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Língua como espaço de poder: uma pesquisa de sala de aula na perspectiva crítica 1 1 Uma versão preliminar deste estudo foi apresentada pela primeira autora em uma comunicação intitulada "Concepções de língua e linguagem: deslocamentos e resistências advindos de discussões críticas na Prática Oral 2 de Inglês de um curso de Letras" no III Colóquio Nacional de Letras e XVI Colóquio de Pesquisa e Extensão da Faculdade de Letras da UFG, realizado em abril de 2015 na UFG em Goiânia, Goiás. A versão final foi apresentada, também pela primeira autora, no XI Congresso Brasileiro de Linguística Aplicada, realizado em julho de 2015 na UFMS em Campo Grande, Mato Grosso do Sul. ,2 2 Esse texto é fruto das discussões realizadas no Grupo de Estudos Transição, coordenado pela primeira autora, e no Grupo de Estudos Pós-Estruturalistas e Práticas Identitárias, coordenado pela Profa. Dra. Joana Plaza Pinto, a quem especialmente agradecemos. Agradecemos também às/aos alunas/os da Prática Oral 2 de Inglês que leram o artigo antes de sua publicação.

Language as space of power: classroom research from a critical perspective

Resumo:

Em 2014, a primeira autora deste artigo ministrou uma disciplina de Prática Oral 2 de Inglês no curso de Letras da Universidade Federal de Goiás, fundamentada na Linguística Aplicada Crítica. O curso focalizou os temas "raça" e "língua", objetivando problematizar desigualdades sociais e língua como espaço de poder. Essa problematização foi possível não apenas pelos textos lidos, mas também por eventos críticos que aconteceram entre alunas/os e a professora durante o curso. Esses eventos motivaram o relato de outros eventos críticos, vividos pelas/os alunas/os, que aconteceram antes do curso. Neste estudo, analisamos esse conjunto de eventos como compreendendo atos de fala ofensivos que foram atenuados e rearticulados afirmativamente, abrindo a possibilidade de agência (BUTLER, 1997).

Palavras-chave:
Linguística Aplicada Crítica; ensino de língua inglesa; língua e poder; corpo/identidades

Abstract:

In 2014, the first author of this article taught English Oral Practice 2 in the English Teacher Education Program (Letras) atUniversidade Federal de Goiás, grounded on Critical Applied Linguistics. The course focused on the themes of "race" and "language", aimed at problematizing social inequalities and language as a space of power. This problematization was possible not only because of the texts read, but also because of critical events that happened between students and the professor during the course. These events motivated the report of other critical events, experienced by the students, which occurred before the course. In this study, we analyzed this set of events as comprising offensive speech acts which were alleviated and rearticulated affirmatively, opening the possibility of agency (BUTLER, 1997).

Keywords:
Critical Applied Linguistics; English teaching; language and power; body/identities

1 Introdução

Em uma aula de inglês, podemos, docentes e discentes, aprender língua, como sempre fomos levados a acreditar, mas, ao mesmo tempo, podemos aprender quem somos, como nos tornamos o que somos e o que podemos nos tornar por meio da linguagem. O curso de Prática Oral 2 de Inglês que a primeira autora5 5 Como a primeira autora atuou como professora da turma, daqui em diante ela será referida como professora. ministrou na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás, em 2014, caracterizou-se como um espaço de aprendizagens que vão além da língua e nos pareceram tão relevantes que nos sentimos impelidos a realizar este estudo. Na grade curricular vigente, esse curso é oferecido no segundo semestre do curso de Letras, no mesmo semestre de Inglês 2, tendo as/os alunas/os já feito Inglês 1 e Prática Oral 1 de Inglês no primeiro semestre.

O curso se fundamentou em perspectivas críticas de educação e na Linguística Aplicada Crítica (SILVA, 2000SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade:uma introdução às teorias do currículo. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2000/1999. 154p.; PENNYCOOK, 2001PENNYCOOK, Alastair. Critical Applied Linguistics:a critical introduction. New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates, 2001. 206p.; MOITA LOPES, 2006MOITA LOPES, Luiz Paulo da Por uma linguística indisciplinar, São Paulo: Parábola 2006. 279p.; PESSOA; URZÊDA-FREITAS, 2012PESSOA. Rosane Rocha; URZÊDA-FREITAS, Marco Túlio. Ensino crítico de línguas estrangeiras In: FIGUEIREDO, Francisco José Quaresma de. (Org.). Formação de professores de línguas estrangeiras: princípios e práticas. Goiânia: Editora UFG, p. 57-80, 2012. ; KUMARAVADIVELU, 2012KUMARAVADIVELU, B. Individual identity, cultural globalization, and teaching English as an international language: the case for an epistemic break. In: Principles and practices for teaching English as an international languageALSAGOFF, Lubna; MCKAY, Sandra Lee; HU, Guangwei; RENANDYA, Willy A. (Eds.). New York: Francis and Taylor, p. 9-27, 2012.; PESSOA, 2013PESSOA, Rosane Rocha. Conversa com Rosane Rocha Pessoa. In: SILVA, Kleber A. da.; ARAGÃO, Rodrigo C. (Orgs.). Conversas com formadores de professores de línguas: avanços e desafios. Campinas: Pontes Editores, p. 299-306, 2013. ) e focalizou os temas "raça" e "língua", com o objetivo de problematizar desigualdades sociais (sobretudo as de classe e raça), por meio de textos como alguns diários do livro "Child of the Dark" de Carolina Maria de Jesus (1962JESUS, Carolina Maria. Child of the dark: the diary of Carolina Maria de Jesus. New York: Mentor Books, 1962. 187p.) e desigualdades linguísticas (língua padrão e língua marginal), por meio de textos como "Language" de bell hooks (1994). A definição de Ibrahim (2003IBRAHIM, Awad El K. M. "Whassup, homeboy?" Joining the African diaspora: Black English as a symbolic site of identification and language learning. In: MAKONI, Sinfree; SMITHERMAN, Geneva; BALL, Arnetha F.; SPEARS, Arthur K. (Eds.). Black Linguistics: language, society and politics in Africa and the Americas. London: Routledge, p. 169-185, 2003., p. 171) encerra sentidos de língua que são relevantes para este estudo:

A língua é um sistema simbólico, com suas infraestruturas, história e gramática (em seu amplo sentido semiológico), mas que está diretamente implicada em nossa vida cotidiana material. É um lugar onde expressamos nossos sentimentos, quem somos ou quem nos tornamos, e onde investimos nossos desejos. É também o lugar onde o poder se expressa. Por isso, a língua não é simplesmente um meio de comunicação: é dentro e por meio dela que formamos e performamos nossa identidade social e negociamos a história e as relações sociais e históricas.6 6 Todas as traduções de citações em língua inglesa são de nossa autoria.

O conteúdo do curso foi sendo desenvolvido à medida que as discussões iam acontecendo e novas perguntas iam surgindo. A título de exemplo, o texto "Language" de bell hooks (1994) só foi incluído devido ao interesse das/os alunas/os pelo uso do inglês vernacular afroamericano em citações do filme "The Help" de Tate Taylor (2011). Assim, no último bimestre, o tema "língua como espaço de poder" ocupou grande parte das discussões e foi também predominante na última prova oral, momento em que as/os alunas/os deveriam falar por cinco minutos sobre um tópico relacionado aos que tinham sido discutidos em sala. Os relatos feitos nessa prova oral se tornaram os dados primários deste estudo.

A turma tinha 9 alunas e 5 alunos, mas participaram da pesquisa 9 alunas e 4 alunos, pois um deles realizou poucas atividades do curso e não fez a última prova oral. Todas/os as/os participantes compreendiam os textos e eram capazes de expressar suas opiniões sobre eles, algumas/ns com mais facilidade e outras/os com menos, o que é comum mesmo em turmas ditas homogêneas. A professora também atuou como participante, já que a problematização da língua como espaço de poder foi possível não apenas pelos textos lidos, mas também por quatro eventos críticos ocorridos entre ela e cinco alunas/os.

Não analisaremos as interações propriamente ditas, mas os atos de fala das/os alunas/os não só em reação aos da professora, mas também em reação a eventos que viveram antes do curso ou durante o curso. Tais reações evidenciam que quaisquer contextos interacionais, tais como a sala de aula, são sempre espaços de poder e refletem a estreita relação existente entre língua e corpo/identidades, construtos que discutiremos a seguir.

