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A escrita como trabalho em atividades de revisão textual na formação docente inicial em Letras

Writing as work in activities of textual review in undergraduate courses of Languages and Literature

Resumo

Este artigo busca compreender como os pressupostos teórico-metodológicos da concepção de escrita como trabalho são refletidos em atividades de revisão textual por docentes em formação inicial em Letras. Pauta-se na concepção dialógica de linguagem e nos pressupostos da concepção de escrita como trabalho. A pesquisa tem por contexto o curso de Letras de uma universidade pública paranaense. O corpus é constituído por atividade de revisão textual realizada por docentes em formação inicial. As revisões produzidas foram classificadas em três grupos: (1) reconhecimento somente de problemas gramaticais significativos; (2) reconhecimento incipientemente das condições de produção e/ou do gênero discursivo, além da dimensão gramatical; (3) atendimento integral aos pressupostos da escrita como trabalho. Aponta-se que não houve uma relação direta entre o estudo dos aportes teóricos e sua aplicação.

Palavras-chave:
escrita como trabalho; formação docente inicial; revisão textual

Abstract

From a dialogical conception of language and considering the postulates of writing as work, this article aims to comprehend how activities of textual review applied to undergraduate courses of Language and Literature reflect theoretical-methodological assumptions of the concept of writing as work. This study comprises textual review activities applied by professors of the undergraduate course of Languages and Literature in a public university of the State of Paraná. Activities were classified into three groups: 1) recognizing significant grammatical errors; 2) recognizing contexts of production and/or discursive genre, beyond the grammatical dimension; 3) fully conforming to the assumptions of writing as work. The results indicate no direct correlation between studying theoretical contributions and consistently applying them on activities.

Keywords:
writing as work; undergraduate education; textual revision

1 Considerações iniciais

Contribuir para o desenvolvimento das habilidades e das capacidades linguístico-textual-discursivas dos alunos, para que ampliem suas formas de participação nas práticas sociais de linguagem escrita que compõem a sociedade, é um dos compromissos do ensino de Língua Portuguesa (LP) no contexto da Educação Básica, como determinam os documentos orientadores da prática pedagógica de ensino no Brasil nas últimas décadas, a começar pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). (BRASIL, 1998BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: língua portuguesa: 5ª a 8ª Série. Brasília: MEC/SEF, 1998. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/2TVaxCi . Acesso em: 24 jun. 2021.
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; BRASIL 2017BRASIL. Ministério da Educação. Base nacional comum curricular. Brasília, DF: MEC, 2017. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3j6khnP . Acesso em: 20 jan. 2018.
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)

Tanto na formação inicial de professores quanto na continuada existe, ainda hoje, uma lacuna no ensino da escrita. No campo da Linguística Aplicada, a partir das teorias enunciativas e da concepção dialógica da linguagem, pressupostas do Círculo de Bakhtin (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2006BAKHTIN, M.; VOLOCHÍNOV, V. Marxismo e filosofia da linguagem. 12. ed. São Paulo: Hucitec, 2006.; BAKHTIN, 2003BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 262-306.; VOLOCHÍNOV, 2013VOLOCHÍNOV, V. N. Palavra na vida e a palavra na poesia. Introdução ao problema da poética sociológica (1926). In: VOLOCHÍNOV, V. N. A construção da enunciação e outros ensaios. Tradução de João Wanderley Geraldi. São Carlos: Pedro & João , 2013. p. 71-100.), destacamos as contribuições da concepção de escrita como trabalho, caminho interessante para o desenvolvimento contínuo da aprendizagem e do progresso com a escrita, pois pautam-se sobre uma abordagem processual-discursiva. (FIAD; MAYRINK-SABINSON, 1991FIAD, R. S.; MAYRINK-SABINSON, M.L.T. A escrita como trabalho. In: MARTINS, M. H. (Org.). Questões de linguagem. São Paulo: Contexto, 1991, p. 54-63.; GERALDI, 1984GERALDI, J. W. O texto na sala de aula- leitura e produção. Cascavel: Assoeste, 1984.; 2015; MENEGASSI, 2010MENEGASSI, R. J. O processo de produção textual. In: SANTOS, A. R.; GRECO, E. A.; GUIMARAES, T. B. (Org.). A produção textual e o ensino. Maringá: Eduem , 2010. p. 71-102.; 2016MENEGASSI, R. J. A escrita como trabalho na sala de aula. In: MENEZES, C. L. (Org.). A linguística aplicada no Brasil: rumos e passagens. Campinas: Pontes, 2016. p. 193-230.). Contudo, para que tais orientações se efetivem em sala de aula, é imprescindível que se desenvolvam abordagens para o trato dessa concepção junto ao professor ao longo de sua formação.

De forma a contribuir para minimizar essa situação, abordamos os pressupostos da escrita como trabalho, visando discutir, caracterizar e praticar vivências pedagógicas, na disciplina de Linguística Aplicada ao Ensino de Língua Materna, que compõe a grade curricular do terceiro ano do curso de Letras-Português de uma universidade pública no noroeste do Paraná. A atividade foi realizada considerando todas as etapas envolvidas no processo de produção textual em situação de ensino.

Assim, o objetivo é contribuir para uma melhor formação inicial do professor de Língua Portuguesa na prática do ensino de produção textual, segundo os pressupostos da concepção de escrita como trabalho. De forma específica, compreender de que modo as noções teóricas e metodológicas dessa abordagem são refletidas em atividades de revisão textual realizadas por esses docentes. Essa análise permite também discutir as possibilidades e apontar as dificuldades sobre o preparo do professor para o ensino da escrita. Trata-se de estudo de natureza qualitativa, concretizado em um estudo de caso. (LÜDKE; ANDRÉ, 1986LÜDKE, M; ANDRÉ, M. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.)

A pesquisa está consubstanciada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Maringá, pelo processo número 6111/2016 - CAAE 54133216.6.0000.0104.

