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Cooperação e desenvolvimento econômico local: ações proativas nas aglomerações de TIC de Curitiba e Coimbra, Portugal

Cooperation and local economic development: proactive actions in the ICT clusters of Curitiba and Coimbra, Portugal

Resumo

O objetivo geral deste artigo é analisar o comportamento das ações, dos processos cooperativos, das políticas públicas e das universidades na geração e difusão de inovações que ocorrem nas aglomerações de Tecnologia da Informação e Comunicação de Coimbra (Instituto Pedro Nunes - IPN) e Curitiba (APL de Software). Por meio de entrevistas realizadas, pretende-se verificar como as duas aglomerações se organizam em termos da governança, de busca de conhecimento e aprendizado entre os agentes, bem como as perspectivas do desenvolvimento local. O referencial teórico segue a abordagem neoschumpeteriana. Busca-se mostrar que as ações para o desenvolvimento local, como nesses dois casos, dependem de atitudes proativas dos agentes envolvidos e que, portanto, a organização e impulso para o desenvolvimento não ocorrem espontaneamente. Obviamente, como será visto, o ambiente importa e, portanto, os agentes e as ações vão se configurando de acordo com as suas possibilidades e dinâmicas próprias. O exemplo do IPN traz à tona alguns elementos que podem ser avaliados pelo APL em termos ações para a expansão do seu dinamismo.

Palavras-chave:
Aglomeração; Políticas públicas; Inovação; Interação; Cooperação; Tecnologia da informação e Comunicação (TIC); Universidade-empresa

Abstract

The general objective of this article is to analyse the behaviour of actions, cooperative processes, public policies and universities in the generation and diffusion of innovations that take place in the Information and Communication Technology Cluster of Coimbra (called Instituto Pedro Nunes) and of Curitiba (called Arranjo Produtivo Local de Software). Through interviews, it is sought to verify how the two agglomerations are organized in terms of governance, search for knowledge and learning among the agents, as well as the perspectives of local development. The theoretical framework follows the neoschumpeterian approach. It is tried to show that the actions for the local development, as in these two cases, depend on the proactive attitudes of the involved agents and that, therefore, the organization and boosting of the development do not occur spontaneously. Obviously, as it will be seen, the environment matters and, therefore, agents and actions are configured according to their own possibilities and dynamics. The example of the IPN brings to light some elements that can be evaluated by the APL in terms of actions for the expansion of its dynamism.

Keywords:
Cluster; Public policy; Innovation; Interaction; Cooperation; Information and Communication Technology (ICT); University-enterprise

1. Introdução

O objetivo geral deste artigo é analisar o comportamento das ações, dos processos cooperativos, das políticas públicas e das universidades na geração e difusão de inovações em duas aglomerações tecnológicas. Uma é a aglomeração de TIC de Coimbra, em Portugal, representada pelo Instituto Pedro Nunes (IPN), e a outra refere-se à aglomeração de TIC de Curitiba, também conhecida como APL de Software de Curitiba, que atua conjuntamente com a Central de Negócios de Tecnologia da Informação e Comunicação (Cenetic). Procura-se discutir a questão de que o desenvolvimento local não ocorre espontaneamente, dependendo de um conjunto de ações entre diversos agentes que podem estar envolvidos numa perspectiva proativa para o desenvolvimento. Nos casos em estudo, será visto que a conformação destes agentes assume características locais, mas, em termos gerais, a perspectiva de proatividade na busca da interação/cooperação depende destes agentes. Em outros termos, o desenvolvimento ocorre a partir de decisões dos agentes de buscá-lo.

Atualmente, a temática relacionada às aglomerações tecnológicas do setor de TIC, aos efeitos interativos entre os agentes e à dinâmica de inovação proveniente dessa interação vem sendo debatida tanto na literatura acadêmica quanto no âmbito das políticas públicas. Isso ocorre devido à crescente importância desse setor e dos efeitos interativos entre empresas e instituições para o crescimento e desenvolvimento econômico de países. Soma-se a isso a grande discussão sobre o papel do Estado, das políticas públicas e das universidades, neste processo interativo e inovativo.

Para o presente estudo, os dois casos foram eleitos por quatro questões principais. Primeiro, tanto o Brasil quanto Portugal são economias importantes e distintas. Portugal possui um mercado de pequeno porte, alto rendimento e é considerado uma economia pequena e aberta que está integrada à União Europeia e à Zona do Euro. O Brasil, por sua vez, apresenta um mercado grande, com rendimento médio, sendo uma economia grande e ao mesmo tempo mundialmente menos integrada. Segundo, a própria composição do sistema regional de inovação engloba as duas aglomerações, que se mostram distintas quanto às características institucionais. Terceiro, de modo geral, as empresas das duas aglomerações atendem a mercados distintos: as empresas de Curitiba estão voltadas para o mercado interno, enquanto em Coimbra o foco é o mercado externo, fato que se justifica pelo tamanho do país e sua proximidade e exposição ao mercado europeu. Por último, destacam-se a diversidade tecnológica das empresas que compõem o IPN e a concentração das empresas da aglomeração de Curitiba no setor de software. Assim, a comparação permite verificar a relevância da localidade e do ambiente institucional em diferentes contextos.

A perspectiva, então, adotada no artigo é de que a trajetória tecnológica e a capacidade de inovação de uma indústria estão fortemente relacionadas com o arcabouço institucional que conforma o ambiente de seleção, implicando processos interativos entre os diversos agentes que o compõem. Portanto, trata-se de uma abordagem de sistemas e da análise de aglomerações de firmas. A aglomeração possibilita que micro e pequenas empresas obtenham vantagens competitivas, uma vez que, nesta concentração, tende a ocorrer maior cooperação, maior difusão de conhecimento e de tecnologia, dentre outros fatores, que sustentam o crescimento dessas empresas diante do mercado. É esse enfoque que orienta as políticas públicas destinadas ao desenvolvimento industrial e tecnológico na atualidade (CASSIOLATO; LASTRES, 2004CASSIOLATO, J. E.; LASTRES, H. M. M. O foco em arranjos produtivos e inovativos locais de micro e pequenas empresas. In: LASTRES, H. M. M.; CASSIOLATO, J. E.; MACIEL, M. L. Pequena empresa: cooperação e desenvolvimento local. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004. p. 21-33.).