2 Língua e corpo/identidades

Lander (2005LANDER, Edgardo. Ciências sociais: saberes coloniais e eurocêntricos. In: A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. LANDER, Edgardo. (Org.). Buenos Aires: Conselho Latino-americano de Ciências Sociais - CLACSO, p. 8-20, 2005.) discute as múltiplas separações do ocidente e argumenta que um marco histórico significativo nos sucessivos processos de separação, que aconteceram a partir do Iluminismo e com o desenvolvimento das ciências modernas, é representado pela ruptura ontológica entre corpo e mente, entre a razão e o mundo. Lander (2005, p. 9) cita Apfell-Marglin (1996) para expandir a ideia de que essa separação entre mente e corpo "deixou o mundo e o corpo vazios de significado e subjetivou radicalmente a mente", subjetivação essa que colocou os seres humanos numa posição externa ao corpo e ao mundo. Ainda segundo Lander (2005, p. 9), "somente sobre a base destas separações, base de um conhecimento descorporizado e descontextualizado, é concebível esse tipo muito particular de conhecimento que pretende ser des-subjetivado (isto é, objetivo) e universal".

Essa separação fundamentou a dissociação entre língua e fala formulada por Saussure (2006SAUSSURE, Ferdinand. Curso de linguística geral Trad. de Antônio Chelini, José Paulo Paes e Izidoro Blikstein. 27 ed. São Paulo: Cultrix, 2006/1916. 279p./1916) no início do século XX. Segundo o autor, a fala é um fenômeno individual e momentâneo e, portanto, heterogêneo, que apresenta uma carga de subjetividade que não importa aos estudos linguísticos. Assim, ele aponta como único objeto de estudo da Linguística a língua, por ser "a parte social da linguagem" (SAUSSURE, 2006SAUSSURE, Ferdinand. Curso de linguística geral Trad. de Antônio Chelini, José Paulo Paes e Izidoro Blikstein. 27 ed. São Paulo: Cultrix, 2006/1916. 279p./1916, p. 22), e prioriza a estrutura interna da língua como foco central de pesquisa. Desse modo, o autor genebrino retira a Linguística do mundo, separando, ao mesmo tempo, língua e corpo.

A partir da segunda metade do século XX, várias/os autoras/es vão trazer o corpo de volta para a ciência e evidenciar a estreita relação entre corpo e língua. Ao produzir uma "genealogia do sujeito moderno", Foucault (citado por HALL, 2006HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade Trad. de Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. 11ª ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006/1992. 102p./1992) discute o poder disciplinar perpetrado por meio de instituições como oficinas, quartéis, escolas, prisões, hospitais, clínicas etc. Esse poder consiste em manter os indivíduos e os corpos

sob estrito controle e disciplina, com base no poder dos regimes administrativos, do conhecimento especializado dos profissionais e no conhecimento fornecido pelas "disciplinas" das Ciências Sociais". Seu objetivo básico consiste em produzir "um ser humano que possa ser tratado como um corpo dócil". (DREYFUS; RABINOW, 1982, p. 135, citado por HALL, 2006HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade Trad. de Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. 11ª ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006/1992. 102p./1992, p. 42, grifo no original)

Foucault (1979FOUCAULT, Michel. Soberania e disciplina. In: Microfísica do poder 25ª ed. Rio de Janeiro: Graal, 1979. , p. 181) se propõe a focalizar não "a dominação global de uns sobre os outros, ou de um grupo sobre outro, mas as múltiplas formas de dominação que podem se exercer na sociedade". O poder, conforme sublinha, não se localiza em um lugar específico da estrutura social e não deve ser visto apenas de forma descendente, mas também de forma ascendente. Além disso, o autor se volta para os operadores de dominação, isto é, para as técnicas de aplicação de poder, vigilância e controle presentes em toda a sociedade. Todavia, ele não vê o poder como repressão, pois a liberdade é tomada como condição necessária ao exercício do poder. Assim, o poder não pressupõe que exista alguém tão completamente dominado que não possa reagir.

Segundo Pennycook (2001PENNYCOOK, Alastair. Critical Applied Linguistics:a critical introduction. New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates, 2001. 206p.), o poder tornou-se um aspecto central no trabalho de Foucault e este autor define o poder como "algo que deve ser explicado" (FOUCAULT, 1991, p. 148), isto é, sua análise não existe antes da análise da língua, visto que é por meio da língua que o poder é exercido e materializado na vida social. Pennycook (2001) ressalta que há várias dimensões dessa visão de poder de Foucault: 1) o poder não é algo que pode ser adquirido, tomado ou compartilhado, mas sim algo que opera em toda a sociedade, ou seja, é exercido de inúmeros pontos, no jogo das relações desiguais e móveis; 2) o poder não tem um lugar ou uma origem final; 3) as relações de poder não estão fora de outras relações (por exemplo, de conhecimento), mas são parte delas, isto é, elas habitam as nossas interações; 4) o poder é ligado à resistência - onde há poder, há resistência; 5) o poder não é só repressivo, mas também produtivo; 6) e é no discurso que o poder e o conhecimento se imbricam, ou seja, o poder produz a realidade e a verdade.

Poder e corpo sempre foram temas centrais nos estudos feministas. Conforme Jaggar e Bordo (1989JAGGAR, Alison; BORDO, Susan. (Eds.).Gender/body/knowledge: feminist reconstructions of being and knowing. New Brunswick: Rutgers University Press, 1989. 376p., p. 4) salientam, as feministas exploraram "alternativas às abordagens tradicionais sobre o conhecimento, centradas na mente, revendo o papel do corpo na compreensão intelectual e insistindo em sua centralidade na reprodução e transformação da cultura". Ainda segundo as duas autoras, as feministas ressaltam o surgimento não de um corpo, mas de vários: "o corpo como lugar da práxis social, como texto cultural, como construção social, como a prancha na qual se inscrevem novas visões de uma 'écriture féminine', como marca de união em vez de disjunção entre o mundo humano e o 'natural'" (JAGGAR; BORDO, 1989JAGGAR, Alison; BORDO, Susan. (Eds.).Gender/body/knowledge: feminist reconstructions of being and knowing. New Brunswick: Rutgers University Press, 1989. 376p., p. 4).

As teorias feministas questionaram a clássica distinção entre o privado e o público ao defender o slogan "o pessoal é político", trazendo para o campo político temas como família, sexualidade, trabalho doméstico etc. Levantaram também a discussão que mais especificamente interessa aqui, que é a construção do corpo pela língua ou a "performatividade", palavra que, segundo Pinto (2013PINTO, Joana Plaza. O percurso do performativo. Revista Cult p. 35-36, 01 nov. 2013.), percorre as discussões e as posições de Judith Butler desde a obra "Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade", de 1990BUTLER, Judith. Gender trouble: feminism and the subversion of identity., New York: Routledge 1990. 172p.. O termo foi desenvolvido do construto "enunciados performativos" (AUSTIN, 1962) e, conformePinto (2007, p. 2)PINTO, Joana Plaza. Conexões teóricas entre performatividade, corpo e identidades. DELTA [online]. 2007, v. 23, n. 1, p. 1-26. ISSN 0102-4450. Disponível em: Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-44502007000100001 . Acesso em: 30 abr. 2015.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-44502007...
sublinha, definir a própria linguagem como performativa "traz à tona a ideia de que todos os enunciados, todos os atos de fala, tudo o que dizemos faz". E pelo fato defazer ser um verbo transitivo, a estudiosa feminista afirma que há dez anos vem buscando "compreender as consequências de uma visão performativa da linguagem para as teorias feministas do corpo: a linguagem faz o corpo?" (PINTO, 2007, p. 2).

Para Butler (1990BUTLER, Judith. Gender trouble: feminism and the subversion of identity., New York: Routledge 1990. 172p.), as identidades são produzidas por atos de fala repetidos em situações concretas de conversação sempre pautadas por relações de poder. Apesar de a autora tratar especialmente das relações de gênero, neste estudo, valemo-nos dessa reflexão sobre identidades performativas para discutir outros tipos de identidade. Mais especificamente, lançamos mão de sua discussão sobre falas opressoras que interpelam os sujeitos, presente em "Excitable speech" (BUTLER, 1997BUTLER, Judith. Excitable speech: a politics of the performative. New York: Routledge, 1997.), obra que focaliza o significado linguístico como sendo fluido e provisório, razão pela qual as/os falantes nunca podem determinar com certeza a interpretação que suas/seus interlocutoras/es fazem de um enunciado.

