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Embrapii: um novo modelo de apoio técnico e financeiro à inovação no Brasil

EMBRAPII: a new model of technical and financial support for innovation in Brazil

Resumo

Este estudo apresenta uma análise descritiva da Associação Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial - Embrapii, que tem se tornado uma referência crescente no estímulo à atividade de inovação colaborativa entre empresas e as 42 Unidades Embrapii (ICTs credenciadas no sistema). Desde o início de suas atividades, a instituição já acumula mais de 500 projetos fomentados em parceria com mais de 350 empresas. Uma característica essencial do modelo é alavancar recursos empresariais em P&D a partir do apoio governamental com recursos não reembolsáveis. O modelo tem se constituído num novo padrão de financiamento para a inovação desenvolvida em parceria entre empresas e instituições de pesquisa no Brasil.

Palavras-chave:
Inovação; Empresas; Instituições de pesquisa

Abstract

This study presents a descriptive analysis of the Brazilian Association of Research and Industrial Innovation - Embrapii. This institution has become an increasingly important reference to stimulate the collaborative innovation activity between companies and the 42 Embrapii Units (research labs accredited by Embrapii). Since the beginning of its activities, Embrapii has supported over 500 projects with more than 350 companies. An essential point of the model is leveraging business R & D resources based on government’s grant. The model has become a new financing standard for innovation developed in partnership between companies and research institutions in Brazil.

Keywords:
Innovation; Companies; Research institutions

1. Introdução

A atividade de inovação está cada vez mais relacionada à colaboração entre os diferentes agentes do Sistema Nacional de Inovação (SNI) (FREEMAN; SOETE, 2008FREEMAN, C.; SOETE, A. Economia da inovação industrial. Campinas: Editora Unicamp, 2008.). A busca de novos conhecimentos e aprendizados não tende a ser isolada no agente, seja uma firma ou um indivíduo, uma vez que esses estão inseridos em variadas relações que existem na sociedade (CASSIOLATO; LASTRES, 2005CASSIOLATO, J. E.; LASTRES, H. M. M. Sistemas de inovação e desenvolvimento: as implicações de política. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 19, n. 1, p. 34-45, 2005.). As interações estabelecidas interna ou externamente à firma têm o papel de contribuir com o processo de aprendizado. O setor produtivo possui uma série de possibilidades de parcerias para geração e difusão de novos conhecimentos, podendo ocorrer entre empresas -seja com fornecedores, usuários ou mesmo entre concorrentes - e com instituições científicas e tecnológicas (ICT) (BITTENCOURT; BRITTO; GIGLIO, 2016; ROCHA, 2015ROCHA, F. Does governmental support to innovation have positive effect on R&D investments? Evidence from Brazil. Revista Brasileira de Inovação, Campinas, v. 14, n. especial, p. 37-60, 2015.; CASSIOLATO; LASTRES, 2005; FREEMAN; SOETE, 2008; LUNDVALL, 2007LUNDVALL, B-Å. Innovation system research: where it came from and where it might go. Rio de Janeiro: Global Network for Economics of Learning, Innovation, and Competence Building System, 2007 (Globelics Working Paper, n. 2007-01).). Os processos de construção de colaboração moldam a cumulatividade de conhecimento, aprendizado e, consequentemente, a capacidade inovativa da economia (CIMOLI et al., 2009CIMOLI, M.; DOSI, G.; NELSON, R.; STIGLITZ, J. Institutions and policies shaping industrial development: an introductory note. Industrial policy and development: the political economy of capabilities accumulation. Oxford: Oxford University Press, 2009. p. 19-38.). Esses processos de interação entre agentes, no longo prazo, tendem a trazer maiores benefícios para o processo inovativo na medida em que criam elos mais duradouros de troca de conhecimento e de aprendizado e fortalecem as relações de cadeia (VIOTTI, 2008VIOTTI, E. B. Brasil: de políticas de C&T para políticas de inovação? Evolução e desafios das políticas brasileiras de ciência, tecnologia e inovação. In: BRASIL. Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Centro de Gestão de Estudos Estratégicos Avaliação de políticas de ciência, tecnologia e inovação: diálogos entre experiências internacionais e brasileiras. Brasília-DF: CGEE, 2008. P. 137-174).

Nesse ambiente de troca de conhecimentos entre os diferentes atores na sociedade, uma das principais formas de interação externa da firma é com instituições científicas e tecnológicas (ICTs), uma vez que dificilmente a estrutura produtiva domina internamente todos os conhecimentos1 1 “Analisando o caso de Taiwan, Dogdson (2005) destaca a importância das intuições de pesquisa para as pequenas empresas do país: poucas empresas possuem seus próprios departamentos de pesquisa e desenvolvimento, o ITRI [Industrial Technology Research Institute] desempenha papel importante em empreender P&D e depois disseminar seus resultados para pequenas empresas de modo facilmente acessível” (DODGSON, 2005, p. 349). (BITTENCOURT; BRITTO; GIGLIO, 2016; VIOTTI, 2008VIOTTI, E. B. Brasil: de políticas de C&T para políticas de inovação? Evolução e desafios das políticas brasileiras de ciência, tecnologia e inovação. In: BRASIL. Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Centro de Gestão de Estudos Estratégicos Avaliação de políticas de ciência, tecnologia e inovação: diálogos entre experiências internacionais e brasileiras. Brasília-DF: CGEE, 2008. P. 137-174; DODGSON, 2005DODGSON, M. As políticas para ciência, tecnologia e inovação nas economias asiáticas de industrialização recente. In: KIM, L.; NELSON, R. R. (org.). Tecnologia, aprendizados e inovação - as experiências das economias de industrialização recente. Campinas: Editora Unicamp, 2005. p. 313-364.; FREEMAN; SOETE, 2008FREEMAN, C.; SOETE, A. Economia da inovação industrial. Campinas: Editora Unicamp, 2008.; PERREIRA; BOMTEMPO; ALVES, 2015PERREIRA, F. dos S.; BOMTEMPO, J. V.; ALVES, F. C. Programa de subvenção às atividades de PD&I: uma comparação em biocombustível no Brasil, EUA e Europa. Revista Brasileira de Inovação, Campinas, v. 14, n. especial, p. 61-84, 2015.). A interação com ICTs permite às firmas o acesso a pessoal e infraestrutura qualificados e, principalmente, novos e complementares conhecimentos. Essa colaboração pode contribuir para a redução do risco técnico-científico do projeto2 2 “The studies on collaborative R&D and innovation policies and programmes all suggest positive impacts in terms of input additionality, i.e. collaboration in research and innovation between research organisations and attention” (EDLER et al., 2013, p. 25). e para colocar em contato diferentes perspectivas, experiências, entre outros (CUNNINGHAN; GOK, 2012CUNNINGHAN, P. N.; GOK, A. Impact of innovation policy schemes for collaboration, compendium of evidence on the effectiveness of innovation policy intervention. London/Manchester: NESTA/MIOIR, 2012.; HOPKINS; LAZONICK, 2014HOPKINS, M. E.; LAZONICK, W. Who invests in the high-tech knowledge base? New York: Institute for New Economic Thinking, 2014 (Working Paper Series, n. 14).). Essas parcerias, quando de longo prazo, possibilitam auxiliar o processo inovativo, pois serão capazes de facilitar a troca constante de informações. Além disso, em muitos casos, esse processo tem potencial para auxiliar as empresas a saírem de lock-in tecnológico. As instituições de pesquisa tendem a mostrar outros caminhos para as firmas que, às vezes, estão presas às suas rotinas.

