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Estratégias de Leitura: texto e ensino

RESENHAS

PAULIUKONIS, Maria Aparecida Lino; SANTOS, Leonor Werneck (Org.). Estratégias de Leitura: Texto e Ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2006. 192p.

Fernanda Pizarro de Magalhães

Universidade Católica de Pelotas - UCPEL, fpmaga@ig.com.br

Como a terceira produção da equipe do Círculo Interdisciplinar da Análise do Discurso (CIAD/RJ), Estratégias de leitura: Texto e Ensino consiste em um efetivo exercício de aproximação entre pesquisa e ensino na área de linguística. A coletânea reúne 13 artigos de professores/pesquisadores vinculados a universidades do estado do Rio de Janeiro ( UFRJ, UERJ e UFF) e apresenta como núcleo comum reflexões e práticas pedagógicas calcadas em abordagens linguístico-enunciativas. Os artigos, em sua maioria, defendem o trabalho com texto a partir da análise do seu contexto de produção, de seu caráter ideológico e dos contratos linguísticos discursivos, visando trazer à tona a problemática dos gêneros e de seus modelos de organização, já que para as autoras "é através deles que os homens têm acesso à informação, produzem conhecimento, compartilham visões de mundo e interagem, influenciando-se uns aos outros" (p. 9).

No capítulo 1, cujo título é O texto suas formas e seus usos, desenvolve-se, através de linguagem bastante simples, uma reflexão sobre a palavra e sua relação com o contexto, a forma e o significado e sobre a distinção entre gêneros e tipos textuais por meio de conceitos, características e exemplos. O artigo é direcionado a professores que estão interessados em conhecer as novas tendências da Linguística Textual e, nesse sentido, seu mérito reside na forma acessível de apresentar o conteúdo e, principalmente, na preocupação de sensibilizar os docentes para um trabalho de sala de aula voltado à exploração dos recursos da linguagem que permitem a materialização de textos variados, complexos, criativos.

Em Gêneros textuais e modos de organização do discurso: uma proposta para a sala de aula, capítulo 2, as autoras apresentam, de uma maneira bastante didática, o exame de gêneros textuais que circulam em nossa sociedade, a partir de suas condições de produção, as quais são divididas, no estudo, em condições materiais e condições sociais. Salientam também os diferentes modos de organização dos gêneros, enfatizando a possibilidade de vários tipos/sequências textuais estarem presente em um único gênero. Ao desvendarem a combinação de diferentes modos de organização do discurso e dos recursos utilizados na interação comunicativa em textos específicos como Romance, Receitas, Texto didático, Conversa, Carta de leitor, as autoras oferecem riquíssimo material didático capaz de instrumentalizar professores para uma prática pedagógica que efetivamente favoreça o desenvolvimento da competência linguística do aluno.

No capítulo 3, Práticas de linguagem e PCN: o ensino de língua portuguesa, Leonor Werneck dos Santos, uma das organizadoras da obra, defende a necessidade de se pensar em um ensino de língua portuguesa produtivo, em que o aluno passe da condição de aprendiz passivo para a de alguém que constrói seu próprio conhecimento, tornando-se observador da estrutura da língua nos mais diversos gêneros textuais lidos e produzidos por ele mesmo. Apresenta três propostas de trabalho com texto, seguidas de comentários, as quais procuram congregar as três práticas de linguagem apresentadas nos parâmetros: prática de leitura de textos orais/escritos, prática de produção de textos orais/escritos, prática de análise linguística. As propostas de atividade apresentadas, além de poderem ser adaptadas a materiais variados e aplicadas a turmas de nível fundamental e médio, representam um trabalho prático e concreto dentro da perspectiva dos PCN.

O capítulo 4, O ensino de língua portuguesa: da heterogeneidade linguística à prática em sala de aula, é dividido em duas partes. Na primeira, as autoras apresentam uma discussão sobre a diversidade linguística sob as quatro modalidades específicas da variação: histórica, geográfica, social e estilística e defendem com argumentos consistentes o ensino da modalidade padrão na escola. Na segunda parte, são apresentadas propostas de atividades didáticas que permitem ao aluno o contato com textos que manifestam diferentes estilos linguísticos. O trabalho é significativo por dar subsídios teórico-práticos principalmente àqueles professores que têm dificuldade de colocar em prática um ensino voltado para transposições de códigos linguísticos.

O objetivo do capítulo 5, Trabalhando a leitura em sala de aula, é apresentar um roteiro de atividades que permite explorar especificamente aspectos discursivos do texto. A aplicação desse instrumento é feita em diferentes gêneros, constituindo-se modelo viável de ser adaptado a outros. A diversidade dos aspectos explorados no roteiro e os significativos comentários apresentados a partir da análise dão relevância ao trabalho.

Em O ensino da argumentação nas aulas de língua portuguesa: três propostas de trabalho, capítulo 6, as autoras apresentam sugestões de atividades que visam dinamizar/diversificar o ensino da argumentação. As propostas enfatizam estratégias argumentativas diferenciadas embasadas nos postulados de Aristótoles posteriormente adaptados por Citelli(1995) e Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996). A proposta de trabalho é bastante original, já que aguça o desenvolvimento de habilidades cognitivas, investindo na qualidade de opinião do aluno.