Segundo Butler (1997BUTLER, Judith. Excitable speech: a politics of the performative. New York: Routledge, 1997.), quando declaramos ter sido ofendidas/os pela língua, atribuímos uma agência a ela, um poder de ofender, e nos posicionamos como os objetos dessa trajetória injuriosa. Isso acontece porque somos seres linguísticos que precisam da língua para ser. Em outras palavras, a linguagem nos interpela e seu poder advém desse poder de interpelação. A autora acrescenta que, embora a ofensa possa parecer fixar e paralisar a pessoa ofendida, ela pode também produzir uma reação fortalecedora, ou seja, "o chamado ofensivo arrisca-se a inaugurar um sujeito na fala, que usa a língua para se contrapor ao chamado ofensivo" (BUTLER, 1997BUTLER, Judith. Excitable speech: a politics of the performative. New York: Routledge, 1997., p. 2).

Sobre a frase "as palavras ferem" (DELGADO; MATSUDA, 1993 apud BUTLER, 1997BUTLER, Judith. Excitable speech: a politics of the performative. New York: Routledge, 1997.), Butler afirma que ela sugere que a língua pode agir de forma semelhante ao sofrimento de uma dor ou ferimento físico. Ela também cita Lawrence III (1993) para dizer que uma fala racista é como "receber um tapa na cara", e o dano é imediato. Segundo ela, tais metáforas físicas evidenciam que o corpo é alternativamente sustentado e ameaçado pelos modos de endereçamento. A nosso ver, isso significa que, dada a sua inserção na história e na cultura, as ofensas performadas pela língua, sobretudo as de cunho discriminatório, (re)produzem efeitos nocivos a quem são endereçadas, efeitos esses que repercutem tanto na esfera pessoal do sujeito quanto na realidade social mais ampla do contexto em que ele está situado.

Para Butler (1997BUTLER, Judith. Excitable speech: a politics of the performative. New York: Routledge, 1997., p. 14, grifos no original), "a reavaliação de termos como 'queer' sugere que a fala 'retorna' para o falante de forma diferente, que ela pode ser citada contra seus propósitos originais e performar uma reversão de efeitos". Ela argumenta também que o poder variável de tais termos marca "um tipo de performatividade linguística que é uma cadeia ritual de ressignificações cuja origem e fim permanecem não fixas e não fixáveis" (p. 14). A impossibilidade de fixar com precisão certos atos de fala e seus efeitos prejudiciais se deve à temporalidade aberta do ato de fala:

o intervalo entre ocorrências de um enunciado não apenas torna a repetição e a ressignificação do enunciado possível, mas mostra como as palavras podem, através do tempo, se tornar desconectadas de seu poder de agredir e recontextualizadas de modos mais afirmativos. Espero esclarecer que por afirmativo, eu quero dizer abrir a possibilidade de agência [...]. (BUTLER, 1997BUTLER, Judith. Excitable speech: a politics of the performative. New York: Routledge, 1997., p. 15)

Essa ideia de agência é reafirmada pela autora em outro texto (BUTLER, 1990BUTLER, Judith. Gender trouble: feminism and the subversion of identity., New York: Routledge 1990. 172p.). Ela argumenta que as sociedades constroem normas que regulam e materializam o sexo dos sujeitos e que essas normas regulatórias precisam ser constantemente repetidas e reiteradas para que tal materialização se concretize, mas acentua que os corpos não se conformam completamente às normas que lhes são impostas (BUTLER, 1990). Por isso, elas precisam ser constantemente citadas, reconhecidas em sua autoridade, para que possam exercer seus efeitos. Alguns exemplos dessas normas serão discutidos depois da descrição do estudo.

3 O estudo

Buscamos, neste estudo, entender a sala de aula como um espaço em que as relações sociais do mundo cultural e social mais amplo são praticadas e, por isso, procuramos problematizar questões de poder que perpassam a prática pedagógica da primeira autora deste texto. Trata-se de um estudo de natureza qualitativa, pois buscamos compreender os sentidos de eventos de sala da aula, com menor ruptura possível do ambiente natural em que ocorrem, e trazemos as vozes dos sujeitos para construir uma teia de significados que revelam e desafiam "sistemas sociais, discursos e instituições que são opressivas e que perpetuam injustiça e inequidade" (LINCOLN; CANNELLA, 2007LINCOLN, Yvonna. S.; CANNELLA, Gaile S. . Ethics and the broader rethinking/ reconceptualization of research as construct. In: DENZIN, Norman K.; GIARDINA, Michael D. (Eds.). Ethical futures in qualitative research: decolonizing the politics of knowledge. Walnut Creek, California: Left Coast Press: p. 67-84, 2007., p. 76). Assim, o estudo tem uma orientação

para o desenvolvimento de uma agenda política, de umaagenda transformadora intervencionista e de umaagenda ética, decorrente da idéia de que nossas práticas discursivas envolvem escolhas que têm impactos diferenciados no mundo social e nele interferem de formas variadas. (FABRÍCIO, 2006FABRÍCIO, Branca Falabella. Linguística aplicada como espaço de desaprendizagem: redescrições em curso. In: MOITA LOPES, Luiz Paulo. Por uma linguística indisciplinar São Paulo: Parábola, p. 45-65,2006., p. 49)

Essa orientação se percebe nos temas que foram focalizados no curso: "raça" e "língua". Os textos básicos trabalhados foram: 1) "Questions of identity", um texto de duas páginas que define identidade; 2) uma biografia de Chimamanda Adichie como preparação para o vídeo "The danger of the single story"; 3) uma biografia de Carolina Maria de Jesus como preparação para a leitura de alguns diários do livro "Child of the Dark"; 4) "I, Too", um poema de Langston Hughes; 5) o vídeo "Revisiting and experiment on race"; 6) o filme "The Help"THE help. Direção: Tate Taylor. Fotografia Stephen Goldblatt. [S.l.]: DreamWorks, 2012. 1 DVD (146 min.), NTST, color.xref de Tate Taylor; 7) o texto "Language" do livro "Teaching to Transgress" de bell hooks; 8) o vídeo "An incredible conversation com Paulo Freire"; 9) o vídeo "Three ways to speak English" de Jamila Lyiscott; 10) um texto intitulado "History of Portuguese Language in Brazil". As discussões dos textos foram mescladas com conteúdos linguísticos, dos quais três foram enfatizados: "making questions", "verb tenses" e "phonemic transcription", e a língua inglesa foi usada na maioria das interações em sala.

Como já mencionado, a pesquisa contou com participação de 9 alunas e 4 alunos, cuja idade variava entre 17 e 38 anos. Quanto à raça/cor, 4 alunas e 1 aluno se declararam de cor branca e 5 alunas e 3 alunos se declararam de cor parda. Segundo as informações das/os participantes referentes à renda familiar, 2 pertenciam à classe E (viviam em famílias que ganhavam até 1 salário mínimo), 7, à classe D (de 1 a 3 salários mínimos), 2, à classe C (de 3 a 5 salários mínimos), 1, à classe B (de 5 a 15 salários mínimos) e 1, à classe A (mais de 15 salários mínimos), ou seja, a maioria pertencia às classes C e D. Por fim, 4 participantes do sexo feminino trabalhavam, 2 das quais davam aulas particulares de inglês. Essas informações encontram-se no quadro a seguir, em que podem ser observadas as características individuais de cada participante:

Quadro 1:
Informações sobre as/os participantes

Como as relações de poder entre a professora e o grupo foram problematizadas neste estudo, ela também foi uma das/os participantes. Tinha 51 anos, é parda e sua renda familiar era de 5 a 15 salários mínimos. Os atos de fala analisados foram retirados de cinco instrumentos: duas sessões de feedback realizadas em português e inglês (doravante SF1 e SF2), gravadas em áudio; a última prova oral realizada em inglês (doravante PO), gravada em áudio; uma conversa em português entre Lavínia e a professora após a prova oral, gravada em áudio (doravante CL); uma questão da prova escrita em inglês (doravante QPE); o diário da professora, escrito em português, e realizado em dois momentos, após a primeira e a segunda sessões defeedback (doravante D1 e D2).