O aspecto central do ponto de vista teórico é a relevância da aglomeração espacial em que a visão neoschumpeteriana destaca o conceito de sistemas de inovação marcado pelo caráter localizado e específico dos processos de aprendizagem e inovação. Nessa abordagem, o conhecimento tácito passa a adquirir grande importância, assim como as instituições e organizações, suas políticas e todo o ambiente sociocultural onde se inserem os agentes econômicos. A localização geográfica importa na medida em que aspectos intrínsecos à localização influenciarão os processos inovativos (CASSIOLATO; LASTRES, 2004CASSIOLATO, J. E.; LASTRES, H. M. M. O foco em arranjos produtivos e inovativos locais de micro e pequenas empresas. In: LASTRES, H. M. M.; CASSIOLATO, J. E.; MACIEL, M. L. Pequena empresa: cooperação e desenvolvimento local. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004. p. 21-33.). A proximidade geográfica propicia que instituições colaborem no desenvolvimento tecnológico, formando um sistema local de inovação, que propicia aprendizado, interações entre os indivíduos e agentes econômicos, complementaridades e governança, dentre outros. A respeito da aprendizagem, é possível ressaltar que a confiança entre os agentes se torna uma questão fundamental. Campos et al. (2004CAMPOS, R. R.; CÁRIO, S.; NICOLAU, J. A.; VARGAS, G. Aprendizagem por interação: pequenas empresas em sistemas produtivos e inovativos locais. In: LASTRES, H. M. M.; CASSIOLATO, J. E.; MACIEL, M. L. Pequena empresa: cooperação e desenvolvimento local. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004. p. 51-65.) defendem que o processo de aprendizagem no interior de um sistema local de inovação está relacionado à interação que é facilitada pelos códigos comuns de comunicação e pelo compartilhamento de convenções entre os agentes, reforçando a confiança entre os mesmos.

Para a realização deste estudo, foram feitas entrevistas e aplicação de questionário semiestruturado com uma amostra das duas aglomerações entre 2015 e 2016. A amostra foi definida segundo a acessibilidade e delimitada em função da saturação das informações, que se repetiam conforme se avançavam nos levantamentos. Em Coimbra, em um universo de 62 firmas, chegou-se a uma amostra de 18 empresas entrevistadas em de 2015. Já em Curitiba, do total de 53, realizaram-se entrevistas com nove firmas em 2016. Os dirigentes das empresas foram entrevistados e, na sequência, também responderam a um questionário. Cada entrevista com a aplicação de questionário durou em torno de duas horas. Também, foram realizadas entrevistas com instituições de apoio que fazem parte ou trabalham no desenvolvimento das aglomerações. O questionário baseou-se naquele desenvolvido pela Rede de Pesquisa em Sistemas e Arranjos Produtivos e Inovativos Locais (Redesist) em 2003, que, para fins desse artigo, recebeu diversas adaptações. No APL foram feitas entrevistas nas instituições Sebrae, Cenetic, Assespro e Governança do APL de Software de Curitiba e, no IPN, na Divisão de Inovação e Transferência do Saber (DITS).

O artigo apresenta a perspectiva do desenvolvimento local e dos processos cooperativos a partir de quatro elementos centrais apresentados a seguir.

1.1 O papel do Estado e das políticas públicas no processo inovativo

Um elemento importante na configuração ou formação dos processos interativos nas aglomerações produtivas é o Estado. Na perspectiva neoschumpeteriana, o Estado não atua em função da necessidade de cobrir falhas de mercado como defendiam os autores ortodoxos, mas sim usa seu poder político para mediar as relações entre os atores, condicionando a configuração e o desenvolvimento do mercado, a partir dos interesses hegemônicos existentes, articulando agentes e instituições em torno de uma trajetória de desenvolvimento. Nesse sentido, Mazzucato (2013MAZZUCATO, M. The entrepreneural State: debunking public vs. private sector myths. London; New York: Anthem Press, 2013.) apresenta uma abordagem não apenas keynesiana, mas também schumpeteriana. A autora busca, em seu livro, desmistificar a falsa ideia de que a liberdade do setor privado vai revigorar os serviços. Essa falsa ideia é difundida uma vez que, segundo o senso comum, existe uma dicotomia entre um setor privado, revolucionário, dinâmico, inovador e competitivo versus um setor público burocrático, lento e atrasado.

Mazzucato (2013MAZZUCATO, M. The entrepreneural State: debunking public vs. private sector myths. London; New York: Anthem Press, 2013.) também destaca o papel fundamental que o Estado desempenhou em processos de inovações, como no Vale do Silício, sendo um ator-chave não apenas por facilitar o processo de conhecimento e aprendizado, mas também por atuar em investimentos específicos. A esse respeito a autora afirma que as grandes inovações radicais ocorridas, como as ferrovias, o fenômeno da internet e a nanotecnologia, não seriam possíveis sem a participação do Estado, por exemplo, no financiamento. Em casos de inovações radicais, a atuação do Estado é de grande relevância, já que estas são arriscadas e com alto grau de incerteza. Além disso, Mazzucato (2013) assegura que o Estado deve liderar o processo de desenvolvimento industrial e o desenvolvimento de áreas estratégicas, conduzindo o processo de industrialização. Desse modo, o Estado atuaria não apenas na gestão da demanda keynesiana, mas também na condução do processo de industrialização. Para tanto, o Estado deve atuar levando em conta as especificidades institucionais locais. Deve desenvolver políticas para apoiar o aumento da capacidade tecnológica das empresas, incluindo, além do apoio ao financiamento das atividades de investigação e desenvolvimento, esquemas de incentivo e apoios na forma de serviço público.