Nesse contexto, o papel do governo não pode se limitar a prover skills, infraestrutura de pesquisa, como insumo de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e conhecimento, mas também facilitar e induzir o processo de interação entre os diferentes atores do SNI, de forma a obter como resultado uma estrutura produtiva que tenha maior possibilidade de geração de tecnologias (UNCTAD, 2015; LUNDVALL, 2007LUNDVALL, B-Å. Innovation system research: where it came from and where it might go. Rio de Janeiro: Global Network for Economics of Learning, Innovation, and Competence Building System, 2007 (Globelics Working Paper, n. 2007-01).). Assim, como modo de fortalecer as atividades interativas de P&D, o Estado pode se tornar um direcionador e alavancador dos investimentos empresariais em inovação (MAZZUCATO, 2013MAZZUCATO, M. The entrepreneurial state: debunking public vs. private myths in risk and innovation. London: Anthem Press, 2013.; ROCHA, 2015ROCHA, F. Does governmental support to innovation have positive effect on R&D investments? Evidence from Brazil. Revista Brasileira de Inovação, Campinas, v. 14, n. especial, p. 37-60, 2015.; PERREIRA; BOMTEMPO; ALVES, 2015PERREIRA, F. dos S.; BOMTEMPO, J. V.; ALVES, F. C. Programa de subvenção às atividades de PD&I: uma comparação em biocombustível no Brasil, EUA e Europa. Revista Brasileira de Inovação, Campinas, v. 14, n. especial, p. 61-84, 2015.).

Por meio dos seus variados instrumentos, o setor público exerce o papel de contribuir para estimular o processo colaborativo entre ICTs e empresas, focando em atividade de inovação. Uma forma de implementar políticas públicas que estruturam interação entre empresas e ICTs é por meio de agentes intermediários ao processo inovativo, os quais podem estreitar e induzir esse processo (HEPBURN; WOLFE, 2011HEPBURN, N.; WOLFE, D. A. Technology and innovation centres: lessons from Germany, the UK and the USA. Innovation Policy Lab, Munk School of Global Affairs. Toronto: University of Toronto, 2011.; CHAMINADE et al., 2010CHAMINADE, C.; LUNDVALL, B. A.; LAURIDSEN, J. V.; JOSEPH, K. Innovation policies for development: towards a systemic experimentation based approach. Lund: Lund University, Centre for Innovation, Research and Competence in the Learning Economy (CIRCLE), 2010 (Paper in Innovation Studies, n. 2010/01).; DODGSON, 2005DODGSON, M. As políticas para ciência, tecnologia e inovação nas economias asiáticas de industrialização recente. In: KIM, L.; NELSON, R. R. (org.). Tecnologia, aprendizados e inovação - as experiências das economias de industrialização recente. Campinas: Editora Unicamp, 2005. p. 313-364.; UNCTAD, 2018). Essas instituições têm se apresentado como pilares de políticas efetivas de inovação no mundo (DODGSON, 2005; HEPBURN; WOLFE, 2011; WESSNER, 2013WESSNER, C. W. Committee on 21st century manufacturing: the role of the manufacturing extension. Washington, DC: National Research Council, 2013.). Essa estratégia é adotada em diversos países mediante a disponibilização de recursos públicos que estimulam a interação e contribuem para reduzir o elevado risco e custo inerentes ao processo inovativo (HEPBURN; WOLFE, 2011; MAZZUCATO, 2013MAZZUCATO, M. The entrepreneurial state: debunking public vs. private myths in risk and innovation. London: Anthem Press, 2013.; BLOCK, 2011BLOCK, F. Where do innovations come from? Transformations in the U.S. economy - 1970-2006.. Norway: The Other Canon Foundation; Tallinn: Tallinn University of Technology, 2011 (Working Papers in Technology Governance and Economic Dynamics, n. 35).). Assim, o artigo assume a hipótese de que o Estado tem papel essencial em estimular a colaboração entre empresas e ICTs, utilizando seus instrumentos de forma a incentivar a colaboração para aumentar o esforço inovativo no país.

O presente artigo procura mostrar como uma recente ação do Estado brasileiro tem desempenhado o papel de instituição intermediária para estimular a interação entre empresas e ICTs. O foco recai sobre o caso da Associação Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii). A ideia é apresentar as características do modelo de atuação da Embrapii e os resultados alcançados por este, no estímulo à atividade de P&D das firmas em cooperação com ICTs no Brasil, no período de setembro de 2014 a junho de 2018. A análise torna-se relevante para o entendimento da ação de política científica e tecnológica implementada, uma vez que o modelo de atuação da Embrapii refere-se a uma nova forma de incentivo à realização conjunta de projetos de P&D entre empresas e ICTs no Sistema Nacional de Inovação brasileiro.

Além desta introdução, o artigo está dividido em mais três seções. A seguir, são analisadas instituições intermediárias em alguns países, cuja função é promover a interação entre empresas e ICTs. Posteriormente ressaltam-se as características do modelo Embrapii, o processo de credenciamento de ICTs no sistema e as Unidades Embrapii credenciadas, bem como os resultados alcançados pelo modelo durante o período de referência. Por último, destacam-se algumas considerações finais e possibilidades de desdobramentos analíticos.

2. A experiência internacional na criação de instituições intermediárias

As experiências internacionais tendem a realçar a relevância de instituições intermediárias que estimulam a parceria entre ICTs e empresas como importantes elos do SNI para estimular projetos de maior complexidade tecnológica e contribuir com a capacidade inovativa do setor empresarial (MASON; WAGNER, 2006MASON, G.; WAGNER, K. Knowledge transfer and innovation in Germany and Britain: ‘intermediate institution’ models of knowledge transfer under strain? Industry and Innovation, v. 6, n. 1, p. 85-109, 2006.; HEPBURN; WOLFE, 2011HEPBURN, N.; WOLFE, D. A. Technology and innovation centres: lessons from Germany, the UK and the USA. Innovation Policy Lab, Munk School of Global Affairs. Toronto: University of Toronto, 2011.; WESSNER, 2013WESSNER, C. W. Committee on 21st century manufacturing: the role of the manufacturing extension. Washington, DC: National Research Council, 2013.). Cada país utiliza modelos diferenciados que incentivam instituições de pesquisa a cooperarem com empresas, dadas as especificidades locais institucionais, históricas e produtivas. Os exemplos são muitos: na Alemanha, a Fraunhofer; na França, o Institut Carnot; na Inglaterra, o Catapult; na Dinamarca, o GTS;3 3 Godkendte Teknologiske Serviceinstitutter. nos EUA, o Manufacturing Extension Partnership e Manufacturing USA; na Suécia, o RISE; entre outros. Essas instituições funcionam, em sua maioria, como hubs que ligam capacidade de pesquisa de ICTs e empresas (HEPBURN; WOLFE, 2011;). Alguns exemplos internacionais são destacados na Tabela 1.

Como pode ser visto, existem instituições intermediárias em diferentes países que procuram estimular a interação entre empresas e ICTs, com modelos de funcionamento variados. A Fraunhofer, na Alemanha, por exemplo, tem os próprios centros de pesquisa; nos casos do Catapult, na Inglaterra, e do Institut Carnot, na França, os centros de pesquisa não são ligados diretamente à instituição, mas recebem seu apoio para desenvolver projetos de P&D. Os modelos são distintos, pois, em grande medida, estão relacionados às especificidades de cada país. Cada instituição mantém uma quantidade de unidades de pesquisa e focos tecnológicos diferentes, sendo possível criar competência em determinadas áreas de conhecimento. Com isso, o setor produtivo de cada país tem acesso a centros de pesquisa com grande competência tecnológica em determinada área. Além disso, essas unidades de pesquisa tornam-se referência para o setor empresarial no seu foco tecnológico.

TABELA 1
Modelos de incentivo à cooperação empresas-instituições de pesquisa

Nesses modelos, parte dos custos dos projetos inovativos, demandados pelas empresas e desenvolvidos em parceria com as ICTs, é financiada, geralmente, por fundos não reembolsáveis disponibilizados pelo Estado (WESSNER, 2013WESSNER, C. W. Committee on 21st century manufacturing: the role of the manufacturing extension. Washington, DC: National Research Council, 2013.; HEPBURN; WOLFE, 2011HEPBURN, N.; WOLFE, D. A. Technology and innovation centres: lessons from Germany, the UK and the USA. Innovation Policy Lab, Munk School of Global Affairs. Toronto: University of Toronto, 2011.). O pano de fundo dessa estratégia está vinculado ao aumento do conteúdo tecnológico das empresas e ao consequente aumento da competitividade destas. A Tabela 1 também destaca a participação do Estado no financiamento dos projetos de P&D desenvolvidos por algumas dessas instituições. Nota-se que não existe uma regra padrão adotada em cada país. Isso vai depender muito das características de cada modelo e da estrutura produtiva local. No entanto, o que se percebe é que, em todos os casos apresentados, usam-se recursos não reembolsáveis aplicados pelo Estado para contribuir com o processo inovativo. O suporte financeiro por parte do Estado, como subsídio a essas atividades de colaboração, é relevante para o estabelecimento de políticas que foquem parcerias para atrair e induzir o setor empresarial para atividades de inovação (MAZZUCATO, 2013MAZZUCATO, M. The entrepreneurial state: debunking public vs. private myths in risk and innovation. London: Anthem Press, 2013.; BLOCK, 2011BLOCK, F. Where do innovations come from? Transformations in the U.S. economy - 1970-2006.. Norway: The Other Canon Foundation; Tallinn: Tallinn University of Technology, 2011 (Working Papers in Technology Governance and Economic Dynamics, n. 35).).