Optamos por transcrever as falas das/os participantes na língua em que foram enunciadas9 9 As falas em inglês foram traduzidas para o português em notas de rodapé. (predominantemente em inglês), mas não de forma estritamente literal, já que foram eliminadas repetições desnecessárias, frases incompletas e expressões introdutórias, expletivas e interjetivas, tais como "ah..., well". Apesar disso, o conteúdo das falas não foi modificado e, no caso de equívocos que, para nós, estavam incompreensíveis, escrevemos a correção entre parênteses (por exemplo, "feel" foi colocado entre parênteses quando a aluna disse "fell", passado de "fall"). As transcrições seguiram convenções adaptadas de Bucholtz (2000BUCHOLTZ, Mary. The politics of transcription. Journal of Pragmatics, v. 32, p. 1439-1465, 2000. , p. 1447):

Quadro 2:
Convenções de transcrição adaptadas de Bucholts (2000).

Se nos pautarmos pela norma padrão da língua inglesa, encontraremos vários erros nos depoimentos, que inclusive nem sempre foram corrigidos durante o curso, já que prevaleceu a negociação, na língua-alvo, de perspectivas e reflexões sobre desigualdades sociais, com foco em "raça" e "língua". Em vários momentos, como acontece sempre nas interações em qualquer língua, elementos linguísticos foram negociados para que a compreensão fosse possível, o que aconteceu por meio de mudança de código, estratégias interpessoais, tais como paráfrase, clarificação etc., e recursos comportamentais, tais como paciência e tolerância e humildade (CANAGARAJAH, 2007CANAGARAJAH, Suresh. After disinvention:possibilities for communication, community and competence. In: MAKONI, Sinfree; PENNYCOOK, Alastair. (Eds.). Disinventing and reconstituting languages. Clevedon: Multilingual Matters, . p. 233-239, 2007). Com efeito, nosso interesse, como docentes de inglês, não é a língua em si, mas sim "as múltiplas formas de as/os alunas/os investirem em suas ações, desejos e realizações na língua inglesa" (PENNYCOOK, 2007PENNYCOOK, Alastair. The myth of English as an international language. In: MAKONI, Sinfree; PENNYCOOK, Alastair (Eds.).. Disinventing and reconstituting languages, Clevedon: Multilingual Matters p. 90-115, 2007. , p. 110-111).

4 Significados fluidos

No texto "Language", bell hooks (1994) relaciona língua e dominação e afirma que, ao mesmo tempo em que a língua oprime, ela é o "lugar onde nós fazemos de nós mesmos sujeitos" (p. 168). Ela acrescenta que sabe que não é a língua que nos fere, "mas o que os opressores fazem com ela, como eles a moldam para se tornar um território que limita e define, como eles fazem dela uma arma que pode envergonhar, humilhar e colonizar" (p. 168). Essa relação entre língua e dominação no texto "Language" caracterizou alguns eventos durante o semestre, que chamaremos de críticos, na esteira de Pennycook (2012PENNYCOOK, Alastair. Thirteen ways of looking at a Blackboard. In: PENNYCOOK, Alastair. Language and mobility: unexpected places. Bristol: Multilingual Matters, p. 127-149.2012. ). O autor define esses eventos como instantes "em que as coisas mudam, [...], em que aproveitamos a oportunidade para fazer algo diferente, quando entendemos que uma nova compreensão está se desenvolvendo" (p. 131). Os quatro eventos que discutiremos aqui dizem respeito à reação das/os alunas/os aos atos de fala da professora em sala de aula.

Na seção de feedback, ao final do primeiro bimestre, momento de autoavailação e de avaliação dos aspectos pedagógicos do curso e do relacionamento do grupo, Anita afirmou que, em alguns momentos, a professora tinha sido "agressiva". Essa agressividade pode ter sido percebida tanto nos atos de fala ou nas atitudes da professora, já que ela começou o curso exigindo muito das/os alunas/os. Como elas/es tinham um nível de inglês que lhes permitia negociar significados nessa língua e ela obteve uma boa resposta delas/es, ela exigiu cada vez mais: discussão de textos e vídeos que elas/es liam e assistiam em casa e tarefas escritas e orais. A professora explicou às/aos alunas/os que talvez esse nível de exigência tivesse sido sentido como agressividade, mas pediu desculpas pelas falas ríspidas que ela pudesse ter enunciado.

Também na sessão de feedback, depois de a professora entregar notas e dizer, para o grupo todo, que Cecília e Celina haviam tido quase o total de faltas que podiam ter durante o semestre, Celina se manifestou dizendo que aquela atitude era "desrespeitosa", já que a professora deveria ter perguntado, individualmente, a razão de elas terem faltado às aulas. Cecília, depois da sessão defeedback, disse-lhe no corredor que também não tinha gostado da atitude dela de mencionar suas faltas para o grupo todo.

Outro evento crítico, o que mais desestabilizou a professora, se deu quando ela fez uma brincadeira com Lavínia durante uma atividade em que as três formas dos verbos irregulares em inglês deveriam ser repetidas individualmente e ela trocou, algumas vezes, a forma do verbo no passado e a do particípio passado. O que a professora disse foi: "A Lavínia parece ter um parafuso trocado, assim como eu: quero dizer uma coisa e sai outra" (D1, 07/09/2015). Para a professora, sua fala tinha sido uma brincadeira, não só porque ela se comparou à aluna, mas também porque esta se expressava bem em inglês e sempre contribuía com opiniões relevantes sobre os tópicos discutidos. No entanto, Lavínia escreveu uma mensagem dewhatsapp à professora reprovando o comentário. De novo, a professora pediu desculpas e concordou que não deveria ter dito o que disse. Com efeito, como veremos na próxima seção, essa fala da professora repetiu um discurso anterior que reforçava uma dificuldade cognitiva que a aluna acreditava ter.

O último evento crítico referiu-se ao aluno Handel, que dizia ter dificuldade de interação e cujos turnos eram longos e sem propósito comunicativo, já que as/os colegas não prestavam atenção ao que ele dizia. Algumas vezes, a professora lhe disse que ele deveria ser mais objetivo em suas falas e que deveria olhar para as/os colegas quando falava, chamando a atenção delas/es para o que ele estava dizendo.Hooks (1994HOOKS, bell. Teaching to transgress: education as the practice of freedom., New York: Routledge 1994., p. 186) defende a importância de "olhar para" como uma forma de "respeitar as/os outras/os alunas/os e se engajar em atos de reconhecimento com as/os outras/os alunas/os e não apenas com a/o docente". Isso pode ter influenciado negativamente em seu desempenho na prova oral - ele acabou falando menos tempo do que deveria - e nas aulas, pois não tomou o turno com muita frequência, apesar de às vezes a professora tê-lo encorajado. Possivelmente, essa foi a razão de ele ter feito uma avaliação mais negativa do curso, ao contrário das outras/os alunas/os. Na questão da prova, sobre a experiência de participar da Prática Oral 2 de Inglês, Handel disse que, num primeiro momento, ele achou que "melhoraria suas habilidades comunicativas", mas quando viu que deveria conversar sobre temas, ele não gostou, pois "teve dificuldade de desenvolver novo vocabulário" (QPE, 02/12/2014). Ele não gostou da Prática Oral 2 e se sentiu "fora de lugar nas aulas" (QPE, 02/12/2014). Na seção defeedback ao final do semestre, a professora pediu que ele falasse sobre o que tinha escrito na prova. Destacamos aqui o que diz respeito ao evento crítico gerado:

Handel: I wrote in the test that I didn't like very much the English classes in this semester because- Well, I need to say that I liked all the texts that we read and learn, the videos, they are interesting videos and texts, but I think that we could have more dynamical activities [...] I didn't practice very much English, so I think that someone that practice always goes to take the turn and goes to speak and for me it would be better dynamic activities with conversation between my colleagues, my classmates, [...].10 10 Tradução: Eu escrevi no texto que eu não gostei muito das aulas de inglês este semestre porque- Bem, eu tenho que dizer que gostei de todos os textos que nós lemos e aprendemos, os vídeos, eles são vídeos e textos interessantes, mas eu acho que deveria ter tido atividades mais dinâmicas [...] eu não pratiquei inglês muito, então eu acho que alguém que pratica sempre vai tomar o turno e falar e, para mim, atividades dinâmicas com diálogo entre meus colegas seriam melhores. (SF2, 05/12/2014)

Ressalte-se que esses quatro eventos críticos só se configuraram como tal pelas reações das três alunas, expressas discursivamente, e pela de Handel, manifesta em sua recusa/dificuldade de se integrar ao grupo. Analisamos essas reações como resistência aos atos de fala da professora, que, naquele contexto, exerciam um maior poder devido à sua posição de professora da turma. A professora utilizou três desses eventos para discutir com a turma que língua é a ação de uma pessoa sobre outra, mas quem fala não tem controle sobre a interpretação de quem ouve, pois a/o falante, a/o ouvinte, o evento de comunicação e as palavras são produzidos por relações culturais mais amplas (BUTLER, 1997BUTLER, Judith. Excitable speech: a politics of the performative. New York: Routledge, 1997.).

