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Pro samba que você me convidou, com que roupa eu vou?: Um estudo sobre adequação, variação estilística e educação linguística

What clothes should I wear to go to the samba you invited me to?: A study on adequacy, stylistic variation, and linguistic education

Resumo

O artigo propõe discutir a relação entre a adequação linguística e a noção de estilo em sociolinguística, mirando a relevância dessa discussão para o ensino de língua portuguesa, especificamente no que diz respeito à variação na concordância verbal do português brasileiro. Num primeiro momento, o trabalho elabora uma reflexão teórica amparada na revisão de certa literatura sociolinguística sobre a questão da variação estilística para, em seguida, empreender uma análise de seção dedicada ao tema da concordância verbal de dois livros didáticos de língua portuguesa de ensino médio. Ao cabo desse percurso teórico e aplicado, o trabalho sustenta que a adequação linguística é forjada mais amplamente na prática estilística, convidando a observá-la mais detidamente.

Palavras-chave:
adequação; variação estilística; concordância verbal; educação linguística

Abstract

This paper discusses the association of linguistic adequacy and style in Sociolinguistics, focusing on its relevance to Portuguese language teaching, specifically regarding Brazilian Portuguese verbal agreement. From the review of specific sociolinguistic literature, this work first reflects upon the issue of stylistic variation. Then, it presents a section analysis dedicated to the topic of verbal agreement based on two Portuguese high school textbooks. Finally, the work defends that linguistic adequacy is more widely forged in stylistic practice, meriting further observation.

Keywords:
adequacy; stylistic variation; verbal agreement; linguistic education

1 Introdução

Neste trabalho, propomos discutir a relação entre a questão da adequação linguística e a noção de estilo, considerando, também, a relevância dessa discussão para o ensino de língua portuguesa, especificamente no que diz respeito à variação na concordância verbal. Defendemos que há entre a questão da adequação/inadequação linguística e a noção de estilo uma relação de complementaridade, no sentido de que não é possível falar sobre a primeira sem definir o que é a segunda a partir de uma base teórico-metodológica.

A realização de um trabalho como esse encontra justificativa no fato de que, como aponta Hora (2014HORA, D. Estilo: uma perspectiva variacionista. In: GÖRSKI, E. M. et al. (org.). Variação estilística: reflexões teórico-metodológicas e propostas de análise . Florianópolis: Insular , 2014. p. 19-30.), o estilo aparece de forma periférica na discussão sobre a variação sociolinguística. Ainda de acordo com o autor, no contexto brasileiro, “pouca atenção se prestou ao papel do estilo do falante quando da escolha de uma ou outra variante. Em geral, sempre foram as restrições linguísticas e sociais que determinaram as análises realizadas”. (HORA, 2014HORA, D. Estilo: uma perspectiva variacionista. In: GÖRSKI, E. M. et al. (org.). Variação estilística: reflexões teórico-metodológicas e propostas de análise . Florianópolis: Insular , 2014. p. 19-30., p. 20) Essa lacuna, obviamente, tem reflexos importantes no que se refere ao ensino de línguas.

Para atingir o objetivo apresentado, em um primeiro momento, é apresentada a noção de estilo em sociolinguística a partir de três perspectivas teórico-metodológicas: o estilo como atenção prestada à fala (LABOV, 2001LABOV, W. The anatomy of style-shifting. In: ECKERT, P.; RICKFORD, J. R. (ed.). Style and sociolinguistic variation . Cambridge: Cambridge University Press , 2001. p. 85-108., 2006LABOV, W. The social stratification of English in the New York City. Washington, DC: Center of Applied Linguistics, 2006.); o estilo como resultado do design de audiência (BELL, 1984BELL, A. Language style as audience design. Language in Society, Cambridge, n. 13, p. 145-204, 1984., 2001BELL, A. Back in style: reworking audience design. In: ECKERT, P.; RICKFORD, J. R. (ed.). Style and sociolinguistic variation. Cambridge: Cambridge University Press, 2001. p. 139-169.); e o estilo como prática social. (ECKERT, 2000ECKERT, P. Linguistic variation as social practice. Oxford: Blackwell, 2000., 2005ECKERT, P. Variation, convention, and social meaning. In: ANNUAL MEETING OF THE LINGUISTIC SOCIETY OF AMERICA, 79., 2005, Oakland. Proceedings […]. Washington, DC: Linguistic Society of America, 2005., 2008ECKERT, P. Variation and the indexical field. Journal of Sociolinguistics, Hoboken, v. 12, n. 4, p. 453-476, 2008.). Feito este panorama, discutimos a variação na concordância verbal a partir das pesquisas de Vieira (1997VIEIRA, S. R. A não-concordância em dialetos populares: uma regra variável. Graphos, João Pessoa, v. 1, n. 2, p. 115-133, 1997.), Scherre e Naro (1998SCHERRE, M. M. P.; NARO, A. J. Sobre a concordância de número no português falado do Brasil. In: RUFFINO, G. (org.). Atti del XXI Congresso Internazionale di Linguistica e Filologia Romanza: volume V: dialettologia, geolinguistica, sociolinguística. Tübingen: Max Niemeyer Verlag, 1998. p. 509-523.) e Salomão-Conchalo (2015SALOMÃO-CONCHALO, M. H. A variação estilística na concordância nominal e verbal como construção de identidade social. 2015. Tese (Doutorado em Estudos Linguísticos) -Universidade Estadual Paulista, São José do Rio Preto, 2015.), observando se e como a variação estilística é considerada nestes trabalhos. Na sequência, mostramos o que dizem Vieira (2008VIEIRA, S. R. Concordância verbal. In: VIEIRA, S. R.; BRANDÃO, S. F. (org.). Ensino de gramática: descrição e uso. São Paulo: Contexto, 2008. p. 85-102.) e Cardoso e Cobucci (2014CARDOSO, C. R.; COBUCCI, P. Concordância de número no português brasileiro. In: BORTONI-RICARDO, Stella Maris (org.). Por que a escola não ensina gramática assim? São Paulo: Parábola , 2014. p. 71-107.) sobre o ensino da concordância verbal, observando, mais uma vez, se e como a variação estilística é contemplada nas proposições feitas pelas autoras.

O caminho descrito até aqui nos fundamentou para a parte aplicada deste trabalho. Nesta etapa, foi feita a análise de dois livros didáticos de língua portuguesa. Tal análise teve como escopo a apresentação da concordância verbal feita pelos livros e foi dividida em dois momentos: uma discussão sobre como a variação linguística, de maneira mais geral, é mostrada e uma reflexão sobre como a noção de adequação/inadequação linguística aparece nos exercícios propostos. Tal reflexão tomou como pressuposto a ideia defendida neste trabalho referente à estreita ligação entre esta noção e a definição de estilo.

Em tempo, a referência ao refrão do conhecido samba de Noel Rosa que explicitamos no título deste trabalho tem também uma função alegórica para o estudo que desenvolvemos aqui, além, é claro, de uma função estilística. A aparente simplicidade da pergunta “com que roupa eu vou?” alude a uma teia de significações que frequentemente é explorada na literatura sobre estilo e que sintetiza, a nosso ver, um tipo de relacionamento entre adequação e estilo que nos interessa problematizar e discutir ao longo das reflexões deste trabalho.

2 Um pouco do legado da sociolinguística para a noção de estilo

Num de seus vários textos de divulgação científica, o linguista brasileiro Sírio Possenti (2009POSSENTI, S. A cor da língua e outras croniquinhas de linguística. Campinas: Mercado de Letras, 2009., p. 88) discute os significados de “norma”, “padrão” e “estilo” da seguinte maneira: “uma das comparações que os estudiosos de variação linguística mais gostam de utilizar é a da língua como vestimenta. Esta, como sabemos, é bastante variada, indo do mais formal (longo e smoking) à mais informal (biquíni e sunga)”. Essa comparação que o autor menciona é interessante por vários motivos, dentre os quais o fato de chamar a atenção para a relação entre linguagem e estilo. Assim, continua Possenti (2009POSSENTI, S. A cor da língua e outras croniquinhas de linguística. Campinas: Mercado de Letras, 2009., p. 88): “a ideia dos que fazem essa comparação é […]: não existem, a rigor, formas linguísticas erradas, existem formas linguísticas inadequadas. Como as roupas: assim como ninguém vai à praia de smoking ou de longo, também ninguém casa de biquíni e de sunga”. Parece, então, que não há apenas uma simples relação entre linguagem e estilo, mas sim uma relação mediada, regrada e convencional, que se constitui no exercício próprio do uso e cuja mediação produz uma noção do que é e do que não é adequado em termos de uso, o que fica mais evidente no desfecho do mesmo trecho: “assim ninguém diz ‘me dá esse troço aí’ num banquete público e formal nem ‘faça-me o obséquio de passar-me o sal’ numa situação de intimidade familiar”. (2009, p. 88).

Vamos supor que o mérito dessa comparação seja inteiramente procedente. Partindo desse pressuposto, ainda assim uma questão não parece todavia resolvida: como se estabelece ou quem, afinal, estabelece a adequação do que vem a ser um estilo aceito? Essa pergunta, é claro, tem muitas possibilidades de resposta. Nesta seção do texto gostaríamos de discutir essa questão a partir da noção de estilo em sociolinguística, observando como a noção de adequação pode flutuar conforme a própria noção de estilo varia em razão do aporte teórico-metodológico empreendido. Para elaborar a presente abordagem, discutimos a noção de variação estilística a partir de Labov (2001LABOV, W. The anatomy of style-shifting. In: ECKERT, P.; RICKFORD, J. R. (ed.). Style and sociolinguistic variation . Cambridge: Cambridge University Press , 2001. p. 85-108., 2006LABOV, W. The social stratification of English in the New York City. Washington, DC: Center of Applied Linguistics, 2006.), Rickford e Eckert (2001RICKFORD, J. R.; ECKERT, P. Introduction. In: ECKERT, P.; RICKFORD, J. R. (ed.). Style and sociolinguistic variation . Cambridge: Cambridge University Press , 2001. p. 1-18.), Bell (1984BELL, A. Language style as audience design. Language in Society, Cambridge, n. 13, p. 145-204, 1984., 2001BELL, A. Back in style: reworking audience design. In: ECKERT, P.; RICKFORD, J. R. (ed.). Style and sociolinguistic variation. Cambridge: Cambridge University Press, 2001. p. 139-169.), Eckert (2000ECKERT, P. Linguistic variation as social practice. Oxford: Blackwell, 2000., 2003ECKERT, P. The meaning of style. Texas Linguistic Forum, Austin, v. 47, p. 41-53, 2003., 2005ECKERT, P. Variation, convention, and social meaning. In: ANNUAL MEETING OF THE LINGUISTIC SOCIETY OF AMERICA, 79., 2005, Oakland. Proceedings […]. Washington, DC: Linguistic Society of America, 2005., 2008ECKERT, P. Variation and the indexical field. Journal of Sociolinguistics, Hoboken, v. 12, n. 4, p. 453-476, 2008.) e Moore (2004MOORE, E. Sociolinguistic style: a multidimensional resource for shared identity creation. Canadian Journal of Linguistics, Ottawa, v. 49, n. 3/4, p. 375-396, 2004.) e chegamos a três encaminhamentos possíveis.1 1 Ainda que não estejam explicitamente referenciados ao longo do texto, para nossa abordagem também colaboraram os trabalhos de Mendoza-Denton (2001), Hora (2014) e Bagno (2017). Em outras palavras, estamos dizendo que adequação e estilo são noções complementares e que, ao revisar a literatura mencionada, percebemos que uma resposta minimamente satisfatória à questão que elaboramos mais acima passa necessariamente por levar em conta que a relação entre adequação e estilo envolve (1) um processo cognitivo de atenção à própria fala; (2) um conhecimento sobre o design de audiência; e (3) um papel agentivo de afiliação a determinados grupos e participação em comunidades de prática.