2 A concepção de escrita como trabalho

Os pressupostos teóricos e metodológicos da concepção de escrita como trabalho no Brasil delineiam-se, principalmente, a partir das publicações de Geraldi (1984GERALDI, J. W. O texto na sala de aula- leitura e produção. Cascavel: Assoeste, 1984.), Fiad e Mayrink-Sabinson (1991FIAD, R. S.; MAYRINK-SABINSON, M.L.T. A escrita como trabalho. In: MARTINS, M. H. (Org.). Questões de linguagem. São Paulo: Contexto, 1991, p. 54-63.), que propõem uma nova abordagem para se pensar e se proceder o ensino de produção textual na Educação Básica. Esses pressupostos foram explicados, discutidos, aplicados e pesquisados em contextos reais de ensino por diversos pesquisadores brasileiros, dentre eles Britto (1997BRITTO, L. P. L. Em terra de surdos-mudos: um estudo sobre as condições de produção de textos escolares. In: GERALDI, J. W. (Org.). O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 1997. p. 117-126.), Evangelista (1998EVANGELISTA, A. A. M. et al. Professor-leitor, aluno-autor: reflexões sobre a avaliação do texto escolar. Cadernos Intermédio CEALE, Belo Horizonte, v. 3, n. 2, 1998.), Leal (2003LEAL, L. F. V. A formação do produtor de texto escrito na escola: uma análise das relações entre os processos interlocutivos e os processos de ensino. In: VAL, M. G. C.; ROCHA, G. (Org.). Reflexões sobre práticas escolares de produção de texto: o sujeito autor. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. p. 53-67.), Menegassi (2009MENEGASSI, R. J. A internalização da escrita no ensino fundamental. In: ANTONIO, J. D; NAVARRO, P. (Org.). O texto como objeto de ensino, de descrição linguística e de análise textual e discursiva. Maringá: Eduem, 2009. p. 27-47., 2010MENEGASSI, R. J. O processo de produção textual. In: SANTOS, A. R.; GRECO, E. A.; GUIMARAES, T. B. (Org.). A produção textual e o ensino. Maringá: Eduem , 2010. p. 71-102., 2016MENEGASSI, R. J. A escrita como trabalho na sala de aula. In: MENEZES, C. L. (Org.). A linguística aplicada no Brasil: rumos e passagens. Campinas: Pontes, 2016. p. 193-230.) e tornaram-se a referência teórica e metodológica para essa área do ensino nos documentos oficiais PCN (BRASIL, 1998BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: língua portuguesa: 5ª a 8ª Série. Brasília: MEC/SEF, 1998. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/2TVaxCi . Acesso em: 24 jun. 2021.
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) e BNCC (BRASIL, 2017BRASIL. Ministério da Educação. Base nacional comum curricular. Brasília, DF: MEC, 2017. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3j6khnP . Acesso em: 20 jan. 2018.
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). Hoje, esse escopo prático-teórico ampara pesquisas com o intuito de contribuir para o ensino da escrita em ambiente escolar da Educação Básica e para a formação inicial e continuada do professor, assim como para o campo da revisão e da reescrita. (MENEGASSI; GASPAROTTO, 2016MENEGASSI, R. J.; GASPAROTTO, D. M. Revisão textual-interativa: aspectos teórico-metodológicos. Domínios de Lingu@agem, Uberlândia, v. 10, n. 3, p. 1019-1045, 2016.)

Baseados nas proposições do Círculo de Bakhtin sobre a dialogia da linguagem, os pressupostos da concepção de escrita como trabalho se assentam sobre três pilares: a noção de produção de texto versus redação, o papel do professor como coautor da produção e mediador do desenvolvimento da escrita e o do aluno como sujeito do dizer.

2.1 Da noção de escrita como produção de texto ao processo metodológico em sala de aula

A noção de escrita como trabalho constrói-se, em primeiro lugar, no entendimento de que em sala de aula o aluno deve produzir texto e não meramente uma redação. Geraldi (1984GERALDI, J. W. O texto na sala de aula- leitura e produção. Cascavel: Assoeste, 1984.; 2015) advoga que a escolha pela produção textual em detrimento da redação tradicional relaciona-se com o conceito de texto.

Ancorado na perspectiva dialógica de linguagem, o texto é entendido como um enunciado concreto, fruto de uma situação de interação verbal com sujeitos sociais. Para Bakhtin/Volochínov (2006BAKHTIN, M.; VOLOCHÍNOV, V. Marxismo e filosofia da linguagem. 12. ed. São Paulo: Hucitec, 2006.), o enunciado é sempre interativo - há um autor que se dirige para e em função de um outro, do leitor - e dialógico, pois não é nem o princípio nem o fim da cadeia discursiva, que se estabelece a partir das condições de produção, em um contexto sócio-histórico, com sujeitos sociais que, a partir dessas circunstâncias, fazem escolhas linguístico-textual-discursivas, dentre as possibilidades possíveis. Concebe-se, assim, a escrita como uma prática de produção de texto, cujo projeto de dizer dos sujeitos se concretiza em enunciados concretos, formatados nos mais diferentes gêneros discursivos, os quais servem às mais diferentes finalidades das práticas sociais que compõem a sociedade.

A produção textual torna-se um espaço de interação social nas aulas de LP, visto que não se restringe a exercícios técnicos em preparação para uma escrita posterior, mas privilegia o agora ao colocar estudantes e professores como sujeitos do discurso, que agem com e pela linguagem em situações efetivas de uso da língua. Para Bakhtin (2003BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 262-306.), é por meio da interação verbal que os sujeitos se constituem, pois, ao se depararem constantemente com palavras alheias e sobre elas sempre manifestarem atitudes responsivas e apreciações valorativas, materializam contrapalavras, ou seja, produzem palavras próprias a partir de palavras alheias.

Para Antunes (2003ANTUNES, I. Aula de Português: encontro e interação. São Paulo: Parábola, 2003.) e Menegassi (2010MENEGASSI, R. J. O processo de produção textual. In: SANTOS, A. R.; GRECO, E. A.; GUIMARAES, T. B. (Org.). A produção textual e o ensino. Maringá: Eduem , 2010. p. 71-102.), o ensino da escrita se desenvolve num processo contínuo de aprendizagem e se caracteriza como um trabalho, porque se desenvolve em etapas específicas, fundamentais para a organização do trabalho metodológico do professor, como mediador do processo de ensinar a escrever. Menegassi (2010MENEGASSI, R. J. O processo de produção textual. In: SANTOS, A. R.; GRECO, E. A.; GUIMARAES, T. B. (Org.). A produção textual e o ensino. Maringá: Eduem , 2010. p. 71-102.; 2016MENEGASSI, R. J. A escrita como trabalho na sala de aula. In: MENEZES, C. L. (Org.). A linguística aplicada no Brasil: rumos e passagens. Campinas: Pontes, 2016. p. 193-230.) concebe o processo de produção textual em cinco etapas específicas e complementares, que devem ser conhecidas tanto pelo professor quanto pelos alunos, sintetizadas no Quadro 1.

Quadro 1
Etapas do processo de produção textual

Para Polato (2013POLATO, A. D. M. A mediação do professor nas diferentes etapas da produção textual escrita. In: Encontro Interdisciplinar de Educação, 5., 2013, Campo Mourão. Anais […]. Campo Mourão: ABRAPEE, 2013. p. 1-12.), o processo de produção textual exige do docente mediações pedagógicas específicas em cada uma das etapas que o compõe. Os conhecimentos e as estratégias metodológicas estão diretamente relacionados à qualidade do texto e ao desenvolvimento da escrita do estudante.

Conceber a escrita como produção de texto é o caminho para aliar a realidade escolar, caracterizada pela dimensão metodológica e sistemática da aprendizagem, aos usos sociais da escrita. Balsan e Souza (2015BALSAN, S. F. S.; SOUZA, R. J. A escrita de cartas em sala de aula. Gláuks online. Viçosa, v. 16, n. 1, p. 12-31, 2016.), ao descreverem uma prática do gênero entrevista com alunos do 4º ano, constatam que é possível fazer da escola um espaço de interlocução social com o mundo extraescolar e contribuir para o desenvolvimento das capacidades de escrita do estudante, por meio de atividades processuais e contínuas.