Essa discussão aconteceu especialmente a propósito de dois textos. O primeiro é o vídeo "Revisiting an experiment on race", que trata de um teste realizado na década de 1940, por Kenneth and Mamie Clark, com crianças negras muito pequenas, com o objetivo de compreender suas perspectivas sobre raça: elas tinham de escolher que boneca (eram-lhe mostradas duas bonecas que se diferiam apenas na cor da pele: uma negra e uma branca) era a mais legal, com qual elas gostavam de brincar e com qual elas se pareciam. Os resultados mostraram como essas crianças negras eram marcadas pelo preconceito de raça desde uma idade muito tenra. O teste foi revisitado em 2009 e evidenciou algumas mudanças, mas quase metade das meninas entrevistadas considerou a boneca branca como mais bonita, evidenciando que a subordinação racial ainda continua muito presente nos Estados Unidos nos dias de hoje. O segundo é o texto "Language" de hooks (1994), que aborda o papel da linguagem nas relações de poder, focalizando o inglês padrão nos Estados Unidos como língua da conquista e da dominação e a fala vernacular negra como lugar de reinvenção e de resistência, "um lugar onde nós fazemos de nós mesmos sujeitos" (p. 168). Assim, podemos dizer que ambos os textos focalizam a língua como espaço de poder, e as respostas das crianças negras mostram claramente como "as palavras se impõem, criam raízes na nossa memória contra a nossa vontade" (HOOKS, 1994HOOKS, bell. Teaching to transgress: education as the practice of freedom., New York: Routledge 1994., p. 167), já que é por meio da língua que o racismo é performado e se impõe como prática na vida dos sujeitos.

A professora não problematizou o evento de Lavínia, para não reforçar seu erro e para preservá-la, mas conversou com ela pessoalmente, depois das mensagens. Na prova oral, ela contou um episódio que aconteceu quando ela morou em Portugal, que explica melhor o efeito de sentido que a fala da professora teve sobre ela, pois era uma repetição de um ato de fala que performava uma identidade que ela resistia: a de uma aluna com dificuldade cognitiva.

5 "As palavras se impõem"

Na prova oral, as/os alunas/os tinham que falar por cinco minutos a respeito de um tópico relacionado aos temas estudados, "raça" e "língua". A grande surpresa foi o fato de que todas as falas diziam respeito a preconceito linguístico ou racial. Dos treze, cinco falaram de eventos no nível impessoal (um filme, uma pessoa negra etc.), cinco falaram de preconceito no nível pessoal e três mesclaram os dois níveis. Aqui, focalizaremos quatro que tratam da língua como espaço de poder, tema deste artigo. Três refletem essa concepção da linguagem como performativa, também presente em hooks (1994), ou seja, de que a linguagem que se refere aos corpos não faz apenas uma constatação ou uma descrição desses corpos, mas, no instante mesmo da nomeação, constrói, faz aquilo que nomeia, isto é, produz os corpos e os sujeitos (BUTLER, 1997BUTLER, Judith. Excitable speech: a politics of the performative. New York: Routledge, 1997.). Como Cecília, na prova oral, relatou dois eventos em sua fala, eles serão aqui dispostos separadamente:

Cecília: I have some memories about my school life and they are not very good because I was a little bit overweight and I looked like a little boy, and people were very mean to me, other kids were mean and also my parents because they wanted me to lost some weight, and people use to call me a lot of names that I didn't liked and I suffered a lot. And nowadays I carry with me [with a trembling voice] those words and I am afraid of look like a boy or to be overweight and it's very hard for me [...].11 11 Tradução: Eu tenho algumas lembranças sobre a minha vida escolar e elas não são muito boas porque eu era gordinha e parecia um menino, e as pessoas eram muito cruéis comigo, outras crianças eram cruéis e também meus pais porque eles queriam que eu perdesse peso, e as pessoas me chamavam de nomes que eu não gostava e eu sofri muito. E hoje eu carrego comigo [com uma voz trêmula] aquelas palavras e eu tenho medo de parecer com um menino ou ser gorda e é difícil pra mim. (PO, 05/12/2014)

Cecília: [...] and I want to talk about other experience that I still pass in my home with my parents because my education always were very strict because of my dad and he also had a very strict education from his dad, too. My dad is very attached to grammar, he's very strict, and since I was a child, he's always been correcting me about some grammar mistakes and [...] I didn't talk to my dad, it was very hard to me because I felt that we couldn't get close and even today he still lives with me and I am afraid of talking to him because I fell [feel]that he can repress what I'm saying and he thinks that because of the fact that I doLetras as my course and he thinks that I have to have exemplar Portuguese. I can't make a mistake [...].12 12 Tradução: [...] e eu quero falar sobre outra experiência que eu ainda vivo em casa com meus pais porque minha educação foi sempre muito rígida por causa do meu pai e ele também teve uma educação muito rígida do pai dele também. Meu pai é muito ligado à gramática, ele é muito rígido, e desde que era criança ele corrige meus erros gramaticais e [...] eu não falava com o meu pai, era difícil pra mim porque eu achava que não podíamos ficar próximos e até hoje ele mora comigo e eu tenho medo de falar com ele, porque eu sinto que ele pode reprimir o que estou dizendo e ele acha que por que eu faço Letras e ele acha que eu tenho de ter um português exemplar. Eu não posso errar [...]. (PO, 05/12/2014)

Pedro Henrique: I'll talk about the same thing as Cecília, [...] when I was a kid and after I made seven years, I start to gain weight, but it wasn't a problem to me [...] I just wanted to play with friends, with my cousins, but people started to say bad things to me, started to put nicknames on me. They didn't call me my name, my friends at school and then in High School. [...] they sang music to me, saying that I was fat, and if affect me so much, and it changed my way to see myself because I didn't realize that I was overweight. I was okay, but then [...] I start to see myself fat, and then I wanted to change it [...] because I think that I wasn't normal. And then, in 2011, I became vegetarian, and I stopped eating properly, and it was a hard time to me. [...] I became really skin till the end of the year, and then people start to say me that I was skinny, and I should eat more, but I didn't see myself skinny, cause I still think that I was fat, [...] Today, when I see the pictures, I can see that I was skinny, but at the time, I didn't realize it. And I didn't have someone to talk about it, and I felt alone, and I had a distorted image about myself. I had anorexia [...].13 13 Tradução: Eu vou falar a mesma coisa que a Cecília, [...] quando eu era criança e depois que eu fiz sete anos, eu comecei a engordar, mas isso não era um problema pra mim [...] eu só queria brincar com minhas/meus amigas/os e primas/os, mas as pessoas começaram a dizer coisas ruins pra mim, começaram a me dar apelidos. Eles não me chamavam pelo nome, minhas/meus amigas/os na escola e depois no Ensino Médio. [...] eles cantavam música pra mim, dizendo que eu era gordo, e isso me afetou muito e mudou a forma como eu me via porque eu não achava que era gordo. Eu estava bem, mas então [...] eu comecei a me ver gordo e eu queria mudar isso [...] porque eu achava que não era normal. E, em 2011, eu virei vegetariano e parei de comer direito, e foi uma época difícil pra mim. [...] eu fiquei muito magro até o fim do ano, e então as pessoas começaram a dizer que eu estava muito magro, e eu devia comer mais, mas eu não me via magro, eu ainda achava que eu era gordo, [...] Hoje, quando eu vejo as fotos, eu posso ver que eu estava muito magro, mas naquela época eu não via. E eu não tinha ninguém pra conversar sobre isso, e eu me sentia só e tinha uma imagem distorcida de mim. Eu tive anorexia [...]. (PO, 05/12/2014)