2.1 A adequação está relacionada a um processo cognitivo que se traduz, na dimensão estilística, em níveis de atenção prestada à própria fala

A ideia de que a variação de estilo na fala está associada a uma dimensão cognitiva pela qual um falante monitora seu discurso através de níveis de formalidade (fala casual, fala espontânea, fala cuidada) aparece com destaque no estudo pioneiro de 1966 de William Labov sobre a estratificação do inglês falado em Nova York. Nesse estudo, no capítulo intitulado “The isolation of contextual styles”, o autor discute os métodos de entrevista sociolinguística empregados para obtenção de dados fonológicos em situações concretas de fala, mais particularmente, os métodos discutidos dão conta de cinco contextos estilísticos (A, B, C, D e D’), a saber: contexto A - em que se controla a entrevista para produzir um tipo de fala, seja casual, seja espontânea, em paralelo à fala mais monitorada e cuidada; contexto B - fala automonitorada e cuidada, tipicamente obtida em situação de entrevista; contexto C - em que o informante realiza a leitura de textos selecionados pelo entrevistador; contexto D - lista de palavras isoladas, em que se lê, pelo menos, duas listas de palavras, uma lista bem conhecida pelo entrevistado (como dias da semana e meses do ano) e outra lista contendo especificamente as variáveis linguísticas analisadas; e contexto D’ - leitura de pares mínimos, em que se lê uma lista de pares de palavras em que há, por exemplo, um único fonema como elemento diferenciador.2 2 Em 1972, ocorre a publicação de Sociolinguistic Patterns, obra que reúne os principais achados de pesquisa de Labov até então e que foi traduzida para português brasileiro em 2008 por Bagno, Scherre e Cardoso (LABOV, 2008). Nesse livro, o capítulo 3, intitulado “O isolamento de estilos contextuais”, é uma versão muito próxima do texto que havia sido publicado em 1966. Na versão brasileira, a expressão careful speech foi traduzida como “fala monitorada”; neste texto, seguimos essa tradução, eventualmente usamos “fala mais cuidada” ou “fala cuidada”.

Eventualmente, em textos de divulgação científica, encontramos as noções de formalidade/informalidade tratadas como equivalentes às de casual/espontâneo/monitorado, a partir de uma ampla noção de estilo. Entretanto, é importante destacar que, em Labov (2006LABOV, W. The social stratification of English in the New York City. Washington, DC: Center of Applied Linguistics, 2006.), as noções de formalidade (informal/formal) referem-se ao contexto e as noções de fala casual/espontânea/monitorada referem-se ao estilo de fala empregado. Sendo assim, o autor acrescenta que a fala casual é a fala cotidiana usada em situações informais, em que há pouca (ou nenhuma) atenção dirigida à linguagem. Já a fala espontânea pode ocorrer em contextos formais e refere-se a um padrão usado na fala carregada de emoção ou empolgação, quando as restrições e contenções comuns a uma situação formal são substituídas. Esquematicamente essas noções se colocam da forma apresentada no Quadro 1.

Quadro 1
Contexto e estilo

A ideia, então, é que em contextos informais predomina o estilo casual- fala cotidiana, em que se presta pouca atenção à própria fala ou, se preferirmos, em que pouco se monitora o discurso - enquanto em contextos formais pode haver uma variação em continuum de uma fala mais cuidada a uma fala mais espontânea.3 3 Segundo Rickford e Eckert (2001), embora a questão da atenção prestada à fala seja central na discussão de Labov sobre o estilo, a noção de prestígio desempenha um papel relevante. Como destacam os autores, Labov (2006) associa a variação estilística à hierarquia socioeconômica e situa o prestígio na parte superior de tal hierarquia, enquanto o estigma estaria localizado em sua parte inferior, de forma que o polo prestigiado seria o resultado de uma fala mais formal e cuidada, ao passo que o polo estigmatizado resultaria de uma fala mais casual e não monitorada. Ou seja, retomando a anedota da introdução, em contextos formais, como o banquete sugerido por Possenti, nada impede, se pensarmos com Labov (2006LABOV, W. The social stratification of English in the New York City. Washington, DC: Center of Applied Linguistics, 2006.), que o falante varie seu estilo de uma fala mais cuidada, que neste caso até soa como anacrônica, do tipo “faça-me o obséquio de passar-me o sal” para uma fala espontânea como “me dá esse troço aí”, isto porque a formalidade é uma característica contextual e não isoladamente estilística. Também é verdade que contexto e estilo estão interligados de forma inseparável, assim, por extensão, a questão da adequação pode ser considerada como um produto da coordenada contextual, que envolve mais especificamente o conjunto de elementos que participa da situação comunicativa, sobretudo, o tópico, o assunto e o interlocutor, com a coordenada da variação estilística. Na segunda edição do estudo de 1966, uma edição acrescida de comentários do autor numa espécie de releitura 40 anos depois da obra, Labov faz a seguinte afirmação sobre a questão estilística:

O adjetivo “laboviano” é frequentemente usado para descrever um conjunto de entrevistas utilizado para traçar a mudança de estilos […]. O fato de que esses quatro ou cinco estilos podem ser ordenados, aumentando a atenção dada à fala, foi confundido com uma afirmação de que é dessa maneira que estilos e registros devem ser ordenados e compreendidos na vida cotidiana. Os dispositivos de mudança de estilo usados neste capítulo [Cap. 4: “The isolation of contextual styles”] foram introduzidos como dispositivos heurísticos para obter uma variedade de comportamentos na entrevista individual, não como uma teoria geral da mudança de estilo.4 4 As traduções são de responsabilidade dos autores deste artigo e estão acompanhadas do original em nota de rodapé. (LABOV, 2006LABOV, W. The social stratification of English in the New York City. Washington, DC: Center of Applied Linguistics, 2006., p. 58-59)5 5 “The adjective ‘Labovian’ is often used to describe a set of interviews that uses several different styles to trace the shift of styles [...]. The fact that these four or five styles can be ordered by increasing attention paid to speech has been mistaken for a claim that this is the way that styles and registers are to be ordered and understood in everyday life. The style shifting devices used in this chapter were introduced as heuristic devices to obtain a range of behaviors within the individual interview, not as a general theory of style shifting”.

Esse comentário de Labov parece ser endereçado às críticas que a sua noção de estilo passou a receber desde que publicada a primeira edição da referida obra. Para ficar com um exemplo, tomemos as seguintes considerações de Rickford e Eckert (2001RICKFORD, J. R.; ECKERT, P. Introduction. In: ECKERT, P.; RICKFORD, J. R. (ed.). Style and sociolinguistic variation . Cambridge: Cambridge University Press , 2001. p. 1-18., p. 3):

A variação estilística emergiu do estudo da cidade de Nova York como uma das contribuições mais importantes para o campo. No entanto, a despeito de sua importância, o estilo se tornou cada vez menos um foco de pesquisa empírica a partir da década de 1970, pelo menos na influente tradição quantitativa americana. Isso ocorreu em parte porque se questionou o foco de Labov na ‘atenção prestada à fala’ (Milroy 1987: 172-83), em parte devido à dificuldade operacional de separar a fala casual da fala monitorada por meio de contextos de entrevista e pistas do canal6 6 Cabe mencionar que a árvore de decisão proposta por Labov (2001) é uma tentativa de lidar com esta questão. Para uma análise crítica desta proposta, sugerimos a leitura de Eckert (2001), que destaca a importância do significado social da variação estilística. No contexto brasileiro, autores como Valle e Görski (2014), Dantas e Gibbon (2014) e Freitag (2014) discutem a árvore de decisão e fazem proposições quanto à segmentação da entrevista sociolinguística. (Wolfram 1969: 58-9), e em parte porque os pesquisadores foram absorvidos pelo estudo das restrições linguísticas e sociais da variação.7 7 “Stylistic variation emerged from the New York City study as among the most important constructs in the field. Yet despite its importance, style became less of a focus of empirical research from the 1970s onward, at least in the influential American quantitative tradition. This was partly because people questioned Labov’s focus on attention paid to speech (Milroy 1987:172-83), partly because of the operational difficulty of separating casual speech from careful speech via interview contexts and channel cues (Wolfram 1969:58-9), and partly because researchers became absorbed in the study of the linguistic and social constraints on variation”.

Daí que, por tudo que temos visto, não parece oportuno ignorar a questão da atenção à própria fala como um elemento relevante para a observação sociolinguística da variação estilística, ainda que não esteja encerrada aí uma teoria geral da mudança de estilo, como sinalizou o próprio Labov (2001LABOV, W. The anatomy of style-shifting. In: ECKERT, P.; RICKFORD, J. R. (ed.). Style and sociolinguistic variation . Cambridge: Cambridge University Press , 2001. p. 85-108., 2006LABOV, W. The social stratification of English in the New York City. Washington, DC: Center of Applied Linguistics, 2006.). Digamos, então, que se trata de um ponto de partida importante para a discussão sobre estilo, sobretudo porque, conforme Rickford e Eckert (2001RICKFORD, J. R.; ECKERT, P. Introduction. In: ECKERT, P.; RICKFORD, J. R. (ed.). Style and sociolinguistic variation . Cambridge: Cambridge University Press , 2001. p. 1-18., p. 2-3), a variação no nível de atenção prestada à fala põe em destaque um mecanismo cognitivo que vincula fatores sociais a fatores linguísticos.

2.2 Adequação se estabelece na medida em que se obtém a aprovação e a aceitação da audiência. Estilo aqui é conhecer o design de audiência

A noção de desenho (ou design) de audiência emergiu no panorama dos estudos variacionistas por influência da psicologia social e da teoria da acomodação. Muito mais do que a noção de atenção prestada à fala de Labov (2006LABOV, W. The social stratification of English in the New York City. Washington, DC: Center of Applied Linguistics, 2006.), a noção de design de audiência talvez seja a que mais influência tenha trazido à questão da adequação. Se, por um lado, a agenda de pesquisa de Labov desenvolveu uma maneira de conciliar os fatos da heterogeneidade com a abordagem estrutural de uma língua ou, conforme Weinreich, Labov e Herzog (2006WEINREICH, U.; LABOV, W.; HERZOG, M. Fundamentos empíricos para uma teoria da mudança linguística. São Paulo: Parábola , 2006., p. 100), “a chave para uma concepção racional da mudança linguística - e mais, da própria língua - é a possibilidade de descrever a diferenciação ordenada numa língua que serve a uma comunidade”; por outro lado, a noção de design de audiência recolocou o problema do estilo no centro da sociolinguística.

