso - Estudos. Tomo I. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura. Fundação Casa de Rui Barbosa, 1973. 468 p., p. 9-10 - grifo meu).

O autor não apresenta uma fonte ou um documento que sustente suas afirmações, valendo-se apenas do advérbio possivelmente para introduzir uma ideia que, em seguida, é exposta como evidente e natural. Além disso, mistura as composições orais - coligidas a partir do meado do século XIX como romanceiro tradicional - com uma forma editorial destinada à produção de livretos baratos - a literatura de cordel portuguesa.

Fiel à ideia de que a cultura brasileira seria fruto de uma mistura entre povos, invoca uma difusa contribuição africana para explicar as origens da literatura nordestina. “Essa influência, de origem lusitana, (...) não foi única (...) se encontrou com uma outra forma cultural muito semelhante: a de origem africana.” (Diégues Júnior, 1973, p. 11). “Não é de estranhar, pois, que, encontrando-se com a tradição lusitana, a africana a ela se fundisse; absorveram-se, reformularam-se, para dar surgimento aos nossos cantadores” (DIÉGUES JÚNIOR, 1973DIÉGUES JÚNIOR, Manuel. Ciclos temáticos na literatura de cordel. In: Literatura Popular em Verso - Estudos. Tomo I. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura. Fundação Casa de Rui Barbosa, 1973. 468 p., p. 12 - grifos meus).

Ainda sem qualquer confirmação documental, o autor repete ideias que circulavam desde o início do século XIX, em obras como a de Ferdinand Denis (Résumé de l'histoire littéraire du Portugal, suivi du résumé de l'histoire littéraire du Brésil, 1826DENIS, Ferdinand. Résumé de l'histoire littéraire du Portugal, suivi du résumé de l'histoire littéraire du Brésil. Paris: Lecointe et Durey, 1826. 600 p.) ou a de Von Martius (“Como se deve escrever a história do Brasil”, 1844MARTIUS, Karl Friedrich Philipp von. Como se deve escrever a história do Brasil. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, t. 6, p. 381-403, 1844.), que explicavam a história e a literatura brasileiras na chave da mescla de três “raças”: branca, negra e indígena. Nem é preciso comentar o equívoco da ideia de “raça” e tampouco a indevida homogeneização de diversas culturas e etnias sob esses rótulos. Diégues nada diz sobre alguma contribuição indígena e a africana é minimizada, em frase um tanto tortuosa: “Se não se pode incluir [a tradição africana] como fonte subsidiária de nossa literatura de cordel, não se pode, por outro lado, excluir de referência” (Diégues Júnior, 1973DIÉGUES JÚNIOR, Manuel. Ciclos temáticos na literatura de cordel. In: Literatura Popular em Verso - Estudos. Tomo I. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura. Fundação Casa de Rui Barbosa, 1973. 468 p., p. 12). E conclui: a literatura de cordel “é uma das heranças que devemos, o Brasil a Portugal” (DIÉGUES JÚNIOR, 1973DIÉGUES JÚNIOR, Manuel. Ciclos temáticos na literatura de cordel. In: Literatura Popular em Verso - Estudos. Tomo I. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura. Fundação Casa de Rui Barbosa, 1973. 468 p., p. 9)

O que explicaria esse conjunto de equívocos, que se repetem de maneira mais ou menos inalterada desde meados do século passado?

Diégues Júnior informa que se valeu da leitura do volume 1 da Antologia publicada pela Casa de Rui Barbosa, de sua própria coleção assim como da de amigos como Cavalcanti Proença. Mas nada diz sobre a leitura de um único folheto de cordel português, o que é compreensível, pois, naquele início da década de 1970, eles não estavam disponíveis em acervos, arquivos ou bibliotecas brasileiras. Ele conhecia bem os folhetos nordestinos e os contrastou com livretos publicados no sudeste do Brasil em meados do século XX para refutar qualquer aproximação entre eles. Comentando um folheto publicado possivelmente no Rio de Janeiro, em 1945, escreve:

bastante diferente da literatura de cordel nordestina, onde predominam as sextilhas, às vezes completadas com martelos ou outros gêneros de cantoria, este testamento de Getúlio Vargas é todo em quadras. Já esta apresentação indica sua ausência ao padrão tradicional da literatura de cordel (...) Este, no Nordeste, tem sua característica própria, tornando-o, assim, inconfundível e de fácil identificação.” (DIÉGUES JÚNIOR, p. 14).

Se o autor tivesse tido contato com ao menos um cordel português em prosa, em forma de elegia ou de peça teatral, ou sequer com um cordel português com receitas culinárias ou letras de fado, ele jamais afirmaria a filiação dos folhetos nordestinos - cuja forma poética ele tão bem descreveu - à literatura lusitana. Mas não havia livretos da literatura de cordel portuguesa disponíveis para consulta no Brasil. Assim, ele ancorou suas afirmações em convicções colonialistas sobre a cultura, suas formas de produção e difusão, e não na consulta às fontes primárias que, certamente, minariam essas convicções.

A repetição das mesmas afirmações infundadas, que permanece em diversos trabalhos atuais, é menos compreensível nos dias de hoje em que a rede mundial de computadores facilitou o acesso a dados e documentos digitalizados.5 5 Os livretos de literatura de cordel lusitana não são facilmente acessíveis on-line, mas os títulos podem ser consultados nos sites Fundação Calouste Gulbenkian, da Biblioteca da Ajuda e da Biblioteca Nacional de Portugal. Há, entretanto, exemplares dispersos disponíveis para leitura na rede mundial de computadores. Ver, por exemplo, arquivos conservados pela Biblioteca Digital Luso-brasileira https://bdlb.bn.gov.br/acervo/handle/20.500.12156.3/291154. Exemplares da literatura de folhetos nordestina produzida até meados do século XX podem ser lidos em https://docvirt.com/docreader.net/docreader.aspx?bib=CordelFCRB&pasta&pagfis=54242. Informações sobre o acervo da Fundação Casa de Rui Barbosa encontram-se em http://antigo.casaruibarbosa.gov.br/cordel/acervo.html. A Biblioteca São Clemente disponibiliza arquivos digitais das antologias, catálogo e volume de estudos produzidos pela Fundação Casa de Rui Barbosa: http://docvirt.com/docreader.net/DocReader.aspx?bib=BibObPub&pagfis=3149 . Há muita informação também no Portal do Cordel, mantido pela USP em https://usp.br/portaldocordel/index.php?s=cordel Entretanto, uma perspectiva colonizada parece resistir tendo se enraizado no senso comum.6 6 Um estudo detalhado sobre a literatura de cordel portuguesa e sobre os folhetos nordestinos está em Abreu, 1999.

A precária cultura letrada no Brasil colonial

Outra ideia corrente nos estudos literários afirma que cultura letrada se estabeleceu tardia e debilmente no Brasil.