Lavínia: As Pedro Henrique and Cecília gave a personal impression about their lives, I'd like to give mine, too. When I was living in Portugal, I have a Portuguese teacher, and we had to write some paragraphs during the classes and then she said me I wasn't good in writing. I never was good in writing paragraph, till today I still have this problem, and then once she said me, "you don't need to learn to write because you will not need to learn it" and that words made me feel very bad about me and [crying] about what I am today [...].14 14 Tradução: Como o Pedro Henrique e a Cecília deram uma impressão pessoal sobre a vida deles, eu gostaria de dar a minha também. Quando eu morei em Portugal, eu tive uma professora de português, e nós tínhamos que escrever alguns parágrafos nas aulas e então ela me disse que eu não era boa em escrita. Eu nunca fui boa em escrever parágrafo, até hoje eu tenho esse problema, e então uma vez ela me disse, "você não precisa aprender a escrever porque você não vai precisar disso", e aquelas palavras fizeram com que eu me sentisse mal sobre mim [chorando] e sobre o que eu sou hoje [...]. (PO, 05/12/2014)

Como se percebe, as falas foram citadas na ordem da apresentação feita em sala e Lavínia se inspirou e tomou a decisão de também fazer um depoimento pessoal durante as falas de Cecília e Pedro Henrique. As falas se referem a normas regulatórias de gênero, de corpo, de língua e de cognição. Cecília, Pedro Henrique e Lavínia declaram ter sido ofendidas/o pela língua e, desse modo, atribuem uma agência à língua, posicionando-se como objetos dessa trajetória injuriosa (BUTLER, 1997BUTLER, Judith. Excitable speech: a politics of the performative. New York: Routledge, 1997.). A ofensa, nos três casos, fixou e paralisou as pessoas ofendidas, mas ao mesmo tempo pode ter inaugurado um sujeito na fala (BUTLER, 1997):

Cecília: [...] it's something that I really don't want to my kids, [...] but I think our society needs to change. It's not about the education that I will give to them, it's about our culture, it's very oppressive. [...] classes helped me a lot to get over it a little bit, because [with a trembling voice] we talked about it, and we saw that language is not only oppression, I don't know, it was good for me in certain points [sigh].15 15 Tradução: [...] é algo que eu realmente não quero para as/os minhas/meus filhas/os, [...] mas eu acho que a nossa sociedade precisar mudar. Não tem a ver só com a educação que eu vou dar a elas/es, tem a ver com nossa cultura, ela é muito opressora. [...] as aulas me ajudaram a superar isso um pouco, porque (com a voz trêmula) nós falamos sobre isso, e vimos que língua não é só opressão, eu não sei, foi bom pra mim em alguns aspectos [suspiro]. (PO, 05/12/2014)

Cecília: [...] what bothers me is that I learnt here at Letras I don't have to care [...] I learned there are some places I need to be more formal, but I don't have to be at home, so I think that it make me feel more comfortable at home, because I started to talk more, even [if] he corrects me, I started to talk more with him, and it was really important to me, so I think that's it. I liked to share with you this experience of my life.16 16 Tradução: [...] o que me chateia é que eu aprendi aqui na Letras que eu não tenho que me preocupar [...] Eu aprendi que há lugares em que eu tenho que ser formal, mas não em casa, então acho que isso me fez me sentir mais confortável em casa, porque eu comecei a falar mais, mesmo ele me corrigindo, eu comecei a falar mais com ele, e foi muito importante pra mim, então é isso. Eu gostei de dividir com vocês essa experiência da minha vida. (PO, 05/12/2014)

Pedro Henrique: [...] those classes about language made me think about it [...] is it a good thing to do this with language, to treat people like this? Animals don't do these things. We can do incredible things with language, we can praise people, we can say somebody is looking good, [...] and this class make me think about it, and I didn't talk about it with anyone, is the first time that I say, is good to me, I think is the right moment to say it.17 17 Tradução: [...] as aulas sobre língua me fizeram pensar sobre isso, [...] é bom fazer isso com língua, tratar pessoas assim? Os animais não fazem isso. Nós podemos fazer coisas incríveis com a linguagem, podemos elogiar as pessoas, podemos dizer que alguém está bonito, [...] e essa aula me fez pensar sobre isso e eu não falava isso com ninguém, é a primeira vez que eu digo, é bom pra mim, esse é o momento certo de dizer isso. (PO, 05/12/2014)

Lavínia: [...] in class, the teacher gave us that text by bell hooks, there is a sentence that she said, "words impose themselves, take a root in our memory against our will", and [...] I started to think about the language as emotion, as the teacher said, and I started to think about all the things that I heard during all my life [...]. All these words that I heard make me feel what I feel today, what I am today, and this words can be good or not, but it change me, and I think that we had to measure our words when we are talking with a person [...] I am here today to show that I passed through this [crying and choking up] [...].18 18 Tradução: [...] na aula, a professora deu um texto da bell hooks, tem uma frase que ela disse: "as palavras se impõem, criam raízes na nossa memória contra a nossa vontade", e [...] eu comecei a pensar na língua como emoção, como a professora falou, e eu comecei a pensar em todas as coisas que eu ouvi em toda a minha vida [...]. Todas essas palavras que eu ouvi me fizeram sentir o que eu sinto hoje, o que eu sou hoje, e essas palavras podem ser boas ou não, mas elas me mudaram, e eu acho que nós temos que medir as nossas palavras quando estamos falando com uma pessoa [...] eu estou aqui hoje para mostrar que eu passei por isso [chorando e com dificuldade pra falar] [...]. (PO, 05/12/2014)

Talvez não possamos afirmar que as palavras ofensivas, nesses eventos, se desconectaram de seu poder de agredir, já que foram depoimentos carregados de emoção, realizados com a voz instável e trêmula e, no caso de Lavínia, marcado por momentos de choro. E certamente o estado emotivo dos três interferiu no uso que fizeram da língua inglesa, embora a compreensão não tenha sido comprometida. Apesar disso, acreditamos que as palavras ofensivas podem ter sido recontextualizadas de modos mais afirmativos, pois vemos os depoimentos como uma reação fortalecedora, manifesta na decisão de falar sobre as ofensas publicamente, na elaboração e rearticulação dessas ofensas, bem como nas ações que as/os participantes tencionam engendrar a partir daquele momento, com base em suas experiências linguísticas injuriosas.

Lavínia, em seguida, falou rapidamente sobre o filme "Preciosa", de Lee Daniels (2009), - que era o foco inicial de sua fala -, cuja protagonista ela descreve como uma adolescente negra e gorda, que sofre bullying na escola, nas ruas e em casa. Lavínia afirma que o evento do filme que mais a tocou aconteceu na escola, quando a professora perguntou às/aos alunas/os em que elas/es eram boas/ns. A protagonista disse que não era boa em nada e a professora contestou: "everybody is good in something, there's something good that you do" (LAVÍNIA, PO, 05/12/2014). O evento é um contraexemplo do que a professora de português disse a ela em Portugal e do infeliz comentário da professora no curso de Prática Oral 2 de Inglês. Achamos curioso o fato de ela não ter mencionado este último evento em sua fala - certamente em respeito à professora -, e, como ela continuou muito emocionada após a sua fala, as duas tiveram uma conversa, em português, logo após a prova oral. Ela deu detalhes do curso de Portugal - era um curso de recepcionista -, reafirmou o que a professora lhe dissera e acrescentou, chorando, que não respondeu a ela. Sobre o evento do curso de Prática Oral 2 de Inglês, ela disse que não podia ter ficado calada: "nessa época [em Portugal], eu não tinha capacidade de enfrentar, de reagir, e eu [agora] falei, 'não, eu tenho que reagir, porque eu me senti meio que oprimida'" (CL, 05/12/2014).