Na introdução do ensaio em que discute a noção de estilo de linguagem como desenho de audiência, Bell (1984BELL, A. Language style as audience design. Language in Society, Cambridge, n. 13, p. 145-204, 1984.) afirma categoricamente que, nos estudos quantitativos de variação linguística, estilo é uma dimensão que até tem sido mensurada, mas raramente explicada. Há, segundo o autor, um modus operandi comum aos estudos sociolinguísticos de sua época: comumente esses estudos distinguem duas categorias de fatores correlacionados à variação linguística, a saber, fatores linguísticos e fatores extralinguísticos. Em relação aos primeiros, trata-se de analisar as restrições fonológicas, morfológicas e sintáticas que promovem ou inibem a aplicação de regra variável. Em relação aos fatores extralinguísticos, também os divide em duas categorias, a partir do que Labov (2006LABOV, W. The social stratification of English in the New York City. Washington, DC: Center of Applied Linguistics, 2006.) definiu como eixos da variação linguística, o social e o estilístico. A dimensão social enfoca a variabilidade entre falantes e em torno de seu eixo estão correlacionadas estratificações sociais, de classe, de gênero, de raça, de redes sociais e assim por diante. Já a dimensão estilística enfoca diferenças na fala de um único falante e seu eixo não estava sendo, segundo Bell (1984BELL, A. Language style as audience design. Language in Society, Cambridge, n. 13, p. 145-204, 1984.), analisado rigorosamente.

Para o autor, estilo é fundamentalmente uma resposta do falante a uma audiência, postulado este mantido e, de certa forma, ampliado por ele, quando se propôs a revisá-lo em Bell (2001BELL, A. Back in style: reworking audience design. In: ECKERT, P.; RICKFORD, J. R. (ed.). Style and sociolinguistic variation. Cambridge: Cambridge University Press, 2001. p. 139-169.). Antes de chegar a essas constatações, o autor estava pesquisando a linguagem utilizada em programas de rádio da Nova Zelândia, através de dados gravados de leitura de notícias, quando percebeu um fato curioso: havia duas rádios da Nova Zelândia de um mesmo estúdio, das quais participava um mesmo apresentador para a leitura de notícias, mas cuja audiência tinha características socioeconômicas distintas. Após a análise de variáveis fonológicas, o pesquisador começou a perceber mudança no estilo da leitura de notícias entre essas duas rádios. Esse fato o levou a pesquisar diversas variáveis sintáticas e fonológicas e a constatar que, entre os diferentes programas dessas duas rádios, o apresentador variava seu estilo em média 20% em cada ambiente linguístico. Daí que lhe pareceu plausível afirmar que a mudança de estilo se devia justamente à mudança na configuração da audiência, junto a um princípio da teoria da acomodação segundo o qual todo falante acomoda seu estilo para obter aprovação de seu interlocutor.

Há dois pontos nesse estudo que nos interessa destacar. Primeiramente, a abordagem de Bell (1984BELL, A. Language style as audience design. Language in Society, Cambridge, n. 13, p. 145-204, 1984.) sobre estilo como design de audiência enfatizou a aproximação teórica e metodológica entre variação social e variação estilística, tratando a ambas como dimensões de um mesmo fenômeno ao qual chamou axioma estilístico (style axiom), a saber, “a variação na dimensão estilística da fala de um único falante deriva da variação existente entre falantes na dimensão ‘social’ e nela ecoa”.8 8 “Variation on the style dimension within the speech of a single speaker derives from and echoes the variation which exists between speakers on the ‘social’ dimension”. (BELL, 1984BELL, A. Language style as audience design. Language in Society, Cambridge, n. 13, p. 145-204, 1984., p. 151) Tal aproximação seria de fundamental importância para pesquisas e postulados futuros que emergiram dentro do que Eckert (2012ECKERT, P. Three waves of variation study: the emergence of meaning in the study of sociolinguistic variation. Annual Review of Anthropology, Palo Alto, n. 41, p. 87-100, 2012.) nomeou terceira onda de estudos da variação linguística, da qual falaremos mais adiante.

O segundo ponto que nos interessa destacar deve-se ao fato de que, na abordagem de Bell (1984BELL, A. Language style as audience design. Language in Society, Cambridge, n. 13, p. 145-204, 1984., 2001BELL, A. Back in style: reworking audience design. In: ECKERT, P.; RICKFORD, J. R. (ed.). Style and sociolinguistic variation. Cambridge: Cambridge University Press, 2001. p. 139-169.), estilo é tratado como fenômeno responsivo, produzido ativamente por determinado falante. Trata-se de uma ação deliberada do falante em face de uma demanda discursiva e de um legado sócio-histórico.9 9 A noção de responsividade (responsiveness) já estava presente no texto de 1984; porém, é em seu texto de 2001 que Bell credita esse conceito a Bakhtin, de cuja teoria dialógica da linguagem Bell tem forte influência, chegando a considerá-lo como “arauto da sociolinguística moderna”: “we can turn to a source who may seem surprising, but who has some claim to be acknowledged as a herald of modern sociolinguistics - the Soviet literary theorist Bakhtin writing in 1934/35: ‘All words have the ‘taste’ of a profession, a genre, a tendency, a party, a particular work, a particular person, a generation, an age group, the day and hour [...]’ (Bakhtin 1981:293)”. (BELL, 2001, p. 143) Mais contemporaneamente, trabalhos como o de Severo (2014) propõem uma articulação entre a abordagem da sociolinguística laboviana e a perspectiva bakhtiniana. Segundo essa autora, “a variação estilística laboviana pode ser aproximada do estilo individual, na abordagem bakhtiniana, pelas noções de avaliação e significado social”. (SEVERO, 2014, p. 49) Assim sendo, estilo passa a ser visto como responsividade demandada por certa audiência com a qual se procura estar alinhado, mas que também pode ser encetada por iniciativa do falante. Disso decorre o interesse de Bell (1984BELL, A. Language style as audience design. Language in Society, Cambridge, n. 13, p. 145-204, 1984.)10 10 Detalhes na figura 13 de Bell (1984, p. 196). em esquematizar a abordagem do design de audiência considerando, de um lado, uma dimensão responsiva e, de outro, uma dimensão iniciativa ou proativa, realizada pelo falante. Um estilo de fala, ao levar em conta a dimensão responsiva do desenho, pode considerar uma audiência composta de, pelo menos, quatro níveis de participação, que vai desde um interlocutor ou destinatário (addressee, uma segunda pessoa clássica, diríamos) chegando a três instâncias de terceira pessoa, a saber: auditor, overhearer e eavesdropper, algo como, respectivamente, uma audiência geral e imprecisa, ouvintes eventuais e algum desavisado ou intruso. Além disso, também interferem na questão estilística o cenário e o tópico da conversação, o que o autor chamou de não-audiência, mas que tem um papel importante e assegurado na configuração do design.

Como observa Eckert (2003ECKERT, P. The meaning of style. Texas Linguistic Forum, Austin, v. 47, p. 41-53, 2003.), a questão central para Bell (1984BELL, A. Language style as audience design. Language in Society, Cambridge, n. 13, p. 145-204, 1984.) é menos o questionamento ou a contestação da noção laboviana de variação estilística enquanto atenção à fala do que propriamente um acréscimo a essa formulação teórica por meio da pergunta sobre o quê, nas diferentes situações e contextos, está fazendo com que determinado falante preste mais ou menos atenção. Muda-se o estilo - grosso modo seria essa resposta - para acomodar-se à audiência e/ou ao tópico. Contudo, como acrescenta a autora (ECKERT, 2003ECKERT, P. The meaning of style. Texas Linguistic Forum, Austin, v. 47, p. 41-53, 2003., p. 45), há que se considerar que tal suposição limita a agência do falante à sua consequente adaptação a estilos e categorias sociais pré-existentes,11 11 No trabalho de 2001, Bell observou uma relação de continuidade entre audience design e referee design, atribuindo não mais uma dimensão secundária ao referee design, como parece ter sido proposto em Bell (1984). É o que se lê a seguir: “I treated referee design as a secondary dimension, which could kick in, as it were, when audience design failed. This left the problem of knowing what was the boundary between the two dimensions: where did audience design end, and referee design begin? When did speakers shift from responsive to initiative mode? I now tend to think that we have to acknowledge referee design as an ever-present part of individuals’ use of language. We are always positioning ourselves in relation to our own ingroup and other groups, and our interlocutors. This was expressed in Bell (1984:184), but was not worked through far enough: ‘The responsive-initiative distinction is a continuum rather than a dichotomy. Response always has an element of speaker initiative; initiative invariably is in part a response to one’s audience.’ What I now suggest is that these may be two complementary and coexistent dimensions of style, which operate simultaneously in all speech events. Yes, we are designing our talk for our audience. But we are also concurrently designing it in relation to other referee groups, including our own ingroup” (BELL, 2001, p. 165). o que seria uma limitação séria, justamente por não permitir a criatividade e a mudança.12 12 Nas palavras da autora: “In Bell’s recent expansion of his theory (Bell 2001), he argues further that a speaker’s spontaneous adoption of a style (i.e. not in response to topic or present audience) is done with an audience in mind. This is tantamount to saying that the speaker’s identity is embedded in social relations, which is clearly true. But it also suggests that the speaker is focusing on a specific imagined audience, and limits the speaker’s agency to adaptation to pre-existing styles and social categories. This is a serious limitation that does not allow for creativity and change”. (ECKERT, 2003, p. 45)

Significa dizer, então, que o modelo de design de audiência complexifica a questão da adequação estilística, tornando mais produtivas a análise e a pesquisa da variação. Poderíamos dizer que, aqui, a adequação é negociada a qualquer tempo no jogo dialógico comunicativo. Não se trata, portanto, de obter de antemão todas as regras estilísticas a serem empregadas e, assim, seguidas mecanicamente; uma vez que o falante desenha seus estilos em resposta a uma audiência, a adequação estaria sujeita às regras da interação enquanto fenômeno particular e situado.

2.3 Adequação e estilo como práticas sociais em comunidades de prática

Uma síntese esquemática e bem difundida dos primeiros quarenta anos de pesquisa sociolinguística foi elaborada por Eckert (2005ECKERT, P. Variation, convention, and social meaning. In: ANNUAL MEETING OF THE LINGUISTIC SOCIETY OF AMERICA, 79., 2005, Oakland. Proceedings […]. Washington, DC: Linguistic Society of America, 2005.). Nesse trabalho, a autora agrupa as tendências de estudos sobre variação em três ondas, que podem ser resumidas conforme mostra o Quadro 2.

Quadro 2
Três ondas de estudos de variação

Como se pode acompanhar na categorização da autora, a questão do estilo está implicada em diferentes interpretações e encaminhamentos teórico-analíticos, que convivem e, claro, também disputam espaço no campo de estudos sobre variação. Não se trata, portanto, de uma esquematização rígida que se propõe a servir de enquadramento pré-formatado para abordagens teóricas, metodológicas e analíticas. Tanto é assim que o próprio trabalho etnográfico de Eckert (2000ECKERT, P. Linguistic variation as social practice. Oxford: Blackwell, 2000.), em que a autora apresenta a relação entre mudança vocálica e práticas sociais de adolescentes em espaço escolar com base em suas orientações de classe, é apresentado em Eckert (2005ECKERT, P. Variation, convention, and social meaning. In: ANNUAL MEETING OF THE LINGUISTIC SOCIETY OF AMERICA, 79., 2005, Oakland. Proceedings […]. Washington, DC: Linguistic Society of America, 2005.) como um trabalho da segunda onda, ainda que, no mesmo texto, a autora se utilize desse mesmo estudo (ECKERT, 2000ECKERT, P. Linguistic variation as social practice. Oxford: Blackwell, 2000.) para ilustrar a noção de comunidade de prática e sua importância para os estudos de terceira onda.