Outra característica que se pode notar é que, em grande medida, o processo de aporte de recursos públicos tende a funcionar como alavancagem de investimentos privados (Tabela 1). O governo aporta recursos de percentuais variados em cada uma dessas instituições intermediárias, sendo que parte do investimento em P&D é de responsabilidade das empresas. Dessa maneira, os recursos públicos funcionam alavancando recursos das empresas para gerar mais conhecimento. Ou seja, os investimentos do governo com recursos não reembolsáveis, a partir de instituições intermediárias, para atividades de aproximação entre ICTs e empresas, se justificam pelo impacto que trazem para a economia nacional, principalmente para a competitividade da indústria (UNCTAD, 2018).

De forma resumida, podem-se elencar as principais características dos modelos adotados por essas instituições intermediárias que proporcionam suporte para interação entre ICTs e empresas:

  • origem das demandas tecnológicas: necessidades das firmas e, em alguns casos, direcionadas pelas demandas e estratégicas do Estado;

  • forma de financiamento: fomento compartilhado dos projetos de inovação. Parte do investimento dos projetos é feita pelo Estado - nacional, estadual e, às vezes, supranacional -, com base em recursos não reembolsáveis, sendo que as empresas demandantes dos projetos, necessariamente, investem parte dos recursos financeiros;

  • laboratório de referências para o desenvolvimento dos projetos: centros de pesquisa com grande capacidade técnica, infraestrutura de ponta e foco tecnológico capazes de responder às demandas de P&D.

3. O modelo Embrapii e suas unidades credenciadas

Como destacado na seção anterior, diversos países adotam a figura de instituição intermediária para incentivar e facilitar a interação entre ICTs e empresas. No Brasil, a Associação Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial - Embrapii4 4 A Embrapii é uma associação privada sem fins lucrativos, que foi qualificada pelo governo federal como organização social (Lei n. 9.637/1998), em 02/09/2013. A Embrapii possui contrato de gestão com o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações e com o Ministério da Educação, assinado em 02/12/2013. Esses dois ministérios são a fonte de recursos da instituição para apoio a projetos de P&D. No modelo de OS, os recursos oriundos do setor público perdem as características públicas e não precisam seguir a Lei n. 8.666/1993 (Lei de Licitações). Assim, a instituição segue suas próprias regras, mais compatíveis com o uso do recurso para fomento a atividades de inovação (EMBRAPII, 2016). - foi criada no final de 2013 pelo governo federal para assumir esse papel. A implementação da Embrapii tem sua origem determinada por alguns fatores, sempre visando contribuir com o esforço inovativo nacional e, assim, melhorar a competitividade da estrutura produtiva brasileira por meio da colaboração em projetos de P&D com ICTs credenciadas à Embrapii. Nesse sentido, destacam-se os principais objetivos que guiaram a criação da Embrapii:

  • fomentar projetos focados na demanda por soluções das empresas;

  • fortalecer a interação de ICTs e empresas de forma a intensificar a troca de conhecimento;

  • ampliar o investimento privado em inovação no Brasil, aumentando o risco e a complexidade dos projetos desenvolvidos pelas empresas;

  • utilizar a capacidade de infraestrutura e de pessoal investida durante anos pelo Estado para trabalhar em parceria com as empresas;

  • construir um modelo de fomento em que o Estado aportasse recursos não reembolsáveis - diminuindo risco e custo - e, com isso, alavancasse investimento das empresas;

  • criar um modelo mais ágil e flexível de fomento.

Nesse contexto, três premissas foram fundamentais para a criação dessa nova instituição. A primeira é que o Estado tem papel fundamental para induzir atividades de inovação nas empresas e, para isso, precisa utilizar seus instrumentos. A segunda é que, cada vez mais, o esforço inovativo é interativo e se faz necessário aumentar as colaborações entre instituições de pesquisa e empresas no país. E, finalmente, a terceira é que, na interação ICTs-empresa, o projeto deve ser de interesse da firma.

Na criação da Embrapii, partia-se do conceito de que, mesmo sabendo que o principal lócus da inovação é a empresa, a cooperação entre instituições de pesquisa e firmas no Brasil é limitada e insuficiente para impor uma dinâmica favorável ao desenvolvimento de inovações no país (SUZIGAN; ALBUQUERQUE, 2011). Boa parte das pesquisas desenvolvidas nas ICTs do país é direcionada para as próprias ICTs e não está relacionada a demandas das empresas ou públicas (SUZIGAN; ALBUQUERQUE, 2011). Dessa maneira, as instituições de pesquisa não contribuíam, necessariamente, com o desenvolvimento econômico e social do país. Portanto, diante destas características, se fazia necessário buscar uma solução para estimular a interação entre ICTs e empresas.

Além disso, complementariamente, do ponto de vista de política pública, era preciso criar uma instituição que alavancasse recursos privados para inovação adicionalmente aos recursos públicos investidos para esse fim, buscando criar um novo modelo que rompesse com a tendência histórica do país de o poder público aportar mais recursos em inovação do que o setor empresarial.5 5 Em 2014, o total de dispêndio nacional em P&D em relação ao PIB era de 1,27%, dos quais o setor público respondia por 0,67% e os dispêndios empresarias por 0,60% (MCTIC/Indicadores - disponível em: <http://www.mctic.gov.br/mctic/opencms/indicadores/indicadores_cti.html>. Acesso em: 2 set. 2018). Diante desse cenário, para alcançar os objetivos propostos para a Embrapii, era fundamental que o Estado aportasse parte dos recursos para diminuir custos e riscos dos projetos. Assim, optou-se por utilizar o instrumento de recursos não reembolsáveis para fomentar a interação entre diferentes atores do SNI.

3.1 Características do modelo de apoio à inovação da Embrapii

Para contribuir com a intensificação do esforço inovador da indústria no país, a Embrapii assumiu um modelo de atuação distinto, baseado na formação de uma rede de ICTs de alto padrão para cooperar com projetos de P&D do setor industrial. As ICTs credenciadas no modelo Embrapii são chamadas de Unidades Embrapii (UE) e devem apresentar grande capacidade técnica, infraestrutura de ponta, histórico de atender a empresas e foco tecnológico (EMBRAPII, 2016).

As ICTs que cumprem essas obrigações são credenciadas pela Embrapii e passam a operar e receber recursos. O processo de credenciamento ocorre por meio de chamadas públicas, em que se avalia se as instituições cumprem as exigências de qualificação para operar no modelo. Para tanto, faz-se necessária a submissão à Embrapii, por parte das ICTs candidatas, de um plano de ação no qual demonstram competências tecnológicas, comprovam histórico de trabalho com empresas (projetos entre as empresas e as ICTs, nos quais as empresas necessariamente aportam recursos financeiros) e estabelecem metas a serem cumpridas, como, por exemplo, total de projetos que irão realizar em cooperação com empresas por ano, total de empresas prospectadas por ano, entre outros (EMBRAPII, 2016). Além disso, a ICT candidata deve apresentar sua demanda de recursos da Embrapii necessária para os futuros projetos com as empresas. Também é indicado o quanto de recursos de empresas será captado/alavancado a partir do apoio financeiro não reembolsável do modelo Embrapii. A Embrapii analisa as propostas e credencia as mais bem avaliadas. Cada instituição candidata deve apresentar foco em uma área de competência tecnológica. Dessa forma, o setor produtivo passa a reconhecer nas unidades o potencial tecnológico de forma que se possa ter referência de qual é o melhor centro para atender à sua necessidade por projetos de P&D.

