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Carta da Editora

Carta da Editora

Quando fui convidada a editar este número da Revista Brasileira de Lingüística Aplicada não imaginava que receberíamos tantos artigos. Os trabalhos que foram submetidos para análise surpreenderam, pois a avaliação, como área de estudo e de pesquisa, ainda é uma disciplina marginal na academia no Brasil. Nossos cursos de graduação e pós-graduação ainda não lhe dedicam um espaço garantido em suas grades curriculares. Isso significa que a maioria daqueles que têm a responsabilidade de lidar com processos avaliativos ou elaborar avaliações ainda o fazem intuitivamente, o que explica a dificuldade de se obter da avaliação um resultado que seja útil tanto para o avaliador como para o avaliado. Por ser um procedimento fundamental na educação, é através da avaliação que informações sobre uma determinada situação são obtidas, as quais, por sua vez, apontam as decisões ou os procedimentos a serem tomados para que a avaliação cumpra seu papel _ orientar ações que venham a melhorar o desempenho de algo em um determinado contexto. Daí, a importância deste volume.

No caso dos artigos desta edição, o contexto avaliado é a escola, a sala de aula, o ensino e a aprendizagem. Os leitores, tanto aqueles que não conhecem os meandros da área quanto aqueles que se interessam por ela e nela pesquisam, terão oportunidade de encontrar uma sólida contribuição ao desafio que avaliação representa. Ao mesmo tempo, poderão apreciar a complexidade de assuntos que o tema levanta, tais como: questões a fins a (auto)-avaliação, cognição e poder, a concepções de avaliação que orientam professores e livros didáticos, as crenças sobre erro e correção de professores e alunos, uma análise de provas elaboradas por professores de escola pública bem como o resultado de uma pesquisa com foco na avaliação institucional e de experiências de aprendizagem que revelam como estudantes avaliam o ensino de língua estrangeira no contexto escolar. Finalmente, recebemos uma resenha sobre o livro de Brown e Hudson (2002), Criterion-Referenced Language Testing, que apresenta a avaliação como procedimento que pode ser aprendido, desenvolvido e aperfeiçoado. A apresentação dos textos segue uma lógica, os primeiros quatro artigos tratam de questões mais teóricas, envolvendo ideologias, política, e conceitos, os três seguintes tratam de questões pontuais ligadas à avaliação em sala de aula e os dois últimos tratam de avaliação institucional e avaliação do ensino em geral. Passo, assim, a uma breve apresentação de cada um dos artigos que compõem esta edição.

Este volume começa com o artigo de Sueli Salles Fidalgo da PUC-SP, que traz um histórico da avaliação na escola com foco nos modelos de avaliação que se encontram em uso, os conceitos fundamentais que orientam uma avaliação de qualidade, os tipos de avaliação que são apresentados aos professores através de documentos oficiais, tais como os PCN's, tratando inclusive do desafio que a adoção da auto-avaliação representa e dos conflitos que se apresentam na definição de um programa de avaliação.

As autoras, Vera Menezes da UFMG e Liliane Assis Sade da UFSJ, se debruçam sobre a delicada problemática da relação entre avaliação e poder ao analisar memórias da vida escolar de estudantes que registram histórias sobre avaliação. Ao analisar a relação entre avaliação e as concepções que buscam compreender a cognição humana, apresentam seis princípios que emergem de pesquisas sobre a memória. Estes embasam suas interpretações sobre as memórias de avaliação relatadas por estudantes e as análises do impacto que a avaliação tem sobre os mesmos.

A contribuição de Myriam Crestian Chaves da Cunha da UFPA discute a problemática do conceito de avaliação formativa e continuada no ensino e aprendizagem do português língua materna. Sua abordagem ao tema revela o perigo de se buscar a transformação da prática através da apresentação de conceitos sem a adequada análise dos mesmos, i.e., o perigo de assumir um discurso que não se reflete na prática. O argumento da autora defende não só (1) o resgate da importante relação entre ensino e aprendizagem de língua e avaliação bem como (2) a clareza quanto aos objetos de aprendizagem e (3) a importância de discutir conceitos sob uma perspectiva que inclui a didática e as metodologias para viabilizar uma articulação entre discurso e prática.