O conceito de comunidade de prática (community of practice) utilizado por Eckert (2000ECKERT, P. Linguistic variation as social practice. Oxford: Blackwell, 2000.) advém do trabalho de Lave e Wenger (1991LAVE, J.; WENGER, É. Situated learning: legitimate peripheral participation. Cambridge: Cambridge University Press , 1991.) no campo da antropologia social e da aprendizagem situada. É interessante mencionar que o conceito que vigorava em sociolinguística era o de comunidade de fala (speech community), que na tradição variacionista se referia a uma ampla comunidade linguística que não necessariamente partilha os mesmos usos, mas sim as mesmas atitudes avaliativas sobre tais usos. Trata-se, portanto, de um conceito mais afinado com os investimentos de pesquisa da primeira e, talvez, da segunda ondas. Já uma comunidade de prática, para Eckert (2000ECKERT, P. Linguistic variation as social practice. Oxford: Blackwell, 2000., 2005ECKERT, P. Variation, convention, and social meaning. In: ANNUAL MEETING OF THE LINGUISTIC SOCIETY OF AMERICA, 79., 2005, Oakland. Proceedings […]. Washington, DC: Linguistic Society of America, 2005.), é um agregado de pessoas que emerge em torno de algum empreendimento comum e, em função desse empreendimento, acabam compartilhando diferentes modos de falar e de ser, conforme o próprio engajamento de cada membro nessa comunidade de prática.13 13 “A community of practice is an aggregate of people who come together around some interprise. United by this common enterprise, people come to develop and share ways of doing things, ways of talking, beliefs, values -in short, practices- as a function of their joint engagement in activity” (ECKERT, 2000, p. 35). Segundo Eckert (2000ECKERT, P. Linguistic variation as social practice. Oxford: Blackwell, 2000., p. 39), “é a coleção de tipos de comunidades de prática em diferentes lugares da sociedade que, em última análise, constitui o conjunto de práticas que são vistas como cultura de classe, cultura étnica, prática de gênero etc”.14 14 “And it is the collection of types of communities of practice at different places in society that ultimately constitutes the assemblage of practice that is viewed as class culture, ethnic culture, gender practice, etc”.

Em trabalho posterior, Eckert (2008ECKERT, P. Variation and the indexical field. Journal of Sociolinguistics, Hoboken, v. 12, n. 4, p. 453-476, 2008.) acrescenta à sua visão de variação linguística como prática social a noção de que o significado social de uma variável linguística não tem um sentido fixo ou estático, mas constitui um campo indexical de significados ao qual se pode ter acesso pela observação do uso situado de tal variável. Digamos que, para a discussão que a autora coloca, as restrições e adaptações provocadas pelo sistema linguístico só passam a ter importância se são discutidas a propósito das práticas sociais, identitárias, culturais que estão em jogo pelos diferentes agentes e interactantes na dinâmica do mundo concreto. Daí que passa a ganhar relevância a noção de estilo com que a autora trabalha:

Sociolinguistas geralmente pensam os estilos como maneiras diferentes de dizer a mesma coisa. Em todo campo que estuda estilo seriamente, no entanto, isso não é verdade - o estilo não é uma manifestação superficial, mas se origina no conteúdo. A visão do estilo que apresento aqui impede a separação forma/conteúdo, pois o social é eminentemente sobre o conteúdo da vida das pessoas. Diferentes maneiras de dizer as coisas pretendem sinalizar diferentes maneiras de ser, o que inclui diferentes coisas a serem ditas em potencial. (ECKERT, 2008ECKERT, P. Variation and the indexical field. Journal of Sociolinguistics, Hoboken, v. 12, n. 4, p. 453-476, 2008., p. 456)15 15 “Sociolinguists generally think of styles as different ways of saying the same thing. In every field that studies style seriously, however, this is not so - style is not a surface manifestation, but originates in content. The view of style I present here precludes the separation of form from content, for the social is eminently about the content of people’s lives. Different ways of saying things are intended to signal different ways of being, which includes different potential things to say”.

Aqui o estilo é visto como bricolagem e novamente a comparação entre linguagem e vestimenta vem à tona. A noção de estilo como bricolagem é, segundo a autora, de Hebdige (2002HEBDIGE, D. Subculture: the meaning of style. New York: Taylor & Francis e-Library, 2002.), sociólogo britânico que pesquisou a constituição de estilos em culturas alternativas não pertencentes ao mainstream, como os punks, glams e hipsters. Grosso modo, a ideia de Hebdige é que uma prática estilística vai se constituindo por bricolagem de outros estilos, ou seja, pela reutilização, sobreposição e apropriação de traços e aspectos de outros estilos, seja para subvertê-los em seu sentido original, seja para homenageá-los. Para Eckert (2008ECKERT, P. Variation and the indexical field. Journal of Sociolinguistics, Hoboken, v. 12, n. 4, p. 453-476, 2008.), na prática estilística combinam-se variáveis linguísticas e outros recursos expressivos como acessórios, roupas etc. A autora ainda acrescenta, por fim, que,

embora o estilo linguístico raramente seja construído de maneira tão intencional quanto o estilo de roupa, ele é também um processo de bricolagem. A grande questão para o estudo da significação da variação é saber, então, como os estilos linguísticos são construídos, ou seja, que tipos de significados as variáveis podem ter e como elas se combinam para produzir os significados maiores dos estilos. (ECKERT, 2008ECKERT, P. Variation and the indexical field. Journal of Sociolinguistics, Hoboken, v. 12, n. 4, p. 453-476, 2008., p. 458)16 16 “And although linguistic style is rarely constructed in as intentional a fashion as clothing style, it is similarly a process of bricolage. The big question for the study of meaning in variation is how linguistic styles are constructed: what kinds of meanings can variables have, and how do they combine to yield the larger meanings of styles?”.

Nas palavras de Moore (2004MOORE, E. Sociolinguistic style: a multidimensional resource for shared identity creation. Canadian Journal of Linguistics, Ottawa, v. 49, n. 3/4, p. 375-396, 2004., p. 379), o significado sociolinguístico não pode ser tomado como algo abstratamente pré-determinado, mas como “constantemente negociado, contestado e revisado, uma vez que os falantes usam combinações de variantes sociais e linguísticas para se situar estilisticamente em relação a outro falante”.17 17 “[…] constantly negotiated, contested and revised as speakers use combinations of social and linguistic variants to stylistically situate themselves relative to one another”.

Como temos visto, portanto, parece que a reboque da discussão sobre adequação linguística está a noção de estilo sociolinguístico que, também, é bastante ramificada e plural. Nossa hipótese para a questão sobre quem estabelece (ou sobre como se estabelece) a adequação do que vem a ser um estilo aceito passa pela afirmação, de certa forma até categórica, de que não é possível falar em adequação sem que se tenha definida ou explicitada a noção de estilo com a qual se opera. Em outras palavras, para se tratar de adequado ou inadequado há que se ter parâmetros baseados na noção de estilo; há que se ter, por fim, descritores de adequação com base em uma noção variável de estilo, sob pena de se reificar a noção de adequação (e de estilo), tratando-a como algo perene e inflexível.

3 A variação na concordância verbal

Procedemos, agora, a uma descrição do fenômeno variável da concordância verbal em português brasileiro e sobre seu ensino, verificando em que medida a variação estilística é observada nos trabalhos aqui apresentados. Inicialmente, trazemos os trabalhos de Vieira (1997VIEIRA, S. R. A não-concordância em dialetos populares: uma regra variável. Graphos, João Pessoa, v. 1, n. 2, p. 115-133, 1997.) e Scherre e Naro (1998SCHERRE, M. M. P.; NARO, A. J. Sobre a concordância de número no português falado do Brasil. In: RUFFINO, G. (org.). Atti del XXI Congresso Internazionale di Linguistica e Filologia Romanza: volume V: dialettologia, geolinguistica, sociolinguística. Tübingen: Max Niemeyer Verlag, 1998. p. 509-523.), que podem ser identificados com a primeira onda dos estudos sociolinguísticos, na terminologia proposta por Eckert (2005ECKERT, P. Variation, convention, and social meaning. In: ANNUAL MEETING OF THE LINGUISTIC SOCIETY OF AMERICA, 79., 2005, Oakland. Proceedings […]. Washington, DC: Linguistic Society of America, 2005.). Trazemos, também, os resultados de Salomão-Conchalo (2015SALOMÃO-CONCHALO, M. H. A variação estilística na concordância nominal e verbal como construção de identidade social. 2015. Tese (Doutorado em Estudos Linguísticos) -Universidade Estadual Paulista, São José do Rio Preto, 2015.), trabalho que explicitamente se filia à terceira onda de estudos sociolinguísticos.18 18 Não localizamos discussões sobre a variação da concordância verbal em português brasileiro que pudessem ser identificadas com a segunda onda de estudos sociolinguísticos. Na sequência, o foco é o ensino da concordância verbal, a partir de trabalhos que discutem o assunto.

Vieira (1997VIEIRA, S. R. A não-concordância em dialetos populares: uma regra variável. Graphos, João Pessoa, v. 1, n. 2, p. 115-133, 1997.), em um primeiro momento, destaca que o conhecimento sobre os fatores que influenciam o falante em relação à marcação ou não do plural é essencial para que se formulem metodologias adequadas ao ensino. A autora investiga a concordância verbal na terceira pessoa do plural em comunidades pesqueiras do Norte fluminense (RJ), observando quais são as variáveis linguísticas e extralinguísticas que têm relevância para a variação sob análise. Destacamos que a variável “estilo” não é analisada pela autora, em conformidade com o que afirmam Hora e Wetzels (2011HORA, D.; WETZELS, L. A variação estilística e as restrições estilísticas. Revista da Abralin, Campinas, v. 10, n. 3, p. 147-188, 2011., p. 165): “no Brasil, os vários projetos de base sociolinguística nunca deram atenção às restrições estilísticas, sempre favoreceram as restrições estruturais e sociais”.

Os resultados de Vieira (1997VIEIRA, S. R. A não-concordância em dialetos populares: uma regra variável. Graphos, João Pessoa, v. 1, n. 2, p. 115-133, 1997.) mostram uma relevância maior das variáveis linguísticas. Foram selecionadas como significativas as variáveis saliência fônica (maior saliência fônica levou a maior presença de marcas de concordância), paralelismo (no nível oracional, sujeitos com marcas de plural levaram a maior presença de marcas de concordância; no nível discursivo, verbos precedidos de verbos com marca formal de plural levaram a maior presença de marcas de concordância) e posição do sujeito em relação ao verbo (sujeito anteposto levou a maior presença de marcas de concordância).

Quanto às variáveis extralinguísticas, mostraram-se significativas as variáveis “localidade” e “faixa etária”. Com relação à primeira, algumas localidades se mostraram mais favoráveis à presença de marcas de concordância do que outras. A autora, entretanto, afirma que o pouco conhecimento sobre questões de natureza sócio-histórico-culturais a respeito do Norte fluminense a impede de formular explicações sobre as diferenças constatadas entre as localidades. Sobre a variável faixa etária, Vieira (1997VIEIRA, S. R. A não-concordância em dialetos populares: uma regra variável. Graphos, João Pessoa, v. 1, n. 2, p. 115-133, 1997.) mostra que falantes mais novos apresentam mais marcas de concordância do que falantes mais idosos, o que pode estar relacionado, segundo a autora, a questões socioeconômicas, como a escolarização dos informantes.