Com base na Teoria de Ducrot e na Semiolinguística do Discurso de Charaudeau, o capítulo 7, Operadores argumentativos: uma ponte entre a língua e o discurso, de Lúcia Helena Martins Gouvêa, apresenta uma proposta de trabalho embasada na análise dessas marcas linguísticas como forma de compreender a construção do texto argumentativo. Ao aplicar de forma consistente os postulados teóricos em uma crônica jornalística, a autora não só evidencia como os articuladores podem se constituir em uma ponte entre a língua e o discurso como oferece subsídios ao aluno compreender o funcionamento de estratégias argumentativas em textos e utilizá-las em seu próprio discurso.

No capítulo 8, Estratégias argumentativas no discurso publicitário, a pesquisadora avalia a construção linguística e discursiva da argumentação em textos midiáticos, ressaltando a interferência da seleção lexical na força argumentativa dos textos. A perspectiva teórica adotada, semiolinguística do discurso de Charaudeau, é apresentada com bastante clareza e consistência, permitindo a interpretação de aspectos ideológicos presentes nas entrelinhas do texto. A aplicação da proposta apresentada ou de proposta similar contribui para a formação do aluno-cidadão, tornando-o leitor e produtor menos ingênuo e mais crítico.

Também apoiado na teoria da Semiololinguística de Charaudeau, e nos conceitos de face e de éthos discursivo, no capítulo 9, Atos (trans)locutivos no discurso da publicidade _ faces e máscaras, focalizam-se as modalidades enunciativas _ alocutiva, elocutiva e delocutiva _ e suas diversas representações no discurso da publicidade, a partir de áreas temáticas previamente delimitadas. As análises revelam incisivamente que a publicidade traz à tona o desejo que se encontra no inconsciente coletivo, construindo o parceiro destinatário com a imagem do produto a ser vendido.

O artigo Polifonia e intertextualidade: as vozes da notícia, capítulo 10, tem como aspecto relevante o cruzamento conceitual dos fenômenos de polifonia e de intertextualidade, e a análise, em enunciados jornalísticos, de índices de polifonia, que podem remeter a uma atitude de adesão ou de não-adesão do locutor à perspectiva construída no texto. O trabalho representa mais uma proposta a ser desenvolvida em sala de aula em uma concepção que visa alertar sobre as estratégias de construção e recepção de textos.

Uma temática interessante e original é desenvolvida no capítulo 11, Léxico e discurso: epítetos fóricos. O autor, Claudio Cezar Henriques, aponta, pelo viés da literatura brasileira, como a utilização de epítetos ultrapassam gerações e se mostram como sinônimos perfeitos para suas matrizes semânticas. Excluindo a estrutura convencional de aposto explicativo, de aposto denominativo e de predicativo, o epíteto é evidenciado como elemento fórico, apresentando uso independente de referentes textuais.

Em Interpretação e sentido, capítulo 12, o autor parte de reflexões de Benveniste e de noções de pertinência, efeito contextual, valor ilocutório e encadeamento para discutir o processo de atribuição de sentido, chamando a atenção para o caráter da repetição e da instabilidade que caracteriza o processo de compreensão. Fernando Afonso de Almeida ressalta, por meio de exemplos interessantes, os diversos valores ilocutórios passíveis de serem atualizados em enunciados e conclui afirmando que o nível de coincidência entre o sentido pretendido pelo enunciador e o sentido atribuído pelo destinatário nunca é total, sendo, sim, uma questão de grau.

Em A intertextualidade nos discursos midiático e literário, último capítulo do livro, André Valente traz à tona, numa perspectiva intertextual, a constante intersecção da linguagem literária com a jornalística. Apresenta como sustentação teórica os clássicos fatores de textualidade, propostos por Beaugrande e Dressler e uma discussão sobre intertextualidade/polifonia/ interdiscursividade. Em termos de análise, apenas evidencia exemplos desse cruzamento de vozes, sem aprofundar reflexões teóricas. O fato de não apresentar seção destinada a considerações finais torna o estudo relativamente vago.

Estratégias de Leitura: texto e ensino constitui um guia prático para professores/pesquisadores que se interessam em ter conhecimento sobre as atuais abordagens da área do texto e acesso a propostas de atividades que efetivamente concretizam as teorias linguísticas para o trabalho em sala de aula. A única ressalva diz respeito ao título da obra, que parece não contemplar a amplitude dos trabalhos apresentados, pois muitos deles oferecem subsídios teóricos e práticos também para o trabalho de produção textual. Além disso, a expressão "estratégias", como processo de compreensão do texto no discurso, causa certa surpresa, pois, na literatura da área, em especial em textos relacionados à psicolinguística, a expressão comumente remete a mecanismos cognitivos de processamento linguístico e não à compreensão associada ao contexto de produção. Isso, no entanto, não afeta o valor maior da obra que está em evidenciar a pertinência e a relevância das descobertas da linguística e sua aplicação para o crescimento em melhoria da vida comunicativa das pessoas, neste caso, para o trabalho de ensino-aprendizagem em sala de aula.

Bibliografia

Recebido em julho de 2008.

Aprovado em agosto de 2008.

  • LEFFA, V. J. (Org). Pesquisa em Lingüística Aplicada:temas e métodos. Pelotas: Educat, 2006.
  • MACHADO, A.R.; LOUSADA, E.G.; ABREU-TARDELLI, L.S. Planejar gêneros acadêmicos São Paulo: Parábola, 2004.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Mar 2013
  • Data do Fascículo
    2009
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