Outro ponto do modelo Embrapii é que ele surge para operar na fase que muitos chamam de “vale da morte” ou “pré-competitiva”, isto é, quando o risco é alto e, em alguns casos, é fundamental que as empresas busquem ajuda de parceiros externos (CONNELL, 2014CONNELL, D. Creating markets for things that don’t exist - the truth about UK government R&D and how the success of SBRI points the way to a new innovation policy to help bridge the valley of death and rebalance the UK economy. Cambridge: Centre for Business Research, 2014.). A Embrapii fomenta projetos que devem pertencer ao grau de maturidade tecnológica de 3 a 7 - Technology Readinnes Level - TRL6 6 Ver ISO/FDIS 16290:2013(E) Space systems - Definition of the Technology Readiness Levels (TRLs) and their criteria of assessment. International Organization for Standardization, Switzerland, 2013. 12p. (EMBRAPII, 2016). Assim, o foco é nas atividades de cooperação entre empresas e UEs onde existe um risco maior dos projetos e necessita-se de parceiros que colaborem com a redução do risco tecnológico e financeiro.

O modelo Embrapii parte da premissa de que os projetos só podem ser desenvolvidos se houver uma empresa envolvida, ou seja, com base na concepção de que deve haver demanda do setor industrial. Portanto, os recursos não reembolsáveis da Embrapii e só podem ser executados pelas UEs após a assinatura de contrato/termo de cooperação com a empresa demandante da solução tecnológica, que necessariamente também aporta recursos financeiros no projeto. Espera-se que a interação das empresas com as UEs, ao longo do tempo, possibilite o desenvolvimento de soluções diferenciadas e específicas para os desafios das firmas.

Diante da dicotomia de, por um lado, as empresas apresentarem visão limitada das possibilidades para solucionar seus problemas ou estarem em lock-in tecnológico e, por outro lado, as ICTs apresentarem baixa capacidade de entender o mercado e as idiossincrasias setoriais, as UEs que atuam no modelo Embrapii, necessariamente, têm que aprender e gerar novos conhecimentos na interação com as empresas, de forma a fortalecer suas competências para atender a um conjunto maior de firmas. Assim, a cooperação pode ser proveitosa para ambas - as empresas, com seus conhecimentos e visão de mercado, e as UEs, com o conhecimento e a experiência técnica, gerando potencialmente um resultado ganha-ganha.

No modelo de apoio à inovação da Embrapii (Quadro 1), o aporte máximo do governo (por meio do modelo Embrapii) é de até 1/3 do valor total do portfólio de projetos da UE com recursos não reembolsáveis. Isso gera outros 2/3 em projetos que serão oriundos de recursos das UEs e, principalmente, das empresas. As unidades podem aportar sua contrapartida com recursos não financeiros, ou seja, horas-homem e horas-máquina, que estão nos custos da instituição (EMBRAPII, 2016). Esse é o modo mais corriqueiro, mas nada impede que a UE aporte também recursos financeiros.7 7 Muitas vezes, as Unidades Embrapii podem conseguir recursos de apoio de outras fontes, por exemplo, das fundações de amparo à pesquisa (FAP) de cada estado. Para facilitar esse processo, a Embrapii tem estabelecido parceria com as FAPs. Assim, com o uso de recursos não reembolsáveis, o governo procura reduzir custos e, principalmente, riscos inerentes ao processo inovativo. A atividade de inovação tem como característica, em maior ou menor grau, ter risco associado. Nesse contexto, o uso de recursos não reembolsáveis tende a ser um dos melhores instrumentos para contribuir com a redução do risco dos projetos e, dessa forma, atrair mais empresas para atividade de P&D em cooperação com Unidades Embrapii.

QUADRO 1
Modelo de apoio à inovação da Embrapii

Para assegurar o compromisso das empresas com o desenvolvimento dos projetos e estimular o aumento do gasto privado em inovação, participação financeira da empresa é obrigatória, seja com recursos próprios, seja com recursos obtidos por meio de financiamento (empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, da Financiadora de Estudos e Projetos - Finep, ou de qualquer outra fonte) (EMBRAPII, 2016). Além disso, o modelo permite que recursos oriundos de regras de obrigatoriedade de investimento em P&D anual sejam utilizados como contrapartida das empresas, como no caso do setor elétrico (Lei n. 9.991/2000) e do setor de petróleo (Lei n. 9.478/97). O mesmo vale para o caso da Lei de Informática (Lei n. 10.176/2001). Isso significa que se procura complementar, com recursos não reembolsáveis da Embrapii, outras fontes de estímulo à atividade de P&D, o que contribui para maior coordenação entre diferentes instrumentos, aumentando potencialmente sua efetividade.

Outro ponto de destaque é que os recursos dos projetos da Embrapii, sejam eles de qualquer uma das fontes, não podem ser gastos com compra de infraestrutura laboratorial. Só é admitida essa hipótese no caso de equipamentos diretamente ligados ao projeto, ou seja, incorporados no desenvolvimento (EMBRAPII, 2016). Os recursos devem ser utilizados essencialmente nos custeios do projeto (pessoal e insumos), que são os principais ativos de um projeto de inovação (FREEMAN; SOETE; 2008FREEMAN, C.; SOETE, A. Economia da inovação industrial. Campinas: Editora Unicamp, 2008.). Essa regra de uso dos recursos deve-se a uma tentativa de maior utilização da infraestrutura de pesquisa já instalada no país e inibe a tendência a se equiparem laboratórios de pesquisa sem necessidade, o que gera custos para as ICTs e resulta em equipamentos subutilizados e com pouca atividade de P&D em parceria com setor empresarial.

Outra característica do modelo Embrapii é a inovação institucional, que visa dar maior agilidade e flexibilidade ao financiamento e apoio à atividade de inovação colaborativa entre empresas e ICTs. Tal ação ocorreu a partir de uma autonomia decisória para as UEs contratarem, negociarem e aprovarem os projetos que vão desenvolver com as empresas. Nesse contexto, incentiva-se a interação das Unidades com o setor produtivo no desenvolvimento de projetos de P&D, pois se torna célere a contratação do projeto. O modelo da Embrapii é de fluxo contínuo sem a existência de edital para a contratação de projetos das empresas, não sendo necessário, portanto, preencher documentos de edital e esperar sua aprovação. As firmas, nas suas rotinas decisórias, muitas vezes, não podem esperar a abertura de um edital e todo o processo de julgamento, pois a corrida por atividade de inovação é cada vez mais intensa. O ciclo de vida dos produtos tem se tornado cada vez mais curto, o que obriga às empresas terem celeridade nas suas tomadas de decisão. Assim, dentro da sua estratégia interna, pode-se dizer que tende a ser mais proveitoso para o setor produtivo poder, a qualquer momento, quando necessitar de apoio para sua atividade de inovação, recorrer ao modelo da Embrapii.

Paralelamente à autonomia decisória dada às UEs, a Embrapii adota um rígido sistema de acompanhamento e avaliação de suas unidades. Esse sistema permite o acompanhamento em tempo real das UEs, desde a identificação das empresas prospectadas e a análise das firmas contratantes até a execução física e financeira dos projetos de inovação. A avaliação das UEs verifica alguns fatores essenciais para o sucesso do modelo, tais como se as metas pactuadas estão sendo alcançadas, se os recursos repassados estão sendo executados, se os projetos desenvolvidos atendem às demandas das empresas e se são projetos de P&D entre os TRLs 3 a 6. Dessa maneira, a Embrapii é uma instituição que possui uma rede de UEs que têm por obrigação fazer projetos em cooperação com o setor empresarial e, para isso, recebem recursos e são monitoradas pela Embrapii.

Portanto, de certa maneira, o modelo de apoio à inovação da Embrapii incorporou o conjunto de premissas que intensificam a cooperação entre as UEs e o setor produtivo a partir de um ambiente propício à implementação de projetos de P&D. Em função dessas características, o modelo tende a garantir a agilidade e a flexibilidade exigidas por processos inovativos, gerando o compartilhamento do risco e do custo dos projetos de P&D e, dessa forma, incentivando maior investimento privado em inovação. Diante do apresentado, a expectativa é de que as empresas sejam atraídas pelos recursos alocados pelo Estado para diminuir riscos e custos e pela forte base de conhecimento existente nas instituições credenciadas com sua capacidade de geração de soluções tecnológicas.