Em suma, os eventos mostram que "as palavras feriram" (DELGADO; MATSUDA, 1993 apudBUTLER, 1997BUTLER, Judith. Excitable speech: a politics of the performative. New York: Routledge, 1997.) gravemente Cecília, Pedro Henrique e Lavínia, mas elas e ele usaram a língua para se contrapor ao chamado ofensivo, o que é corroborado em seus depoimentos na sessão defeedback, no caso de Cecília, e na questão da prova escrita sobre o curso, no caso de Pedro Henrique e Lavínia:

Cecília: [...] we're not just learning English, we're learning about life, and I think that's really really important, and I really liked and I think it's a really good way to make them [the students] feel more comfortable about themselves, about being at university. I really really liked those topics that we worked, and I think it's important to work that with other students.19 19 Tradução: [...] nós não estamos só aprendendo inglês, estamos aprendendo sobre a vida, e eu acho que é muito, muito importante, e eu realmente gostei e eu acho que é uma ótima maneira de fazê-los [as/os alunas/os] se sentir mais confortáveis com elas/es mesmas/os, com o fato de estarem na universidade. Eu realmente gostei muito dos tópicos que trabalhamos, e eu acho que é importante trabalhar esses tópicos com outras/os alunas/os. (SF2, 05/12/2014)

Pedro Henrique: This semester, I learnt a lot of things. I didn't improve just my English, but also myself. I know how language is strong and can affect people. It was good because I could link it with my own experience when I was younger and overweight. I realized that language has power and we can use it to do good things and bad things.20 20 Tradução: Neste semestre, eu aprendi muitas coisas. Eu melhorei não só o meu inglês, mas também a mim mesmo. Eu aprendi como a linguagem é forte e pode afetar as pessoas. Foi bom porque eu pude ligar isso com a minha própria experiência quando eu era mais novo e gordo. Eu compreendi que a língua tem poder e podemos usá-la para fazer coisas boas e ruins. (QPE, 02/12/2014).

[12] Lavínia: [The classes] made me reflect about myself, and helped to change my mind about somethings in my personality. The subjects discussed in class were very interesting, because the teacher made me started to see language in a different form. [...] I saw that everything I know today is because of the language. And now I'm trying to tell good things to the people. [...] It was good to have classes with you. Although we had some problems, it was very good.21 21 Tradução: [As aulas] me fizeram refletir sobre mim mesma, e me ajudaram a mudar a minha ideia sobre algumas coisas na minha personalidade. Os tópicos me ajudaram a ver a linguagem de forma diferente. [...] Eu vi que tudo que eu sei hoje é por causa da linguagem. E agora eu estou tentando falar coisas boas para as pessoas. [...] Foi bom ter aulas com você. Embora tenhamos tido alguns problemas, foi muito bom. (QPE, 02/12/2014).

Com base nos depoimentos de toda a turma, expressos no material empírico utilizado neste estudo, Handel foi o único aluno a fazer uma avaliação mais negativa do que positiva do curso. Assim como Cecília, Pedro Henrique e Lavínia, todas/os as/os outras/os argumentaram, na questão da prova escrita e na primeira sessão defeedback, ter desenvolvido suas habilidades orais e/ou aprendido conteúdos relevantes durante o curso. Além disso, na prova oral, só uma aluna discutiu o seu uso de diferentes repertórios linguísticos em casa e no trabalho, sem focalizar relações de poder; todas/os as/os outras/o, inclusive Handel, fizeram relatos que abordaram desigualdade racial, de gênero e/ou linguística.

Esse viés escolhido pelas/os alunas/os na prova oral e suas reflexões sobre o curso é que nos motivaram a fazer este estudo, pois evidenciam não apenas uma compreensão dos textos discutidos, mas também um resultado relevante sobre um trabalho de sala de aula assentado em perspectivas críticas da educação, que resumiríamos adaptando uma ideia de Pennycook (2001PENNYCOOK, Alastair. Critical Applied Linguistics:a critical introduction. New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates, 2001. 206p.): o que fazemos em sala de aula diz respeito a compreender e mudar o mundo em que vivemos. Nesse caso, buscamos uma melhor compreensão da língua como espaço de poder.

6 Reflexões finais

Neste artigo, analisamos atos de fala ocorridos dentro e fora da sala de aula, percebidos como opressivos, e que parecem ter produzido o que Butler (1997BUTLER, Judith. Excitable speech: a politics of the performative. New York: Routledge, 1997.) chama de "reação fortalecedora". Reações a essas falas opressivas aconteceram por meio de respostas às minhas falas, no caso das ofensas ocorridas em sala, e por meio de ressignificações dessas ofensas, no caso de eventos acontecidos antes do curso. Os depoimentos de Cecília, Pedro Henrique e Lavínia parecem evidenciar que as agressões foram atenuadas e recontextualizadas de modo mais afirmativo, abrindo possibilidade de agência (BUTLER, 1997BUTLER, Judith. Excitable speech: a politics of the performative. New York: Routledge, 1997.), o que, em nosso ponto de vista, foi potencializado pelo caráter questionador e fortalecedor das aulas críticas ministradas.

Ao reagirem aos meus atos de fala, as/os alunas/os rejeitaram algumas identidades: Anita, a de aluna passiva; Celina e Cecília, a de alunas relapsas; Lavínia, a de aluna com dificuldade cognitiva; Handel, a de aluno com dificuldade de interação. E os relatos sobre os eventos ocorridos antes do curso sugerem uma compreensão da língua como espaço de poder, ao mesmo tempo em que parecem instaurar algumas identidades: a de uma pessoa que quer um mundo menos preconceituoso e a de uma filha que começou a ter voz em casa, no caso de Cecília; a de uma pessoa que compreendeu o percurso entre falas preconceituosas e anorexia, no caso de Pedro Henrique; e a de uma aluna que hoje faz Letras, no caso de Lavínia.

Ressalto que as diferenças nas identidades de gênero, de raça e de classe não parecem ter sido relevantes nos eventos críticos analisados aqui. Mesmo tendo identidades de raça e classe muito diversas - Pedro Henrique e Lavínia se declararam pardos e seriam caracterizados como pertencentes à classe D, e Cecília se declarou como branca, pertencente à classe A -, ele e as duas viveram experiências de discriminação semelhantes e demonstram estar reagindo a elas. Além disso, mesmo com identidades de gênero diferentes, Pedro Henrique e Cecília foram objetos da mesma trajetória injuriosa, referente a um padrão estético: o do corpo magro. Isso mostra que, mesmo sendo construídas em diferentes espaços de poder, as estruturas identitárias, assim como toda e qualquer estrutura, como a da língua, são passíveis de deslizes, coalizões e transbordamentos.

Acreditamos que este estudo tenha evidenciado que a língua pode restringir e, ao mesmo tempo, criar possibilidades identitárias. Segundo Butler (2002)BUTLER, Judith. Como os corpos se tornam matéria: entrevista com Judith Butler. [28 de abril, 2002]. Revista de Estudos Feministas Entrevista concedida a Baukje Prins e Irene Costera Meijer. Disponível em: Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-026X2002000100009 . Acesso em: 18 abr. 2015.
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-026X2002...
, pensar os corpos diferentemente é parte da luta conceitual e filosófica que o feminismo abraça. Como ela, devemos nos opor à abjeção de certos tipos de corpos e às reivindicações ontológicas de que códigos de legitimidade constroem nossos corpos no mundo. Essa oposição pode acontecer em sala de aula por meio da problematização tanto das relações de poder presentes em eventos críticos quanto dos atos linguísticos regulados que possibilitam a existência das subjetividades (BUTLER, 2002).