1.2 O papel das universidades na inovação sistêmica

Além do Estado, outros atores, como as universidades, desempenham papel importante na configuração das aglomerações, indo além da tradicional formação de capital humano e de aumento de estoque de conhecimento. As universidades possuem uma terceira missão, que deve conseguir transpor seus muros, abrindo-se para a sociedade de modo a promover o desenvolvimento do seu território por meio de ligações com outros atores relevantes. É considerada um dos vários atores que estão interconectados em uma rede de conhecimento, capaz de gerar a inovação (PINTO; AMARO, 2008PINTO, H.; AMARO, J. A inovação, o papel das universidades e os organismos de interface: uma visão do Algarve. CanalBQ, n. 5, p. 12-17, 2008. Disponível em: <http://www.empreender.aip.pt>. Acesso em: 10 mar. 2016.
http://www.empreender.aip.pt...
). Essa rede de conhecimento é formada por diversos agentes: universidades, centros de pesquisa, empresas, governo e sociedade. Nessas redes, as universidades têm atuação relevante, interconectando a dimensão científica e tecnológica. Nas aglomerações de empresas, as universidades, além de formarem mão de obra qualificada para suprir as demandas do setor produtivo, são responsáveis pelo processo de criação e disseminação de novos conhecimentos científicos e novas tecnologias. A relação universidade-empresa ajuda a reduzir as incertezas que estão enraizadas no processo inovativo. Além disso, tal relação é benéfica às empresas ao gerar o desenvolvimento de capacidades, aprendizado e aquisição de conhecimento e tecnologias (CHIARINI; VIEIRA, 2012CHIARINI, T.; VIEIRA, K. P. Universidades nos sistemas de inovação: produção de pesquisa científica nas universidades federais do nordeste do Brasil. Revista Economia e Tecnologia, v. 8, n. 1, p. 137-160, 2012. Disponível em: <http://revistas.ufpr.br/ret/article/view/27602>. Acesso em: 13 jun. 2016.
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; MARQUES; FREITAS; SILVA, 2007MARQUES, R. A.; FREITAS, I. M. B.; SILVA, E. M. de P. Colaboração com universidade e as atividades para inovação de empresas brasileiras. Engevista, v. 9, n. 2, p. 112-128, 2007. Disponível em: <http://www.uff.br/engevista/2_9Engevista3.pdf>. Acesso em: 13 jun. 2016.
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). Não existe uma regra ou um padrão no que se refere à interação universidade-empresa. O grau e o modo de interação dependem, dentre outros fatores, das características locais dos países, do desenvolvimento de suas instituições e empresas, o que reforçará a capacidade de pesquisa e a capacidade absortiva tão relevantes para a transmissão do conhecimento.

1.3 Governança e dinâmica interativa

Segundo Cassiolato e Szapiro (2004CASSIOLATO, J. E.; LASTRES, H. M. M. O foco em arranjos produtivos e inovativos locais de micro e pequenas empresas. In: LASTRES, H. M. M.; CASSIOLATO, J. E.; MACIEL, M. L. Pequena empresa: cooperação e desenvolvimento local. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004. p. 21-33.), a capacidade de gerar inovações das empresas refere-se à governança da aglomeração. Assim, dinâmica interativa é influenciada pela atuação de diferentes atores, tais como o Estado, as empresas privadas, a população, dentre outros, de modo que a interdependência entre eles influencia diretamente no processo de decisão do aglomerado. Entretanto, mesmo reconhecendo a necessidade do estreitamento das relações entre esses agentes, sabe-se que em aglomerações imaturas tais relações são débeis (SUZIGAN; ALBUQUERQUE, 2008SUZIGAN, W.; ALBUQUERQUE, E. M. A interação entre universidades e empresas em perspectiva histórica no Brasil. Belo Horizonte: Cedeplar/UFMG, 2008 (Texto para discussão, 329).). Isso ocorre, porque, mesmo em instituições de pesquisa e ensino consolidadas, há constrangimentos na mobilização de recursos humanos necessários para gerar expressivos circuitos de retroalimentação positiva entre as dimensões científicas e tecnológicas (RAPINI et al., 2009RAPINI, M. S.; SUZIGAN, W.; FERNANDES, A. C. A.; DOMINGUES, E.; CARVALHO, S. S. M.; CHAVES, C. V. A contribuição das universidades e institutos de pesquisa para o sistema de inovação brasileira. In: XXXVII ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA. Anais [...]. Foz do Iguaçu: Anpec, 2009. Disponível em: <https://core.ac.uk/download/pdf/6228503.pdf > Acesso em: 13 jun. 2016.
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). Desse modo, é fundamental que as universidades e os institutos de pesquisa presentes na região sejam capazes de dar suporte ao crescimento observado, a fim de que se formem bases sólidas e sustentáveis para o desenvolvimento regional.

Deve-se considerar a importância das ações de apoio na promoção dos polos de empresas e, assim, uma instituição capaz de atender às demandas, estimular a interação e um ambiente de aprendizagem e reivindicar políticas para o setor se torna fundamental para o sucesso do polo e consequente desenvolvimento.

1.4 O processo de aprendizado rumo ao conhecimento e à inovação

Tendo em vista que as fontes de conhecimento não são apenas internas à firma, mas também externas, faz-se relevante ressaltar a importância da proximidade entre os agentes e da cooperação e aprendizagem por interação entre os mesmos como estímulo à geração de conhecimento para o processo inovativo. A esse respeito, a abordagem evolucionária assume que os agentes possuem um comportamento “proativo” no processo de aprendizagem e atuam promovendo processos que estimulam o aprendizado, a capacitação e a acumulação contínua de conhecimento (LASTRES; FERRAZ, 1999LASTRES, H. M. M.; FERRAZ, J. C. Economia da informação do conhecimento e do aprendizado. In: LASTRES, H.; ALBAGI, S. Informação e globalização na era do conhecimento. Rio de Janeiro: Campus, 1999. p. 27-57. Disponível em: <http://www.uff.br/ppgci/editais/saritalivro.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2015.
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).