Esta avaliação foi formulada, inicialmente, por viajantes europeus que começaram a circular pelo país a partir da abertura dos portos em 1808. Vinham, evidentemente, cheios de concepções sobre como deveria ser a vida, plasmadas em suas regiões de origem, e avaliavam o que encontravam no Brasil com paradigmas forjados no Velho Mundo. Sua referência era a Europa, lugar de onde haviam saído e com o qual continuavam dialogando ao longo de toda a viagem. Alguns abraçavam o exotismo, rejeitando o Velho e valorizando o Novo Mundo; outros reforçavam o eurocentrismo, julgando inferiores os elementos com que tinham contato. No caso da cultura letrada, entretanto, irmanavam-se na avaliação negativa, alardeando ausências, precariedades e mostras de ignorância. Medidos com régua e esquadro europeus (mais especificamente franceses e ingleses), os elementos da cultura letrada brasileiros eram necessariamente pouco expressivos.7 7 Para um detalhamento dessa discussão ver Abreu, 2006.

A publicação de traduções dessas obras a partir da década de 1930, fez com que suas opiniões se transformassem em referências. Com a intenção de promover o conhecimento sobre o país, grandes editoras lançaram coleções de livros sobre o Brasil, dentro das quais os escritos de viajantes tiveram não pequeno papel. Eles comparecem em duas das mais importantes coleções editadas entre 1930 e 1950: a “Brasiliana”, mantida pela Companhia Editora Nacional a partir de 1931, e a “Biblioteca Histórica Brasileira”, produzida a partir de 1940 pela Livraria Martins Editora. Eles retornam na década de 1970 na coleção “Reconquista do Brasil”, publicada pela editora Itatiaia em parceria com a Edusp. Essa última coleção, que se subdividiu em séries, reservou 80% do espaço da primeira delas à publicação de traduções de obras de viajantes que estiveram no Brasil no século XIX. (RODRIGUES, 2012RODRIGUES, Cristina Carneiro. Brasiliana e Reconquista do Brasil: projetos editoriais de traduções. Revista Letras, Curitiba, n. 85, p. 219-230, jan./jun. 2012. Disponível em Disponível em http://hdl.handle.net/11449/122317 . Acesso em: 21 jan. 2022.
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, p. 222).

Criadas e desenvolvidas no bojo de projetos nacionalistas, interessadas em difundir “um conhecimento da vida e dos reais problemas do Brasil de forma a assegurar a formação de uma consciência nacional” (DUTRA, 2006DUTRA, Eliana. A nação nos livros: a biblioteca ideal na coleção Brasiliana. In: DUTRA, Eliana; MOLLIER, Jean-Yves. Política, nação e edição. São Paulo: Annablume, 2006. p. 299-314., p. 314), as coleções publicaram obras de intelectuais brasileiros de destaque, lado a lado com relatos de viajantes que manifestavam suas opiniões sobre o (pouco) que tinham visto e compreendido do Brasil nas (curtas) temporadas que aqui tinham passado.

Convertendo opinião em fato, pesquisadores brasileiros repetiram citações de viajantes e difundiram o discurso da debilidade letrada, que passou a fazer parte da “consciência nacional”.

Meu trabalho sobre a literatura de folhetos fez com que eu desconfiasse dessas ideias desde a primeira vez que com elas tive contato. Afinal, como poderia haver uma produção literária destinada a públicos amplos, com milhares de títulos, impressa em milhões de exemplares desde o final do século XIX em um lugar onde “ninguém lê”? Mais uma vez, a reposta à desconfiança estava na pesquisa em fontes primárias e, novamente, em Portugal.

O Arquivo Nacional da Torre do Tombo, o mais antigo e maior arquivo português, guarda, desde 1378, documentos da administração pública, de conventos, de particulares, da diplomacia entre outros. Não fosse o trabalho de descrição do material e de estabelecimento de índices, seria apenas um depósito impenetrável de papeis. Mas, felizmente, existem arquivistas que se encarregaram de sua organização e apresentação, tornando possível o trabalho de investigação. Em um dos catálogos organizados pela instituição há uma indicação preciosa que abre toda uma nova forma de entender a presença de livros no Brasil colônia: “Controlo dos livros em circulação”. Sob esse título, no fundo designado como “Real Mesa Censória”, (PENTEADO, 2019PENTEADO, Pedro (org.). Real Mesa Censória: catálogo. Lisboa: Arquivo Nacional da Torre do Tombo - Divisão de Tratamento Técnico Documental e Aquisições, 2019. 100 p. Disponível em: https://antt.dglab.gov.pt/wp-content/uploads/sites/17/2008/09/ID-L-750-PT-TT-RMC-2019-v01.pdf . Acesso em: 20 jan. 2022.
https://antt.dglab.gov.pt/wp-content/upl...
) encontram-se documentos relativos à vigilância do trânsito de impressos, inclusive para os chamados “territórios ultramarinos”.8 8 “Controlo dos livros em circulação”. Datas de produção: 1768 - 1826. 42 caixas. Cf https://antt.dglab.gov.pt/wp-content/uploads/sites/17/2008/09/ID-L-750-PT-TT-RMC-2019-v01.pdf

A fiscalização sobre os livros é quase tão antiga quanto a possibilidade de imprimi-los,9 9 A Bíblia de Mogúncia, publicada em 1462, por Johann Gutenberg, deu início à produção de livros impressos no Ocidente. Após menos de 100 anos, foi promulgado o primeiro Index Librorum Prohibitorum em 1559. por isso não é de estranhar que a coroa portuguesa se preocupasse em saber que publicações entravam no reino, dele saíam ou nele transitavam. Com essa - e muitas outras - funções foi criada a Real Mesa Censória, em 1768, com o objetivo de colocar nas mãos do Estado a fiscalização das obras que se pretendessem publicar, vender, introduzir no reino ou colocar em circulação - poder que antes era compartilhado pelo Desembargo do Paço com duas instituições religiosas, o Santo Ofício e o Ordinário. Ao longo do tempo, houve modificações nas instituições encarregadas da vigilância aos impressos, que passou a estar a cargo da Real Comissão Geral sobre o Exame e Censura de Livros, entre 1787 e 1794, voltando à censura tríplice, compartilhada pelo Desembargo do Paço, Santo Ofício e Ordinário, entre 1794 e 1821.10 10 Para um detalhamento sobre o funcionamento da censura em Portugal e no Brasil, ver Abreu, 2009. Mas, durante todo esse período, os procedimentos de “controlo dos livros em circulação” permaneceram inalterados.