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    » http://dx.doi.org/10.1590/S0102-44502007000100001
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  • THE help. Direção: Tate Taylor. Fotografia Stephen Goldblatt. [S.l.]: DreamWorks, 2012. 1 DVD (146 min.), NTST, color.
  • 1
    Uma versão preliminar deste estudo foi apresentada pela primeira autora em uma comunicação intitulada "Concepções de língua e linguagem: deslocamentos e resistências advindos de discussões críticas na Prática Oral 2 de Inglês de um curso de Letras" no III Colóquio Nacional de Letras e XVI Colóquio de Pesquisa e Extensão da Faculdade de Letras da UFG, realizado em abril de 2015 na UFG em Goiânia, Goiás. A versão final foi apresentada, também pela primeira autora, no XI Congresso Brasileiro de Linguística Aplicada, realizado em julho de 2015 na UFMS em Campo Grande, Mato Grosso do Sul.
  • 2
    Esse texto é fruto das discussões realizadas no Grupo de Estudos Transição, coordenado pela primeira autora, e no Grupo de Estudos Pós-Estruturalistas e Práticas Identitárias, coordenado pela Profa. Dra. Joana Plaza Pinto, a quem especialmente agradecemos. Agradecemos também às/aos alunas/os da Prática Oral 2 de Inglês que leram o artigo antes de sua publicação.
  • 3
    Professora associada da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás (UFG), Goiânia, Goiás. Email: pessoarosane@gmail.com.
  • 4
    Professor de língua inglesa do Sesc Educação Continuada, em Goiânia, Goiás, e doutorando em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Email: marcotulioufcultura@gmail.com.
  • 5
    Como a primeira autora atuou como professora da turma, daqui em diante ela será referida como professora.
  • 6
    Todas as traduções de citações em língua inglesa são de nossa autoria.
  • 7
    Os nomes fictícios foram escolhidos pelas/os participantes.
  • 8
    No ano de 2014, o salário mínimo era de R$ 724,00.
  • 9
    As falas em inglês foram traduzidas para o português em notas de rodapé.
  • 10
    Tradução: Eu escrevi no texto que eu não gostei muito das aulas de inglês este semestre porque- Bem, eu tenho que dizer que gostei de todos os textos que nós lemos e aprendemos, os vídeos, eles são vídeos e textos interessantes, mas eu acho que deveria ter tido atividades mais dinâmicas [...] eu não pratiquei inglês muito, então eu acho que alguém que pratica sempre vai tomar o turno e falar e, para mim, atividades dinâmicas com diálogo entre meus colegas seriam melhores.
  • 11
    Tradução: Eu tenho algumas lembranças sobre a minha vida escolar e elas não são muito boas porque eu era gordinha e parecia um menino, e as pessoas eram muito cruéis comigo, outras crianças eram cruéis e também meus pais porque eles queriam que eu perdesse peso, e as pessoas me chamavam de nomes que eu não gostava e eu sofri muito. E hoje eu carrego comigo [com uma voz trêmula] aquelas palavras e eu tenho medo de parecer com um menino ou ser gorda e é difícil pra mim.
  • 12
    Tradução: [...] e eu quero falar sobre outra experiência que eu ainda vivo em casa com meus pais porque minha educação foi sempre muito rígida por causa do meu pai e ele também teve uma educação muito rígida do pai dele também. Meu pai é muito ligado à gramática, ele é muito rígido, e desde que era criança ele corrige meus erros gramaticais e [...] eu não falava com o meu pai, era difícil pra mim porque eu achava que não podíamos ficar próximos e até hoje ele mora comigo e eu tenho medo de falar com ele, porque eu sinto que ele pode reprimir o que estou dizendo e ele acha que por que eu faço Letras e ele acha que eu tenho de ter um português exemplar. Eu não posso errar [...].
  • 13
    Tradução: Eu vou falar a mesma coisa que a Cecília, [...] quando eu era criança e depois que eu fiz sete anos, eu comecei a engordar, mas isso não era um problema pra mim [...] eu só queria brincar com minhas/meus amigas/os e primas/os, mas as pessoas começaram a dizer coisas ruins pra mim, começaram a me dar apelidos. Eles não me chamavam pelo nome, minhas/meus amigas/os na escola e depois no Ensino Médio. [...] eles cantavam música pra mim, dizendo que eu era gordo, e isso me afetou muito e mudou a forma como eu me via porque eu não achava que era gordo. Eu estava bem, mas então [...] eu comecei a me ver gordo e eu queria mudar isso [...] porque eu achava que não era normal. E, em 2011, eu virei vegetariano e parei de comer direito, e foi uma época difícil pra mim. [...] eu fiquei muito magro até o fim do ano, e então as pessoas começaram a dizer que eu estava muito magro, e eu devia comer mais, mas eu não me via magro, eu ainda achava que eu era gordo, [...] Hoje, quando eu vejo as fotos, eu posso ver que eu estava muito magro, mas naquela época eu não via. E eu não tinha ninguém pra conversar sobre isso, e eu me sentia só e tinha uma imagem distorcida de mim. Eu tive anorexia [...].
  • 14
    Tradução: Como o Pedro Henrique e a Cecília deram uma impressão pessoal sobre a vida deles, eu gostaria de dar a minha também. Quando eu morei em Portugal, eu tive uma professora de português, e nós tínhamos que escrever alguns parágrafos nas aulas e então ela me disse que eu não era boa em escrita. Eu nunca fui boa em escrever parágrafo, até hoje eu tenho esse problema, e então uma vez ela me disse, "você não precisa aprender a escrever porque você não vai precisar disso", e aquelas palavras fizeram com que eu me sentisse mal sobre mim [chorando] e sobre o que eu sou hoje [...].
  • 15
    Tradução: [...] é algo que eu realmente não quero para as/os minhas/meus filhas/os, [...] mas eu acho que a nossa sociedade precisar mudar. Não tem a ver só com a educação que eu vou dar a elas/es, tem a ver com nossa cultura, ela é muito opressora. [...] as aulas me ajudaram a superar isso um pouco, porque (com a voz trêmula) nós falamos sobre isso, e vimos que língua não é só opressão, eu não sei, foi bom pra mim em alguns aspectos [suspiro].
  • 16
    Tradução: [...] o que me chateia é que eu aprendi aqui na Letras que eu não tenho que me preocupar [...] Eu aprendi que há lugares em que eu tenho que ser formal, mas não em casa, então acho que isso me fez me sentir mais confortável em casa, porque eu comecei a falar mais, mesmo ele me corrigindo, eu comecei a falar mais com ele, e foi muito importante pra mim, então é isso. Eu gostei de dividir com vocês essa experiência da minha vida.
  • 17
    Tradução: [...] as aulas sobre língua me fizeram pensar sobre isso, [...] é bom fazer isso com língua, tratar pessoas assim? Os animais não fazem isso. Nós podemos fazer coisas incríveis com a linguagem, podemos elogiar as pessoas, podemos dizer que alguém está bonito, [...] e essa aula me fez pensar sobre isso e eu não falava isso com ninguém, é a primeira vez que eu digo, é bom pra mim, esse é o momento certo de dizer isso.
  • 18
    Tradução: [...] na aula, a professora deu um texto da bell hooks, tem uma frase que ela disse: "as palavras se impõem, criam raízes na nossa memória contra a nossa vontade", e [...] eu comecei a pensar na língua como emoção, como a professora falou, e eu comecei a pensar em todas as coisas que eu ouvi em toda a minha vida [...]. Todas essas palavras que eu ouvi me fizeram sentir o que eu sinto hoje, o que eu sou hoje, e essas palavras podem ser boas ou não, mas elas me mudaram, e eu acho que nós temos que medir as nossas palavras quando estamos falando com uma pessoa [...] eu estou aqui hoje para mostrar que eu passei por isso [chorando e com dificuldade pra falar] [...].
  • 19
    Tradução: [...] nós não estamos só aprendendo inglês, estamos aprendendo sobre a vida, e eu acho que é muito, muito importante, e eu realmente gostei e eu acho que é uma ótima maneira de fazê-los [as/os alunas/os] se sentir mais confortáveis com elas/es mesmas/os, com o fato de estarem na universidade. Eu realmente gostei muito dos tópicos que trabalhamos, e eu acho que é importante trabalhar esses tópicos com outras/os alunas/os.
  • 20
    Tradução: Neste semestre, eu aprendi muitas coisas. Eu melhorei não só o meu inglês, mas também a mim mesmo. Eu aprendi como a linguagem é forte e pode afetar as pessoas. Foi bom porque eu pude ligar isso com a minha própria experiência quando eu era mais novo e gordo. Eu compreendi que a língua tem poder e podemos usá-la para fazer coisas boas e ruins.
  • 21
    Tradução: [As aulas] me fizeram refletir sobre mim mesma, e me ajudaram a mudar a minha ideia sobre algumas coisas na minha personalidade. Os tópicos me ajudaram a ver a linguagem de forma diferente. [...] Eu vi que tudo que eu sei hoje é por causa da linguagem. E agora eu estou tentando falar coisas boas para as pessoas. [...] Foi bom ter aulas com você. Embora tenhamos tido alguns problemas, foi muito bom.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Dez 2015
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2016

Histórico

  • Recebido
    11 Maio 2015
  • Aceito
    12 Ago 2015
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