Acessibilidade / Reportar erro

Aloanticorpo anti-Diego (a) em gestante

Anti-Diego (a) alloantibody in pregnant

Resumos

O sistema de grupo sangüíneo Diego é composto principalmente por dois antígenos Diegoª (Diª) e Diego b (Di b). A prevalência de Diª na população caucasóide é rara com uma freqüência de aproximadamente de 0,02%, podendo gerar anticorpos que são clinicamente significantes em medicina transfusional e neonatal. O presente estudo relata anti-Diª em gestante caucasóide detectado nos exames realizados no pré-parto por meio do teste indireto de antigamaglobulina humana. Na amostra de sangue de cordão foi realizado o teste de antigamaglobulina direto e o resultado foi negativo, o fenótipo do recém-nascido revelou Di (a - b +); portanto, a criança não desenvolveu doença hemolítica perinatal. O estudo fenotípico realizado em toda a família revelou que a sensibilização materna provavelmente ocorreu na segunda gestação gemelar onde as duas crianças demonstraram a presença de antígeno Diª adquirido por herança paterna.

Aloimunização; anti-Diegoª; grupo sangüíneo Diego; incompatibilidade materno-fetal


The Diego blood group system is composed of two principal antigens Diegoª (Diª) and Diego b (Di b). In the Caucasian population the prevalence of Diª is rare with a frequency of about 0.02% and can lead to the production of antibodies that are important in newborn babies and in transfusional medicine. The present study reports on anti-Diª antibodies in a Caucasian pregnant woman, detected by indirect anti-globulin testing shortly before delivery. The direct anti-globulin test of the newborn's blood cord was negative because its phenotype was Di (a- b+). So the newborn did not develop any hemolytic diseases. A phenotyping study of the whole family was performed which revealed that probably the mother became sensitive during her second pregnancy of twins where the two children presented with the Diª antigen phenotype inherited from the father.

Alloimunization; anti-Di (a); Diego blood groups system


RELATO DE CASO CASE REPORT

Aloanticorpo anti-Diego (a) em gestante

Anti-Diego (a) alloantibody in pregnant

Célia R. G. SilvaI; Antonio O. C. JorgeII; Iracema M. V. HirtschIII

IProf. Assistente de Imunologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Taubaté/ Unitau

IIProf. Titular de Imunologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Taubaté/ Unitau

IIIDiretora Técnica do Núcleo de Hematologia e Hemoterapia — Taubaté

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Célia Regina Gonçalves e Silva Núcleo de Hemoterapia e Hematologia —Taubaté Hospital Universitário de Taubaté Av: Granadeiro Guimarães, 270, Centro 12020-130 — Taubaté-SP Tel.: (12) 36257500 E-mail: celiargs@ig.com.br

RESUMO

O sistema de grupo sangüíneo Diego é composto principalmente por dois antígenos Diegoa (Dia) e Diegob (Dib). A prevalência de Dia na população caucasóide é rara com uma freqüência de aproximadamente de 0,02%, podendo gerar anticorpos que são clinicamente significantes em medicina transfusional e neonatal. O presente estudo relata anti-Dia em gestante caucasóide detectado nos exames realizados no pré-parto por meio do teste indireto de antigamaglobulina humana. Na amostra de sangue de cordão foi realizado o teste de antigamaglobulina direto e o resultado foi negativo, o fenótipo do recém-nascido revelou Di (a - b +); portanto, a criança não desenvolveu doença hemolítica perinatal. O estudo fenotípico realizado em toda a família revelou que a sensibilização materna provavelmente ocorreu na segunda gestação gemelar onde as duas crianças demonstraram a presença de antígeno Dia adquirido por herança paterna.

Palavras-chave: Aloimunização; anti-Diegoª; grupo sangüíneo Diego; incompatibilidade materno-fetal.

ABSTRACT

The Diego blood group system is composed of two principal antigens Diegoa (Dia) and Diegob (Dib). In the Caucasian population the prevalence of Dia is rare with a frequency of about 0.02% and can lead to the production of antibodies that are important in newborn babies and in transfusional medicine. The present study reports on anti-Dia antibodies in a Caucasian pregnant woman, detected by indirect anti-globulin testing shortly before delivery. The direct anti-globulin test of the newborn's blood cord was negative because its phenotype was Di (a- b+). So the newborn did not develop any hemolytic diseases. A phenotyping study of the whole family was performed which revealed that probably the mother became sensitive during her second pregnancy of twins where the two children presented with the Dia antigen phenotype inherited from the father.

Key words: Alloimunization; anti-Di (a); Diego blood groups system.

Introdução

O grupo sangüíneo Diego foi descrito por Layrisse et al1 em 1955, por meio da descoberta do anticorpo correspondente em um indivíduo do sexo feminino na Venezuela, cujo recém-nascido apresentou doença hemolítica perinatal.