Quem desejasse movimentar livros de um lugar para outro, mesmo que entre cidades dentro de Portugal, deveria submeter um pedido à instituição responsável pela censura naquele momento, informando seu nome, a localidade para onde queria enviar as publicações e anexando uma lista com títulos. Particulares e livreiros estavam sujeitos às mesmas obrigações; por isso chama a atenção o fato de não haver muitas solicitações para movimentação de livros entre cidades portuguesas. Para o transporte de obras entre Lisboa e Coimbra, por exemplo, há apenas 32 autorizações em mais de 50 anos. Tampouco era expressivo o movimento de impressos entre Lisboa e as colônias africanas e asiáticas: conservaram-se apenas 69 pedidos de autorização para envio de livros para Goa e 43 para Macau; somente 7 para Angola e 5 para Moçambique, por exemplo.

Mas o movimento de livros em direção à América era muito mais intenso. Os arquivos guardam em torno de 2.600 solicitações apresentadas aos organismos de censura para remetê-los ao Brasil. O fato de haver censura poderia carrear água para o moinho da ideia de que a vida cultural letrada era débil, tendo em vista o controle imposto pelo poder metropolitano. Entretanto, não foi o que os documentos revelaram, uma vez que a quase totalidade dos livros recebeu autorização para circular - afinal, os títulos proibidos eram de conhecimento público e deslocavam-se clandestinamente, o que indica que as mais de duas mil solicitações dizem respeito a apenas parte do que deve ter transitado.

Com todas as autorizações necessárias, foram remetidos livros de Lisboa para Pernambuco, Pará, Maranhão, Bahia e Rio de Janeiro, mantendo os leitores que viviam na colônia em conexão com a produção letrada europeia de seu tempo. A quantidade de obras enviada é dificilmente calculável, já que em cada solicitação poderia haver dezenas de títulos e cada um deles poderia ser enviado em centenas de exemplares, havendo, por exemplo, pedidos para mandar ao Rio de Janeiro “1.355 comedias, excertos, entremezes, egloglas”11 11 Pedido submetido por Luiz Caetano Barboza em 1800. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Fundo Real Mesa Censória, Caixa 153. ou para remeter “120 exemplares das Eglogas feitas a par por Antonio Joaquim de Carvalho”.12 12 Pedido submetido por Luiz Gomes em 1802. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Fundo Real Mesa Censória, Caixa 153. Assim, a ideia de que a interdição ao funcionamento de tipografias no Brasil, suspendido apenas em 1808, era indício da impossibilidade de vida cultural letrada cai por terra, já que os moradores do Brasil recorriam fartamente à produção editorial europeia por meio da encomenda de livros em Lisboa.

A partir da transferência da Família Real, tornou-se possível comprar obras publicadas pela Impressão Régia do Rio de Janeiro, mas o transporte de livros da Europa só fez crescer e ampliar-se. O sistema de controle permaneceu, com a possibilidade de se obter autorização tanto em Lisboa quanto na Mesa do Desembargo do Paço no Rio de Janeiro, cidade que se tornou a capital do Império Ultramarino Português.

Parte das informações sobre a circulação de livros no chamado período joanino teria se perdido não fosse a existência de outra instituição encarregada da guarda, conservação e divulgação de documentos: o Arquivo Nacional, instalado no Rio de Janeiro. Sua criação foi prevista na Constituição de 1824, mas ele só foi efetivamente instalado em 1838, no contexto de formação do Estado Nacional. A instituição conserva documentos oriundos do poder público, de instituições religiosas bem como de indivíduos e de entidades privadas que tenham interesse público. Seu acervo contém material produzido desde o século XVI, procedente da capitania do Rio de Janeiro e do Vice-Reinado.13 13 Para uma apresentação sucinta sobre a história do arquivo, ver “Diretório Brasil de Arquivos, Arquivo Nacional”. Disponível em http://dibrarq.arquivonacional.gov.br/index.php/arquivo-nacional-brasil-sede. No fundo Mesa do Desembargo do Paço conservam-se documentos diversos - das “solicitações de licenças para pedir esmolas” a avisos, decretos e portarias sobre a “Instrução pública” - relativos ao período 1799 a 1834, entre os quais os pedidos de autorização para liberação de livros na alfândega.14 14 Para uma descrição do fundo, ver “Guia de Fontes”, Arquivo Nacional, Mesa do Desembargo do Paço. Disponível em http://guia.an.gov.br/Lista_multinivel_servico

Da mesma forma que acontecia em Portugal, livreiros e particulares submeteram pedidos à Mesa para liberar a entrada de livros no Brasil. Com a abertura dos portos, passou a ser viável importar publicações de outras localidades além de Lisboa, e surgiram pedidos para trazer livros vindos da França e da Inglaterra, mas também de lugares menos previsíveis como Calcutá ou Havana. O sistema era o mesmo, portanto verificava-se apenas a legalidade dos títulos e não a quantidade de exemplares transportados, o que não impedia alguns de declarar, por exemplo, que pretendiam liberar na “Alfândega doze dúzias de Cartilhas e doze dúzias de Horas Marianas vindas da Cidade do Porto”15 15 Pedido apresentado por Antonio Roiz dos Santos e Companhia, em 1817. Arquivo Nacional, Mesa do Desembargo do Paço, caixa 818 (antiga 168). ou 200 “exemplares da Iphigenia traduzida de Racine”.16 16 Pedido apresentado por Manoel Joaquim da Silva Porto, em 1816. Arquivo Nacional, Mesa do Desembargo do Paço, caixa 819 (antiga 169).

A documentação produzida pelos órgãos de censura instalados em Lisboa e no Rio de Janeiro mostra claramente a presença de livros no Brasil, além de indicar a existência de um bem estabelecido comércio de impressos, uma vez que grande parte das solicitações era apresentada por livreiros. Revela, também, formas de colaboração entre pessoas dos dois lados do Atlântico, pois, em muitos casos, particulares se encarregavam dos pedidos e das remessas. Todos eles se submetiam às formalidades estabelecidas pela Coroa para ter contato com produções impressas, fossem elas obras eruditas e caras, como as Oeuvres completes de Condillac, fossem elas meros livros de passatempo e jogos.17 17 Carlos Robillard mandou remeter de Paris, as Oeuvres de Condillac, “para seu próprio uso”, junto com 93 outros títulos de Belas Letras recebidos no Rio de Janeiro em 1820. O negociante Domingos Joze de Araujo Basto enviou do Rio de Janeiro para “a cidade de Porto Alegre da Capitania do Rio Grande do Sul” 70 títulos em vários exemplares entre os quais Passatempo Honesto, e Familiar, ou Collecção de quarenta e outo jogos geralmente conhecidos pela denominação de jogos de prendas. Arquivo Nacional, Mesa do Desembargo do Paço, caixa 819 (antiga 169).