A respeito do aprendizado interativo, Lundvall e Johnson (1994LUNDVALL, B. A.; JOHNSON, B. The learning economy. Journal of Industry Studies, v. 1, n. 2, December 1994. p. 23-42.) atestam que o mesmo pode ocorrer tanto entre pessoas quanto entre empresas socialmente inseridas no contexto institucional e cultural de um sistema de inovação. Assim, o principal fator para se criarem polos de desenvolvimento é a capacidade local de aprender e inovar em diferentes áreas do conhecimento.

O processo de geração de conhecimento e inovação implica o desenvolvimento de várias formas de aprendizado (learning). O learning-by-doing ocorre internamente às empresas e está relacionado com o desenvolvimento de capacitações científicas, tecnológicas e organizacionais (ROSENBERG, 2006ROSENBERG, N. Por dentro da caixa preta: tecnologia e economia. Campinas: Editora Unicamp, 2006 (Coleção Clássicos da Inovação).). Em relação às fontes externas de informação, uma forma de aprendizado ocorre por learning-by-interacting (LUNDVALL, 1985), que é caracterizado pela interação com fontes externas às firmas, como fornecedores de insumos, clientes, usuários, sócios, outras empresas, universidades e centros de pesquisa, instituições governamentais, etc.

O aprendizado por interação é de grande relevância para que o processo inovativo ocorra. Entretanto, é possível questionar se a aprendizagem, apenas condicionada pela aglomeração territorial, é um processo coletivo que penetra todo o sistema e dissemina o conhecimento (ASHEIM; EJERMO; RICKNE, 2011ASHEIM, B. T.; EJERMO, O. E.; RICKNE, A. When is regional “beautiful”? Implications for knowledge flows, entrepreneurship and innovation. London: Routledge Taylor & Francis Group, 2011.). Esse questionamento é plausível, já que pode ocorrer distribuição desigual de aprendizagem e conhecimento devido à heterogeneidade das empresas. Essa heterogeneidade não pode ser totalmente compensada pela proximidade regional com universidades ou outras instituições. A esse respeito, é possível afirmar que o setor de TIC é bastante heterogêneo e pode perpassar todos os setores econômicos, dificultando que o processo de aprendizagem ocorra igualmente entre empresas pertencentes ao mesmo polo.

Levando em conta a importância da temática de estudo aqui proposta e visando a cumprir o objetivo, este trabalho está estruturado em seis seções, além desta introdução. A seguir, é feita uma breve descrição dos dois casos estudados. Na sequência, o estudo apresenta quatro dimensões complementares sobre a dinâmica dos aglomerados, discutindo a relevância e o alcance em termos de atuação das aglomerações, bem como o processo interativo e a governança, mostrando a importância da proatividade nas ações que dão impulso ao desenvolvimento local. Posteriormente, aborda-se a dinâmica da cooperação e como as aglomerações se organizaram para a busca da interação. O relevante aqui é ver que cada processo interativo se dá em função das especificidades e de como a governança importa. É ainda discutido o grau de ineditismo das inovações geradas nas duas aglomerações e, for fim, apresenta-se a conclusão.

2. Breve descrição e localização das aglomerações de TIC de Coimbra e de Curitiba

O Instituto Pedro Nunes (IPN) é uma associação para a inovação e desenvolvimento em Ciência e Tecnologia, classificada como uma instituição de direito privado, de utilidade pública e sem fins lucrativos. Esse instituto localiza-se em Coimbra, cidade situada na região Centro de Portugal. Foi criado em 1991, pela Universidade de Coimbra (UC) como interface da relação universidade-empresa. Tanto o Estado português quanto a União Europeia atuaram financiando a construção de edifícios e a contratação de pessoal para o instituto. O IPN, portanto, é um centro que aglomera e estimula as relações locais/regionais na perspectiva de busca de interações (produtivas, tecnológicas/inovativas e organizacionais). Além disso, destacam-se também a perspectiva e atuação neoschumpeteriana do Estado, ao articular agentes e instituições em torno de uma trajetória de desenvolvimento.

A aglomeração de Curitiba, denominada APL de Software de Curitiba, teve uma origem diferente. A partir de um programa de política pública em 2006, esta instituição foi criada para apoiar as empresas de software de Curitiba e região metropolitana. Além disso, a aglomeração não possui fins lucrativos e nem uma personificação jurídica. O objetivo primordial no seu início era o de alavancar recursos para as empresas.

Assim, em 2012, diante da demanda por parte das empresas, criou-se a Cenetic, instituição que efetua compras coletivas e atua conjuntamente ao APL. É possível destacar, de início, diferenças primordiais desde a criação e articulação dos agentes em torno das duas aglomerações, sendo que, inicialmente, o APL de Software de Curitiba foi articulado e pensado pelas próprias empresas pertencentes à aglomeração.

3. A relevância e alcance das firmas dentro dos aglomerados

As Figuras 1 e 2 mostram o alcance geográfico e como se relacionam as firmas com o IPN e dentro do APL. Conforme se verifica, o IPN tem um alcance geográfico de atuação bem mais amplo do que o APL. Apesar de todas as empresas estarem centralizadas em Coimbra, sua atuação tem alcance internacional, enquanto o APL se restringe quase que exclusivamente a atuar em Curitiba. Um aspecto positivo do IPN é o fato de as firmas, mesmo sendo incubadas, já apresentarem esse longo alcance de atuação. A proximidade física (pelo fato de estarem fisicamente dentro do IPN, por serem incubadas) favorece a interação e certamente essa eficiência de alcance de mercado. Por outro lado, no APL a proximidade é relativa apenas pelo fato de estarem na mesma cidade, o que não necessariamente favorece interação. Aliás, geograficamente estão bem distantes. Ou seja, não se cria fundamentalmente um ambiente de interação informal entre os agentes.