Esse sistema de grupo sangüíneo é constituído principalmente por dois pares independentes de antígenos Dia/Dib e Wra/Wrb, cada par contendo um antígeno de baixa incidência e um determinante antitético de alta incidência respectivamente, e por outros 17 antígenos menos expressivos.2,3 Para o par de antígenos Diego existe a possibilidade de três genótipos: Di (a- b+), Di (a+ b+) e Di (a+ b-).4

O antígeno Diegoª (Diª) é conhecido como um antígeno de baixa incidência (0,01%) entre caucasianos, entretanto apresenta-se com incidência maior entre índios americanos (36%) e em populações asiático-mongolóides: chinês (5%), japonês (12%) e coreano (6,4-14,5%).5,6 É considerado por esse motivo um marcador genético para a raça mongolóide, sendo significativo em estudos antropológicos.

Indivíduos que possuem genótipo Di (a- b+) podem sensibilizar-se quando da presença do antígeno Diª em hemácias provenientes de transfusão ou gestação desenvolvendo anticorpo anti-Diª, da classe IgG, geralmente envolvido em reações transfusionais e doenças hemolíticas perinatais por incompatibilidade materno-fetal. A maioria dos anti-Diª descritos foram detectados em gestantes, demonstrando ser essa a via principal de sensibilização.7 Doenças hemolíticas perinatais, incluindo casos severos foram esporadicamente informados no mundo.8,9,10

O objetivo do presente trabalho foi relatar a presença de anticorpo da classe IgG, com especificidade anti-Diª em gestante caucasóide, assim como demonstrar a distribuição do antígeno em sua família.

Relato do caso e investigação sorológica

Paciente G.R.B., da raça branca, 29 anos, natural de Tremembé, com história de duas gestações anteriores; na primeira gestação nasceu uma criança do sexo masculino e a segunda gestação de gêmeos, duas crianças do sexo feminino, todas saudáveis. A paciente não apresentava história transfusional pregressa. Fez acompanhamento pré-natal no serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Universitário de Taubaté. Conforme protocolos integrados entre os serviços de Obstetrícia e Imuno-hematologia deste hospital, foram realizados exames imuno-hematológicos de tipagem sangüínea ABO direta e reversa, tipagem sangüínea Rh e pesquisa de anticorpos irregulares eritrocitários através do teste de antiglobulina indireta (Coombs indireto), utilizando-se duas hemácias-teste selecionadas do grupo sangüíneo O, contendo antígenos comuns dos sistemas de grupos sangüíneos Rh, MNS, Lewis, P, Kell, Duffy, Kidd, Lutheran e Diego ( DiaMed) no sexto e oitavo mês gestacional. A paciente demonstrou grupo sangüíneo A (+) e o teste de antiglobulina indireta foi negativo nas duas investigações. No ato de internação para a realização do parto, a pesquisa de anticorpos irregulares foi novamente realizada e revelou a presença de anticorpo eritrocitário reagente na fase da antiglobulina humana. A especificidade do anticorpo detectado no soro da paciente foi determinada utilizando-se reagentes de hemácias (painel), contendo 11 diferentes hemácias de doadores de sangue do grupo O, fenotipadas e previamente selecionadas (DiaMed) e o resultado mostrou especificidade anti-Diª, com título de 32.

A criança nasceu clinicamente saudável sem nenhuma intercorrência, e amostra de seu sangue foi submetida a tipagem sangüínea ABO e Rh e teste de antiglobulina direta (TAD). Os resultados foram A+, e TAD negativo. A fenotipagem eritrocitária para o sistema Diego foi realizada na paciente e nos membros de sua família (Figura 1)


Discussão

O desenvolvimento de anticorpos anti-Diª em gestante ocorre principalmente por imunização da mulher no momento do parto quando o sangue do feto carregando antígenos Diegoª alcança a circulação materna, possibilitando o contato com seu sistema imunológico.7 Procedimentos como amniocentese, cordocentesi e coleta de amostras do vilos coriônico podem prover esse contato levando a sensibilização materna durante a gestação.11

A presença de anti-Diª na circulação de gestantes imunizadas normalmente não é demonstrado em investigações rotineiras, porque antígenos Diegoª normalmente não fazem parte do padrão de reagentes de hemácias fenotipadas selecionadas, devido à baixa freqüência em caucasóides e negros.12

No presente caso, a negatividade dos testes realizados no soro da paciente no sexto e oitavo mês gestacional ocorreu devido à ausência do antígeno Diegoª nas hemácias de triagem utilizadas. Na última investigação realizada no pré-parto, o teste de triagem para anticorpos eritrocitários foi positivo na fase de antiglobulina humana e após a identificação foi comprovado a presença no soro da paciente de anticorpo eritrocitário com especificidade Diegoª, essa positividade só foi possível devido à presença do antígeno Diegoª nas hemácias do triacel e painel utilizados na investigação.