Uma análise que considerasse apenas o volume de autorizações para transporte de impressos concluiria que a população mais interessada por livros em todo o império português era a que vivia no Brasil, uma vez que o número de registros supera largamente o de outras localidades portuguesas e ultramarinas. No entanto, a ninguém ocorreria a ideia de dizer que em Coimbra, onde se abriga a mais antiga universidade portuguesa, a cultura letrada era débil e precária, mesmo havendo apenas 32 pedidos para remessa de livros de Lisboa para lá ao longo de mais de cinco décadas. Mas certamente é preciso dizer que a cultura letrada no Brasil não era nula e sequer mesmo precária no período colonial.18 18 Uma análise detalhada sobre o trânsito de livros entre Europa e Brasil no período colonial está em Abreu, 2003.

Essa concepção deriva, por um lado, do recurso a textos de opinião (como são os relatos de viajantes) como fonte de informação. Facilmente acessíveis em bibliotecas e livrarias, tendo em vista sua difusão em coleções de livros de grande tiragem, eles disseminaram uma visão sobre o Brasil, marcada pelo eurocentrismo. A eles se junta certo antilusitanismo, difundido no processo de afirmação da nacionalidade e constituição da identidade brasileira, que caracterizou os portugueses como “uma raça inferior, um povo refratário ao progresso, nosso inimigo em todas as épocas, causador de todos os nossos males e do nosso atraso”.19 19 Citação do jornal O Jacobino, presente no artigo de Marson, 2013, p. 5. O debate sobre o antilusitanismo voltou à tona recentemente na repercussão do livro de Fino (2021). Por outro lado, advém da falta de proximidade dos estudos literários com acervos e arquivos em que se conservam documentos históricos. Eles têm se tornado um pouco mais presentes nas pesquisas realizadas em nível de pós-graduação, mas ainda estão longe de ser familiares à maior parte dos pesquisadores da área.

O caráter nacional da historiografia literária

Os resultados dessas duas pesquisas conduzem a uma terceira inquietação: o caráter nacional da historiografia literária. O problema é duplo: aquilo que parece ter sido efetivamente uma criação nacional, a literatura de folhetos, está ausente das histórias literárias e aquilo que nelas está presente, a literatura canônica em língua portuguesa produzida no Brasil, tem diminuta presença entre os livros em circulação. A exclusão de obras compostas e lidas majoritariamente por pessoas pobres já tem sido objeto de bastante discussão na área, mas o caráter nacional da historiografia tem merecido menos atenção, por isso vou me concentrar sobre esse aspecto.

A escrita de histórias da literatura remonta ao século XIX e vincula-se aos esforços para a produção de uma identidade nacional, que, em grande medida, se sustentou sobre a existência de uma trajetória compartilhada e uma língua comum. Ambos os elementos são chave na concepção tradicional de história literária - aquela que, ainda hoje, é ensinada na maioria das escolas de Ensino Médio e nos cursos universitários de Letras. O resultado é uma narrativa cronológica, centrada em textos escritos em língua nacional, de preferência por escritores nascidos no país, na qual obras internacionais (nomeadamente francesas e, vez por outra, inglesas ou alemãs) comparecem apenas como modelos seguidos pelos autores locais.

Cria-se uma falsa ideia segundo a qual a vida literária brasileira se movimentaria em torno a uma dúzia de obras nacionais a cada “período literário” e seria mais bem compreendida se lida à luz do contexto sócio-político-econômico, sobretudo do local em que elas foram concebidas. Sem que haja interesse em pensar sobre como textos se tornam livros, como são editados e comercializados, como são lidos e avaliados por seus contemporâneos, como sobrevivem à passagem do tempo, a história literária tradicional é escrita com recurso apenas a fontes secundárias, compostas principalmente por livros de história e sociologia, além das próprias obras escritas pelos autores eleitos para integrar o panteão da literatura nacional.

A consulta a arquivos de periódicos provoca abalos fortes nesse esquema. Uma coleção preciosa é conservada pela Hemeroteca da Biblioteca Nacional. A partir de 2012, a BN passou a disponibilizar, na rede mundial de computadores, parte de seu acervo de jornais, revistas, boletins e outras publicações periódicas, o que tornou sua consulta surpreendentemente fácil. Em ampliação crescente, a Hemeroteca Digital Brasileira conta com mais de cinco milhões de páginas digitalizadas, contendo desde os primeiros jornais editados no Brasil - como a Gazeta do Rio de Janeiro, fundada em 1808 - até periódicos em circulação no século XX - como o Correio Paulistano, publicado de forma intermitente entre 1854 e 2007 - passando por revistas culturais - como a Klaxon ou a Careta - e almanaques - como o Almanach da comarca do Amparo, compreendendo os municípios de Amparo, Socorro e Serra Negra. De consulta livre, sem necessidade de pagamento de assinatura como acontece em grande parte dos países, a Hemeroteca Digital Brasileira permite busca por período, título, local de publicação e conta com um recurso que favorece a pesquisa de maneira expressiva: o Reconhecimento Ótico de Caracteres (OCR - Optical Character Recognition), que permite a busca por palavras em todo o acervo.

A digitalização, aliada a essa ferramenta, torna possível, por exemplo, rastrear a presença de obras literárias na vida cotidiana a partir de buscas realizadas em anúncios publicados por livreiros e editores em jornais de ampla circulação. Um único exemplo deve ser suficiente para mostrar como a consulta a jornais diários do século XIX pode sacudir o edifício erguido pelas histórias literárias tradicionais.

O Diário do Rio de Janeiro, de 27 abril de 1832, trouxe, em sua primeira página, informações sobre mudanças na forma de pagamento dos militares, movimento de navios, festejos religiosos, venda de bilhetes de loteria, seguidas de anúncios sobre “Obras Publicadas”, “Obras a Publicarem-se” e “Livros à Venda”.20 20 Diário do Rio de Janeiro, de 27 abril de 1832, está disponível em https://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=094170_01&Pesq=a%20publicarem-se&pagfis=13522. Esses anúncios propagandearam mais de meia centena de títulos, entre os quais se destacam os romances.

Desnecessário comentar que, em um país onde a cultura letrada fosse débil, não faria sentido publicar, na primeira página do jornal, listas de livros à venda, por isso é mais interessante observar quais foram as obras propagandeadas e por quem eram vendidas. Identificados os títulos, percebe-se que a maior parte tem origem francesa e muitos podem ser considerados “best-sellers” internacionais (LYONS, 1990LYONS, Martyn. Les best-sellers. In: CHARTIER, Roger; MARTIN, Henri-Jean. Histoire de l’édition française. Paris: Fayard/Promodis, 1990. p. 409-448. ).