Para a descrição feita nesta seção, trazemos também os resultados de Scherre e Naro (1998SCHERRE, M. M. P.; NARO, A. J. Sobre a concordância de número no português falado do Brasil. In: RUFFINO, G. (org.). Atti del XXI Congresso Internazionale di Linguistica e Filologia Romanza: volume V: dialettologia, geolinguistica, sociolinguística. Tübingen: Max Niemeyer Verlag, 1998. p. 509-523.) para a concordância verbal, embora os autores discutam também a concordância nominal. Em seu estudo, os autores analisam dados extraídos do Programa de Estudos sobre o Uso da Língua (PEUL). O foco de Scherre e Naro (1998SCHERRE, M. M. P.; NARO, A. J. Sobre a concordância de número no português falado do Brasil. In: RUFFINO, G. (org.). Atti del XXI Congresso Internazionale di Linguistica e Filologia Romanza: volume V: dialettologia, geolinguistica, sociolinguística. Tübingen: Max Niemeyer Verlag, 1998. p. 509-523.) recai sobre a análise das variáveis linguísticas “saliência fônica” e “posição”, que, segundo Naro e Scherre (2003NARO, A. J.; SCHERRE, M. M. P. Estabilidade e mudança em tempo real: a concordância de número. In: PAIVA, M. C.; DUARTE, M. E. L. (org.). Mudança linguística em tempo real. Rio de Janeiro: Contracapa, 2003. p. 47-62.), é “uma das principais variáveis linguísticas que envolve este fenômeno” e, das variáveis extralinguísticas, “escolaridade”, “sexo” e “faixa etária”, sem haver discussão sobre o estilo na pesquisa.

Quanto às variáveis linguísticas, os resultados de Scherre e Naro (1998SCHERRE, M. M. P.; NARO, A. J. Sobre a concordância de número no português falado do Brasil. In: RUFFINO, G. (org.). Atti del XXI Congresso Internazionale di Linguistica e Filologia Romanza: volume V: dialettologia, geolinguistica, sociolinguística. Tübingen: Max Niemeyer Verlag, 1998. p. 509-523.) para a saliência fônica vão ao encontro daqueles obtidos por Vieira (1997VIEIRA, S. R. A não-concordância em dialetos populares: uma regra variável. Graphos, João Pessoa, v. 1, n. 2, p. 115-133, 1997.): maior saliência fônica leva a maior probabilidade de presença de marcas de concordância. Com relação à variável “posição”, diferentemente do procedimento adotado por Vieira (1997VIEIRA, S. R. A não-concordância em dialetos populares: uma regra variável. Graphos, João Pessoa, v. 1, n. 2, p. 115-133, 1997.), Scherre e Naro (1998SCHERRE, M. M. P.; NARO, A. J. Sobre a concordância de número no português falado do Brasil. In: RUFFINO, G. (org.). Atti del XXI Congresso Internazionale di Linguistica e Filologia Romanza: volume V: dialettologia, geolinguistica, sociolinguística. Tübingen: Max Niemeyer Verlag, 1998. p. 509-523.) consideraram conjuntamente a posição do sujeito e sua distância em relação ao verbo. Assim, chegaram a um resultado segundo o qual sujeito anteposto imediatamente ao verbo é o fator que mais favorece a presença de marcas de concordância.

Com relação às variáveis extralinguísticas, segundo Scherre e Naro (1998SCHERRE, M. M. P.; NARO, A. J. Sobre a concordância de número no português falado do Brasil. In: RUFFINO, G. (org.). Atti del XXI Congresso Internazionale di Linguistica e Filologia Romanza: volume V: dialettologia, geolinguistica, sociolinguística. Tübingen: Max Niemeyer Verlag, 1998. p. 509-523.), as mais significativas são “escolaridade” e “sexo”. Os resultados mostram que a maior escolaridade e ser o indivíduo do sexo feminino favorecem a presença de marcas de concordância. Destacamos que os autores atribuem a influência favorecedora de uma maior escolaridade a uma maior exposição à correção gramatical, enquanto mulheres favoreceriam a presença de marcas de concordância em função de uma maior sensibilidade às normas de prestígio.19 19 Para uma problematização dessa afirmação, comum entre os estudos sociolinguísticos, de que mulheres tendem a preferir formas prestigiadas, cf. Freitag e Severo (2015).

Em uma abordagem explicitamente filiada à terceira onda dos estudos sociolinguísticos, Salomão-Conchalo (2015SALOMÃO-CONCHALO, M. H. A variação estilística na concordância nominal e verbal como construção de identidade social. 2015. Tese (Doutorado em Estudos Linguísticos) -Universidade Estadual Paulista, São José do Rio Preto, 2015.), a partir de um trabalho etnográfico, analisa como a realização ou a não realização das marcas de concordância verbal (e nominal) podem ser recursos estilísticos empregados na construção de identidades. Nessa perspectiva, segundo Salomão-Conchalo (2015SALOMÃO-CONCHALO, M. H. A variação estilística na concordância nominal e verbal como construção de identidade social. 2015. Tese (Doutorado em Estudos Linguísticos) -Universidade Estadual Paulista, São José do Rio Preto, 2015., p. 25), “o significado da variação não pode ser encontrado na simples associação com categorias sociais dadas de antemão, mas na interpretação dos traços que identificam socialmente comunidades de prática”. Ao longo de suas observações em uma escola pública de São José do Rio Preto (SP), a autora pôde identificar alguns grupos, selecionando para sua análise dois deles: o grupo dos funkeiros e o dos ecléticos.

Os resultados encontrados por Salomão-Conchalo (2015SALOMÃO-CONCHALO, M. H. A variação estilística na concordância nominal e verbal como construção de identidade social. 2015. Tese (Doutorado em Estudos Linguísticos) -Universidade Estadual Paulista, São José do Rio Preto, 2015.) apontam para uma presença maior de marcas de concordância entre os ecléticos em comparação com os funkeiros. Isto está relacionado, segundo a autora, ao fato de que o primeiro grupo valoriza as relações intergrupais e manifesta vontade de se inserir no mercado simbólico adulto, o que está relacionado com o compartilhamento simbólico de poder que isso representa, enquanto o segundo grupo se identifica com a rebeldia contra as instituições, em especial a escolar, e contesta “a forma impositiva com que os adultos prescrevem as ‘regras do jogo’” (SALOMÃO-CONCHALO, 2015SALOMÃO-CONCHALO, M. H. A variação estilística na concordância nominal e verbal como construção de identidade social. 2015. Tese (Doutorado em Estudos Linguísticos) -Universidade Estadual Paulista, São José do Rio Preto, 2015., p. 245); além disso, este grupo tem como objetivo a não identificação com os membros de outros grupos sociais. Assim, conforme Salomão-Conchalo (2015SALOMÃO-CONCHALO, M. H. A variação estilística na concordância nominal e verbal como construção de identidade social. 2015. Tese (Doutorado em Estudos Linguísticos) -Universidade Estadual Paulista, São José do Rio Preto, 2015., p. 245), “a variação de número, desse modo, passa por um processo de ressignificação tanto para funkeiros quanto para ecléticos, visando articular os valores e as atividades que organizam a identidade de grupo”.

Salomão-Conchalo (2015SALOMÃO-CONCHALO, M. H. A variação estilística na concordância nominal e verbal como construção de identidade social. 2015. Tese (Doutorado em Estudos Linguísticos) -Universidade Estadual Paulista, São José do Rio Preto, 2015.), a partir de seu trabalho, mostra, então, que as marcas de concordância ou sua ausência são recursos estilísticos empregados de maneira criativa pelos membros dos grupos sociais analisados, ou seja, eles não se constituem apenas como uma resposta à situação de fala. A autora destaca que a identidade dos grupos não é, obviamente, construída apenas a partir da concordância, contribuindo para isso, também, aspectos como a maneira como os membros do grupo se vestem, o tipo de música que escutam, as atividades em que se envolvem na escola e fora dela.

A partir desses resultados, a autora problematiza a concepção tradicional de variante prestigiada e de variante estigmatizada:

A própria abordagem variacionista típica para a definição de variante prestigiada e variante estigmatizada pode também ser questionada, uma vez que, quando uma variante, que é estigmatizada pela comunidade social como um todo, é adotada pelos membros de uma comunidade de prática, para eles, ela não tem valor de estigma social justamente por representar no uso uma marca de afiliação de grupo, de pertencimento social, e, portanto, de representação simbólica de construção de uma identidade cultural. (SALOMÃO-CONCHALO, 2015SALOMÃO-CONCHALO, M. H. A variação estilística na concordância nominal e verbal como construção de identidade social. 2015. Tese (Doutorado em Estudos Linguísticos) -Universidade Estadual Paulista, São José do Rio Preto, 2015., p. 246)

Após fazermos essa breve descrição da variação na concordância verbal em português brasileiro, passamos a discutir a sua abordagem no ensino de língua portuguesa.

Como mostra Vieira (2008VIEIRA, S. R. Concordância verbal. In: VIEIRA, S. R.; BRANDÃO, S. F. (org.). Ensino de gramática: descrição e uso. São Paulo: Contexto, 2008. p. 85-102., p. 85), “a concordância verbal costuma ser um tema muito valorizado nas aulas de Língua Portuguesa, especialmente na avaliação da produção textual dos alunos”, e isto se relaciona ao fato, segundo a autora, de que a não realização da concordância se manifesta como um traço estigmatizante - o que vai de encontro ao questionamento de Salomão-Conchalo (2015SALOMÃO-CONCHALO, M. H. A variação estilística na concordância nominal e verbal como construção de identidade social. 2015. Tese (Doutorado em Estudos Linguísticos) -Universidade Estadual Paulista, São José do Rio Preto, 2015.) recém mencionado. Levando isto em consideração, a autora propõe dois objetivos para o ensino da concordância:

(a) desenvolver o raciocínio lógico-científico sobre a linguagem na esfera dessa estrutura morfossintática específica; e (b) promover o domínio do maior número possível de variantes lingüísticas, de forma a tornar o aluno capaz de reconhecê-las e ou produzi-las, caso deseje. (VIEIRA, 2008VIEIRA, S. R. Concordância verbal. In: VIEIRA, S. R.; BRANDÃO, S. F. (org.). Ensino de gramática: descrição e uso. São Paulo: Contexto, 2008. p. 85-102., p. 93)

Quanto ao primeiro objetivo, a autora mostra que é necessário levar em consideração a natureza morfossintática da concordância verbal, o que significa integrar esse assunto aos outros a ele relacionados, como a morfologia flexional do verbo e a noção de sujeito. Com relação ao segundo objetivo, é preciso considerar, segundo a autora, quais são as variantes que concretizam a concordância verbal e quais são os contextos que influenciam a seleção das variantes, em conformidade com o que já havia afirmado em 1997.

Alinhada ao segundo objetivo, Vieira (2008VIEIRA, S. R. Concordância verbal. In: VIEIRA, S. R.; BRANDÃO, S. F. (org.). Ensino de gramática: descrição e uso. São Paulo: Contexto, 2008. p. 85-102., p. 101) destaca “a importância do aproveitamento dos estudos lingüísticos para uma prática de ensino que se quer pautada em normas reais, depreendidas dos diversificados contextos de uso da língua”. A autora, então, propõe que o ensino deve partir dos contextos que mais favorecem as marcas de concordância, como, por exemplo, aqueles em que há maior saliência fônica e em que o sujeito está anteposto ao verbo. Destacamos, aqui, que, na discussão sobre como apresentar a regra variável de concordância verbal no ensino, Vieira (2008VIEIRA, S. R. Concordância verbal. In: VIEIRA, S. R.; BRANDÃO, S. F. (org.). Ensino de gramática: descrição e uso. São Paulo: Contexto, 2008. p. 85-102.) foca, exclusivamente, nas variáveis linguísticas que vários trabalhos já demonstraram como as mais significativas para a realização da concordância, de modo que as variáveis extralinguísticas não são consideradas. Destacamos, também, que o estilo não é mencionado em nenhum momento em sua discussão.