2.2 Do aluno como sujeito do dizer e agente do processo de produzir texto

Considerar o aluno como agente do processo e sujeito do discurso também é primordial na escrita como trabalho. Não se trata de concebê-lo apenas como quem entrega um texto para ser corrigido, a cumprir meramente uma tarefa escolar, mas como um produtor de texto, isto é, um sujeito quem tem um projeto de dizer a interlocutores específicos (LEAL, 2003LEAL, L. F. V. A formação do produtor de texto escrito na escola: uma análise das relações entre os processos interlocutivos e os processos de ensino. In: VAL, M. G. C.; ROCHA, G. (Org.). Reflexões sobre práticas escolares de produção de texto: o sujeito autor. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. p. 53-67.).

Para Bakhtin/Volochínov (2006BAKHTIN, M.; VOLOCHÍNOV, V. Marxismo e filosofia da linguagem. 12. ed. São Paulo: Hucitec, 2006.), a consciência social se desenvolve na e pela linguagem; e o sujeito se constitui num processo contínuo e dialógico de interação com outros sujeitos e com outros textos e discursos. Isso significa reconhecer o aluno como um sujeito social, constituído por subjetividades e vivências que formam sua consciência social e que se manifestam no texto que escreve. Por isso, o aluno produtor de texto é aquele que, inserido uma situação de interação, comporta-se como protagonista do seu discurso, tem consciência de sua participação no ato de escrever e das escolhas linguístico-textual-discursivas que deve fazer nesse processo.

Contudo, nem sempre o aluno assume a postura de sujeito-autor e isso se deve, entre outras razões, pelas imposições de seus interlocutores na situação de ensino: o professor e a própria escola. Britto (1997BRITTO, L. P. L. Em terra de surdos-mudos: um estudo sobre as condições de produção de textos escolares. In: GERALDI, J. W. (Org.). O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 1997. p. 117-126.) afirma que a autoridade histórica e cultural atribuída a esses interlocutores impõe nesse contexto o que é certo ou errado, o que deve ou não ser dito e o aluno, muitas vezes, escreve o que e como o professor e a escola desejam ler. Como consequência, “o interlocutor acaba não apenas por impor-se ao locutor, mas também por ameaçar destruir o próprio papel de sujeito que este deveria ter numa relação intersubjetiva”. (BRITTO, 1997BRITTO, L. P. L. Em terra de surdos-mudos: um estudo sobre as condições de produção de textos escolares. In: GERALDI, J. W. (Org.). O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 1997. p. 117-126., p. 123).

Considerar o aluno como sujeito do seu dizer, respeitar suas vivências e subjetividades, não lhe nega a condição de estudante nem significa que, em sala de aula, a escrita não deve ser ensinada e mediada. Segundo Menegassi (2009MENEGASSI, R. J. A internalização da escrita no ensino fundamental. In: ANTONIO, J. D; NAVARRO, P. (Org.). O texto como objeto de ensino, de descrição linguística e de análise textual e discursiva. Maringá: Eduem, 2009. p. 27-47.), o processo de internalização da escrita ocorre do social para o individual. Decorre disso a importância de procedimentos metodológicos específicos a fim de viabilizar ao estudante a interação com outros textos, discursos, com o professor em uma atitude dialógica para que possa aprender e manifestar no texto seu projeto de dizer.

2.3 Do professor como coautor e mediador do processo de escrita

Na prática de produção de texto, o professor assume o papel de coautor do texto do aluno, pois se preocupa em auxiliar o estudante a alcançar os propósitos comunicativos determinados para o texto (GERALDI, 1984GERALDI, J. W. O texto na sala de aula- leitura e produção. Cascavel: Assoeste, 1984.; 2015), assim como contribui para o desenvolvimento da aprendizagem da escrita, já que é “necessário que o professor ensine”. (EVANGELISTA, 1998EVANGELISTA, A. A. M. et al. Professor-leitor, aluno-autor: reflexões sobre a avaliação do texto escolar. Cadernos Intermédio CEALE, Belo Horizonte, v. 3, n. 2, 1998., p. 115). Não se trata somente de encaminhar propostas de produção de texto, apontar e corrigir as inadequações de natureza textual e gramatical, mas envolver-se como sujeito do discurso da situação de interação da qual participa juntamente com seus alunos.

Por qualificar o professor como o mediador do processo de escrita do aluno a fim de auxiliá-lo a atingir suas capacidades potenciais, Geraldi (2015GERALDI, J. W. Mediações pedagógicas no processo de produção de textos. In: GERALDI, J. W. A aula como acontecimento. São Carlos: Pedro & João, 2015. p. 165-182.) retoma a teoria de aprendizagem de Vygotsky a fim de enfatizar que o lócus de atuação docente está na mediação: “Trabalhar entre o sabido e o potencial é a forma de mediação do professor, que se torna assim um coautor dos textos de seus alunos: faz junto e ambos avançam em suas capacidades de produção de novos textos”. (GERALDI, 2015GERALDI, J. W. Mediações pedagógicas no processo de produção de textos. In: GERALDI, J. W. A aula como acontecimento. São Carlos: Pedro & João, 2015. p. 165-182., p. 170). Polato (2013POLATO, A. D. M. A mediação do professor nas diferentes etapas da produção textual escrita. In: Encontro Interdisciplinar de Educação, 5., 2013, Campo Mourão. Anais […]. Campo Mourão: ABRAPEE, 2013. p. 1-12.) ressalta o papel ativo do professor em todas as etapas do processo de produção, com intervenções sistematizadas e específicas.

3 O contexto de produção e a geração dos registros

Com o objetivo de contribuir para a formação inicial do professor de Língua Portuguesa no ensino de produção textual, abordamos os pressupostos da concepção de escrita como trabalho, com os acadêmicos do terceiro ano do curso de Letras-Português, do período matutino, de uma universidade estadual paranaense, situada no noroeste do estado, no segundo semestre de 2019. Esta pesquisa, em formato de estudo de caso (LÜDKE; ANDRÉ, 1986LÜDKE, M; ANDRÉ, M. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.), insere-se no âmbito da disciplina de Linguística Aplicada ao Ensino de Língua Materna, que se realiza em regime anual com o total de 136h, cujo objetivo é estudar teorias e metodologias que subsidiam o ensino e a aprendizagem de LP.

A turma participante era composta por 22 alunos, muitos participam de projetos de iniciação científica em diversas linhas de pesquisa da Linguística e da Literatura. Também no terceiro ano, o currículo do curso de Letras contempla as disciplinas de Estágio Supervisionado II e Prática de Formação do Professor de Língua Portuguesa, cujos assuntos abordados dialogam com os tratados na disciplina de Linguística Aplicada, o que mostra uma inserção desses professores em formação em ambientes e discussões constantes a respeito do ensino de LP.

O corpus desta pesquisa é composto pelas atividades produzidas pelos docentes durante as aulas, em especial, as de revisão textual, bem como pelo registro de diário de campo com observações a respeito da prática desenvolvida. A escolha pela análise das atividades de revisão textual deve-se aos seguintes motivos: (1) o processo de revisão, segundo Menegassi e Gasparotto (2016MENEGASSI, R. J.; GASPAROTTO, D. M. Revisão textual-interativa: aspectos teórico-metodológicos. Domínios de Lingu@agem, Uberlândia, v. 10, n. 3, p. 1019-1045, 2016.), caracteriza a concepção de escrita como trabalho, pois é, por meio dele, que se estimulam atitudes responsivas a partir das quais se torna possível a materialização de contrapalavras a favorecer o desenvolvimento das habilidades de escrita; (2) a atividade de revisão permite investigar como e se os docentes assumem os dois papéis que devem desempenhar no processo de ensino da escrita: ser coautor e mediador da aprendizagem. (MENEGASSI; GASPAROTTO, 2016MENEGASSI, R. J.; GASPAROTTO, D. M. Revisão textual-interativa: aspectos teórico-metodológicos. Domínios de Lingu@agem, Uberlândia, v. 10, n. 3, p. 1019-1045, 2016.)