Na seção “Obras Publicadas”, informa-se que saiu à luz na casa de Emile Seignot-Plancher a História de Simão de Nantua, de Laurent de Jussieu, publicada no Rio de Janeiro em tradução de Felippe Ferreira de Araujo e Castro. O livro, lançado originalmente em 1818, com o título Simon de Nantua, ou le marchand forain, foi um sucesso internacional, recebendo 7 edições em francês entre 1831 e 1850 (LYONS, 1990LYONS, Martyn. Les best-sellers. In: CHARTIER, Roger; MARTIN, Henri-Jean. Histoire de l’édition française. Paris: Fayard/Promodis, 1990. p. 409-448. ) e 6 em português no mesmo período (ABREU, 2019ABREU, Márcia. “Uma questão de escala, não de natureza: a circulação da cultura no século XIX”. Dossiê Homens e ideias em movimento: circulação de saberes e artefatos culturais (séculos XIX ao XXI). Réel. Revue Étudiante des Expressions Lusophones. Centre de Recherches sur les Pays Lusophones (CREPAL). Paris: Université Sorbonne Nouvelle, 2019. p. 265-281.) uma das quais é a que anuncia Seignot-Plancher. A propaganda informa também que saíram dos prelos uma obra de filosofia e uma recolha de contos, anedotas e ditos sentenciosos.

Na seção “Obras a Publicarem-se”, o mesmo livreiro editor informa que se encontravam em preparação uma gramática francesa, um livro de história, obras de filosofia e outros dois romances que conheceram sucesso internacional: Aventures de Telemaque, de François Fénelon, publicado originalmente em 1699, e Paulo e Virgínia, de Bernardin de Saint-Pierre, saído em 1788. Dentre todos os livros publicados na França, a obra de Fénelon é a que conta com maior quantidade de edições na primeira metade do século XIX com 112 edições (LYONS, 1990LYONS, Martyn. Les best-sellers. In: CHARTIER, Roger; MARTIN, Henri-Jean. Histoire de l’édition française. Paris: Fayard/Promodis, 1990. p. 409-448. ). Plancher divulga o título em francês (e não em português como o faz com os outros livros mencionados), o que indica que se aguardava, no Rio de Janeiro, uma nova publicação em língua original, que se somaria às 16 edições em língua portuguesa disponíveis no mercado até o meado do século. (ABREU, 2019ABREU, Márcia. “Uma questão de escala, não de natureza: a circulação da cultura no século XIX”. Dossiê Homens e ideias em movimento: circulação de saberes e artefatos culturais (séculos XIX ao XXI). Réel. Revue Étudiante des Expressions Lusophones. Centre de Recherches sur les Pays Lusophones (CREPAL). Paris: Université Sorbonne Nouvelle, 2019. p. 265-281.). O romance Paul et Virginie também teve circulação mundial, recebendo 45 edições na França até 1850 (LYONS, 1990LYONS, Martyn. Les best-sellers. In: CHARTIER, Roger; MARTIN, Henri-Jean. Histoire de l’édition française. Paris: Fayard/Promodis, 1990. p. 409-448. ) e cinco em português (ABREU, 2019ABREU, Márcia. “Uma questão de escala, não de natureza: a circulação da cultura no século XIX”. Dossiê Homens e ideias em movimento: circulação de saberes e artefatos culturais (séculos XIX ao XXI). Réel. Revue Étudiante des Expressions Lusophones. Centre de Recherches sur les Pays Lusophones (CREPAL). Paris: Université Sorbonne Nouvelle, 2019. p. 265-281.).

Na mesma página, na seção “Livros á venda”, o livreiro Veiga e Companhia anunciou mais de 50 “novelas em portuguez” à disposição do público, entre as quais também há sucessos mundiais. Alguns são de origem francesa como Mil e uma noites, publicado por Antoine Galland entre 1704 e 1717; Victor ou o menino da Selva, tradução do romance Victor ou L'enfant de la foret, de Ducray-Duminil, lançado em 1797; Gil-Bras de Santilhana, tradução de Gil Blas de Santillane, de Lesage, publicado em volumes entre 1715 e 1735. Há também best-sellers ingleses como Robinson Crusoé, de Daniel Defoe, lançado pela primeira vez em 1719, e Tom Jones, de Henri Fielding, de 1749. Ao lado deles, há sucessos originalmente compostos em português como Lances da ventura, de Felix Moreno de Monroy y Ros, cuja primeira edição é de 1793, e Piolho viajante, atribuído a Antonio Manuel Policarpo da Silva, publicado pela primeira vez em 1802. Anunciam-se, também, obras de menor difusão, mas também internacionalmente conhecidas, como Guzmán de Alfarache, do espanhol Mateo Aleman, cuja primeira parte foi publicada originalmente em 1599.

Não apenas os títulos e autores eram internacionais. Os editores também o eram. Nesses breves anúncios, convivem um de origem francesa radicado no Rio de Janeiro, Seignot-Plancher, e outro natural do Brasil, João Pedro da Veiga, responsáveis por colocar em circulação dezenas de títulos provindos de diversos lugares, a maior parte não canonizados e, portanto, ausentes das histórias da literatura, dentre os quais mereceriam atenção dois romances compostos em língua portuguesa que tiveram grande circulação tanto em Portugal quanto no Brasil: Lances da ventura e Piolho viajante.

Essa simples página de jornal mostra que o fechamento sobre o território nacional deixa de fora a maior parte do movimento literário, para o qual escritos de diversas partes do mundo contribuíam de maneira contundente. Nesse sentido, os tradutores - personagens ausentes das histórias literárias - ganham enorme importância, tendo em vista que a maior parte das obras circulava em tradução. Dentre as dezenas de títulos anunciados, alguns estavam presentes simultaneamente na França, Inglaterra, Portugal e Brasil, revelando a existência de um gosto partilhado entre os leitores de francês, inglês e português, no que poderíamos chamar de uma comunidade transnacional de gosto e entendimento (ABREU, 2016ABREU, Márcia. Uma comunidade letrada transnacional. In: ABREU, Márcia (org.). Romances em movimento: a circulação transatlântica dos impressos (1789 - 1914). Campinas, Editora da Unicamp, 2016. p. 365-394.). Ela se formava pela leitura partilhada das mesmas obras, algumas vezes desde tenra idade, como era o caso de Les aventures de Télémaque, obra lida em francês ou em tradução por estudantes de diversos países. Mostra também a pujança do mercado editorial luso-brasileiro que não só dava vazão a grande quantidade de exemplares (como ocorre, por exemplo, no citado caso de Simão de Nantua que contou com sete edições em francês e 6 em português entre 1831 e 1850) como produzia obras de grande circulação em língua portuguesa, como Lances da ventura e Piolho viajante. Cai por terra, assim, a ideia de que a vida literária de determinada nação seria autônoma e autocontida, mantendo-se sem contatos externos.

