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Carta da editora

Carta da editora

Foi um privilégio para a editoria organizar este número temático da RBLA. Neste volume, dedicado ao letramento, estão presentes estudos muito bem feitos e que geram discussões urgentes. As reflexões que esses artigos provocam enfatizam a necessidade de repensarmos a educação para que ela seja realmente inclusiva, lide com uma concepção atual e ampla da noção de letramento, seja significativa para os alunos, trabalhe com uma abordagem em que os alunos sejam sujeitos críticos, ativos e participativos nas situações cotidianas, que sempre envolvem a lida com textos escritos ou orais, impressos ou digitais dos mais diversos gêneros. Além disso, nos faz sentir a intensa necessidade de a escola se desprender de abordagens conteudistas tradicionais e práticas essencialmente individuais de aprendizagem. Nesse sentido, vários artigos nos mostram as contribuições que uma incorporação real do digital nas práticas educativas pode trazer para fazermos uma escola que desenvolva nos alunos não apenas o saber de alguns conteúdos relevantes, mas também habilidades importantes para sua participação na sociedade contemporânea, como a autonomia da aprendizagem e o trabalho colaborativo, distribuído e compartilhado entre muitas pessoas.

Este volume especial é composto por dezesseis artigos - todos muito instigantes, como espero ser capaz de mostrar a vocês nos breves comentários sobre eles que passo a apresentar agora e que certamente não serão capazes de refletir toda a densidade e relevância das discussões que suscitam. Esse trabalho ficará a cargo dos leitores, que, tenho certeza, vão perceber a contribuição de cada um dos textos na discussão sobre letramento e, positivamente contaminados por eles, continuarão desenvolvendo essas discussões em outras redes. Quem sabe assim, em breve, teremos avançado bastante na discussão de alguns problemas e encontrado boas soluções para eles.

No texto que abre este volume, Elizabeth Maria da Silva e Denise Lino de Araújo, partindo do pressuposto de que, a exemplo do que mostra Brian Street, os usos e as funções do letramento não são universais e de que as práticas letradas resultam de diferentes contextos, nos mostram como três abordagens do letramento - a crítica a sociopragmática e a sociorretórica - não são exclusivas, mas se completam, ampliando e enriquecendo a noção de letramento.

Denise Tamaê Borges Sato, Izabel Magalhães e José Ribamar Lopes Batista Júnior, por sua vez, preocupados com uma educação realmente inclusiva, apresentam o resultado de pesquisas realizadas durante cinco anos no Distrito Federal, Goiás, Ceará e Piauí, buscando analisar os discursos e as práticas de letramento inclusivo e como eles operam na construção das identidades docentes. Os resultados são preocupantes, assim como o são os encontrados por Michelle Donizeth Euzébio.

No estudo etnográfico que relata em seu artigo, Michelle faz constatações preocupantes sobre as práticas de escrita escolar em um grupo de crianças de um bairro considerado de vulnerabilidade social. Considerando a escola como um importante agente de letramento e entendendo que há letramentos variados, ou seja, que em cada cultura há vários letramentos relacionados a diferentes situações da vida, a autora verificou um descompasso entre a escola e a sociedade. Uma escola que tanto desconhece quanto desconsidera as práticas letradas de seus alunos.

Pesquisando crianças de 4 anos de idade, Neilson Alves de Medeiros discute, de forma muito interessante, o papel dos jogos de linguagem no desenvolvimento de gêneros textuais orais, que, por sua vez, ajudam na inserção da criança em práticas letradas. Fica claro nesse trabalho não só que os jogos de linguagem não se restringem àqueles que estão em fase inicial de aquisição da linguagem, mas que esses jogos servem de base para a aprendizagem e a manutenção de gêneros textuais ao longo da vida desses falantes.

A interpretação de textos é o foco de Cinara Monteiro Cortez. Nesse texto ela afirma não trazer respostas nem métodos que orientem a prática pedagógica acerca do tema, mas propõe uma abordagem da leitura na qual exista "lugar para o desvio ou o desvario de interpretações" e na qual os alunos se envolvam e se identifiquem. Ela nos faz lembrar que a separação entre os estudos literários e linguísticos em áreas distintas não significa que as duas áreas não tenham muitas contribuições a dar uma à outra.

Num texto instigante Marcelo Buzato nos mostra uma visão da noção de letramento(s) sob a ótica da Teoria Ator-Rede e nos convida a explorar o potencial dessa teoria na abordagem dos fenômenos de letramentos. Participamos de redes heterogêneas e, por conseguinte, de diversos eventos de letramento, muitas vezes com performances que parecem não fazer parte da mesma pessoa, se partirmos de um ponto de vista engessado de subjetividade. Sendo assim, nossa subjetividade deve ser vista como um efeito das nossas atuações nas redes e não como algo fixo e predeterminado.

Regina Cláudia Pinheiro e Júlio César Araújo nos ajudam a repensar o conceito de letramento hipertextual, nos mostrando que para lidar com textos em ambientes digitais os usuários precisam lançar mão de múltiplos letramentos dos quais fazem parte o processamento do texto verbal e visual e o estabelecimento de uma nova relação entre autor-texto-leitor. Há, como bem demonstram esses autores, uma junção de múltiplos letramentos que pode ser percebida nas práticas conjuntas de várias linguagens (multimodalidade).