3.1 A escrita como trabalho na formação docente inicial em Letras

Como parte do conteúdo programático da disciplina de Linguística Aplicada ao Ensino de Língua Materna, abordamos o conteúdo “Produção textual” sob o viés da escrita como trabalho, para o qual reservamos 20h/a, além das atividades não presenciais que requeriam a leitura da bibliografia selecionada, num total de 40h/a ao todo. Encaminhamos o desenvolvimento deste conteúdo em nossas aulas, organizando-os em três eixos, descritos a seguir.

1º eixo - O dialogismo como base da concepção de escrita como trabalho

O primeiro eixo teve por objetivo discutir os pressupostos do dialogismo do Círculo de Bakhtin que subsidiam o ensino de LP e, em especial, de produção textual, uma vez que esse viés teórico serviu de subsídio para tratar de outros conteúdos da disciplina, como as práticas de leitura e ensino, e a composição também de referencial de outras disciplinas voltadas ao ensino de LP. Nas aulas, ao explicarmos sobre o dialogismo, frisamos a importância de considerá-lo não somente como uma característica da linguagem ou como uma categoria de análise, mas como um princípio epistemológico. O Círculo de Bakhtin se preocupava em tecer um novo método de pesquisa para as Ciências Humanas, em especial, à literatura e à linguagem, em uma perspectiva que rompesse com os padrões formalistas que orientavam essas áreas do conhecimento. (VOLOCHÍNOV, 2013VOLOCHÍNOV, V. N. Palavra na vida e a palavra na poesia. Introdução ao problema da poética sociológica (1926). In: VOLOCHÍNOV, V. N. A construção da enunciação e outros ensaios. Tradução de João Wanderley Geraldi. São Carlos: Pedro & João , 2013. p. 71-100.). Isso se fez fundamental para explicar que a escolha por uma concepção de escrita atrela-se diretamente a uma concepção de linguagem que fornece os princípios teóricos e metodológicos, conforme defendia Geraldi já em 1984GERALDI, J. W. O texto na sala de aula- leitura e produção. Cascavel: Assoeste, 1984..

Dentre os conceitos sobre o dialogismo, foram discutidas as particularidades do signo ideológico que refrata e reflete os valores sociais, a importância da interação verbal como prática que permite o constante e dialógico acontecimento da linguagem, concretizados em enunciados concretos. (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2006BAKHTIN, M.; VOLOCHÍNOV, V. Marxismo e filosofia da linguagem. 12. ed. São Paulo: Hucitec, 2006.) Para Volochínov (2013VOLOCHÍNOV, V. N. Palavra na vida e a palavra na poesia. Introdução ao problema da poética sociológica (1926). In: VOLOCHÍNOV, V. N. A construção da enunciação e outros ensaios. Tradução de João Wanderley Geraldi. São Carlos: Pedro & João , 2013. p. 71-100.), o enunciado é constituído pela dimensão verbal e pela dimensão extraverbal, composta por aspectos sociais que nele se materializam. Como elementos extraverbais, consideram-se as condições de produção, explicados a partir de Menegassi (2010MENEGASSI, R. J. O processo de produção textual. In: SANTOS, A. R.; GRECO, E. A.; GUIMARAES, T. B. (Org.). A produção textual e o ensino. Maringá: Eduem , 2010. p. 71-102.): (1) interlocutores - autor e leitor, sujeitos sociais e históricos que se constituem na e pela linguagem; (2) a finalidade social - o propósito ao qual o texto responde; (3) o gênero discursivo - as possibilidades textuais configuradas socialmente; (4) o suporte - as formas sociais de concretização da linguagem; (5) a circulação social - os espaços sociais no qual o enunciado circulará; bem como seu contexto mais imediato quanto o mais amplo, ou seja, as relações sócio-históricas, dialógicas e valorativas que perpassam a situação de interação verbal. (BAKHTIN, 2003BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 262-306.; BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2006BAKHTIN, M.; VOLOCHÍNOV, V. Marxismo e filosofia da linguagem. 12. ed. São Paulo: Hucitec, 2006.)

Na continuidade, realizamos uma atividade coletiva de análise do gênero capa de revista, com um exemplar do periódico da revista Veja, por meio da qual reconhecemos as condições de produção e o contexto sócio-histórico, discutimos as relações dialógicas e de valor refletidas pelo enunciado e de como os elementos linguísticos-textuais-discursivos marcam esses aspectos no gênero discursivo.

Em sequência, selecionamos quatro textos de gêneros discursivos diferentes e cada docente em formação escolheu um deles para fazer análise a partir dos conceitos estudados. Houve, por fim, uma socialização da análise, na qual pudemos observar o engajamento dos professores em formação em entender os pressupostos do dialogismo. Convém observar que os docentes, em certa medida, já conheciam alguns conceitos estudados, uma vez que são abordados em outros conteúdos da disciplina de Linguística Aplicada, bem como em outras disciplinas do curso de Letras.

2º eixo - Os aspectos teóricos e metodológicos da escrita como trabalho

O segundo eixo buscou especificamente apresentar e discutir os objetivos, as características e os procedimentos metodológicos para o ensino de produção textual na escola. Assim, a partir dos textos “A escrita como trabalho em sala de aula”, de Menegassi (2016MENEGASSI, R. J. A escrita como trabalho na sala de aula. In: MENEZES, C. L. (Org.). A linguística aplicada no Brasil: rumos e passagens. Campinas: Pontes, 2016. p. 193-230.), e “Mediações pedagógicas no processo de produção de textos”, de Geraldi (2015GERALDI, J. W. Mediações pedagógicas no processo de produção de textos. In: GERALDI, J. W. A aula como acontecimento. São Carlos: Pedro & João, 2015. p. 165-182.), buscamos explicar os pilares que sustentam essa abordagem, como o entendimento da escrita como prática de produção de texto, do aluno como sujeito do dizer e do professor como coautor e mediador do processo de aprendizagem. Desenvolvemos a consciência de que, nessa abordagem, professor e aluno, embora com papéis diferentes, trabalham juntos no propósito de produzir o texto e de desenvolver o potencial comunicativo e discursivo por meio da escrita, principalmente nas etapas de revisão e de reescrita do texto.

As características e os objetivos da escrita como trabalho sistematizados por Menegassi (2016MENEGASSI, R. J. A escrita como trabalho na sala de aula. In: MENEZES, C. L. (Org.). A linguística aplicada no Brasil: rumos e passagens. Campinas: Pontes, 2016. p. 193-230.) foram explicados e exemplificados com nossa vivência também como professores da Educação Básica, a fim de explicitar as possibilidades e os desafios de contemplar na realidade escolar as teorias discutidas na universidade, que foram ampliadas com os relatos das vivências de estágios em que os docentes em formação realizavam, bem como das experiências daqueles que já atuavam como professores regentes ou auxiliares nos diferentes níveis de ensino.