Os títulos propagandeados no Diário do Rio de Janeiro colocam em xeque também a maneira como o tempo é tratado nas histórias literárias convencionais, que propõem uma cronologia organizada em função de “escolas literárias” que dominariam as composições em determinados períodos de tempo, suplantando convenções estéticas anteriores e, sendo, em algum momento, ultrapassadas por novas propostas. Os anúncios veiculados no jornal divulgam reedições de obras produzidas nos séculos XVI, XVII e XVIII, que dividem espaço com composições mais recentes, lançadas no século XIX. Assim, o interesse dos leitores não parece respeitar “escolas literárias” nem a suposta estética em vigência no momento, transitando entre obras recentes e publicações cuja composição original era bastante antiga.

Outro pilar das histórias literárias convencionais abalado por um simples jornal diário é o recurso à situação sócio-política-econômica como contexto explicativo da produção literária. Na primeira página do Diário do Rio de Janeiro, logo a seguir à lista de romances propagandeados pela loja de livros de Veiga e Cia., há uma seção denominada “Vendas”, destinada ao anúncio de mercadorias, numeradas de 1 a 5. Três desses itens divulgam a comercialização de pessoas: “trez escravos, a saber: huma preta de idade 20 annos, boa mocamba, sabe cozinhar, lavar, fazer todo serviço de casa, e também coser, ainda que pouco; e dous reforçados pretos para todo serviço; não são viciosos, nem tem moléstias”, disponíveis na rua dos Inválidos; “3 negrinhas mui bonitas, de 11 a 12 annos, e huma rapariga que engoma, cozinha, e terá 15 a 16 annos”, negociadas na rua dos Ourives; e “uma preta perfeita mocamba, bonita, e bem feita, e muito rapariga, a qual sabe muito coser toda a costura, engomar o lizo, e lavar; sabe vestir huma Sra, e fazer todo o serviço de huma mocamba”, também na rua dos Inválidos. Esses detalhados e ignominiosos anúncios distam menos de um centímetro do anúncio de publicações vendidas por Emile Seignot-Plancher, filho de Pierre Plancher, um francês partidário do liberalismo político e econômico, defensor de Napoleão Bonaparte, refugiado no Rio de Janeiro.

Como se vê, a atenção a fontes primárias - assim como a inclusão de editores, livreiros, tradutores e leitores como personagens importantes - altera bastante o cenário. Elas tornam evidente a pequena relevância de algumas obras canonizadas e a grande penetração de escritos hoje inteiramente desconhecemos. Deixa claro, também, que o fechamento sobre um território nacional impede a compreensão do que de mais pujante havia na vida literária. Abandonar a ideia de que o texto deve ser o centro da preocupação do pesquisador da área de Letras e de que sua mais alta habilidade é a produção de interpretações sui generis para obras canônicas, certamente contribuirá para uma melhor compreensão da cultura letrada e da literatura, que vivem de textos e escritores, é claro, mas que não sobrevivem sem editores, críticos, livreiros, tipógrafos, tradutores e leitores, cuja esfera de atuação é, muitas vezes, internacional.

Conclusão - Examinar, duvidar, pesquisar

Há um elemento comum às asserções discutidas nesse artigo: elas entendem a cultura brasileira a partir de parâmetros traçados na Europa, sobretudo na França. Se eles não explicam com perfeição a situação europeia tampouco servem para explicar (e menos ainda para avaliar) o que ocorreu no Brasil.

Para a compreensão da literatura popular em versos impressa no Nordeste, recorre-se à literatura de cordel portuguesa; para o estudo da literatura canônica produzida no Brasil, lança-se mão da definição de escolas literárias concebidas na França e Inglaterra (com alguma contribuição alemã); para descrição da suposta falência da cultura letrada no período colonial, selecionam-se trechos de relatos de viajantes europeus e culpa-se Portugal pelas mazelas locais. Pode parecer contraditório entender Portugal como única fonte possível de uma criação literária popular ao mesmo tempo em que se recrimina a colonização portuguesa pela debilidade da cultura letrada, mas são apenas faces de uma mesma moeda que mantém a Europa como referência central do nosso pensamento.

A repetição de velhas convicções seguiria inabalada se não existissem arquivos e acervos que permitem a realização de pesquisas em fontes primárias, infelizmente pouco comuns na área de Letras. Meu contato constante com documentos históricos abriu outra possibilidade de produção historiográfica e teórica, não apenas porque os arquivos eram bons, mas também porque desconfiei daquelas explicações por não partilhar de seus pressupostos. As conclusões poderiam ser outras, se, por exemplo, a consulta aos arquivos da censura fosse direcionada para os livros proibidos e para as ações realizadas para sua interdição. Eles são os menos numerosos, é verdade, mas forneceriam material para uma discussão bastante diferente sobre o acesso à cultura livresca daqueles que viviam no Brasil. Ou seja, os documentos conservados em arquivos não falam por si; eles respondem a perguntas colocadas pelos pesquisadores que, por sua vez, as formulam em sintonia com suas convicções íntimas. Mas eles também desafiam certezas, abrem novas dúvidas e favorecem a produção de interpretações menos arbitrárias e voluntariosas.

A composição dos arquivos também não é neutra, pois há que decidir o que vale a pena manter e o que deve ser descartado; o que será organizado em acervos ou coleções e o que permanecerá disperso; o que será objeto de sistematização em índices e de divulgação em catálogos impressos; e, mais recentemente, o que deve ser digitalizado, com que tecnologia e com que forma de acesso.

A existência (ou não) de acervos e os critérios que presidem a seleção de obras a serem conservadas afetam de maneira drástica (quando não determina) as possibilidades de pesquisa e de conhecimento do passado, o que é particularmente crítico no caso de composições tidas como populares, escritas por autores não canonizados e destinadas a públicos amplos, majoritariamente composto por pessoas de poucos recursos financeiros. Poucos livretos de cordel lusitano foram conservados em bibliotecas portuguesas e em raras instituições receberam uma unidade por meio da elaboração de um catálogo ou de uma coleção, o que torna sua localização bastante penosa para os pesquisadores. Sem importância simbólica ou sequer material, esses livretos sobreviveram graças aos impulsos do colecionismo e da curiosidade individual. Intelectualmente valorizados no Brasil, a partir de meados do século passado, os folhetos nordestinos tiveram melhor sorte.

Mesmo com essas limitações, o trabalho com fontes primárias abre caminhos para a escrita de uma outra história, não concentrada em autores ou em obras canônicas, não limitada à exegese e interpretação de textos, mas atenta ao lugar da literatura na cultura, à participação de múltiplos agentes para sua existência, às reações dos leitores e ao papel que ela ocupa no imaginário acerca das hierarquias culturais.