Com o olhar direcionado à relação entre concepção de avaliação, livro didático e crenças, o artigo de Cláudia Hilsdorf Rocha, Leny Costa (pós-graduandos da Unicamp) e Kleber Aparecido da Silva (doutorando da UNESP) apresenta os resultados de um estudo de cunho etnográfico realizado com quatro professores de língua inglesa, atuando nos 1o e 2o ciclos do ensino fundamental público. Com a apresentação de excertos dos dados, os resultados evidenciam uma dissonância não só entre a proposta de avaliação anunciada e a efetivamente implementada no material didático como também em relação às crenças dos professores.

A seguir, tratando da avaliação realizada no cotidiano da sala de aula, o artigo de Sulene Vaz da Silva e Francisco José Quaresma de Figueiredo da UFG aborda as crenças sobre erro e correção de dois professores e alguns de seus alunos no contexto da escola pública. Baseado em um estudo realizado em 2003 em quatro turmas com 120 estudantes, os dados que apresentam foram gerados de 40 horas de vídeo das aulas desses professores e de suas respostas a questionários e relatos em entrevistas. Os resultados evidenciam que as experiências anteriores têm um papel na reprodução ou não de padrões de correção por parte dos professores e de como os estudantes lidam com o erro. Dessa forma, o erro e a correção ainda são conceitos associados ao fracasso e não à construção da possibilidade de sucesso.

Com o foco em 40 provas elaboradas por professores de inglês na escola pública, Maria Tereza Nunes Marchezan da UFSM, apresenta resultados pouco animadores em relação ao ensino de língua estrangeira e a avaliação em sala de aula. Quanto ao ensino, a concepção de aprendizagem que subjaz aos conteúdos testados através das provas reforça uma visão de aprendizagem de língua como processo de aquisição de estruturas e vocabulário. Quanto à avaliação, as provas analisadas deixam a desejar em relação à escolha de formatos das questões que os professores elaboram. Seu artigo traz uma boa revisão sobre a literatura que trata da elaboração de instrumentos de avaliação e problematiza a questão da formação do professor na área de avaliação seja esta inicial ou em serviço.

Deixando o cotidiano da avaliação em sala de aula através de correções e provas, o artigo de Christine Sant'Anna de Almeida do CESV e de Laura Miccoli da UFMG se volta para a questão da avaliação institucional. Seus resultados oferecem uma apreciação da formação de professores de inglês em nível universitário no Espírito Santo, que emerge da pesquisa de levantamento de dados realizada em quatro das cinco instituições que à época da pesquisa (2002) já tinham turmas formadas ou com formatura prevista. Através de questionários, foram ouvidos os três segmentos da comunidade universitária _ instituição, professores e estudantes. Os resultados indicam que a avaliação não é um procedimento cotidiano nessas instituições de ensino e que a formação de professores de inglês no Espírito Santo ainda deixa a desejar.

Por sua vez, Mariney Pereira da Conceição da UnB nos oferece uma avaliação do ensino de língua inglesa em contexto de escolas públicas ou particulares a partir dos relatos de 51 estudantes sobre suas experiências de aprendizagem em língua inglesa anterior ao seu ingresso na universidade. Baseado em um estudo de caso realizado em uma universidade pública, através do uso de questionários e entrevistas individuais, os resultados que emergem são pouco animadores, pois seus dados confirmam que os avanços na área de ensino e aprendizagem de língua estrangeira não chegaram de forma efetiva às salas de aulas em que esses 51 estudantes estudaram. Conceitos ultrapassados ainda prevalecem, urgindo a transformação dessa realidade via mudanças na formação inicial e na formação continuada de professores.

A última contribuição que compõe este número é de Ricardo Augusto de Souza da UFMG, que resenhou o livro de BROWN, J.D. e HUDSON, T. Criterion-Referenced Language Testing. Cambridge: Cambridge University Press, 2002, proporcionando aos nossos leitores uma apreciação detalhada do conteúdo dessa obra e de sua importância para aqueles se interessam por conduzir processos de avaliação de qualidade. Após a leitura da resenha, acredito que o livro de Brown e Hudson passará a ser bibliografia recomendada para os que estudam avaliação e deverá ser encontrada na biblioteca daquele professor que busca aperfeiçoar-se na área.

Por fim, agradecemos aos autores que nos enviaram seus trabalhos, agradecimentos que estendemos aos pareceristas que, através de sua cuidadosa leitura, contribuíram para aprimorar a qualidade dos artigos que fazem parte deste número, sem nos esquecer de estagiários, revisores e dos colegas que de uma forma ou de outra colaboraram para que esta edição se concretizasse. Boa leitura a todos!

Laura Miccoli

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Abr 2013
  • Data do Fascículo
    2006
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