A reflexão sobre o papel de cada agente no processo de produção textual encaminhou-se para explicação e discussão sobre os procedimentos metodológicos para ensinar a escrever. Para isso, com subsídio no texto “O processo de produção textual em sala de aula”, de Menegassi (2010MENEGASSI, R. J. O processo de produção textual. In: SANTOS, A. R.; GRECO, E. A.; GUIMARAES, T. B. (Org.). A produção textual e o ensino. Maringá: Eduem , 2010. p. 71-102.), nosso objetivo foi demonstrar que concebemos a escrita como um trabalho, porque ela se caracteriza pelo seu aspecto processual, recursivo e dialógico. O processo de escrita se encaminha por etapas que devem ser conhecidas por professor e aluno, orientando a produção de texto e servindo para avaliar as marcas de responsividade1 1 A noção de responsividade, nos escritos do Círculo de Bakhtin, refere-se tanto à natureza da linguagem de se constituir como compreensão de resposta e possibilidade a outros enunciados, tal como a atitude ética e ativa do sujeito como participante do processo interativo. (BAKHTIN, 2003; BAKHTIN; VOLOCHÍNOV, 2006) Nesse sentido, as marcas de responsividade, no processo de produção textual escrita, referem-se às atitudes ativas do estudante em cumprimento às etapas do processo de produção textual. e de contrapalavras2 2 A noção de contrapalavra, nos escritos do Círculo de Bakhtin, diz respeito à apropriação do discurso do outro pelo sujeito autor, a torná-lo individual pelo acento valorativo específico. (BAKHTIN, 2003) No processo de produção escrita, a contrapalavra se expressa pelas respostas dos alunos aos apontamentos feitos pelo professor no momento da revisão, com o intuito de fazer da reescrita uma etapa de adequação do texto ao seu projeto de dizer (MENEGASSI; LIMA, 2018). durante as etapas do percurso da escrita. (BAKHTIN, 2003BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 262-306.; BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2006BAKHTIN, M.; VOLOCHÍNOV, V. Marxismo e filosofia da linguagem. 12. ed. São Paulo: Hucitec, 2006.; MENEGASSI; LIMA, 2018MENEGASSI, R. J.; LIMA, N. E. A contrapalavra em processos de revisão e de reescrita. Signum: Estudos da Linguagem, Londrina, v. 21, n. 3, p. 208-327, 2018.)

As etapas do processo de produção textual - planejamento, execução, revisão, reescrita e avaliação - foram detalhadas com exemplos e com atividades práticas para colocar os docentes em formação em protótipos de situações reais de ensino da escrita. No que tange à revisão e à reescrita, buscamos subsídios em Menegassi e Gasparotto (2016MENEGASSI, R. J.; GASPAROTTO, D. M. Revisão textual-interativa: aspectos teórico-metodológicos. Domínios de Lingu@agem, Uberlândia, v. 10, n. 3, p. 1019-1045, 2016.) para explicitar os tipos de revisão, com ênfase na revisão textual-interativa, principalmente na explicação de estratégias de como executar esse tipo de revisão no texto do aluno.

Cientes de que as etapas do processo de produção textual são fundamentais para o desenvolvimento da aprendizagem da escrita, junto aos docentes, analisamos livros didáticos de todas as etapas de ensino, aprovados pelo Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD), com o intuito de observar se e como essas etapas do processo de produção textual são abordadas nesses materiais. Como resultados, constatamos que nem todos os livros didáticos contemplam todas as etapas do processo de produção textual, bem como foi identificado que algumas etapas recebem mais ou menos ênfase de uma obra para outra. De forma geral, a análise se direcionou para a necessidade de o material didático também ensinar a escrever, tal qual aponta Menegassi (2016MENEGASSI, R. J. A escrita como trabalho na sala de aula. In: MENEZES, C. L. (Org.). A linguística aplicada no Brasil: rumos e passagens. Campinas: Pontes, 2016. p. 193-230.).

3º eixo - Práticas e vivências de escrita como trabalho

No terceiro eixo, nosso intuito foi demonstrar práticas efetivas de produção textual com base na concepção de escrita como trabalho. Para tanto, relatamos uma experiência de ensino de produção textual com o gênero discursivo notícia, que desenvolvemos anteriormente em uma turma de 6º ano do Ensino Fundamental de uma escola estadual paranaense e propomos, aos professores em formação, práticas de revisão textual e de construção de atividades de análise linguística a partir dos textos de alunos oriundos do Ensino Fundamental, como forma de engajamento dos professores em pretensas situações de ensino.

Para isso, descrevemos, explicamos e analisamos tanto o material didático quanto os procedimentos de ensino que adotamos durante a execução desse plano de atividades com os alunos do 6º ano, a fim de explicitar as características da concepção de escrita como trabalho. As etapas e descrição do trabalho são apresentadas brevemente no Quadro 2.

Quadro 2
Práticas de Produção Escrita no contexto do 6ºano

Como forma de praticar as vivências pedagógicas, os estudantes do curso de Letras realizaram individualmente uma atividade de revisão textual dos textos dos alunos do Ensino Fundamental que participaram do exercício. Os docentes em formação inicial tiveram uma hora para realizar revisão e todos concluíram dentro do prazo determinado. Durante a execução das atividades, poucos docentes solicitaram ajuda e, quando o fizeram, foi para esclarecer incompreensões referentes à caligrafia ou para obter mais detalhes da prática pedagógica citada no Quadro 2. O comando orientador dessa atividade apresenta-se no Quadro 3.

Quadro 3
Comando do exercício de produção textual

Realizamos a avaliação individual desse exercício, devolvemos aos docentes em formação com anotações, a partir das quais promoveu-se uma discussão para apontar as possibilidades e os desafios dessa prática em ambiente escolar de Educação Básica. As revisões efetuadas compõem nosso corpus de análise e sobre elas discutimos como a abordagem privilegia os pressupostos da escrita como trabalho.

4 O professor em formação inicial em práticas de revisão textual

Tomamos como objeto de análise nove textos revisados. Escolhemos os textos dos docentes em formação que participaram de todas as etapas, todas as aulas do período e cumpriram com todas as atividades durante a abordagem desse conteúdo, como critério específico.

Nosso objetivo foi compreender como os docentes realizaram a revisão e como a atividade reflete os pressupostos da concepção da escrita como trabalho. Assim, os critérios de análise se alicerçam nos três pilares desse viés metodológico, a partir de Geraldi (1984GERALDI, J. W. O texto na sala de aula- leitura e produção. Cascavel: Assoeste, 1984., 2015) e de Menegassi (2016MENEGASSI, R. J. A escrita como trabalho na sala de aula. In: MENEZES, C. L. (Org.). A linguística aplicada no Brasil: rumos e passagens. Campinas: Pontes, 2016. p. 193-230.): o entendimento da escrita como prática de produção de texto; o papel do professor como coautor; e o aluno como sujeito do dizer, especificados no Quadro 4.