A literatura não é algo imaterial. Ela depende de um conjunto de produtores (que vão das mãos sujas dos tipógrafos às macias mãos dos críticos), de um suporte material, de códigos socialmente partilhados, de leitores historicamente encarnados (que definem seu sucesso ou fracasso, sua sobrevivência ou desaparição). Examinar essas múltiplas instâncias e suas correlações leva a um conhecimento menos parcial da literatura e de sua relevância histórica, permitindo discutir as questões de centro e periferia, de atraso e dominação, de colonialismo cultural.

Como antídoto à exacerbada subjetividade de pesquisadores que imaginam ser a interpretação individual de textos o mais valoroso trabalho na área de Letras, é bom sujar as mãos na poeira dos arquivos (que, na verdade, são muito limpos). Contrária ao trabalho individual e solitário, a pesquisa em fontes primárias conta necessariamente com a colaboração de outros: dos arquivistas que higienizam e conservam os documentos, dos funcionários que os trazem à mesa do consulente, dos bibliotecários que organizam catálogos, dos técnicos em informática que os digitalizam e criam ferramentas de consulta.

Não é preciso dizer muito mais para deixar claro o quanto os estudos literários têm a ganhar com a pesquisa em arquivos, acervos e fontes primárias.

REFERÊNCIAS

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  • FUNDAÇÃO Casa de Rui Barbosa. O cordel e os desmantelos do mundo: literatura popular em verso. Organizado por Orígenes Lessa e Vera Lúcia de Luna e Silva. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1983. 304 p.
  • FUNDAÇÃO Casa de Rui Barbosa.Literatura popular em verso: catálogo. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura; Casa de Rui Barbosa, 1961.
  • FUNDAÇÃO Casa de Rui Barbosa.Literatura popular em verso: antologia. Seleção, introdução e comentários Manoel Cavalcanti Proença. Rio de Janeiro: MEC; Fundação Casa de Rui Barbosa, 1964. t. 1.
  • FUNDAÇÃO Casa de Rui Barbosa.Literatura popular em verso: antologia. Autoria atribuída a Leandro Gomes de Barros. Rio de Janeiro: MEC; Fundação Casa de Rui Barbosa, 1976. t. 2.
  • FUNDAÇÃO Casa de Rui Barbosa.Literatura popular em verso: antologia. Autoria atribuída a Leandro Gomes de Barros. Rio de Janeiro: MEC; Fundação Casa de Rui Barbosa, 1977. t. 3.
  • FUNDAÇÃO Casa de Rui Barbosa.Literatura popular em verso: antologia. Seleção Francisco das Chagas Batista. Rio de Janeiro: MEC; Fundação Casa de Rui Barbosa, 1977. t. 4.
  • FUNDAÇÃO Casa de Rui Barbosa.Literatura popular em verso: antologia. Autoria atribuída a Leandro Gomes de Barros. Rio de Janeiro: MEC; Fundação Casa de Rui Barbosa, 1980. t. 5.
  • FUNDAÇÃO Casa de Rui Barbosa. Literatura popular em verso Belo Horizonte: Itatiaia, 1985. 468 p. (Coleção Reconquista do Brasil). Edição em cópia a seco, composta de três exemplares numerados de 1 a 3. Primeira edição em 1973, pela Casa de Rui Barbosa.
  • LYONS, Martyn. Les best-sellers. In: CHARTIER, Roger; MARTIN, Henri-Jean. Histoire de l’édition française Paris: Fayard/Promodis, 1990. p. 409-448.
  • MARSON, Izabel Andrade. Figurações de Portugal no Brasil: manifestações de lusofobia e lusofilia no embate entre republicanos “jacobinos” e monarquistas no contexto da “questão portuguesa” (1894-1899). In: XXVII SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA - Conhecimento histórico e diálogo social. 2013, Natal, p. 5. Disponível em: http://www.snh2013.anpuh.org/resources/anais/27/1370885843_ARQUIVO_IAMarson-FiguracoesdePortugalnoBrasilvf.pdf Acesso em: 25 jan. 2022.
    » http://www.snh2013.anpuh.org/resources/anais/27/1370885843_ARQUIVO_IAMarson-FiguracoesdePortugalnoBrasilvf.pdf
  • MARTIUS, Karl Friedrich Philipp von. Como se deve escrever a história do Brasil. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, t. 6, p. 381-403, 1844.
  • PENTEADO, Pedro (org.). Real Mesa Censória: catálogo. Lisboa: Arquivo Nacional da Torre do Tombo - Divisão de Tratamento Técnico Documental e Aquisições, 2019. 100 p. Disponível em: https://antt.dglab.gov.pt/wp-content/uploads/sites/17/2008/09/ID-L-750-PT-TT-RMC-2019-v01.pdf Acesso em: 20 jan. 2022.
    » https://antt.dglab.gov.pt/wp-content/uploads/sites/17/2008/09/ID-L-750-PT-TT-RMC-2019-v01.pdf
  • RODRIGUES, Cristina Carneiro. Brasiliana e Reconquista do Brasil: projetos editoriais de traduções. Revista Letras, Curitiba, n. 85, p. 219-230, jan./jun. 2012. Disponível em Disponível em http://hdl.handle.net/11449/122317 Acesso em: 21 jan. 2022.
    » http://hdl.handle.net/11449/122317
  • SAMPAIO, Albino Forjaz de. Teatro de cordel (catálogo da coleção do autor) Subsídios para a história do teatro português. Lisboa: Imprensa Nacional, 1922. 108 p.
  • SARAIVA, Arnaldo. Folhetos de cordel e outros da minha colecção: catálogo. Colaboração de Isabel Ventura et al Porto: Biblioteca Municipal Almeida Garrett, 2006. 174 p
  • 1
    O escritor e bibliófilo Albino Forjaz de Sampaio publicou um catálogo de sua coleção, precedido de um breve estudo (SAMPAIO, 1922SAMPAIO, Albino Forjaz de. Teatro de cordel (catálogo da coleção do autor). Subsídios para a história do teatro português. Lisboa: Imprensa Nacional, 1922. 108 p.).
  • 2
    Parte dos folhetos encontra-se catalogada e os dados bibliográficos disponibilizados em: http://bibliotecas.patrimoniocultural.pt/Opac/Pages/Search/SimpleSearch.aspx.
  • 3
    Os processos de restauração e conservação dos folhetos são apresentados em http://antigo.casaruibarbosa.gov.br/cordel/apresentacao.html
  • 4
    Cf. http://antigo.casaruibarbosa.gov.br/cordel/apresentacao.html e http://antigo.casaruibarbosa.gov.br/interna.php?ID_S=99&ID_M=171
  • 5