FIGURA 1
Alcance geográfico (ramificações) e forma de atuação das firmas dentro do IPN

FIGURA 2
Alcance geográfico (ramificações) e forma de atuação das firmas dentro do APL de Software

A Tabela 1 apresenta a distribuição das atividades das empresas da amostra das duas aglomerações. No IPN predominam firmas da classificação 62, porém, algumas atuam nas demais classificações, o que indica algum grau de diversificação em termos de atuação na grande área de tecnologia da informação. Por outro lado, no APL 100% das empresas estão na classificação 62.

TABELA 1
Distribuição das firmas da amostra, por aglomeração, segundo principais segmentos de atividade - 2015-2016

O Quadro 1 apresenta as atividades específicas realizadas pelas aglomerações. Em termos das atividades específicas dentro das classificações (CAE/CNAE), ambas atuam mais ou menos em áreas semelhantes. O que muda é o fato de que, como mostrado na Tabela 1, as firmas dentro do IPN atuam também nas outras classificações (26, 63, 70, 71 e 74) por conta da pressão competitiva. Ou seja, a pressão competitiva impõe a busca por atuar nas outras classificações em função de que também há demandas que geram oportunidades.

O APL, por sua vez, possui uma dinâmica de mercado menos intensa, atende ao mercado local e, portanto, tem menos oportunidades de gerar atividades nas outras classificações.

QUADRO 1
Características das atividades realizadas nas aglomerações e seus determinantes

O Quadro 2 apresenta o tamanho e idade das firmas. É interessante notar que, no IPN, apesar de as empresas da amostra serem incubadas, uma delas já possui 500 empregados. Isso se explica pelo tamanho do mercado (União Europeia) que demanda importantes atividades de TIC e a grande competência técnica da firma (esses dois elementos são autodeterminantes). Fica, portanto, evidente aqui que o ambiente em que as empresas se inserem e a possibilidade de atuarem junto ou dentro de um instrumento de política de pública (IPN) viabilizam diversas iniciativas de desenvolvimento. É exatamente esse instrumento que possibilitou o surgimento de todas as firmas entrevistadas.

Por outro lado, as empresas do APL se mantêm pequenas. Uma das questões relevantes para tal fato diz respeito às dimensões territoriais do Brasil, que levou as firmas a se especializarem e atenderem uma determinada região. Apesar do APL ter se constituído apenas a partir de 2006, as empresas no local já têm suas atividades desde início dos anos 1990. Nesse sentido, a ideia do APL, como mecanismo de interação, se tornou relevante no sentido de apresentar as possibilidades de uma estratégia ganha-ganha para um conjunto de firmas que minimamente imaginavam essa possibilidade, quando ao longo do tempo sempre foram vizinhas.

QUADRO 2
Características do tamanho e idade das firmas nas aglomerações

4. Estrutura, interação e a relevância da governança

Nas Figuras 3 e 4 nota-se que a interação é que permite o avanço e a intensificação das relações de produção como um todo nos dois aglomerados. Porém, essa dinâmica não é alcançada espontaneamente a partir do comportamento aleatório das firmas individuais exclusivamente dentro do jogo concorrencial. Observa-se nos dois aglomerados que um agente fora mercado - a governança - é fundamental como agente proativo promotor das atividades de avanço. Obviamente, essa governança somente existe em função da percepção por parte das firmas individuais de que não é o processo de mercado que leva a esta organização cooperativa em busca de ganha-ganha.

A Universidade de Coimbra - UC tem influência direta na dinâmica evolutiva do IPN, mesmo por conta da história do seu surgimento, de tal forma que a relação universidade-empresa é estreita por definição.

Mas, como se nota na Figura 4, essa mesma relação é bastante frágil no caso do APL de Software de Curitiba.

FIGURA 3
Ações e características específicas da governança do Instituto Pedro Nunes

Verifica-se que a dinâmica central do processo interativo é definida pelas ações e pró-atividade da governança. Apesar de ser uma aglomeração de alta intensidade tecnológica que, a priori, significaria possibilidade de novos competidores e novos modelos de negócios, o processo interativo não é espontâneo, mas sim organizado pela governança e absorvido pelos participantes. Entretanto, a despeito da característica de não espontaneidade do processo interativo nos dois polos, percebe-se que, inclusive pela criação, as empresas do IPN estabelecem laços mais fortes de P&D com a Universidade de Coimbra, sendo que algumas startups nasceram dos próprios laboratórios de P&D da UC.

FIGURA 4
Ações e características específicas da governança do APL de Software de Curitiba

5. Os processos cooperativos/interativos e de aprendizado nos aglomerados

A Figura 5 mostra as principais fontes de aprendizado e novo conhecimento externo e interno. É possível perceber que há diferenças pronunciadas nas duas aglomerações, com exceção da fonte interna. As razões para essas diferenças estão ligadas a diversos elementos específicos de cada aglomeração, que se refere ao tipo de mercado, aos agentes externos disponíveis para contatos, a elementos competitivos que influenciam as trajetórias tomadas por cada firma, etc. Conforme apontado anteriormente, o IPN tem estreita relação com a UC e Isec, em função da natureza da constituição da aglomeração, de tal forma que 73,4% dos relacionamentos com universidades e 63,6% dos relacionamentos com centros de investigação são feitos com instituições que se localizam em Coimbra, sendo predominante a UC e o Instituto Superior de Engenharia de Coimbra - Isec.