Quadro 4
Critérios de análise

O modo como os professores em formação procederam na revisão revela que reagiram e internalizaram de forma diferente os pressupostos estudados, o que é natural, a considerar a heterogeneidade das salas de formação docente inicial. Categorizamos a revisão dos docentes em três grupos: (1) não atenderam aos pressupostos e revisaram o texto tratando-o como redação, no qual se inserem dois textos; (2) atenderam parcialmente aos pressupostos com atitudes que revelam um processo de internalização das noções estudadas, no qual se inserem cinco textos; (3) atenderam aos pressupostos estabelecidos, no total de dois textos. Para explicitar a categorização estabelecida, passamos à análise de um texto de cada categoria, como exemplo.

4.1 Exemplo de revisão 1

O exercício solicitou que a revisão contemplasse as condições de produção, as características do gênero e os problemas gramaticais. Apesar dessa orientação, observamos que dois docentes tomaram o texto como redação, isto é, apenas contemplaram o aspecto gramatical, conforme se vê no exemplo a seguir.

Figura 1
Revisão 1

O docente utiliza diversas estratégias para revisar o texto do aluno. No 1º parágrafo, sublinha as palavras repetidas e sinaliza-as com uma nota de rodapé, chamando atenção para a repetição do verbo “comemorar” e pede para corrigir a pontuação. Reconhece-se a tentativa do docente em se assumir como leitor do texto do aluno ao fazer uma menção de ordem discursiva, ao afirmar que se deve evitar a repetição “a fim de enriquecer seu texto e não deixá-lo cansativo”. Apesar de mencionar que a pontuação precisa ser corrigida, não faz marcação no texto a esse respeito, o que torna muito difícil uma tomada de atitude do estudante do 6º ano, que ainda está em processo de aprendizagem das convenções da escrita. O professor, ao mesmo tempo em que deve atuar como coautor e contribuir para as melhorias do texto, também desenvolve o papel de mediador da aprendizagem, por isso deve oferecer “intervenções sistematizadas”. (MENEGASSI, 2016MENEGASSI, R. J. A escrita como trabalho na sala de aula. In: MENEZES, C. L. (Org.). A linguística aplicada no Brasil: rumos e passagens. Campinas: Pontes, 2016. p. 193-230., p. 202)

No 2º parágrafo, o docente sublinha duas palavras escritas incorretamente, sinaliza-as com notas de rodapé com menção a esse aspecto. Pressupõe-se o entendimento de que apenas a descrição da incorreção já é suficiente para a tomada de atitude do estudante em revisar o aspecto notificado, o que revela uma preocupação maior com a higienização do texto do que com a aprendizagem do aspecto gramatical. Já no 3º parágrafo, sublinha praticamente todo o parágrafo e, em nota de rodapé, comenta a respeito da pontuação e explica como se utiliza a vírgula e o ponto final, embora não tenha feito sinalizações específicas sobre esse aspecto no texto.

Nesse primeiro exemplo, observa-se que o docente contemplou prioritariamente aspectos gramaticais na revisão e os abordou de maneira distinta: as incorreções ortográficas foram apenas apontadas, porém, em relação aos problemas de pontuação, houve uma pequena explicação sobre como usar a vírgula e o ponto final, apesar de não haver uma sinalização específica no texto do aluno. Isso mostra que o docente sabe reconhecer aspectos gramaticais relevantes a serem revisados, contudo, ainda falta clareza metodológica ao orientá-lo a resolver as inadequações do texto, o que será alcançada com a prática do processo. A estratégia de escrita de comentários é pertinente e permite um diálogo direto com o aluno, todavia é necessário que esteja relacionado a uma sinalização específica no texto.

De forma geral, o docente atendeu apenas um dos aspectos solicitados no comando orientador da atividade: “Problemas gramaticais significativos”. Deixou de contemplar dois quesitos fundamentais quando se concebe a escrita como trabalho: as condições de produção e as características do gênero discursivo, aspectos que favorecem o entendimento da produção como texto e dos interlocutores - professor e aluno- como sujeitos sociais envolvidos em prática discursiva. O processo desempenhado pelo docente em formação assemelha-se mais à prática de correção textual do que de uma revisão textual propriamente, já que faz a revisão higienizando o texto e não colaborando com o processo de escrita do aluno, conforme discutido nos encontros de formação. Nesse sentido, Menegassi e Gasparotto (2019MENEGASSI, R. J.; GASPAROTTO, D. M. Revisão dialógica: princípios teórico-metodológicos. Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, v. 19, n. 1, p. 107-124, 2019.) apontam para o caráter provisório e didático da revisão, uma vez que almejam tanto o aperfeiçoamento do texto quanto o desenvolvimento de estratégias de escrita, o que leva à possibilidade de, com novas atividades de revisão textual, o futuro docente ampliar sua compreensão sobre o processo de revisão textual, que também envolve a correção. Isso significa que os conceitos do dialogismo estudados, bem como os pressupostos da escrita como trabalho, não foram internalizados de forma plena por ele e revela o quanto as concepções tradicionais de texto e de agir docente sobre a escrita estão enraizadas e, portanto, refletidas por docentes no processo de formação inicial nas atividades de revisão textual, neste caso ainda caracterizado como uma correção textual.

4.2 Exemplo de revisão 2

No segundo grupo, observamos docentes que avançam no processo de revisão ao contemplarem não somente os aspectos gramaticais, mas também as condições de produção, porém ainda de forma incipiente e sem comentários específicos, conforme se mostra no exemplo 2.

Figura 2
Revisão 2

No exemplo 2, o docente fez algumas correções resolutivas ao apontar as palavras que estavam escritas incorretamente. Essa estratégia pressupõe um aluno consciente a respeito das convenções da escrita, pois parte do princípio de que é capaz de visualizar os apontamentos e, assim, corrigi-los.

Além das correções resolutivas marcadas no texto, o docente escreveu um bilhete, em que avalia o texto, apontou inadequações gramaticais e solicitou que o aluno relesse o texto.

O docente inicia o bilhete com uma avaliação a respeito do texto “Ana, sua notícia parece-me interessante”. Isso se faz fundamental nessa concepção, pois a avaliação é aspecto inerente da revisão textual e o parecer do professor é fundamental para que o aluno reflita se cumpriu ou não com o objetivo e o que precisa ser feito para melhorar. Leal (2003LEAL, L. F. V. A formação do produtor de texto escrito na escola: uma análise das relações entre os processos interlocutivos e os processos de ensino. In: VAL, M. G. C.; ROCHA, G. (Org.). Reflexões sobre práticas escolares de produção de texto: o sujeito autor. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. p. 53-67.) ressalta que o aluno espera do professor “algum retorno, não um retorno qualquer, mas algo capaz de permitir uma dialogia, entendendo-a como um momento de produção de sentido”. (LEAL, 2003LEAL, L. F. V. A formação do produtor de texto escrito na escola: uma análise das relações entre os processos interlocutivos e os processos de ensino. In: VAL, M. G. C.; ROCHA, G. (Org.). Reflexões sobre práticas escolares de produção de texto: o sujeito autor. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. p. 53-67., p. 55) Essa avaliação e diálogo com o aluno não ocorreu no exemplo de revisão 1, o que faz com que a revisão 2 avance ao contemplar os pressupostos da escrita como trabalho. Porém, nessa avaliação, devem conter elementos concretos e não apenas impressões subjetivas, por exemplo, no comentário “interessante”, que não se mostra como algo assertivo, já que não é suficiente para motivar uma reflexão e atitudes responsivas por parte do aluno-produtor.

