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Introdução

Introdução

Por que razão a educação formal é indispensável? Por que, em pleno século XXI, a escola ainda é reconhecida como abrigo do ensino institucionalizado?

O que faz a escola ainda ser um lugar imprescindível é o fato de ela possibilitar o paradoxo de abrir horizontes para o vasto universo do conhecimento circunscrito entre quatro paredes. Nesse universo, são criadas oportunidades de pensar o mundo, de estar no mundo e de conviver no mundo. É na escola que podemos recortar a realidade e refletir sobre ela analítica e criticamente. Não há dúvida de que a expansão e a consolidação de conhecimentos é (ou deveria ser) organizada por um sistema de ensino que busca contemplar a multiplicidade e a complexidade de fatores tanto subjetivos quanto sociais, quanto políticos e éticos que constituem as práticas de linguagem.

Neste volume da Revista Brasileira de Linguística Aplicada, foram reunidos artigos que tratam de práticas de linguagem com foco no ensino e aprendizagem de português como língua materna e na capacitação do professor comprometido com esse ensino. Na medida em que documentam diversidade de assuntos relevantes acerca desse tema, os trabalhos aqui reunidos expõem investigações reveladoras do importante diálogo entre teorias e práticas. Esses estudos evidenciam a possibilidade de serem edificados paradigmas tanto para políticas educacionais eficientes quanto para novos percursos de intervenções no ensino de língua portuguesa.

Em função dos recortes do tema, os artigos foram sequencialmente organizados de modo a evidenciar o imbricamento de aspectos relevantes voltados para o anseio de responder a recorrentes perguntas como "o que se ensina quando se ensina português? " e "qual o significado de aprender a língua portuguesa por quem fala esse idioma?". Assim, com vistas a refletir a respeito do evento "aula de português", são revisitados políticas linguísticas brasileiras, documentos oficiais nacionais, práticas pedagógicas com a finalidade de problematizar orientações curriculares e teorias linguísticas e de divulgar resultados de pesquisas voltadas para ações concretas que contribuem para a eficácia do trabalho com a língua materna em sala de aula.

A aula de português, tal como defende James Deam Amaral, autor da proposta de uma (re)descoberta de trajetos e desvios, deve estar fundamentada em projetos consistentes e ininterruptos, permitindo a participação democrática, crítica e intervencionista de todos os envolvidos na sistematização da aprendizagem de português na escola. Em seu artigo, o pesquisador traz à tona um debate sobre os processos de ensino de língua portuguesa, almejando a reconstrução de alguns caminhos e a reinvenção de outros. Esse debate dialoga com as reflexões da pesquisadora Adriane Teresinha Sartori voltadas para a promoção de análises críticas de textos no ensino de Língua Portuguesa. A autora, assumindo uma concepção problematizadora de educação, relata resultado de pesquisa-ação em que foi revelada a maneira pela qual professores e alunos lidam com textos que circulam na sociedade. Do encontro de professores que atuam no ensino superior e de professores que atuam no Ensino Básico com alunos de uma escola pública e alunos de graduação, emergiram reflexões sobre o objeto de ensino que resultaram em saudável "curiosidade epistemológica" que, nas palavras de Sartori, evidenciaram não serem "neutros" ou puramente linguísticos, os conteúdos das aulas. Entre as contribuições desse artigo, ressalte-se a comprovação de que devem ser colocados em confronto os textos (sejam orais ou escritos) que oferecemos aos nossos alunos nas práticas de leitura.

Na sequência dos trabalhos deste volume, a oralidade é focalizada, especificamente a questão dos desvios fonológicos apresentados por crianças nas primeiras séries do Ensino Fundamental e seu impacto na escrita. Durante anos, a linguagem oral não foi efetivamente tomada como objeto de ensino e a escola negligenciava tanto a fala, as formas orais de expressão, quanto os contextos de diferença. É recente o incentivo à inclusão de todos os alunos no espaço escolar, resignificadas as diferenças individuais e reexaminadas as práticas pedagógicas que se valem da língua materna, tal como apontam Letícia Bello Staudt e Cátia Azevedo Fronza em seu trabalho resultante da aplicação do Projeto Fonodado. As autoras, partindo do pressuposto de que todos são capazes de aprender e certas de que manifestações linguísticas desviantes podem interferir no processo de apropriação do código escrito, propõem jogo de dados com figuras de fonemas para estimular e encorajar alunos a superar desvios fonológicos presentes em suas falas e a "descobrir" a forma escrita desejável. O impacto desse trabalho em ambiente escolar é indiscutível por apresentar proposta de intervenção pedagógica que gerou resultados positivos.