Traçando um paralelo com as instituições similares à Embrapii presentes em outros países, nota-se que a principal especificidade do modelo brasileiro consiste no fato de que as responsáveis pelo desenvolvimento dos projetos de P&D já estavam presentes no SNI. Ou seja, na estratégia de implementação da Embrapii, em vez de se constituir uma série de laboratórios próprios, realizando vultuosos investimentos em infraestrutura de C&T, optou-se por utilizar a estrutura preexistente.8 8 A Fraunhofer, por exemplo, possui laboratórios próprio de P&D. Em função desta característica, foi necessário implementar um processo de credenciamento das Unidades Embrapii para selecionar as ICTs que integram a Embrapii. Nesse sentido, a próxima seção destaca as UEs credenciadas no modelo e aptas a realizarem projetos cooperativos para soluções tecnológicas demandadas pela estrutura produtiva nacional.

3.2 Credenciamento das Unidades Embrapii

Como ressaltado, o desenvolvimento dos projetos de P&D na Embrapii é implementado pelas UEs, que são ICTs públicas e privadas sem fins lucrativos, credenciadas na Embrapii por meio das chamadas públicas. O Gráfico 1 apresenta a evolução das ICTs credenciadas na Embrapii.

Em 2018, a Embrapii mantinha 42 unidades9 9 Ressalta-se que, em 2017, duas unidades foram descredenciadas do sistema em função dos resultados insatisfatórios constatados no processo de avaliação. que passaram por um processo concorrencial e rigoroso de credenciamento, o qual levou à identificação das melhores instituições para atuar no modelo Embrapii. O Gráfico 2 exemplifica o processo de concorrência entre as ICTs, candidatas a se tornarem UEs, apresentando o número de cartas de manifestações das instituições candidatas, as propostas de credenciamento recebidas, as propostas enquadradas e o número de instituições visitadas nas três primeiras chamadas públicas de credenciamento da Embrapii. Cabe reforçar que o processo de credenciamento das Unidades Embrapii ocorre por meio de chamadas públicas, que possuem um processo específico, no qual as ICTs candidatas, num primeiro momento, apresentam uma carta de manifestação indicando a área pretendida para o credenciamento. Posteriormente, as candidatas submetem uma proposta de credenciamento propriamente dita, que destaca a infraestrutura disponível para a realização dos projetos de P&D, a equipe de recursos humanos disponível e suas qualificações, os processos internos da instituição voltados para gestão e captação de projetos de P&D com setor empresarial, as prováveis empresas parceiras na realização dos projetos, expectativa de valor a ser realizado em projetos para um período de seis anos, entre outros fatores.

Estas propostas são avaliadas por uma banca de especialistas em P&D formada por representantes de empresas, membros do governo especialistas nas diferentes áreas e acadêmicos. Algumas instituições são visitadas por estes especialistas, para que as condições apresentadas sejam verificadas in loco. Após esta avaliação, as ICTs candidatas são ranqueadas e apresentadas para o Conselho de Administração da Embrapii, que ratifica a escolha das mesmas.

GRÁFICO 1
UEs credenciadas no Sistema Embrapii - 2014-junho 2017

GRÁFICO 2
Instituições candidatas nas chamadas públicas de credenciamento realizadas pela Embrapii, segundo etapas do processo de seleção de UE - 2014-2016

Nota-se que o processo de credenciamento das UEs tem despertado o interesse de um elevado número de ICTs. Com base nas informações dos Gráficos 1 e 2, observa-se que, aproximadamente para cada dez propostas das ICTs (cartas de manifestação), apenas uma é selecionada.10 10 Ressalta-se que o número de aproximadamente de dez propostas para uma credenciada foi obtido da seguinte forma: na chamada 2014/1 foram submetidas 87 cartas de manifestação e selecionadas dez instituições como Unidades Embrapii. Na chamada 2015/1 e 2 foram submetidas 110 cartas de manifestações de diferentes instituições ao processo e apenas dez ICTs foram credenciadas. Já na chamada 2016/1 foram submetidas 85 cartas de manifestações e credenciadas sete novas Unidades Embrapii. Portanto, no somatório destas três chamadas públicas de credenciamento de Unidades Embrapii destacadas, foram submetidas 282 cartas de manifestação de ICTs buscando o credenciamento e foram credenciadas 27 novas Unidades. Esse processo concorrencial, que se inicia com as cartas de manifestações e vai até as visitas nas unidades, garante que as instituições mais capacitadas passem a integrar a Embrapii. As unidades estão distribuídas por 14 estados e o Distrito Federal, o que gera um modelo descentralizado de atores no país, com competências diferenciadas e capazes de atender a uma gama variada da matriz industrial brasileira.

Como se vê na Figura 1, as UEs apresentam focos tecnológicos específicos,11 11 As ICTs, em muitos casos, têm competência em outras áreas, mas, no modelo Embrapii, possuem foco tecnológico restrito de operação. que estão relacionados às prioridades da política de ciência, tecnologia e inovação do país.12 12 Requisito para enquadramento das propostas nas chamadas públicas da Embrapii. Assim, tem-se uma perspectiva de organizar um conjunto de ICTs mais robustas para atender às empresas e contribuir com o desenvolvimento de conhecimentos endógenos. Essa divisão por focos tecnológicos gera uma especialização em todas as UEs, no sentido de se tornarem referência nas suas áreas para as empresas. Apesar de estarem geograficamente localizadas numa UF específica, as Unidades Embrapii atuam no conjunto do território nacional, atendendo a empresas de todo o Brasil.

FIGURA 1
Distribuição das UE por área de competência e UF

De forma geral, essas características vêm permitindo que uma série de demandas tecnológicas empresariais seja atendida por meio da implementação de projetos de P&D. As UEs, com seus focos específicos, podem ser divididas em algumas grandes áreas: do total de UEs, 15 atuam no desenvolvimento de soluções tecnológicas relacionadas à grande área de tecnologia da informação e comunicação; seis estão enquadradas na área de mecânica e manufatura; oito desenvolvem projetos de P&D na grande área de materiais e química; sete atuam na área de tecnologias aplicadas; e seis desenvolvem projetos na área de biotecnologia. Estas unidades, apesar de estarem geograficamente localizadas, são direcionadas para atuarem em todo território nacional, atendendo ao conjunto das indústrias brasileiras.

Conforme destacado, a Embrapii vem se dedicando a consolidar sua estrutura de Unidades que podem trabalhar em colaboração com as demandas do setor empresarial por projetos de P&D. Cabe agora analisar alguns resultados do modelo, no estímulo ao desenvolvimento, focado nas demandas empresariais, de projetos de P&D.

4. Os resultados alcançados pela Embrapii no período de análise

Uma forma de identificar os resultados alcançados pela Embrapii consiste em verificar a quantidade e valores contratados em projetos de P&D, a participação dos investimentos privados nos mesmos, as empresas que estão desenvolvendo estes projetos cooperativos em termos de porte, os impactos regionais ocasionados, os setores atendidos, as tecnologias desenvolvidas, entre ouros fatores. Nesse sentido, o Gráfico 3 mostra a trajetória de contratação de projetos da Embrapii durante o período de referência deste estudo (setembro de 2014 a junho de 2018). Percebe-se que, após o período inicial de consolidação e difusão do modelo de apoio à inovação da instituição, houve tendência de crescimento no número e no valor de projetos contratados, bem como no número de empresas contratantes desses projetos. Tal tendência torna-se mais acentuada a partir do segundo semestre de 2015, no que diz respeito ao número de projetos contratados e valor total desses projetos. Este fato indica que o modelo de apoio a projetos de P&D adotado pela Embrapii está cada vez mais sendo utilizado pelo setor produtivo e estimulando projetos colaborativos entre empresas e Unidades Embrapii. Dessa maneira, a instituição começa a cumprir sua função de intermediação, qual seja, estimular projetos cooperativos entre empresas e UEs. Assim, a instituição tem tido capacidade de estimular um conjunto maior de projetos cooperativos, aumentando a troca de conhecimento entre esses agentes do SNI brasileiro.