FIGURA 5
Fontes interna e externa de aprendizado do IPN e do APL

No APL de Software de Curitiba, todas as empresas, em maior ou menor intensidade, citaram os clientes como importante fonte de aprendizado, visto que a produção dos sistemas deve ser adaptada e, muitas vezes, customizada conforme a necessidade. Trata-se de uma dinâmica de learning-by-interacting, em que o relato em uma das firmas é ilustrativo: “aprendemos a todo momento com os clientes e como temos informações dos clientes, sabemos para onde ir para criar novos produtos”. Conforme já destacado anteriormente, o APL trabalha fundamentalmente com o desenvolvimento de software para atender a diferentes nichos e setores (customização). A Figura 5 sistematiza as fontes de aprendizado dos dois aglomerados. Nota-se que, em função dos elementos próprios da dinâmica de organização desses aglomerados, há alguma diferenciação sobre os tipos das fontes, mas não são diferenças estruturais.

A Figura 6 apresenta a dinâmica do processo cooperativo no IPN. Conforme se nota, existe um conjunto variado de agentes públicos e privados para os mais diversos objetivos, o que evidencia a ampla competência das firmas dentro do Instituto. O importante é que as empresas destacam que a cooperação de fato traz resultados concretos e que a busca das parcerias se deu das mais diversas formas a partir das firmas, mas o elemento de estar ligado ao IPN é fundamental. Ou seja, a aglomeração e os elementos institucionais envolvidos, tais com a UC e o Isec, aumentam significativamente a reputação do local.

FIGURA 6
Características, parceiros e resultados da cooperação dentro do IPN

FIGURA 7
Características, parceiros e resultados da cooperação dentro do APL

Por outro lado, a Figura 7 sintetiza o processo cooperativo do APL. Os parceiros são todas entidades privadas associativas ou privadas de caráter público. Diferentemente do IPN, apesar de o APL mostrar resultados importantes, o que se notou é que a busca do processo cooperativo apresenta mais uma perspectiva de consolidação e fortalecimento da aglomeração do que uma procura por interações cooperativas para a inovação. Em outros termos, o APL ainda tem muito a perspectiva de se consolidar e aumentar o volume de negócios que sustentem a aglomeração e atuação conjunta, enquanto o IPN já tem clara a ideia de cooperação, trabalhando mais na perspectiva de novos negócios. Há dois elementos que contribuem para isso: o tempo de existência do IPN, que é bem mais antigo; e a integração da União Europeia, que abre todo o mercado dos países participantes e também abre editais de P&D nas diversas áreas do conhecimento.

Mais detalhadamente, apresentam-se, a seguir, os processos cooperativos do IPN.

Parcerias em nível internacional: troca de informações com as aglomerações tecnológicas da Inglaterra, França, Estados Unidos e Alemanha. Também foram realizadas visitas e participação em feiras e eventos.

Universidade de Coimbra: possui a Divisão de Inovação e Transferência do Saber (DITS), que tem a função de prospecção e identificação de oportunidades para a transferência de conhecimento, tecnologia e inovação para as firmas e a sociedade em geral. Nesse papel, ao buscar atividades de P&D passíveis de se transformarem em negócios, procede à garantia da patente e busca a criação de firmas incubadas dentro do IPN. Nessa perspectiva, trata-se de uma atuação bem focada em empreendedorismo e gestão de negócios. Um projeto importante da DITS é o Inov C, que visa criar uma rede de inovação na região central de Portugal, redefinindo uma política de inovação para a área que vai de Coimbra até Óbidos. A perspectiva do projeto era de que havia a necessidade de melhorar a classificação da região centro de Portugal no “Regional Innovation Scoreboard”, saindo de uma posição 153ª, em 2006, para o top 100 em 2017. As áreas abarcadas pelo projeto são: biotecnologia, TIC, saúde, energia, indústria criativa e infraestruturas comuns. Para cumprir o objetivo, a DITS procurou parceiros nucleares e complementares. Os parceiros definidos como nucleares possuem competências mais específicas na transferência de conhecimento e inovação. São estes: Universidade de Coimbra; IPN; Instituto Politécnico de Leiria; Instituto Política de Coimbra; Incubadora Dom Dinis; Instituto de Investigação e Desenvolvimento Tecnológico para a Construção, Energia, Ambiente e Sustentabilidade (ITeCons); BIOCANT Park; Parque Tecnológico de Óbidos; e Coimbra iParque. Por outro lado, os parceiros complementares são aqueles que direta ou indiretamente contribuem para o empreendedorismo e inovação local e/ou regional. Tais parceiros englobam municípios, empresas, instituições de educação privadas, entidades financeiras e associação de estudantes, totalizando 600 instituições. Ao todo, esses parceiros já desenvolveram 11 projetos: oito materiais, com o intuito de aumentar a capacidade inovativa por meio do acolhimento de novas empresas; e três projetos imateriais, para dinamizar o sistema de inovação. Como resultado do Projeto Inov C, nos dois primeiros anos obteve-se a concessão de 22 bolsas de ignição e destas surgiram quatro firmas nas incubadoras da região centro. Ao final do período de concessão das bolsas, essas empresas nascentes foram contempladas com recursos de um a três milhões de euros em investimento de capital de risco público e privado. Houve também a submissão de duas patentes internacionais e uma patente a nível europeu, dois prêmios em concursos de ideias de negócios e estavam em curso quatro processos de licenciamento de tecnologia.

  • EDP: uma das empresas incubadas fisicamente no IPN está incubada virtualmente na empresa Energias de Portugal (EDP), localizada em Lisboa. A EDP concentra-se em inovações na área energética e, em sua incubadora, existe uma pequena aglomeração em que as empresas trabalham no mesmo espaço físico, buscando proximidade e, consequentemente, eventual cooperação.

  • Hospital da Universidade de Coimbra: ressalta-se também que uma empresa que trabalha com o desenvolvimento tecnológico de software foi beneficiada com um Fundo de Incentivo à Investigação em Portugal pelo Quadro de Referência Estratégico Nacional - QREN. Candidatou-se a uma forma de cooperação, com IPN, Universidade de Coimbra e Hospital da Universidade de Coimbra, sendo a empresa responsável pelo desenvolvimento tecnológico. Nessa rede, a empresa cuida da parte tecnológica do aplicativo que visa alterar comportamentos com pequenas informações.

  • Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN - 2007-13): programa de busca competitividade das firmas, estabelecendo três agendas operacionais: para o potencial humano; para os fatores de competitividade; e para a valorização do território. O IPN foi beneficiado, diretamente, com 21 ações do QREN, abarcando projetos desde o estímulo à produção do conhecimento e desenvolvimento tecnológico até gestão e aperfeiçoamento profissional. Além disso, a Universidade de Coimbra, uma das principais parceiras dessa instituição, se beneficiou com 446 operações.

6. Características do processo inovativo nos aglomerados

As características do processo inovativo dos dois aglomerados foram avaliadas conforme o grau de ineditismo das inovações produzidas. A Tabela 2 mostra como se desenvolveu o processo inovativo nos dois aglomerados. Conforme se nota, o IPN teve uma dinâmica inovativa muito mais intensa do que o APL, uma vez que inovou em todos os graus de ineditismo. Por outro lado, o APL inovou mais na perspectiva de melhoria interna para sua atuação, sem que tenha impactado a nível do mercado ou clientes. Isso reforça o fato mencionado anteriormente de que o APL ainda busca sua consolidação. Ademais, os processos cooperativos do IPN, conforme visto na seção anterior, são bem mais intensos e amplos, demostrando um conjunto de oportunidades não disponíveis para o APL, o qual se restringe ao conjunto escasso de oportunidades da economia brasileira como um todo.

TABELA 2
Dinâmica inovativa dentro do IPN e do APL - 2012-2014

7. Conclusão

A partir da análise dos estudos de caso à luz da teoria das aglomerações de empresas, buscou-se identificar os elementos característicos no funcionamento dos dois aglomerados, assinalando seus limites, potencialidades, processos interativos e a atuação do Estado e das universidades. Procurou-se, com isso, levantar elementos indicativos de subsídios para uma eventual nova política pública de aglomerações produtivas1 1 Considerando que em 2006 já houve uma política promovida pelo governo do Estado focada na formação de APLs. para o setor de TIC da Região Metropolitana de Curitiba, o que obviamente pode ser pensado para as demais aglomerações de outras atividades, no Estado, uma vez que se trata dos efeitos aglomerativos. Além disso, mostrou-se a relevância do planejamento de determinados apoios públicos a CT&I na geração de inovações, principalmente no que se refere aos processos de interação e cooperação no surgimento de novas tecnologias, empresas e mercados.

Durante o estudo, foram apresentadas quatro dimensões distintas, mas ao mesmo tempo complementares, demonstrando a importância da articulação da governança em torno da interação e cooperação entre os diversos atores para geração da inovação. Assim, foi possível observar, no IPN, um aparato institucional que interage e se relaciona. Dentre as principais instituições envolvidas na atuação, cita-se o próprio instituto, a Universidade de Coimbra, o Isec, as empresas associadas à aglomeração, outras aglomerações de empresas em nível nacional e internacional, o governo português, a União Europeia, dentre outras. Com isso, verificaram-se os esforços para a criação de um aparato institucional para a requalificação da economia portuguesa, colocando a inovação como ponto central para o crescimento econômico. Ao que tudo indica, as redes de contato e parcerias são amplas e possuem força, contribuindo para o processo de geração de inovação de produto.

No APL de Software de Curitiba, observou-se que existem um esforço e um aparato institucional voltado para o apoio às empresas da aglomeração, envolvendo várias instituições, entretanto, as mais citadas pelas empresas foram a Cenetic e o Sebrae. Apesar disso, a impressão é de que a aglomeração é sustentada pela colaboração espontânea que ocorre entre os associados, já que são estes os próprios governantes da aglomeração. Nota-se que a maioria das parcerias é para resolver lacunas internas às empresas, bem como desenvolver inovações de processo nelas. Essa característica pode estar relacionada com o setor de atuação.

Os dados apresentados nesta pesquisa podem demonstrar o enraizamento local das atividades desenvolvidas pelas empresas de TIC do IPN. Além disso, ressalta-se a importância da Universidade de Coimbra na dinâmica dessa aglomeração. Apesar de grande parte da produção e serviço ser destinada ao mercado externo, devido ao tamanho do mercado português, as instituições existentes, mesmo que fracamente, desempenham papel importante para a sustentação e o desenvolvimento da aglomeração. Desse modo, podem ser consideradas relevantes e fator explicativo para a alta taxa de sobrevivência das empresas. Além disso, o objetivo de criação da aglomeração, bem como a necessidade das empresas em atender ao mercado externo, pode ajudar a explicar a tendência em buscar parcerias interna ou externamente para o desenvolvimento de inovações de produto. Porém, deve-se ressaltar que, apesar de verificar algum tipo de interação entre os atores envolvidos, existe uma falta de cooperação entre as empresas associadas, que pode ser explicada pelo curto tempo de vida das empresas.

Os dados aqui apresentados também sugerem que o enraizamento local das atividades desenvolvidas pelas empresas de TIC de Curitiba são incipientes. Embora universidades como PUC-PR e Universidade Positivo estejam no portfólio de apoios das instituições, elas foram pouco citadas no que se refere ao desenvolvimento conjunto de P&D, aprendizado e interação.

Por meio da análise das informações coletadas, percebeu-se que, na aglomeração de TIC de Coimbra, a maioria das empresas concentra seus esforços em inovações de produto. Por outro lado, em Curitiba, é dado destaque às inovações de processo. Isso permite concluir que existem questões estruturais e de organização que determinam que em uma aglomeração predomine a busca por inovações de produto e, em outra, prevaleçam as inovações de processo.