De modo semelhante, o trabalho de Rita Signor pauta-se em proposta de intervenção com forte impacto sobre o desenvolvimento da escrita. Evidencia-se a necessidade de um novo olhar acerca da dislexia, fenômeno que pode ter origem em uma infinidade de fatores que comprometem, em maior ou menor grau, a aprendizagem, sobretudo a produção escrita. Partindo de uma análise histórica e social a respeito da dislexia, a autora apresenta um estudo de caso pautado em uma metodologia que resulta em uma possível orientação de condutas terapêuticas. Em virtude dos procedimentos centrados em práticas sociais de leitura e escrita, em um contexto significativo e afetivo, constatou-se a urgência de se desvencilhar de diagnósticos resultantes de testes padronizados limitados às atividades metalinguísticas. O estudo de caso realizado fortalece o debate em torno da importância de avaliações centradas em práticas de linguagem contextualizadas.

Avaliar é uma das práticas mais utilizadas no processo ensino aprendizagem e fundamental no bojo dos projetos educacionais. Certamente, a avaliação não se restringe à verificação das aprendizagens, mas também abrange julgamentos da capacidade cognitiva, dos elementos afetivos e comportamentais, além dos métodos e técnicas de ensino e outros elementos de caráter pedagógico como a interação professor-aluno. Em seu artigo, Jordana Tavares Silveira Lisboa propõe a avaliação da competência comunicativa de alunos do Ensino Fundamental e, para isso, pauta-se no Quadro Europeu Comum de Referência (QECR), instrumento base para a descrição das competências necessárias à comunicação, que define os níveis de proficiência do aprendiz. A noção de competência refere-se ao conjunto de conhecimentos e capacidades voltadas para a realização de ações por meio da língua, ou seja, o conjunto de habilidades desenvolvidas ou saberes aprendidos com uma função linguística específica. Assim, o aprendiz tem a competência traduzida por meio de seu desempenho. As diretrizes do QECR orientaram a pesquisadora a repensar a prática de ensino de português como língua materna uma vez que essa prática não está dissociada da social. Sendo assim, a autora apresenta o projeto de ensino com os gêneros textuais documentário e entrevista para comprovar que é possível realizar um trabalho pautado no uso efetivo da língua pelos alunos como agentes sociais. O ensino de língua materna contextualizado e com propósito definido favorece não apenas a produção escrita e oral, mas também capacita o aluno a desenvolver cidadania.

Cidadania deve ser o alvo dos professores que lidam com gêneros textuais. Os gêneros deixaram de ser vistos como uma estrutura formal predeterminada e passaram a ser vistos como estruturas semióticas dinâmicas e flexíveis, o que conduziu à crença de que são formas de organizar a comunicação humana e de expressar significados de maneira recorrente. Aprender gêneros é aprender a fazer escolhas entre possibilidades existentes e a decidir qual é a melhor dessas ferramentas semióticas para uso em determinado contexto. Considerando que todo gênero consolida um propósito comunicativo, a mudança de gêneros não se dá apenas na forma, no conteúdo e no estilo. Ela pode decorrer de alterações no propósito comunicativo e na função social. Em seu artigo, Wagner Rodrigues Silva trata da recontextualização dos gêneros textuais, uma proposta de transposição didática a ser executada nas aulas de língua materna que traz implicações diretas nas práticas escolares de linguagem. Preocupado com a formação de docentes, o autor trabalha com alunos-mestres, ou seja, alunos de licenciaturas, em formação inicial para se tornarem professores no Brasil. Em seu trabalho fica evidenciada a relevância da disposição ao diálogo e à cooperação. Inegavelmente, a análise realizada e o diagnóstico mostrado revelam o alcance de teorias de gêneros que têm contribuído não só para dinamizar as aulas de português como também para a formação profissional de docentes comprometidos com o desenvolvimento daqueles que estão sob a sua responsabilidade.

Hoje, no Brasil, podemos ver o reflexo dos estudos do campo da Linguística Aplicada no ensino de língua portuguesa. Neste volume, são colocadas a público experiências e reflexões pautadas, sobretudo, em teorias centradas na adoção do texto e dos gêneros textuais como unidade de base para as aulas de português; em perspectivas fundamentadas na produção linguística tomada como discursos contextualizados; na atenção voltada para a língua em uso e, em especial, na expressão e compreensão do texto escrito e oral com ênfase nos aspectos socioculturais e na interação. Nessa perspectiva trilharam os autores dos estudos selecionados neste volume. Todos com o compromisso de investir nos pilares que sustentam as atuais propostas de ensino aprendizagem de língua materna. Boa leitura!

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2015
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