Com base nos dados, verifica-se que, de setembro de 2014 a junho de 2018, foram contratados 504 projetos de P&D colaborativos entre UEs e empresas, num valor total de R$ 802 milhões. Esses projetos são desenvolvidos em parceria com um total de 351 empresas. Nota-se, com base nas informações, que há firmas com mais de um projeto, o que, de certa forma, revela sua satisfação com o modelo Embrapii e a busca de empresas por mais projetos interativos. Portanto, os números apresentados demonstram tendência de consolidação da Embrapii, com aumento significativo, no decorrer do período, do número total de projetos contratados, do valor aportado nos projetos e do número de empresas parceiras. Tal comportamento positivo é ainda mais relevante quando se consideram as dificuldades econômicas enfrentadas pelo país nesse período de análise. Para efeito de comparação, pode-se usar como parâmetro o estudo recente de Zuculoto e Nogueira (2018), no qual os autores demonstram a quantidade de projetos contratados pelo BNDES entre 2002 e 2015. Durante esse período, o BNDES teve 168 empresas beneficiadas com projetos de inovação tecnológica. Cabe lembrar que o BNDES é uma instituição fundamental para o desenvolvimento industrial e inovativo do país. Em um período bem menor, o modelo da Embrapii foi capaz de apoiar um conjunto maior de empresas com projetos de inovação, atingindo de forma mais robusta o tecido industrial nacional.

GRÁFICO 3
Evolução de projetos colaborativos entre UE e empresas contratados (total de projetos e valor corrente em milhões R$) e evolução das empresas contratantes - acumulado mensal entre setembro de 2014 e junho de 2018

Em termos de valor médio dos projetos contratados (Gráfico 4), percebe-se, no decorrer do período de operação da Embrapii, certa estabilidade. Em média, hoje, os projetos da Embrapii são de aproximadamente R$ 1,58 milhão, valor que pode ser considerado significativo, uma vez que, em função das características do modelo Embrapii, tais recursos são usados quase que exclusivamente para custeio dos projetos, ou seja, não incluem infraestrutura em máquinas e equipamentos. A discussão sobre o valor médio dos projetos ter menor complexidade tecnológica ou ser menos disruptivo em função de não ser alto é algo que deve ser debatido à luz de uma análise dos projetos em si, provavelmente de maneira amostral.

GRÁFICO 4
Evolução do valor médio dos projetos -setembro 2014-junho 2018

Outra análise relevante para a compreensão do desempenho da Embrapii refere-se à participação das diferentes fontes de financiamento no valor dos projetos (Gráfico 5). O aporte máximo da Embrapii é de 1/3 do valor total do portfólio de projetos e a participação mínima das empresas é de 1/3 do valor do conjunto dos projetos desenvolvidos pelas unidades. Com base nas informações, nota-se que as firmas parceiras têm aportado valores superiores a 45% dos recursos dos projetos, o que é superior ao mínimo exigido (33%). As UEs aportam, em média, 19% do valor dos projetos. Essa participação mais elevada do setor produtivo ganha ainda mais relevância, quando se considera que as empresas estão aportando recursos financeiros nos projetos e não recursos econômicos (como horas-homem ou horas-máquina). Além disso, esses recursos são alocados nas Unidades Embrapii para realizarem os projetos e não nas próprias empresas. Assim, demonstra-se que o modelo tem sido capaz de alavancar recursos das empresas para projetos colaborativos com as UEs. Isso pode ser uma forma de enfatizar que o modelo da Embrapii tem conseguido aproximar empresas e ICTs (as UEs) e a colaboração em projetos tem alavancado cada vez mais investimentos do setor produtivo.

Portanto, pode-se destacar que um dos grandes diferenciais do modelo Embrapii é sua capacidade de intensificar os investimentos do setor produtivo em projetos colaborativos de inovação entre empresas e UEs. O fato de as firmas estarem aportando recursos financeiros é um dos objetivos iniciais da Embrapii. Esperava-se que, com um modelo mais ágil e flexível, com o uso de recursos não reembolsáveis que cobrissem parte dos custos e riscos dos projetos e com o acesso a instituições de pesquisa de alta competência, as empresas se sentissem estimuladas a investir mais em atividades de P&D. Portanto, a Embrapii, aparentemente, tem sido capaz de fomentar que as firmas invistam mais em P&D, ou seja, não sigam o padrão tradicional do país de o setor público aportar mais recursos em P&D do que o setor produtivo. Dessa forma, a Embrapii tem se mostrado capaz de contribuir com a inovação e estimular o investimento empresarial. Esse fato deveria ser reconhecido pelos policy makers como ponto positivo, pois contribui para o aumento do investimento na economia e para a emergência de um setor produtivo mais competitivo. Isso pode ser um indicativo de que, com o uso dos recursos públicos, a partir dos instrumentos corretos, pode-se criar incentivo para as empresas investirem mais em projetos colaborativos com ICTs em inovação. Assim, o Estado passa a cumprir um de seus papéis fundamentais, qual seja, contribuir para induzir as empresas a investirem mais em atividades de P&D interativo e ganharem maior competitividade.

GRÁFICO 5
Percentual de recursos aportados por fonte no modelo Embrapii - setembro 2014-junho 2018

Ainda quanto à participação das empresas na Embrapii (Tabela 2), verifica-se que existe maior participação daquelas de grande porte como contratante de projetos e P&D (56,2%). Esses projetos têm tempo médio de duração de 18 meses, com valor médio de R$ 2,3 milhões. As médias empresas contratam 16,8% dos projetos Embrapii, com duração média de 11 meses e valor (também médio) de aproximadamente R$ 750 mil. Cabe destacar a participação das micro e pequenas empresas no sistema Embrapii, que contratam 26,9% do total de projetos, com tempo médio de duração de 14 meses e valor médio aproximado de R$ 740 mil.

TABELA 2
Participação das empresas na contratação de projetos Embrapii, tempo médio de duração e valor médio dos projetos, por porte da empresa - setembro 2014-junho 2018

Outro fator interessante de análise é verificar como os projetos da Embrapii se enquadram no chamado “vale da morte”, que é exatamente o ponto que se procura apoiar nos projetos. O grau de maturidade13 13 Em ralação ao TRL, destaca-se que a escala de maturidade ou prontidão tecnológica varia de 1 a 9, em função da observação de parâmetros atribuídos ao projeto, o qual pode consistir em nova ideia, conceito ou achado científico, constituir novo produto, processo, ou se integrar em sistema existente e inovador. De forma geral, TRLs de 1 (princípios básicos observados e reportados) a 2 (formulação de conceitos tecnológicos e/ou de aplicação) estão relacionados a tecnologias em estágios iniciais de desenvolvimento, muito próximas da pesquisa básica. Já TRLs de 3 a 6 referem-se à fase pré-competitiva da inovação, apontada na literatura como o “vale da morte” da inovação. Em contrapartida, TRLs de 7 (demonstração de protótipo do sistema em ambiente operacional), 8 (sistema qualificado e finalizado) e 9 (sistema operando e comprovado em todos os aspectos de sua missão operacional) referem-se a níveis de elevada maturidade tecnológica, muito próxima do produto/processo acabado e com risco tecnológico consideravelmente mais reduzido (SO/FDIS 16290:2013). e o objetivo do desenvolvimento dos projetos são apresentados na Tabela 3. Percebe-se que a maioria dos projetos desenvolvidos refere-se à demonstração de funções críticas em ambiente relevante - TRL 6, agrupando 49,8% dos projetos, seguida pela validação funcional dos componentes em ambiente laboratorial - TRL 4, com 22,4%. O apoio a projetos nessas fases do processo de inovação é relevante para as empresas, pois existe um risco maior nesses níveis de maturidade de projetos. O fato de as empresas estarem apostando em projetos nessas fases demonstra o seu interesse em desenvolvimentos com maior risco tecnológico. Isso é uma característica interessante do modelo, pois o apoio a grau de maturidade de TRL3 até TRL6 indica que os projetos fomentados estão relacionados a agendas mais ambiciosas das empresas. Cabe destacar que o modelo Embrapii, apesar de ter o foco na fase do “vale da morte”, não possui nenhum mecanismo para contribuir com as empresas que conseguem projetos exitosos. Assim, esse deveria ser no futuro um ponto de atenção do modelo para que esses projetos realmente sejam introduzidos na economia e contribuam para as empresas.