De acordo com Cardoso e Cobucci (2014CARDOSO, C. R.; COBUCCI, P. Concordância de número no português brasileiro. In: BORTONI-RICARDO, Stella Maris (org.). Por que a escola não ensina gramática assim? São Paulo: Parábola , 2014. p. 71-107.), no que diz respeito ao ensino de português, é necessário:

Fazer o aluno reconhecer seu saber prévio sobre a língua e ajudar a desenvolvê-lo; ampliar seu repertório linguístico e garantir seu acesso às diversas variedades linguísticas, por meio da leitura e discussão de textos de diversos gêneros, orais e escritos, da cultura letrada. (CARDOSO; COBUCCI, 2014CARDOSO, C. R.; COBUCCI, P. Concordância de número no português brasileiro. In: BORTONI-RICARDO, Stella Maris (org.). Por que a escola não ensina gramática assim? São Paulo: Parábola , 2014. p. 71-107., p. 107)

Nas sugestões metodológicas oferecidas pelas autoras para o ensino da concordância verbal, há uma menção genérica à importância da adequação ao gênero textual/discursivo no sentido de que o professor deve estar atento à adequação ao gênero nas produções dos alunos, “apontando e explicando todas as ocorrências em desacordo com determinado contexto e com determinada produção textual - seja oral, seja escrita” (CARDOSO; COBUCCI, 2014CARDOSO, C. R.; COBUCCI, P. Concordância de número no português brasileiro. In: BORTONI-RICARDO, Stella Maris (org.). Por que a escola não ensina gramática assim? São Paulo: Parábola , 2014. p. 71-107., p. 102).

Nessa linha de raciocínio, buscando equacionar o diálogo entre Vieira (2008VIEIRA, S. R. Concordância verbal. In: VIEIRA, S. R.; BRANDÃO, S. F. (org.). Ensino de gramática: descrição e uso. São Paulo: Contexto, 2008. p. 85-102.) e Cardoso e Cobucci (2014CARDOSO, C. R.; COBUCCI, P. Concordância de número no português brasileiro. In: BORTONI-RICARDO, Stella Maris (org.). Por que a escola não ensina gramática assim? São Paulo: Parábola , 2014. p. 71-107.) com a discussão sobre variação estilística que propomos na segunda seção e sem deixar de lado o legado da pesquisa linguística sobre concordância verbal no português brasileiro, cumpre-nos destacar que tanto no âmbito da educação linguística de modo geral como no de ensino de línguas em particular, nossa experiência nos aponta para o fato de que a ênfase no domínio de variantes linguísticas isoladas das práticas estilísticas que lhes amparam e lhes dão sentido social pode desencadear abordagens que privilegiam um certo formalismo pouco produtivo para a aprendizagem da variedade prestigiada. Sendo assim, a questão do ensino de temas gramaticais como a concordâncias verbal - e isto é o que gostaríamos de acrescentar - poderia ser conduzida à luz do desenvolvimento da competência de análise linguística. Dito de outro modo, o que propomos é que as estratégias de ensino com vistas à observação e à sistematização de contextos linguísticos favorecedores de marcas de concordância (saliência fônica e posição do sujeito, por exemplo) possam ser encaminhadas conjuntamente à observação e à construção de práticas estilísticas comunicativas diversificadas, espaço este em que a própria noção de adequação é forjada.

4 Adequação e estilo em livros didáticos de português: análise de casos concretos

Nesta seção, nos propomos a analisar como dois livros didáticos (LD), voltados para o ensino médio e aprovados no edital do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) para os anos de 2018, 2019 e 2020 abordam a variação na concordância verbal. Com isso, nos propomos a conhecer, a partir de casos concretos, como se relacionam as noções de adequação e prática estilística na perspectiva desse importante recurso didático. Os livros analisados foram: Português Contemporâneo: diálogo, reflexão e uso (CEREJA et al., 2016CEREJA, W. R. et al. Português Contemporâneo: diálogo, reflexão e uso. São Paulo: Saraiva, 2016. v. 3.) e Novas Palavras 3º ano. (AMARAL et al., 2016AMARAL, E. et al. Novas palavras 3º ano. São Paulo: FTD, 2016.)20 20 Na análise, os livros serão identificados como PC (Português Contemporâneo) e NP (Novas Palavras). Em um primeiro momento, observamos como a variação, de maneira mais geral, aparece nos livros didáticos. Na sequência, nos detemos na análise da noção de adequação/inadequação que subjaz às atividades propostas. Reafirmamos que, para nós, a discussão sobre adequação/inadequação linguística tem uma relação inelutável com o conceito de estilo que venha a ser adotado.

Na análise mais geral sobre como a variação na concordância verbal é discutida nos livros didáticos, nossa intenção não é fazer uma análise exaustiva do tema, mas levantar algumas questões que apontam para um tratamento mais ou menos satisfatório do assunto.

Os dois livros sob análise podem se enquadrar no que Vieira (2008VIEIRA, S. R. Concordância verbal. In: VIEIRA, S. R.; BRANDÃO, S. F. (org.). Ensino de gramática: descrição e uso. São Paulo: Contexto, 2008. p. 85-102.) denomina como uma “abordagem tradicional” da concordância verbal. Segundo a autora, em uma abordagem assim caracterizada, via de regra: (1) é apresentada uma regra geral segundo a qual “o verbo deve se conformar ao número e à pessoa do sujeito” (VIEIRA, 2008VIEIRA, S. R. Concordância verbal. In: VIEIRA, S. R.; BRANDÃO, S. F. (org.). Ensino de gramática: descrição e uso. São Paulo: Contexto, 2008. p. 85-102., p. 86); (2) são explicitadas as regras para os casos de sujeito composto; (3) em busca de tentar dar conta da variabilidade na concordância verbal, é feita a distinção entre concordância verbal e ideológica; (4) são apresentadas “regras particulares, particularidades, exceções”, expressão utilizada entre aspas pela autora- tais regras envolvem, por exemplo, expressões partitivas, pronomes relativos “que” ou “quem”, conectivos “ou”, “nem” ou “com” e construções com verbo “ser” seguido de predicativo.

Conforme Vieira (2008VIEIRA, S. R. Concordância verbal. In: VIEIRA, S. R.; BRANDÃO, S. F. (org.). Ensino de gramática: descrição e uso. São Paulo: Contexto, 2008. p. 85-102.),

tais casos, descritos de forma particularizada nas gramáticas, demonstram, por um lado, a inconsistência do tratamento tradicional que, pouco criteriosamente, privilegia ora aspectos sintáticos ou morfológicos, ora semânticos, e chega a admitir que o verbo concorde com outros termos da oração que não o sujeito. Por outro lado, tais casos denotam a expressiva variabilidade que envolve a concordância verbal, legitimada pelas gramáticas normativas, embora de forma não explícita. (VIEIRA, 2008VIEIRA, S. R. Concordância verbal. In: VIEIRA, S. R.; BRANDÃO, S. F. (org.). Ensino de gramática: descrição e uso. São Paulo: Contexto, 2008. p. 85-102., p. 87)

Os dois livros analisados, conforme foi mencionado, organizam a sua apresentação da concordância verbal seguindo as características apresentadas nos itens de (1) a (4). Com a finalidade de exemplificar isso, apresentamos como cada livro apresenta a regra geral mencionada em (1).

Concordância verbal é o princípio sintático de acordo com o qual o verbo deve ser flexionado para se ajustar ao sujeito da oração (AMARAL et al., 2016AMARAL, E. et al. Novas palavras 3º ano. São Paulo: FTD, 2016., p. 237, grifo do autor)

Concordância verbal é a conformidade do verbo com seu it sujeito em número e pessoa (CEREJA et al., 2016CEREJA, W. R. et al. Português Contemporâneo: diálogo, reflexão e uso. São Paulo: Saraiva, 2016. v. 3., p. 25, grifo do autor).

Há, entretanto, uma importante diferença na forma como a concordância verbal é apresentada nos livros. Em NP, é dedicado ao assunto um capítulo próprio; trata-se do sexto capítulo do livro, que tem por título “Sintaxe de concordância: concordância verbal”. Já em PC, a concordância aparece inserida no interior de um capítulo que não se dedica a ela exclusivamente. A abordagem da concordância verbal se insere no capítulo 1, intitulado “O pré-modernismo/Concordância verbal/O conto”. Dentro do capítulo, após a seção “literatura”, a concordância verbal é abordada na seção “língua e linguagem”. O capítulo se encerra com a seção “produção de texto”.

Claramente, neste livro, há uma tentativa de articular os eixos de leitura, análise linguística e produção textual. Isso fica novamente evidente quando a seção referente à concordância verbal inicia com a leitura e a interpretação do poema “Dois e dois: quatro”, de Ferreira Gullar. O que se observa, entretanto, é que, após algumas perguntas de interpretação, as questões destinadas à análise linguística apenas solicitam aos alunos a análise de trechos retirados do poema, sem que sejam observados os efeitos de sentido possíveis de serem construídos com os recursos linguísticos empregados. A título de exemplificação, comentamos o exercício que pede para que sujeitos no singular sejam substituídos por sujeitos no plural, para que os versos de que fazem parte sejam reescritos. No caso da substituição de “o oceano” por “os mares” no verso “como é azul o oceano”, isso acaba por “estragar” a sonoridade do poema, que se constitui por vários versos que terminam por vogal seguida da sílaba “no”. A rima, portanto, que é um dos recursos linguísticos passíveis de serem analisados em um poema (KÖCHE; MARINELLO, 2017KÖCHE, V. S.; MARINELLO, A. F. Ler, escrever e analisar a língua a partir de gêneros textuais. Petrópolis: Vozes, 2017.), é desconsiderada em um exercício como esse.

Apesar de as abordagens poderem ser classificadas como tradicionais, há momentos em que a variação linguística na concordância verbal emerge para além dos casos já “autorizados” pela gramática normativa, como aqueles contemplados nos itens de (2) a (4). Um exemplo disso é o caso das estruturas de passiva sintética, conforme nomenclatura da gramática normativa.

Mais uma vez, é possível perceber uma diferença entre os livros. Segundo NP, nesta estrutura, se o sujeito está no singular, o verbo fica no singular, conforme o exemplo “Divulgou-se rapidamente a boa notícia”, e, se o sujeito está no plural, o verbo fica no plural, como no exemplo “Divulgaram-se rapidamente as boas notícias”. Há, entretanto, uma observação segundo a qual “a concordância do verbo (+se) com o sujeito […] só tem ocorrência regular em enunciados da variedade culta formal; na variedade coloquial, o verbo é empregado no singular. Assim, por exemplo: vende-se objetos antigos” (AMARAL et al., 2006AMARAL, E. et al. Novas palavras 3º ano. São Paulo: FTD, 2016., p. 239). Apesar de apresentar uma tentativa de considerar, neste caso, a variação na concordância verbal, percebe-se que, de maneira equivocada, a “variedade coloquial” e a “variedade culta formal”, além de carecerem de uma definição ou da remissão a outra parte do livro que as defina, estão sendo tomadas como entidades homogêneas.

Por sua vez, em PC, há um box intitulado “Vende-se ou vendem-se apartamentos?”. Nesse box, os autores informam que há uma discussão entre linguistas e gramáticos - podemos assumir que os autores estejam se referindo a gramáticos normativos aqui - quanto à estrutura que aparece no título. Segundo os autores, alguns linguistas assumem que não há uma estrutura passiva aqui, e sim um caso de sujeito indeterminado, o que levaria o verbo para a terceira pessoa do singular. Diferentemente, para a gramática normativa, conforme os autores, há a determinação de que, nesses casos, o sujeito está posposto ao verbo, devendo a concordância ser feita com ele. Este, portanto, é um exemplo em que a variação linguística aparece de forma explícita no livro.