    Os livretos de literatura de cordel lusitana não são facilmente acessíveis on-line, mas os títulos podem ser consultados nos sites Fundação Calouste Gulbenkian, da Biblioteca da Ajuda e da Biblioteca Nacional de Portugal. Há, entretanto, exemplares dispersos disponíveis para leitura na rede mundial de computadores. Ver, por exemplo, arquivos conservados pela Biblioteca Digital Luso-brasileira https://bdlb.bn.gov.br/acervo/handle/20.500.12156.3/291154. Exemplares da literatura de folhetos nordestina produzida até meados do século XX podem ser lidos em https://docvirt.com/docreader.net/docreader.aspx?bib=CordelFCRB&pasta&pagfis=54242. Informações sobre o acervo da FundaçãoFUNDAÇÃO Casa de Rui Barbosa.Literatura popular em verso: antologia. Autoria atribuída a Leandro Gomes de Barros. Rio de Janeiro: MEC; Fundação Casa de Rui Barbosa, 1977. t. 3. Casa de Rui BarbosaFUNDAÇÃO Casa de Rui Barbosa.Literatura popular em verso: antologia. Seleção Francisco das Chagas Batista. Rio de Janeiro: MEC; Fundação Casa de Rui Barbosa, 1977. t. 4. encontram-se em http://antigo.casaruibarbosa.gov.br/cordel/acervo.html. A Biblioteca São Clemente disponibiliza arquivos digitais das antologias, catálogo e volume de estudos produzidos pela FundaçãoFUNDAÇÃO Casa de Rui Barbosa.Literatura popular em verso: antologia. Autoria atribuída a Leandro Gomes de Barros. Rio de Janeiro: MEC; Fundação Casa de Rui Barbosa, 1980. t. 5. Casa de Rui BarbosaFUNDAÇÃO Casa de Rui Barbosa. Literatura popular em verso. Belo Horizonte: Itatiaia, 1985. 468 p. (Coleção Reconquista do Brasil). Edição em cópia a seco, composta de três exemplares numerados de 1 a 3. Primeira edição em 1973, pela Casa de Rui Barbosa.: http://docvirt.com/docreader.net/DocReader.aspx?bib=BibObPub&pagfis=3149 . Há muita informação também no Portal do Cordel, mantido pela USP em https://usp.br/portaldocordel/index.php?s=cordel
  • 6
    Um estudo detalhado sobre a literatura de cordel portuguesa e sobre os folhetos nordestinos está em Abreu, 1999ABREU, Márcia. Histórias de cordéis e folhetos. Campinas: Mercado de Letras, 1999. 152 p..
  • 7
    Para um detalhamento dessa discussão ver Abreu, 2006ABREU, Márcia. Escrever e pensar sobre o Novo Mundo: escrever e pensar no Novo Mundo. In: DUTRA, Eliana; MOLLIER, Jean-Yves. Política, nação e edição. São Paulo: Annablume, 2006. p. 227-258..
  • 8
    “Controlo dos livros em circulação”. Datas de produção: 1768 - 1826. 42 caixas. Cf https://antt.dglab.gov.pt/wp-content/uploads/sites/17/2008/09/ID-L-750-PT-TT-RMC-2019-v01.pdf
  • 9
    A Bíblia de Mogúncia, publicada em 1462, por Johann Gutenberg, deu início à produção de livros impressos no Ocidente. Após menos de 100 anos, foi promulgado o primeiro Index Librorum Prohibitorum em 1559.
  • 10
    Para um detalhamento sobre o funcionamento da censura em Portugal e no Brasil, ver Abreu, 2009ABREU, Márcia. A liberdade e o erro: a ação da censura luso-brasileira (1769-1834). Fênix - Revista de História, v. 6, n. 3, p. 1-23, jul./set. 2009. .
  • 11
    Pedido submetido por Luiz Caetano Barboza em 1800. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Fundo Real Mesa Censória, Caixa 153.
  • 12
    Pedido submetido por Luiz Gomes em 1802. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Fundo Real Mesa Censória, Caixa 153.
  • 13
    Para uma apresentação sucinta sobre a história do arquivo, ver “Diretório Brasil de Arquivos, Arquivo Nacional”. Disponível em http://dibrarq.arquivonacional.gov.br/index.php/arquivo-nacional-brasil-sede.
  • 14
    Para uma descrição do fundo, ver “Guia de Fontes”, Arquivo Nacional, Mesa do Desembargo do Paço. Disponível em http://guia.an.gov.br/Lista_multinivel_servico
  • 15
    Pedido apresentado por Antonio Roiz dos Santos e Companhia, em 1817. Arquivo Nacional, Mesa do Desembargo do Paço, caixa 818 (antiga 168).
  • 16
    Pedido apresentado por Manoel Joaquim da Silva Porto, em 1816. Arquivo Nacional, Mesa do Desembargo do Paço, caixa 819 (antiga 169).
  • 17
    Carlos Robillard mandou remeter de Paris, as Oeuvres de Condillac, “para seu próprio uso”, junto com 93 outros títulos de Belas Letras recebidos no Rio de Janeiro em 1820. O negociante Domingos Joze de Araujo Basto enviou do Rio de Janeiro para “a cidade de Porto Alegre da Capitania do Rio Grande do Sul” 70 títulos em vários exemplares entre os quais Passatempo Honesto, e Familiar, ou Collecção de quarenta e outo jogos geralmente conhecidos pela denominação de jogos de prendas. Arquivo Nacional, Mesa do Desembargo do Paço, caixa 819 (antiga 169).
  • 18
    Uma análise detalhada sobre o trânsito de livros entre Europa e Brasil no período colonial está em Abreu, 2003ABREU, Márcia. Os caminhos dos livros. Campinas: Mercado de Letras, 2003. 384 p..
  • 19
    Citação do jornal O Jacobino, presente no artigo de Marson, 2013MARSON, Izabel Andrade. Figurações de Portugal no Brasil: manifestações de lusofobia e lusofilia no embate entre republicanos “jacobinos” e monarquistas no contexto da “questão portuguesa” (1894-1899). In: XXVII SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA - Conhecimento histórico e diálogo social. 2013, Natal, p. 5. Disponível em: http://www.snh2013.anpuh.org/resources/anais/27/1370885843_ARQUIVO_IAMarson-FiguracoesdePortugalnoBrasilvf.pdf . Acesso em: 25 jan. 2022.
    http://www.snh2013.anpuh.org/resources/a...
    , p. 5. O debate sobre o antilusitanismo voltou à tona recentemente na repercussão do livro de Fino (2021FINO, Carlos. Portugal-Brasil: raízes do estranhamento. Lisboa: Lisbon Press, 2021. 508 p.).
  • 20
    Diário do Rio de Janeiro, de 27 abril de 1832, está disponível em https://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=094170_01&Pesq=a%20publicarem-se&pagfis=13522.

Editado por

Editor-chefe:

Rachel Esteves Lima

Editor executivo:

Regina Zilberman

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    15 Mar 2022
  • Aceito
    18 Mar 2022
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