TABELA 3
Distribuição dos projetos do portfólio Embrapii, por objetivo do desenvolvimento, segundo grau de maturidade tecnológica- setembro 2014-junho 2018 Em porcentagem

Ainda com base nas informações, pode-se observar que a maior parte dos projetos, na Embrapii, busca desenvolver inovações em produtos (45%), em produtos e processos (35,5%) e, em menor escala, em processos (19,4%).

Verifica-se que, na Embrapii, as demandas tecnológicas atendidas das empresas estão relacionadas, principalmente, a inovação de produtos e inovações em produtos e processos em TRL 6 (48,6% dos projetos). Uma análise comparativa com as informações apresentadas na Pintec (2014) mostra que a maioria das empresas foca seus esforços na inovação de processos (31,2%), enquanto inovações em produtos correspondem a 18,4%. Portanto, o modelo Embrapii tem contribuído para as empresas implementarem estratégias de desenvolvimento de produto de forma mais intensa. O modelo Embrapii, portanto, pode estar impulsionando uma mudança na estratégia inovativa das empresas no país, no sentido de estimular projetos de inovação em produtos em detrimento de em processo, rotinas mais próximas de alguns dos países mais inovadores do mundo (OECD, 2017).14 14 Disponível em: <http://www.oecd.org/sti/inno/innovation-indicators-2017.xlsx>. Acesso em: 2 set. 2018. Como a maioria dos projetos está relacionada ao desenvolvimento de produtos, o modelo apresenta-se ainda mais relevante, uma vez que os resultados alcançados pelos projetos tendem a chegar ao mercado de fato. Isso poderia ser facilitado por meio da implementação de parcerias com instituições que financiam fases posteriores ao “vale da morte”, ou mesmo com a criação de algum modelo na Embrapii para isso.

Seguindo na análise do portfólio de projetos da Embrapii, os Gráficos 6 e 7 classificam os projetos Embrapii segundo a tecnologia habilitadora do projeto e a área de aplicação. No caso de tecnologias habilitadoras (Gráfico 6), os desenvolvimentos tecnológicos estão relacionados, principalmente, com a integração de sistemas (17,5%), sistemas de comunicação (14%), IoT industrial (12,5%), automação e robótica (11,7%) e materiais (10%). Esses projetos apoiados no modelo Embrapii estão, aparentemente, relacionados às tecnologias habilitadoras de futuro, como manufatura avançada, internet das coisas, digitalização, sensoriamento, novos materiais, entre outros (UNCTAD, 2018).

GRÁFICO 6
Distribuição dos projetos Embrapii, por tecnologias habilitadoras setembro 2014-junho 2018

No Gráfico 7, verifica-se que as principais áreas de aplicação dos projetos Embrapii são: saúde (11,1%); equipamentos para processos industriais (9,8%); telecomunicações (9,6%); eletrônica de consumo (7,9%); entre outros. Estas áreas de aplicação são relevantes para o país. Projetos aplicados à saúde, por exemplo, geram impactos econômicos e sociais. A parte de equipamentos para processo industriais está relacionada à melhoria da produtividade da economia nacional. Outras áreas, como telecomunicação, estão cada vez mais na fronteira de novos conhecimentos, sem falar em áreas relevantes, como sustentabilidade.

GRÁFICO 7
Distribuição dos projetos Embrapii por área de aplicação - setembro 2014-junho 2018

A análise conjunta das informações relacionadas à distribuição de projetos por tecnologia habilitadora e área de aplicação compõe a matriz de desenvolvimento tecnológico da Embrapii, apresentada na Apêndice I, que reflete as demandas tecnológicas para diferentes áreas de aplicação.

Para exemplificar, as informações disponibilizadas na matriz indicam que as empresas que desenvolvem produtos e processos que serão aplicados na área da saúde demandam soluções, em maior escala, relacionadas a: integração de sistemas; biotecnologia; desenvolvimento de produto; e sistemas de comunicação. Empresas que desenvolvem aplicações em equipamentos para processos industriais demandam soluções tecnológicas referentes a: automação e robótica; integração de sistemas; e sistemas de comunicação. No caso das empresas que desenvolvem aplicações para telecomunicação, ressaltam-se as demandas tecnológicas referentes a: integração de sistemas; sistemas de comunicação; e desenvolvimento de hardware.

Outra característica do modelo Embrapii que vale destacar é a mudança que ele proporciona na relação entre empresas e UEs, pois estas últimas passam a ter que desenvolver capacidade de prospecção de projetos nas firmas. Como destacado, as UEs possuem metas de prospecção de projetos empresariais. Dessa forma, altera-se a característica de muitas dessas instituições, que deixam de ser passivas no atendimento às demandas do setor produtivo e passam a ter um comportamento proativo na captação de parceiros industriais. As unidades passam a ter que ir ao encontro das empresas para contribuir com as necessidades de soluções inovadoras dessas.

Esse esforço constante para identificar oportunidades de desenvolvimento de projetos de P&D e, posteriormente, para contratar esses projetos leva as UEs a atuarem muito além das fronteiras geográficas de seus estados. A Tabela 4 destaca a relação entre a unidade da Federação das UEs e a das empresas contratantes dos projetos. Percebe-se que os projetos contratados pelas empresas de São Paulo (46,1% do total da Embrapii) são, em sua maior parte, desenvolvidos fora do estado de São Paulo, com destaque para as UEs localizadas na Paraíba (13,3%), na Bahia (5%) e em Santa Catarina (4,4%). Essa informação reforça o esforço das UEs no sentido de atuarem no âmbito do território nacional e se tornarem referência no país nas suas respectivas áreas de competência.

TABELA 4
Distribuição dos projetos da Embrapii, por estado da UE e da empresa contratante setembro 2014-junho 2018 Em porcentagem

Esse esforço e essa capacidade de atuação nacional também podem ser comprovados quando se observa o comportamento das UEs dos diversos estados. As UEs da Bahia, de São Paulo e da Paraíba, por exemplo, desenvolvem projetos de P&D para empresas de nove unidades da federação; as UEs de Santa Catarina, para empresas de sete UFs. Portanto, essas informações reforçam uma mudança de postura no tocante à busca e contratação de projetos de inovação, no sentido de as UEs direcionarem sua atuação para o conjunto do território nacional.

As informações apresentadas nesta seção reforçam a característica de consolidação do modelo Embrapii como alternativa de desenvolvimento de soluções tecnológicas para a indústria brasileira. A tendência de crescimento constante dos projetos desenvolvidos, tanto em número quanto em valor, paralela ao aumento do número de empresas atendidas, da reincidência de empresas no desenvolvimento de projetos, da participação relativa dos recursos empresariais no fomento dos projetos desenvolvidos e do fator de alavancagem, reforça essa visão. Em termos de impacto nas Unidades credenciadas, nota-se que estas acabam implementando processos que as tornam agentes proativos no SNI brasileiro, atuando no conjunto do território nacional e superando várias barreiras apontadas na literatura, que limitam a interação entre ICTs e empresas.

5. Considerações finais

O estudo procurou apresentar os resultados gerais de uma ação, relativamente nova, do Estado brasileiro no incentivo ao desenvolvimento de projetos conjuntos de inovação entre empresas e ICTs. Como destacado, a Embrapii surgiu como uma instituição intermediária que, por meio de seu instrumento de recursos não reembolsáveis e uma rede de 42 Unidades Embrapii, procura aumentar a cooperação entre empresas e ICTs (Unidades Embrapii), estimulando, dessa maneira, a troca de conhecimento entre esses agentes, o que possibilita maior agregação de valor para o setor produtivo nacional. Nesse âmbito, os projetos que as UEs desenvolvem devem estar relacionados diretamente à demanda das empresas. Essa é uma característica essencial do modelo, pois proporciona uma mudança nos padrões tradicionais dessas interações no Brasil, em que as ICTs detinham o conhecimento e impunham às empresas o que tinham de conhecimento (SUZINGAN; ALBUQUERQUE, 2011). Assim, o Estado, a partir da Embrapii, aporta 1/3 do valor do portfólio de projetos com recursos não reembolsáveis, procurando estimular e induzir a parceria entre esses agentes do SNI. Como apresentado ao longo deste artigo, os dados demonstram que a Embrapii tem conseguido ter relativo sucesso na sua missão, pois a quantidade de projetos colaborativos entre empresas e UEs tem aumentado ano a ano de forma intensa.