A esse respeito, deve-se ressaltar algumas questões. Primeiro, o mercado principal das empresas dos dois aglomerados. Nesse quesito, destaca-se que as empresas do IPN se caracterizam por serem em sua maioria startups, por possuírem um pequeno mercado nacional e por estarem sujeitas à competição europeia, além do pequeno tamanho do mercado português. Tais questões corroboram para que as empresas foquem em inovações de produto, devido, inclusive, à competição externa. Em contrapartida, as empresas de Curitiba inovaram mais em processo. Esse fato pode estar relacionado à sua constituição um pouco mais antiga em relação às de Portugal e também à necessidade de atender ao mercado nacional e local, principalmente em atividades de consultoria. Apesar disso, as empresas estão desenvolvendo projetos para promover a inovação de produtos e/ou serviços, o que pode ser resultado das recentes políticas industriais e de inovação recentes. Ressalta-se apenas que esses projetos estão em fase de elaboração, não possuindo resultados até o momento.

Deve-se destacar, também, que a governança e o perfil dos empresários envolvidos atuam estimulando ou não a cooperação e a interação. No caso do APL de Software de Curitiba, o que se percebeu foi uma falta de governança sólida, já que a governança em si até existe, mas perde força a cada troca de gestores.

Desse modo, é possível afirmar que o desenho institucional do sistema de inovação vai influenciar diretamente no processo de interação, aprendizagem e inovação. Um sistema de inovação sólido, com instituições de apoio, instituições financeiras, governo e universidades vai impactar positivamente no aumento das sinergias e geração de inovações de produto. Assim, os contextos locais e institucionais mostraram-se fundamentais para ressaltar as diferenças dos dois casos estudados, além de condicionantes estruturais, como a influência da União Europeia na atuação da aglomeração portuguesa.

Replicar tal e qual o modelo do IPN no APL de Curitiba não será a solução, uma vez que, como se apontou ao longo do texto, existem particularidades institucionais intrínsecas aos dois casos. Entretanto, boas práticas podem ser pensadas e adaptadas, como as apresentadas a seguir.

Um dos elementos importantes no crescimento das firmas no IPN é a possibilidade de acessar os mercados dos países da União Europeia. Ou seja, o apoio à dinâmica de integração de mercados regionais pode ser um fator de ampliação de oportunidades de novos mercados no Mercosul. Quanto maior a integração, maior é a certeza de as firmas poderem colocar estratégias competitivas no seu espectro, que vão além dos mercados nacionais. Obviamente isso está fora do alcance de uma política de aglomeração, mas é fundamental que os empresários tenham a visão de que integração regional significa mais mercados, principalmente, no caso de TIC que é uma atividade global.

A governança no IPN se mostrou o elemento central de articulação de políticas específicas de P&D e interação com universidades e demais parceiros. A governança tem um forte papel de direcionamento e liderança das políticas. Nesse sentido, existe forte legitimação por parte dos empresários e todos os demais agentes participantes. Portanto, ao mesmo tempo, há uma forte sintonia nos interesses de todas as partes. Essa perspectiva é a mais importante para o APL: o fortalecimento e legitimação da governança. Não se trata de colocar nela toda a responsabilidade dos rumos do APL e nem esperar que ela dinamize os processos interativos de uma hora para outra, mas sim entender que é importante o planejamento conjunto de uma instância responsável pela liderança e proposição de políticas de médio e longo prazos. Ela é importante porque se trata de um agente de fora do mercado que pode entender a dinâmica do APL. Como já mencionado anteriormente, ela é responsável pela busca da cooperação ganha-ganha. É esse papel de pouca liderança relativa da governança que faz com que os resultados do APL se restrinjam apenas à busca permanente de consolidação e fortalecimento e apenas à busca de novos negócios. Mas poderia avançar mais no aprofundamento nos termos do IPN com P&D com universidades e institutos de pesquisas, se houvesse efetivamente uma ação nessa direção.

Como apontado, a Região Metropolitana de Curitiba possui todos os elementos de um sistema local de inovação, com universidades e institutos de pesquisas e o APL apenas se beneficia dele pela oferta de mão de obra qualificada. Mas poderia avançar mais na integração de P&D e produção de conhecimentos inédito e novas tecnologias. Para isso, além do papel articulador da governança, é preciso que as universidades e institutos de pesquisas, que efetivamente possuem todas as competências necessárias, se disponham e criem os mecanismos institucionais que propiciem a relação com os setores empresariais. É necessário que: as universidades e institutos de pesquisas se organizem e busquem a cooperação, tais como interesses de pesquisas convergentes; entenda-se que o ritmo de atuação das diversas partes é diferente; e que os setores empresariais entendam que não necessariamente existem “soluções de prateleiras” dentro das universidades e institutos de pesquisa esperando alguém se dispor a vendê-las. Produção de conhecimento e P&D têm seu ritmo e, portanto, não necessariamente gera resultados de imediato. Isso certamente é bem entendido pelos agentes no IPN. Os interlocutores diretos de cada uma das partes dada a proximidade “falam a mesma língua”. Portanto, é necessário pensar em planejar o relacionamento de longo prazo entre todos os possíveis agentes cooperativos. Em Garcia et al. (2018GARCIA, R.; RAPINI, M.; CÁRIO, S. (org.). Estudos de caso da interação universidade-empresa no Brasil. Belo Horizonte: Face/UFMG, 2018.) é possível encontrar diversos casos que demonstram que, havendo planejamento de pesquisa de longo prazo, é possível contornar o suposto problema da burocracia e definir claramente a dinâmica de interação entre as partes.

Em síntese, a partir desta comparação, é possível tirar elementos importantes a se pensar para o avanço do APL de Software de Curitiba, que, apesar de ser de uma atividade de ponta, não necessariamente avança por conta própria. Como em tudo na economia, o APL precisa de alguns elementos de política pública que ajudem na sua condução, mas, primordialmente, é fundamental a proatividade por parte do APL em buscar a mudança a partir destes elementos.

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  • 1
    Considerando que em 2006 já houve uma política promovida pelo governo do Estado focada na formação de APLs.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Jul-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    24 Jul 2018
  • Revisado
    01 Mar 2019
  • Aceito
    06 Jul 2019
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