Alves de Lima et al,7 em 1982, relataram doença hemolítica grave em um recém-nascido de uma mulher japonesa por anti-Diª. O anticorpo não foi detectado no soro da mãe durante a investigação pré-natal porque os reagentes de hemácias utilizados não continham o antígeno Diª, em decorrência da baixa freqüência do anticorpo na população caucasóide.

Park et al,12 em 2003, demonstraram a importância da inclusão de hemácias contendo antígenos Diª em reagentes de triagem e reagentes de hemácias de painel para a detecção e identificação de anticorpos do sistema Diego na população asiático-mongolóide. Os autores também concluíram que se antígenos diferentes são encontrados com maior freqüência em determinada raça, células contendo esses antígenos deveriam fazer parte dos reagentes de hemácias utilizados em exames de rotina transfusional e gestacional para investigação de anticorpos eritrocitários em qualquer população, por serem clinicamente significativos.

A inclusão de antígenos do sistema de grupo sangüíneo Diego já esta sendo realizada rotineiramente nos reagentes de hemácias (triacel e painel) utilizados pelo serviço em questão, o que possibilita a detecção precoce desses anticorpos em gestantes e também em pacientes politransfundidos, gerando maior segurança diagnóstica.

O recém-nascido não apresentou sinais clínicos de anemia hemolítica perinatal, possivelmente por não apresentar antígeno Diª nas hemácias, como demonstrou a fenotipagem Diego realizada (Figura 1).

Baseado na fenotipagem eritrocitária para sistema Diego realizada na família da paciente verificou-se que a sensibilização ocorreu na segunda gestação gemelar, onde as duas crianças apresentaram o antígeno Diegoª, adquirido por herança paterna (Figura 1).

Verificou-se também, no presente caso, através de relatos familiares, que a avó paterna do recém-nascido era de origem indígena.

Recebido: 13/12/2004

Aceito após modificações: 28/12/2004

Avaliação: Editor e dois revisores externos.

Conflito de interesse: não declarado

  • 1. Larysse M, Arrends T, Domínguez SR. Nuevo grupo sanguíneo encontrado em descendientes de Índios. Acta Med Venezolana 1955;3:132-8.
  • 2. Mollison PL, Engelfriet CP, Contreras M. Transfusion in Clinical Medicine. 10th ed. Oxford: Blackwell Science, 1997; 201-2.
  • 3. Brecher ME. Technical Manual. 14th ed. Bethesda, Maryland: American Association of Blood Banks. 2002;315-92.
  • 4. Thompson PR, Childers DM, Hatcher DE. Anti-Di (b): first and second examples. Vox Sang 1967;13:314-8.
  • 5. Harmening DM. Modern blood banking and transfusion practices. 4th ed. Philadelphia: F. A. Davis Co., 1999;200-12.
  • 6. Komatsu F, Hasegawa K, Yanagisawa Y et al. Prevalence of Diego blood group Di (a) antigen in Mongolians: comparison with that in Japanese. Transfusion Apheresis Science 2004; 30:119-124.
  • 7. Alves de Lima LM, Berthier ME, Sad WE et al. Characterization of an anti-Di(a) antibody causing hemolytic disease in a newborn infant. Transfusion 1982;22:246-7.
  • 8. Kusnierz- Alejska G, Bochenek S. Haemolytic disease of the newborn due to anti-Di (a) and incidence of the Di (a) antigen in Poland. Vox Sang 1992;62:124-126.
  • 9. Peng CS, Soong WJ, Hu HY, Huang B. Hemolytic disease of the newborn due to anti-Di (a): report of one case. Zhonghua Min Guo Xiao Er ke Yi Xue Hui Za Zhi 1996;37(5):370-2.
  • 10. Hundric-Haspl Z. Case Report: anti-Diego (a) red blood cell alloantibody as a possible cause of anemia in a 3-week-old infant. Arc Med Res 2003;34:149-151.
  • 11. Mollison PL, Engelfriet CP, Contreras M. Blood transfusion in clinical medicine. Oxford, UK: Blackwell Science: 1998.
  • 12. Park TPS, Oh SH, Choi JC et al. The clinical significance of antibody screening test including Di (a) panel cell in Asian-Mongoloid populations. J Korean Med Sci 2003;18:669-72.
  • Endereço para correspondência
    Célia Regina Gonçalves e Silva
    Núcleo de Hemoterapia e Hematologia —Taubaté
    Hospital Universitário de Taubaté
    Av: Granadeiro Guimarães, 270, Centro
    12020-130 — Taubaté-SP
    Tel.: (12) 36257500
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Abr 2005
    • Data do Fascículo
      Dez 2004

    Histórico

    • Recebido
      13 Dez 2004
    • Aceito
      28 Dez 2004
    Associação Brasileira de Hematologia e Hemoterapia e Terapia Celular R. Dr. Diogo de Faria, 775 cj 114, 04037-002 São Paulo/SP/Brasil, Tel. (55 11) 2369-7767/2338-6764 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: secretaria@rbhh.org