Além disso, o modelo tem apresentado uma característica interessante, qual seja, de funcionar como alavancador de investimentos empresariais em projetos cooperativos. Isso pode ser comprovado pelo fato de, no modelo, as empresas terem que aportar pelo menos 1/3 do valor do portfólio dos projetos, no entanto, elas têm investido mais de 45%, na média dos projetos, o que demonstra relativo sucesso da iniciativa de inverter o padrão nacional, no qual o setor público investe mais em P&D do que o setor produtivo. Ainda nesse sentido, como as empresas têm que aportar recursos financeiros, os projetos são de seu interesse, e não da ICT. Portanto, percebe-se que, apesar do curto período de implementação, a Embrapii vem gerando resultados promissores em termos de desenvolvimento de projetos de P&D em cooperação entre as UEs e as empresas.

Em termos de desdobramentos analíticos e de uma agenda futura de pesquisa, cabe destacar que, em breve, novos elementos poderão ser introduzidos à análise. A avaliação do impacto dos projetos financiados e concluídos, no modelo Embrapii, pode revelar com maior precisão a eficácia da ação implementada. Num futuro próximo, no qual a massa de informações tende a se ampliar, será possível seguir este caminho. Outro ponto a ser avaliado refere-se a um detalhamento das empresas parcerias das UEs nos projetos de P&D. Esta análise permitirá verificar se o modelo Embrapii está ampliando a base de empresas inovadoras do país ou apenas consolidando a base existente. Uma análise mais profunda das tecnologias habilitadoras e suas respectivas áreas de aplicação também pode revelar como as novas tecnologias estão sendo difundidas e incorporadas em diferentes setores produtivos. Portanto, os resultados apresentados até o momento logram o sucesso da iniciativa em alcançar seus objetivos mais amplos. Em contrapartida, estudos adicionais serão necessários para melhor qualificar estes resultados.

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  • WESSNER, C. W. Committee on 21st century manufacturing: the role of the manufacturing extension. Washington, DC: National Research Council, 2013.
  • ZUCOLOTO, G. F.; NOGUEIRA, M. O. Inovação nas inovações ou mais do mesmo? O papel do BNDES no apoio ao desenvolvimento tecnológico. In: TURCHI, L. M.; MORAIS, J. M. de. (org.). Políticas de apoio à inovação tecnológica no Brasil: avanços recentes, limitações e propostas de ações. Brasília-DF: Ipea, 2017. p. 197-232
  • 1
    “Analisando o caso de Taiwan, Dogdson (2005) destaca a importância das intuições de pesquisa para as pequenas empresas do país: poucas empresas possuem seus próprios departamentos de pesquisa e desenvolvimento, o ITRI [Industrial Technology Research Institute] desempenha papel importante em empreender P&D e depois disseminar seus resultados para pequenas empresas de modo facilmente acessível” (DODGSON, 2005DODGSON, M. As políticas para ciência, tecnologia e inovação nas economias asiáticas de industrialização recente. In: KIM, L.; NELSON, R. R. (org.). Tecnologia, aprendizados e inovação - as experiências das economias de industrialização recente. Campinas: Editora Unicamp, 2005. p. 313-364., p. 349).
  • 2
    “The studies on collaborative R&D and innovation policies and programmes all suggest positive impacts in terms of input additionality, i.e. collaboration in research and innovation between research organisations and attention” (EDLER et al., 2013EDLER, J. et al. Impacts of innovation policy: synthesis and conclusions. London: Nesta, 2013 (Nesta Working Paper, n. 13/21)., p. 25).
  • 3
    Godkendte Teknologiske Serviceinstitutter.
  • 4
    A Embrapii é uma associação privada sem fins lucrativos, que foi qualificada pelo governo federal como organização social (Lei n. 9.637/1998), em 02/09/2013. A Embrapii possui contrato de gestão com o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações e com o Ministério da Educação, assinado em 02/12/2013. Esses dois ministérios são a fonte de recursos da instituição para apoio a projetos de P&D. No modelo de OS, os recursos oriundos do setor público perdem as características públicas e não precisam seguir a Lei n. 8.666/1993 (Lei de Licitações). Assim, a instituição segue suas próprias regras, mais compatíveis com o uso do recurso para fomento a atividades de inovação (EMBRAPII, 2016).
  • 5
    Em 2014, o total de dispêndio nacional em P&D em relação ao PIB era de 1,27%, dos quais o setor público respondia por 0,67% e os dispêndios empresarias por 0,60% (MCTIC/Indicadores - disponível em: <http://www.mctic.gov.br/mctic/opencms/indicadores/indicadores_cti.html>. Acesso em: 2 set. 2018).
  • 6
    Ver ISO/FDIS 16290:2013(E) Space systems - Definition of the Technology Readiness Levels (TRLs) and their criteria of assessment. International Organization for Standardization, Switzerland, 2013. 12p.
  • 7
    Muitas vezes, as Unidades Embrapii podem conseguir recursos de apoio de outras fontes, por exemplo, das fundações de amparo à pesquisa (FAP) de cada estado. Para facilitar esse processo, a Embrapii tem estabelecido parceria com as FAPs.
  • 8
    A Fraunhofer, por exemplo, possui laboratórios próprio de P&D.
  • 9
    Ressalta-se que, em 2017, duas unidades foram descredenciadas do sistema em função dos resultados insatisfatórios constatados no processo de avaliação.
  • 10
    Ressalta-se que o número de aproximadamente de dez propostas para uma credenciada foi obtido da seguinte forma: na chamada 2014/1 foram submetidas 87 cartas de manifestação e selecionadas dez instituições como Unidades Embrapii. Na chamada 2015/1 e 2 foram submetidas 110 cartas de manifestações de diferentes instituições ao processo e apenas dez ICTs foram credenciadas. Já na chamada 2016/1 foram submetidas 85 cartas de manifestações e credenciadas sete novas Unidades Embrapii. Portanto, no somatório destas três chamadas públicas de credenciamento de Unidades Embrapii destacadas, foram submetidas 282 cartas de manifestação de ICTs buscando o credenciamento e foram credenciadas 27 novas Unidades.
  • 11
    As ICTs, em muitos casos, têm competência em outras áreas, mas, no modelo Embrapii, possuem foco tecnológico restrito de operação.
  • 12
    Requisito para enquadramento das propostas nas chamadas públicas da Embrapii.
  • 13
    Em ralação ao TRL, destaca-se que a escala de maturidade ou prontidão tecnológica varia de 1 a 9, em função da observação de parâmetros atribuídos ao projeto, o qual pode consistir em nova ideia, conceito ou achado científico, constituir novo produto, processo, ou se integrar em sistema existente e inovador. De forma geral, TRLs de 1 (princípios básicos observados e reportados) a 2 (formulação de conceitos tecnológicos e/ou de aplicação) estão relacionados a tecnologias em estágios iniciais de desenvolvimento, muito próximas da pesquisa básica. Já TRLs de 3 a 6 referem-se à fase pré-competitiva da inovação, apontada na literatura como o “vale da morte” da inovação. Em contrapartida, TRLs de 7 (demonstração de protótipo do sistema em ambiente operacional), 8 (sistema qualificado e finalizado) e 9 (sistema operando e comprovado em todos os aspectos de sua missão operacional) referem-se a níveis de elevada maturidade tecnológica, muito próxima do produto/processo acabado e com risco tecnológico consideravelmente mais reduzido (SO/FDIS 16290:2013).
  • 14
    Disponível em: <http://www.oecd.org/sti/inno/innovation-indicators-2017.xlsx>. Acesso em: 2 set. 2018.

Apêndice I


Matriz de desenvolvimento tecnológico da Embrapii - distribuição de projetos, por área de aplicação, segundo tecnologia habilitadora Em porcentagem

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Jul-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    10 Out 2018
  • Revisado
    14 Jun 2019
  • Aceito
    25 Jul 2019
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