Ainda sobre os aspectos gramaticais e em forma de comentário, o professor em formação alerta e explica a respeito da pontuação “Atente-se à pontuação como por exemplo usar o ponto final quando terminar uma informação”, entretanto não faz a marcação no texto, o que pode confundir o aluno e não ser eficiente para uma tomada de consciência por parte do estudante.

Ao término dos comentários, o docente em formação convida o aluno do Ensino Fundamental a reler o texto e o instiga a avaliar a compreensão da notícia pelo leitor. Nota-se que há, embora incipiente, a consideração do aluno como autor que tem um projeto de dizer e que se dirige a um leitor “certifique-se se o leitor de sua notícia compreenderá”. Isso evidencia uma compreensão diferente do texto, pois se considera um autor, o interlocutor e o projeto de dizer, ainda que a ausência de comentários mais específicos dificultar a mudança.

Portanto, observamos que o docente se encontra em processo de internalização dos pressupostos metodológicos da escrita como trabalho, uma vez que demonstra compreender a importância das condições de produção no momento da revisão, além de usar uma abordagem que busca o diálogo com o aluno por meio de comentários. Todavia, há ainda algumas demandas que não foram respondidas, por exemplo, a intenção diretamente no projeto de dizer com sugestões e o apontamento sobre as características do gênero notícia.

4.3 Exemplo 3

No exemplo 3, nota-se um processo bem detalhado de revisão no qual o docente faz marcações específicas no texto e as explica com comentários.

Figura 3
Revisão 3

Ressalta-se que o docente responde à demanda de apontar problemas gramaticais significativos, mas para isso relaciona-os às características do gênero discursivo, por exemplo, no apontamento 1: “O título do seu texto traz o fato da notícia. Podemos verificar a presença do verbo no tempo presente nesta parte?”. Nota-se a possibilidade de desenvolver um trabalho de revisão dos aspectos gramaticais a partir das características do gênero discursivo, o que promove o aperfeiçoamento não só de cunho estritamente gramatical, mas também linguístico-textual-discursivo. Observa-se a diferença em relação às revisões 1 e 2, nas quais os apontamentos gramaticais não estavam relacionados ao todo do enunciado.

É visível a preocupação do docente em formação em considerar as condições de produção, ressaltando o papel do estudante como um sujeito-autor, que faz escolhas linguísticas, tal como o reconhecimento da importância de que o texto esteja escrito nas características do gênero para atingir sua finalidade social. Destaca-se o apontamento 4, no qual o docente em formação promoveu a reflexão sobre as escolhas linguísticas do aluno e o questiona sobre outras formas de escrever as ideias em questão, o que evidencia que o concebe como autor, pois leu o texto e buscou entender o projeto de dizer: “Nota-se que você quis enfatizar bastante, no primeiro parágrafo, a ideia de que houve uma comemoração no colégio. Quais seriam outras maneiras de escrevermos estas ênfases sem termos tantas repetições?”. Observa-se que o docente assume a postura do coautor e de mediador do desenvolvimento da escrita, pois faz um apontamento a partir das escolhas linguístico-discursivas do próprio aluno.

Evidencia-se que o docente em formação inicial tem domínio do texto ensinado, o que contribui para direcionamentos específicos a fim de aperfeiçoar a produção das características do gênero, seja nos aspectos composicionais, estilísticos ou temáticos. No apontamento 6, além de questionar a estrutura do depoimento, propõe uma alternativa ao texto do aluno: “A estrutura do depoimento está adequando ao gênero notícia? Para se adequar melhor ao gênero notícia é mais interessante iniciarmos com a fala da pessoa entrevistada, por exemplo: ‘Achei bem legal!’, foi a declaração que a aluna Fernanda fez por ter participado da festividade”. Isso se torna fundamental para a aprendizagem da escrita, pois, nesse processo de formação, o apropriar-se de palavras alheias, do discurso do professor, é um passo para a devolução de contrapalavras, assim como aponta Menegassi (2009MENEGASSI, R. J. A internalização da escrita no ensino fundamental. In: ANTONIO, J. D; NAVARRO, P. (Org.). O texto como objeto de ensino, de descrição linguística e de análise textual e discursiva. Maringá: Eduem, 2009. p. 27-47.) ao discutir a internalização da escrita.

O docente considerou a prática de escrita como produção de texto e não simplesmente como uma redação e contemplou a dimensão gramatical, mas, também, e principalmente, a dimensão enunciativo-discursiva, com destaque às condições de produção e às características do gênero discursivo, ou seja, atua como coautor para que o projeto de dizer do texto seja efetivado.

5 A escrita como trabalho: possibilidades e lacunas

A partir da atividade de revisão realizada pelos docentes em formação, é possível apontar possibilidades e dificuldades na preparação do professor para o ensino da produção textual, bem como algumas reflexões sobre a revisão à luz da concepção de escrita como trabalho. Para o professor em formação, a atividade prática tornou-se um espaço de desenvolver, confrontar e internalizar os aportes teóricos-metodológicos estudados. Esse foi um momento em que o docente refletiu sobre os conhecimentos e aprendeu a tornar-se mediador no processo de ensino da escrita. Esse aspecto merece atenção na formação dos professores, já que tão fundamental quanto ensinar a escrever é capacitá-lo para que saiba fazer a mediação e revisar os textos de seus alunos.

Para tanto, apresentamos no Quadro 5 uma síntese dos aspectos que foram compreendidos e daqueles que precisam ser melhorados, a partir do qual encaminhamos a discussão.

Quadro 5
Síntese da análise dos dados

Nas revisões analisadas, principalmente as do grupo 1 e 2, observamos que há ainda aspectos não compreendidos que precisam ser melhorados para que o processo de revisão seja eficiente. Dentre eles, ressaltamos que muitos docentes em formação não são específicos nas marcações e nos comentários feitos nos textos. Embora apontem os problemas a serem melhorados, nem sempre trazem orientações determinadas para o aperfeiçoamento da escrita, ou seja, falta a consciência do caráter metodológico e mediador no desenvolvimento da aprendizagem da escrita. Isso revela ainda que está implícito no docente o seu papel de corretor textual e não necessariamente de mediador do processo de aprendizagem, o qual se pressupõe, além de uma marcação específica no texto, uma orientação de como resolver e melhorar o aspecto apontado. Menegassi e Gasparotto (2016MENEGASSI, R. J.; GASPAROTTO, D. M. Revisão textual-interativa: aspectos teórico-metodológicos. Domínios de Lingu@agem, Uberlândia, v. 10, n. 3, p. 1019-1045, 2016.) apontam que a abordagem de revisão feita pelo docente pode tanto aperfeiçoar quanto atrapalhar e confundir o estudante no momento da reescrita. Por isso, surge a necessidade de exercitar o apontamento das incorreções nos textos dos estudantes e da escrita dos comentários com o intuito de orientar o aperfeiçoamento do texto. Esse fato aponta para as dificuldades da transposição didática que não se restringem apenas à elaboração de uma proposta que alie a realidade escolar aos usos sociais da escrita em outros contextos, mas, sobretudo, na forma como o processo de ensinar a escrita é conduzido pelo professor nas diferentes etapas do processo de produção, como enfatiza Polato (2013POLATO, A. D. M. A mediação do professor nas diferentes etapas da produção textual escrita. In: Encontro Interdisciplinar de Educação, 5., 2013, Campo Mourão. Anais […]. Campo Mourão: ABRAPEE, 2013. p. 1-12.) e Menegassi (2016MENEGASSI, R. J. A escrita como trabalho na sala de aula. In: MENEZES, C. L. (Org.). A linguística aplicada no Brasil: rumos e passagens. Campinas: Pontes, 2016. p. 193-230.).