O texto de Regina e Júlio é uma boa transição entre os artigos deste volume. Os primeiros, que problematizam e discutem o letramento digital numa abordagem mais conceitual - mas nem por isso também aplicada -, e um conjunto de textos que nos apresenta uma visão mais prática dessa noção. Temos, por exemplo, o texto de Patrícia da Silva Campelo Costa e Eliseo Berni Reategui, que busca responder à seguinte pergunta: como uma ferramenta de mineração pode nos ajudar a desenvolver habilidades de leitura e escrita em língua estrangeira? Esses autores mostram como uma representação gráfica criada a partir de tal ferramenta ajuda os alunos a identificar características específicas dos textos e a criar narrativas como as fanfictions. Essa forma de trabalho promove um evento de letramento que consiste numa escrita significativa, autêntica e compartilhada na web, promovendo também a autonomia do aprendiz.

A questão da formação de professores em tempos de tecnologias digitais é a tônica do artigo apresentado por Reinildes Dias. Num artigo claro e didático, ela nos mostra como o trabalho com as WebQuests pode contribuir para o desenvolvimento profissional do professor, desenvolvendo nele capacidades relativas aos multiletramentos. Essa formação de um professor multiletrado pode repercutir na sua prática pedagógica para que ele atenda às demandas de uma sociedade envolvida em tecnologias digitais e assim contribua para uma formação mais adequada de seus alunos para essa realidade.

O interessante caso de um anúncio de cerveja é analisado por Cristiane Fuzer, Luciane Ticks e Sara Regina Scotta Cabral, que desvelam as estratégias usadas na criação dessa peça e como essas escolhas atingem o leitor. Para isso, as autoras escolheram como base teórica para essas análises a teoria sistêmicofuncional de Michael Halliday e os estudos de Gunther Kress e Theo van Leeuwen - que também se fundamentam nessa mesma proposta teórica. Esse é um texto que demonstra formas de olharmos para os textos que circulam em nossa sociedade, orientando nosso olhar para uma leitura crítica de seus recursos verbais e não verbais e seu funcionamento discursivo.

Num texto provocativo, Elzimar Goettenauer de Marins Costa nos ajuda a refletir sobre a formação de professores. Precisamos encontrar formas de fazer com que as concepções teórico-metodológicas apresentadas nos documentos do governo tenham uma repercussão efetiva na formação de professores e, consequentemente, sejam a base de seu trabalho. A autora aponta, pertinentemente, para a responsabilidade que a universidade deve ter de desenvolver o letramento crítico e digital dos seus alunos, futuros professores, além de ajudá-los a encontrar formas de fazê-lo como profissionais. Além dessas reflexões teóricas, o artigo apresenta alguns exemplos práticos de ações que podem ser feitas para incorporar as NTICs em contexto de ensino/aprendizagem de LE e que vale também para o ensino de língua materna.

Lidando com relatos autobiográficos de futuros professores, Carla Lynn Reichmann procura saber que vozes enunciativas são essas e o que elas dizem sobre si e sobre a escola como agência de letramento. Dessa análise surge um conflito em que a escola é, algumas vezes, vista com agência de letramento, e outras não.

Num artigo engajado e crítico, Paulo Rogério Stella e Roseanne Rocha Tavares discutem, a partir da análise da noção de letramento no Projeto Pedagógico de Licenciatura em Inglês na Universidade Federal de Alagoas, em Maceió, a necessidade de que os projetos pedagógicos sejam revistos a fim de incorporarem uma noção de letramento condizente com as concepções mais amplas e complexas adquiridas recentemente.

A preocupação com a aplicação prática da teoria é a tônica do texto de Nara Hiroko Takaki. A autora apresenta e discute sua experiência em um curso de extensão, cujo principal objetivo era desenvolver nos alunos - graduandos de diversas áreas - capacidades múltiplas e estratégias para leituras de diversos tipos de gêneros textuais. A leitura foi entendida, numa perspectiva dos letramentos críticos, como construção de posicionamentos ideológicos e políticos e foi trabalhada em gêneros textuais híbridos em contexto multimodal digital. Com esse texto, Nara nos mostra que os novos recursos tecnológicos podem favorecer a autonomia do aprendiz e seu letramento crítico, uma vez que possibilitam que ele pratique a língua estrangeira de diversas maneiras em contextos comunicativos nos quais deve agir como sujeito questionador e engajado.

Essa discussão continua no texto de Rogério Tilio, que focaliza a seguinte pergunta: será que a aula de língua estrangeira incorporou os discursos dos PCN, no que diz respeito à abordagem de leitura? Para respondê-la, Rogério analisa, criteriosamente, como a leitura é abordada em duas coleções de inglês aprovadas pelo PNLD 2011, tendo como suporte teórico o letramento crítico. Os resultados indicam que ainda temos muito o que avançar nesse sentido.

Mantendo o foco no ensino de inglês, Marília Mendes Ferreira aponta e discute as dificuldades que um pós-graduando encontra na escrita da introdução de um artigo acadêmico em inglês, nos levando a refletir sobre os limites do ensino de língua baseado em um trabalho com gêneros textuais tão em voga atualmente.

Falamos muito em letramento digital, entre outros letramentos. No entanto, esses artigos inteligentes e provocadores nos mostram que ainda falta muito o que pesquisar e compreender sobre os inúmeros fenômenos que essa noção envolve e talvez falte mais ainda até que sejamos capazes de aplicá-lo plena e satisfatoriamente na educação.

A comissão editorial da RBLA agradece muito a todos os autores, pareceristas e colegas que participaram da preparação deste volume.

Carla Viana Coscarelli

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jan 2013
  • Data do Fascículo
    2012
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