A análise da abordagem da concordância verbal em NP e PC nos leva a verificar que a variação linguística aparece de forma marginal nos livros, como evidenciam o caráter de observação e o layout empregado, conforme os exemplos há pouco discutidos. Assim, é possível perceber que os resultados de pesquisas sociolinguísticas, como aquelas apresentadas na terceira seção, não têm o devido espaço na abordagem de um fenômeno variável como esse. Isso vale para os trabalhos fundamentados em uma perspectiva de variação estilística segundo a qual há uma separação entre variáveis linguísticas, variáveis sociais e variáveis estilísticas, no sentido de que os livros didáticos não levam em consideração as variáveis que favorecem o uso de uma ou outra variante21 21 NP propõe um exercício em que seja analisada a legenda de uma foto publicada em uma revista. Na legenda está escrito “Porto de Itaqui (MA): Exportação de minérios e grãos geram divisas para o Brasil”. Segundo os autores, o verbo pode estar no plural, apesar de o núcleo estar no singular, por influência de “minérios” e “grãos”, “que se apresentam no plural e estão posicionadas entre ‘exportação’ (que é o núcleo do sujeito) e o verbo” (AMARAL et al, 2016, p. 254, grifo do autor). Neste mesmo momento, em que se poderia pensar na manifestação de resultados de pesquisas sociolinguísticas (como a influência da variável distância do núcleo em relação ao verbo), os autores denominam a concordância realizada na legenda como “desvio”, “erro”, “tropeço”. , como mostram os resultados de Vieira (2007) e Scherre e Naro (1998SCHERRE, M. M. P.; NARO, A. J. Sobre a concordância de número no português falado do Brasil. In: RUFFINO, G. (org.). Atti del XXI Congresso Internazionale di Linguistica e Filologia Romanza: volume V: dialettologia, geolinguistica, sociolinguística. Tübingen: Max Niemeyer Verlag, 1998. p. 509-523.), entre outros. Isso vale também para as pesquisas baseadas em uma perspectiva conforme a qual a variação estilística é central para o estudo da língua, uma vez que os livros didáticos, em momento algum, apresentam a variação na concordância verbal como recurso estilístico para a construção de identidades, como discute Salomão-Conchalo (2015SALOMÃO-CONCHALO, M. H. A variação estilística na concordância nominal e verbal como construção de identidade social. 2015. Tese (Doutorado em Estudos Linguísticos) -Universidade Estadual Paulista, São José do Rio Preto, 2015.).

Quanto à análise das atividades dos livros didáticos em relação à noção de adequação/inadequação e ao conceito subjacente de estilo atrelado a tal noção, o Quadro 3 apresenta cinco exemplos de enunciados de questões sobre o tema da concordância verbal. Escolhemos tais exemplos porque nos pareceram ilustrar os casos representativos da diversidade de possibilidades passíveis de serem encontradas em exercícios dessa natureza. Como temos acompanhado ao longo de nossa experiência com formação inicial e continuada de professoras de português, é abundante, nos livros didáticos da área, o emprego da noção de adequação, que ocorre, muitas vezes, de forma indiscriminada, pouco precisa e, até mesmo, equivocada. Nos exemplos que separamos abaixo, os autores optaram por utilizar o conceito de adequação de diferentes formas. Apresentaremos primeiramente os exemplos retirados dos livros e, em seguida, nossa análise dos casos.

Quadro 3
Adequação e estilo em livros didáticos

De modo geral, os livros didáticos de português têm privilegiado o ensino da modalidade escrita da variedade linguística mais conhecida como norma culta. Ocorre, porém, que, como toda variedade linguística, a norma culta é um fenômeno sociolinguístico profundamente heterogêneo, o que equivale a dizer que toda categorização de regras linguísticas de seu uso estará sujeita à análise de variáveis sociais e estilísticas, daí a impressão (equivocada) de alguns de que linguistas e professores, com sólida formação em linguística, sejam relativistas em matéria de língua.22 22 Para mais sobre essa questão, cf. Faraco (2008).

Nos livros que analisamos, a despeito de termos encontrado várias referências à terminologia “técnica” da sociolinguística, como o emprego dos conceitos de variedade, monitoração, hipercorreção; referências à variação social e estilística, por outro lado, são tímidas e, na maioria das vezes, implícitas. Isto é, embora não se mencione explicitamente, é comum os livros tomarem a variedade urbana do sudeste do país como única referência de uso prestigiado e, em relação à questão estilística, em geral os livros limitam-se ao par coloquial/formal ou informal/formal ou espontâneo/monitorado.

Todas essas questões estão em jogo quando discutimos o conceito de adequação e, como tratamos na segunda seção, tal conceito está profundamente relacionado à noção de variação estilística, de modo que, sem deixar explícita a noção de variação estilística com que se está trabalhando, pode se tornar extremamente problemático falar em adequação. A literatura sociolinguística contemporânea permite pensar em, pelo menos, três noções de variação estilística pelas quais se pode atribuir diferentes sentidos ao termo adequação, a saber: (1) a adequação varia conforme o contexto (formal ou informal); (2) a adequação é negociada e renegociada a qualquer tempo na prática comunicativa e interacional pelos interactantes e (3) a adequação é sempre situada, pois diferentes maneiras de dizer as coisas sinalizam diferentes maneiras de ser. Sendo assim, dirigimos nossa investigação perguntando aos enunciados das questões do Quadro 3 que noção de estilo está subjacente ao emprego do conceito de adequação. O Quadro 4 apresenta alguns resultados.23 23 Foge do escopo deste trabalho propor uma revisão pontual de cada enunciado das questões discutidas nos quadros 3 e 4, postura que poderia soar como uma pretensa autoridade de que se arrogariam os autores deste artigo para desautorizar os autores dos LD e os especialistas que aprovaram os livros no PNLD em questão. Não se trata disso. Nosso intuito se encontra comprometido com o debate público em torno de questões que envolvem a educação linguística de maneira geral e, de forma particular, a contribuição da sociolinguística para esse fazer.

Quadro 4
Análise

Em linhas gerais, nossas observações de análise apontaram para o uso de uma noção genérica de adequação pelos livros didáticos. Essa noção genérica parece esvaziar o conceito de todas suas potencialidades semânticas, sócio-históricas e culturais. Grosso modo, esse expediente aponta para uma noção de adequação em sentido absoluto, baseada na crença de que as formas linguísticas podem ser em si e por si adequadas ou inadequadas, independentemente de seus usuários. Como consequência disso, a adequação é vista como algo independente da prática estilística, que também acaba relegada a segundo plano.

5 Considerações finais

De tudo que apresentamos até aqui, gostaríamos de finalizar recapitulando ou sumarizando alguns pontos que nos pareceram mais relevantes para uma síntese do que tratamos nesse artigo, a saber:

  • (1) A prática estilística e seus sentidos sociais possíveis, que se dão no terreno das práticas sociais e das relações de classe, gênero, raça, etnia etc., é o que forja a adequação, estabelecendo, ao fim e ao cabo, o que vem a ser um estilo aceito.

  • (2) Sem se deixar explícita a noção de variação estilística com que se está trabalhando, seja no âmbito do ensino, seja no âmbito da pesquisa, torna-se extremamente problemático falar em adequação.

  • (3) Por sua vez, a adequação não tem um sentido absoluto; para melhor compreender suas bases, há que se explicitar os parâmetros estilísticos considerados. Nesse sentido, pensando-a como um princípio geral da interação, a noção de adequação pode ser muito mais flexível do que supõe a tradição normativa.

  • (4) Quanto aos livros didáticos analisados, embora tenhamos observado várias referências a terminologias empregadas frequentemente no campo da sociolinguística, referências a variação social e estilística ainda são tímidas e implícitas. É prática comum aos livros tomarem a variedade urbana do sudeste do país como única referência de uso prestigiado. Já em relação à questão estilística, em geral os livros limitam-se ao par coloquial/formal ou informal/formal ou espontâneo/monitorado.

  • (5) Diferentes noções de variação estilística constroem diferentes sentidos para adequação. Neste artigo buscamos refletir sobre três noções: (a) adequação varia conforme o contexto (formal ou informal); (b) a adequação é negociada e renegociada a qualquer tempo na prática comunicativa e interacional pelos interactantes e (c) a adequação é sempre situada, pois diferentes maneiras de dizer as coisas sinalizam diferentes maneiras de ser. Embora, como a análise de LD apontou, a noção de adequação seja de uso frequente, por outro lado, resulta ainda um desafio para a pedagogia de línguas estabelecer meios para uma abordagem segura da noção de estilo em educação linguística, considerando o uso diversificado de recursos estilísticos, linguísticos e multissemióticos para a produção de sentidos sociais. Acreditamos, por fim, que reside aí uma relevante tarefa para a educação linguística.