Se por um lado os docentes em formação respondem à demanda de apontar os problemas gramaticais significativos, como mostram os três exemplos expostos, por outro apresentam dificuldades para reconhecer e sugerir melhorias específicas nos textos a respeito das condições de produção e das características do gênero discursivo, como relatam os exemplos de revisão 1 e 2. Isso evidencia a dificuldade de se reconhecer no texto os aspectos discursivos que, apesar de serem marcados linguisticamente, só possuem sentido se considerada sua dimensão extraverbal. Por sua vez, quando o texto foi considerado como um enunciado completo e representativo de um gênero discursivo, foi possível observar que o docente consegue assumir seu papel de coautor do texto, pois faz menções mais específicas para o seu desenvolvimento, como observado no exemplo de revisão 3. O domínio do gênero a ser ensinado pelo professor é outro fator que pode conduzir a revisão com mais propriedade.

Dentre outros aspectos que poderiam ser mencionados e discutidos apontamos a pertinência desse tipo de atividade para a formação docente inicial em Letras e para as pesquisas sobre produção textual e ensino. A análise mostrou que é necessário um processo para a internalização dos aspectos teóricos e metodológicos da escrita como trabalho. As dificuldades são evidenciadas quando os docentes foram colocados em vivências pedagógicas efetivas, pois mostram que não há uma correlação direta entre estudar os aportes teórico-metodológicos e executá-los na prática pedagógica. Torna-se necessário que a dimensão prática das concepções encontre maior espaço no curso de formação inicial em Letras para explicitar a relação teoria-prática e instrumentalizar o futuro professor para desempenhar mediações pedagógicas de acordo com as abordagens discutidas, assim como propomos neste artigo.

6 Considerações finais

Nosso objetivo foi contribuir para a formação inicial do professor de Língua Portuguesa e para o exercício do ensino de produção textual, segundo os pressupostos de escrita como trabalho. De forma específica, analisamos um exercício de revisão textual feito por docentes que participaram da pesquisa.

Na análise dos textos que compuseram o corpus deste estudo, delimitamos, como critérios de análise, os pilares da concepção de escrita como trabalho: (1) a consideração da escrita como prática de produção textual; (2) o papel do aluno como sujeito do dizer; (3) o papel do professor como coautor do texto e mediador do processo de desenvolvimento da escrita, que se deu a partir de um comando que solicitou a análise de três aspectos: (1) comando de produção; (2) características do gênero discursivo; (3) problemas gramaticais significativos.

A partir desses critérios, classificamos as revisões em três grupos. No primeiro, os futuros docentes priorizaram apenas a dimensão gramatical e demonstraram que sabem reconhecer este aspecto do texto dos estudantes, contudo nem sempre foram claros ao efetuarem as marcações no texto e ao relacioná-las com comentários de revisão. Ao não contemplarem as condições de produção nem as características do gênero discursivo, os docentes mostraram que não refletiram integralmente os pressupostos da escrita como trabalho, o que reduziu seu papel a um corretor textual e ao texto do aluno a uma redação.

No segundo grupo, os docentes demonstraram reconhecer os aspectos gramaticais significativos e, de forma incipiente, em alguns casos, fizeram apontamentos sobre as condições de produção e sobre as características do gênero discursivo. No exemplo apresentado, o docente em formação inicial reconhece a produção como um enunciado concreto ao fazer uma avaliação sobre o texto do estudante e chamar-lhe a atenção a respeito de sua compreensão pelo leitor. Todavia, não há orientações específicas para que os estudantes melhorem esses aspectos apontados, o que dificulta a tomada de consciência por parte dos alunos.

O terceiro grupo é formado por revisões que contemplaram os princípios da escrita como trabalho. No exemplo exposto, o docente em formação demonstrou o compromisso em contribuir não somente para aprimorar a dimensão linguística, mas, sobretudo, a discursiva, ao fazer apontamentos a partir das características do gênero discursivo, considerando o nível temático, composicional e estilístico. A esse respeito, consideramos que conduzir a revisão a partir das características do gênero possibilita que o professor assuma o papel de coautor do texto, faça mediações de aprimoramento da escrita, além de estimular o estudante, sujeito-autor, a refletir sobre suas escolhas linguístico-textual-discursivas, tendo em vista o comando e o contexto de produção.

A partir dessa análise, pudemos discutir a respeito das possibilidades e das lacunas na formação do professor para o ensino da produção de texto, em especial, a revisão textual. Como lacunas, destacamos a necessidade de o professor refletir sobre a natureza metodológica da revisão, buscando oferecer marcações e comentários mais específicos. Outro dado significativo diz respeito ao fato de nem todos os futuros docentes terem internalizado integralmente os pressupostos da escrita como trabalho, o que mostra que não há uma correlação direta entre o estudo dos pressupostos teóricos e metodológicos com sua aplicação em atividades práticas. Portanto, reconhecemos a pertinência de inserir na formação docente inicial vivências pedagógicas para possibilitar aos professores aprendizado e desenvolvimento de estratégias para o ensino da produção textual escrita em todas as suas etapas, em especial, na revisão, pois são tais situações que contribuem para a formação do docente e, também, revelam os aspectos compreendidos e os que necessitam ser melhorados.

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  • 1
    A noção de responsividade, nos escritos do Círculo de Bakhtin, refere-se tanto à natureza da linguagem de se constituir como compreensão de resposta e possibilidade a outros enunciados, tal como a atitude ética e ativa do sujeito como participante do processo interativo. (BAKHTIN, 2003BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 262-306.; BAKHTIN; VOLOCHÍNOV, 2006BAKHTIN, M.; VOLOCHÍNOV, V. Marxismo e filosofia da linguagem. 12. ed. São Paulo: Hucitec, 2006.) Nesse sentido, as marcas de responsividade, no processo de produção textual escrita, referem-se às atitudes ativas do estudante em cumprimento às etapas do processo de produção textual.
  • 2
    A noção de contrapalavra, nos escritos do Círculo de Bakhtin, diz respeito à apropriação do discurso do outro pelo sujeito autor, a torná-lo individual pelo acento valorativo específico. (BAKHTIN, 2003BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 262-306.) No processo de produção escrita, a contrapalavra se expressa pelas respostas dos alunos aos apontamentos feitos pelo professor no momento da revisão, com o intuito de fazer da reescrita uma etapa de adequação do texto ao seu projeto de dizer (MENEGASSI; LIMA, 2018).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Out 2021
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2021

Histórico

  • Recebido
    29 Abr 2020
  • Aceito
    06 Mar 2021
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