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    » http://sinop.unemat.br/projetos/revista/index.php/binorteamentos/article/view/3362
  • VALLE, C. R. M.; GÖRSKI, E. M. Por um tratamento multidimensional da variação estilística na entrevista sociolinguística. In: GÖRSKI, E. M. et al . (org.). Variação estilística: reflexões teórico-metodológicas e propostas de análise . Florianópolis: Insular , 2014. p. 93-121.
  • VIEIRA, S. R. A não-concordância em dialetos populares: uma regra variável. Graphos, João Pessoa, v. 1, n. 2, p. 115-133, 1997.
  • VIEIRA, S. R. Concordância verbal. In: VIEIRA, S. R.; BRANDÃO, S. F. (org.). Ensino de gramática: descrição e uso. São Paulo: Contexto, 2008. p. 85-102.
  • WEINREICH, U.; LABOV, W.; HERZOG, M. Fundamentos empíricos para uma teoria da mudança linguística São Paulo: Parábola , 2006.
  • 1
    Ainda que não estejam explicitamente referenciados ao longo do texto, para nossa abordagem também colaboraram os trabalhos de Mendoza-Denton (2001MENDOZA-DENTON, N. Style. In: DURANTI, A. (ed.) Key terms in language and culture. Oxford: Blackwell , 2001. p. 235-237.), Hora (2014HORA, D. Estilo: uma perspectiva variacionista. In: GÖRSKI, E. M. et al. (org.). Variação estilística: reflexões teórico-metodológicas e propostas de análise . Florianópolis: Insular , 2014. p. 19-30.) e Bagno (2017BAGNO, M. Dicionário crítico de sociolinguística. São Paulo: Parábola, 2017.).
  • 2
    Em 1972, ocorre a publicação de Sociolinguistic Patterns, obra que reúne os principais achados de pesquisa de Labov até então e que foi traduzida para português brasileiro em 2008 por Bagno, Scherre e Cardoso (LABOV, 2008LABOV, W. Padrões sociolinguísticos. São Paulo: Parábola , 2008.). Nesse livro, o capítulo 3, intitulado “O isolamento de estilos contextuais”, é uma versão muito próxima do texto que havia sido publicado em 1966. Na versão brasileira, a expressão careful speech foi traduzida como “fala monitorada”; neste texto, seguimos essa tradução, eventualmente usamos “fala mais cuidada” ou “fala cuidada”.
  • 3
    Segundo Rickford e Eckert (2001RICKFORD, J. R.; ECKERT, P. Introduction. In: ECKERT, P.; RICKFORD, J. R. (ed.). Style and sociolinguistic variation . Cambridge: Cambridge University Press , 2001. p. 1-18.), embora a questão da atenção prestada à fala seja central na discussão de Labov sobre o estilo, a noção de prestígio desempenha um papel relevante. Como destacam os autores, Labov (2006LABOV, W. The social stratification of English in the New York City. Washington, DC: Center of Applied Linguistics, 2006.) associa a variação estilística à hierarquia socioeconômica e situa o prestígio na parte superior de tal hierarquia, enquanto o estigma estaria localizado em sua parte inferior, de forma que o polo prestigiado seria o resultado de uma fala mais formal e cuidada, ao passo que o polo estigmatizado resultaria de uma fala mais casual e não monitorada.
  • 4
    As traduções são de responsabilidade dos autores deste artigo e estão acompanhadas do original em nota de rodapé.
  • 5
    “The adjective ‘Labovian’ is often used to describe a set of interviews that uses several different styles to trace the shift of styles [...]. The fact that these four or five styles can be ordered by increasing attention paid to speech has been mistaken for a claim that this is the way that styles and registers are to be ordered and understood in everyday life. The style shifting devices used in this chapter were introduced as heuristic devices to obtain a range of behaviors within the individual interview, not as a general theory of style shifting”.
  • 6
    Cabe mencionar que a árvore de decisão proposta por Labov (2001LABOV, W. The anatomy of style-shifting. In: ECKERT, P.; RICKFORD, J. R. (ed.). Style and sociolinguistic variation . Cambridge: Cambridge University Press , 2001. p. 85-108.) é uma tentativa de lidar com esta questão. Para uma análise crítica desta proposta, sugerimos a leitura de Eckert (2001ECKERT, P. Style and social meaning. In: ECKERT, P.; RICKFORD, J. R. (ed.). Style and sociolinguistic variation . Cambridge: Cambridge University Press , 2001. p. 119-126.), que destaca a importância do significado social da variação estilística. No contexto brasileiro, autores como Valle e Görski (2014VALLE, C. R. M.; GÖRSKI, E. M. Por um tratamento multidimensional da variação estilística na entrevista sociolinguística. In: GÖRSKI, E. M. et al . (org.). Variação estilística: reflexões teórico-metodológicas e propostas de análise . Florianópolis: Insular , 2014. p. 93-121.), Dantas e Gibbon (2014DANTAS, W. S.; GIBBON, A. O. A abordagem do estilo de fala narrativa na proposta da “árvore de decisão”: algumas questões de análise. In: GÖRSKI, E. M. et al. (org.). Variação estilística: reflexões teórico-metodológicas e propostas de análise. Florianópolis: Insular, 2014. p. 141-162.) e Freitag (2014FREITAG, R. M. K. Dissecando a entrevista sociolinguística: estilo, sequência discursiva e tópico. In: GÖRSKI, E. M. et al. (org.). Variação estilística: reflexões teórico-metodológicas e propostas de análise . Florianópolis: Insular , 2014. p. 123-139.) discutem a árvore de decisão e fazem proposições quanto à segmentação da entrevista sociolinguística.
  • 7
    “Stylistic variation emerged from the New York City study as among the most important constructs in the field. Yet despite its importance, style became less of a focus of empirical research from the 1970s onward, at least in the influential American quantitative tradition. This was partly because people questioned Labov’s focus on attention paid to speech (Milroy 1987:172-83), partly because of the operational difficulty of separating casual speech from careful speech via interview contexts and channel cues (Wolfram 1969:58-9), and partly because researchers became absorbed in the study of the linguistic and social constraints on variation”.
  • 8
    “Variation on the style dimension within the speech of a single speaker derives from and echoes the variation which exists between speakers on the ‘social’ dimension”.
  • 9
    A noção de responsividade (responsiveness) já estava presente no texto de 1984; porém, é em seu texto de 2001 que Bell credita esse conceito a Bakhtin, de cuja teoria dialógica da linguagem Bell tem forte influência, chegando a considerá-lo como “arauto da sociolinguística moderna”: “we can turn to a source who may seem surprising, but who has some claim to be acknowledged as a herald of modern sociolinguistics - the Soviet literary theorist Bakhtin writing in 1934/35: ‘All words have the ‘taste’ of a profession, a genre, a tendency, a party, a particular work, a particular person, a generation, an age group, the day and hour [...]’ (Bakhtin 1981:293)”. (BELL, 2001BELL, A. Back in style: reworking audience design. In: ECKERT, P.; RICKFORD, J. R. (ed.). Style and sociolinguistic variation. Cambridge: Cambridge University Press, 2001. p. 139-169., p. 143) Mais contemporaneamente, trabalhos como o de Severo (2014SEVERO, C. G. Estilo, variação e discurso. In: GÖRSKI, E. M. et al. (org.). Variação estilística: reflexões teórico-metodológicas e propostas de análise . Florianópolis: Insular , 2014. p. 31-49.) propõem uma articulação entre a abordagem da sociolinguística laboviana e a perspectiva bakhtiniana. Segundo essa autora, “a variação estilística laboviana pode ser aproximada do estilo individual, na abordagem bakhtiniana, pelas noções de avaliação e significado social”. (SEVERO, 2014SEVERO, C. G. Estilo, variação e discurso. In: GÖRSKI, E. M. et al. (org.). Variação estilística: reflexões teórico-metodológicas e propostas de análise . Florianópolis: Insular , 2014. p. 31-49., p. 49)
  • 10
    Detalhes na figura 13 de Bell (1984BELL, A. Language style as audience design. Language in Society, Cambridge, n. 13, p. 145-204, 1984., p. 196).
  • 11
    No trabalho de 2001, Bell observou uma relação de continuidade entre audience design e referee design, atribuindo não mais uma dimensão secundária ao referee design, como parece ter sido proposto em Bell (1984BELL, A. Language style as audience design. Language in Society, Cambridge, n. 13, p. 145-204, 1984.). É o que se lê a seguir: “I treated referee design as a secondary dimension, which could kick in, as it were, when audience design failed. This left the problem of knowing what was the boundary between the two dimensions: where did audience design end, and referee design begin? When did speakers shift from responsive to initiative mode? I now tend to think that we have to acknowledge referee design as an ever-present part of individuals’ use of language. We are always positioning ourselves in relation to our own ingroup and other groups, and our interlocutors. This was expressed in Bell (1984BELL, A. Language style as audience design. Language in Society, Cambridge, n. 13, p. 145-204, 1984.:184), but was not worked through far enough: ‘The responsive-initiative distinction is a continuum rather than a dichotomy. Response always has an element of speaker initiative; initiative invariably is in part a response to one’s audience.’ What I now suggest is that these may be two complementary and coexistent dimensions of style, which operate simultaneously in all speech events. Yes, we are designing our talk for our audience. But we are also concurrently designing it in relation to other referee groups, including our own ingroup” (BELL, 2001BELL, A. Back in style: reworking audience design. In: ECKERT, P.; RICKFORD, J. R. (ed.). Style and sociolinguistic variation. Cambridge: Cambridge University Press, 2001. p. 139-169., p. 165).
  • 12
    Nas palavras da autora: “In Bell’s recent expansion of his theory (Bell 2001BELL, A. Back in style: reworking audience design. In: ECKERT, P.; RICKFORD, J. R. (ed.). Style and sociolinguistic variation. Cambridge: Cambridge University Press, 2001. p. 139-169.), he argues further that a speaker’s spontaneous adoption of a style (i.e. not in response to topic or present audience) is done with an audience in mind. This is tantamount to saying that the speaker’s identity is embedded in social relations, which is clearly true. But it also suggests that the speaker is focusing on a specific imagined audience, and limits the speaker’s agency to adaptation to pre-existing styles and social categories. This is a serious limitation that does not allow for creativity and change”. (ECKERT, 2003ECKERT, P. The meaning of style. Texas Linguistic Forum, Austin, v. 47, p. 41-53, 2003., p. 45)
  • 13
    “A community of practice is an aggregate of people who come together around some interprise. United by this common enterprise, people come to develop and share ways of doing things, ways of talking, beliefs, values -in short, practices- as a function of their joint engagement in activity” (ECKERT, 2000ECKERT, P. Linguistic variation as social practice. Oxford: Blackwell, 2000., p. 35).
  • 14
    “And it is the collection of types of communities of practice at different places in society that ultimately constitutes the assemblage of practice that is viewed as class culture, ethnic culture, gender practice, etc”.
  • 15
    “Sociolinguists generally think of styles as different ways of saying the same thing. In every field that studies style seriously, however, this is not so - style is not a surface manifestation, but originates in content. The view of style I present here precludes the separation of form from content, for the social is eminently about the content of people’s lives. Different ways of saying things are intended to signal different ways of being, which includes different potential things to say”.
  • 16
    “And although linguistic style is rarely constructed in as intentional a fashion as clothing style, it is similarly a process of bricolage. The big question for the study of meaning in variation is how linguistic styles are constructed: what kinds of meanings can variables have, and how do they combine to yield the larger meanings of styles?”.
  • 17
    “[…] constantly negotiated, contested and revised as speakers use combinations of social and linguistic variants to stylistically situate themselves relative to one another”.
  • 18
    Não localizamos discussões sobre a variação da concordância verbal em português brasileiro que pudessem ser identificadas com a segunda onda de estudos sociolinguísticos.
  • 19
    Para uma problematização dessa afirmação, comum entre os estudos sociolinguísticos, de que mulheres tendem a preferir formas prestigiadas, cf. Freitag e Severo (2015FREITAG, R. M. K.; SEVERO, C. G. (org.). Mulheres, linguagem e poder: estudos de gênero na sociolinguística brasileira. São Paulo: Blucher, 2015.).
  • 20
    Na análise, os livros serão identificados como PC (Português Contemporâneo) e NP (Novas Palavras).
  • 21
    NP propõe um exercício em que seja analisada a legenda de uma foto publicada em uma revista. Na legenda está escrito “Porto de Itaqui (MA): Exportação de minérios e grãos geram divisas para o Brasil”. Segundo os autores, o verbo pode estar no plural, apesar de o núcleo estar no singular, por influência de “minérios” e “grãos”, “que se apresentam no plural e estão posicionadas entre ‘exportação’ (que é o núcleo do sujeito) e o verbo” (AMARAL et al, 2016AMARAL, E. et al. Novas palavras 3º ano. São Paulo: FTD, 2016., p. 254, grifo do autor). Neste mesmo momento, em que se poderia pensar na manifestação de resultados de pesquisas sociolinguísticas (como a influência da variável distância do núcleo em relação ao verbo), os autores denominam a concordância realizada na legenda como “desvio”, “erro”, “tropeço”.
  • 22
    Para mais sobre essa questão, cf. Faraco (2008FARACO, C. A. Norma culta brasileira: desatando alguns nós. São Paulo: Parábola , 2008.).
  • 23
    Foge do escopo deste trabalho propor uma revisão pontual de cada enunciado das questões discutidas nos quadros 3 e 4, postura que poderia soar como uma pretensa autoridade de que se arrogariam os autores deste artigo para desautorizar os autores dos LD e os especialistas que aprovaram os livros no PNLD em questão. Não se trata disso. Nosso intuito se encontra comprometido com o debate público em torno de questões que envolvem a educação linguística de maneira geral e, de forma particular, a contribuição da sociolinguística para esse fazer.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Out 2021
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2021

Histórico

  • Recebido
    24 Mar 2020
  • Aceito
    13 Fev 2021
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