Acessibilidade / Reportar erro

Reconstituição imunológica após o transplante de medula óssea alogênico

Immunology reconstitution after allogeneic bone marrow transplantation

Resumos

Após a transplantação de células progenitoras hematopoiéticas, todos os receptores desenvolvem um período de profunda neutropenia e imunodeficiência que é significativamente responsável pelas graves complicações infecciosas que ocorrem após o transplante. Devido ao intensivo regime de condicionamento pré-transplante, tanto a resposta celular quanto a humoral estão severamente comprometidas. A reconstituição imunológica é um importante componente para o sucesso do transplante, não somente porque os defeitos imunes estão relacionados à morbidade pós-transplante, mas também porque eles podem influenciar o risco de recaída e o desenvolvimento de malignidades secundárias após o transplante. Este estudo apresenta uma revisão sobre as principais variáveis envolvidas na reconstituição imunológica, após o transplante de medula óssea alogênico: uma falta de manutenção da imunidade antígeno-específica do doador, uma deficiência na reconstituição da ontogenia linfóide, as diferenças de histocompatibilidade entre doador e receptor, o efeito da GVHD e suas terapias e, a redução na função tímica do receptor.

Reconstituição imune; transplante de medula óssea; vacinação


After the hematopoietic progenitor cell transplantation, all receptors experience a period of profound neutropenia and immunodeficiency that is responsible for a significant number of the serious infectious complications that can occur after a transplant. Due to the intensive regimen of pre-transplant conditioning, both cellular and humoral responses are greatly affected. Immune reconstitution is an important component of successful bone marrow transplantation, not only because immune defects are related to infectious post-transplant morbidity, but also because they may influence the risk of relapse and the development of secondary malignancies after transplantation. This study gives a revision about the primary variables involved in immunologic reconstitution, after allogeneic bone marrow transplantation: a lack of sustained transference of donor antigen-specific immunity, a deficiency in the lymphoid ontogeny reconstitution, histocompatibility differences between donor and receptor, the effect of GVHD and its therapy, and decreased thymic function of the receptor.

Immune reconstitution; bone marrow transplantation; vaccination


REVISÃO REVIEW

Reconstituição imunológica após o transplante de medula óssea alogênico

Immunology reconstitution after allogeneic bone marrow transplantation

Maria A. L. ReisI; Jeane E. L. VisentainerII

IEspecialista em Ciências da Saúde, Departamento de Análises Clínicas, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, Brasil

IIProfessora de Imunologia (PhD), Departamento de Análises Clínicas, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Jeane Eliete Laguila Visentainer Departamento de Análises Clínicas — Universidade Estadual de Maringá Av. Colombo, 5.790 87020-900 — Maringá-PR — Brasil Tel: (44) 261-4347 — Fax: (44) 261-4431 e-mail: jelvisentainer@uem.br

RESUMO

Após a transplantação de células progenitoras hematopoiéticas, todos os receptores desenvolvem um período de profunda neutropenia e imunodeficiência que é significativamente responsável pelas graves complicações infecciosas que ocorrem após o transplante. Devido ao intensivo regime de condicionamento pré-transplante, tanto a resposta celular quanto a humoral estão severamente comprometidas. A reconstituição imunológica é um importante componente para o sucesso do transplante, não somente porque os defeitos imunes estão relacionados à morbidade pós-transplante, mas também porque eles podem influenciar o risco de recaída e o desenvolvimento de malignidades secundárias após o transplante. Este estudo apresenta uma revisão sobre as principais variáveis envolvidas na reconstituição imunológica, após o transplante de medula óssea alogênico: uma falta de manutenção da imunidade antígeno-específica do doador, uma deficiência na reconstituição da ontogenia linfóide, as diferenças de histocompatibilidade entre doador e receptor, o efeito da GVHD e suas terapias e, a redução na função tímica do receptor.

Palavras-chave: Reconstituição imune; transplante de medula óssea; vacinação.

ABSTRACT

After the hematopoietic progenitor cell transplantation, all receptors experience a period of profound neutropenia and immunodeficiency that is responsible for a significant number of the serious infectious complications that can occur after a transplant. Due to the intensive regimen of pre-transplant conditioning, both cellular and humoral responses are greatly affected. Immune reconstitution is an important component of successful bone marrow transplantation, not only because immune defects are related to infectious post-transplant morbidity, but also because they may influence the risk of relapse and the development of secondary malignancies after transplantation. This study gives a revision about the primary variables involved in immunologic reconstitution, after allogeneic bone marrow transplantation: a lack of sustained transference of donor antigen-specific immunity, a deficiency in the lymphoid ontogeny reconstitution, histocompatibility differences between donor and receptor, the effect of GVHD and its therapy, and decreased thymic function of the receptor.

Key words: Immune reconstitution, bone marrow transplantation, vaccination.

Introdução

O transplante de medula óssea (TMO) é utilizado para restaurar a hematopoiese normal após regimes de quimioterapia ou quimio-radioterapia mieloablativa e imunossupressora.

Este processo requer ambas as linhagens de células progenitoras hematopoiéticas (linfóide e mielóide) para a "pega" do enxerto, e a presença de progenitores primitivos para efetuar o longo período de reconstituição do novo sistema imune.1

Nos transplantes de células progenitoras hematopoiéticas, o sistema imune do receptor deve sofrer uma ablação praticamente total, numa tentativa de não se estabelecer uma resposta de rejeição às células progenitoras transplantadas. Assim, os receptores precisam submeter-se a um procedimento denominado regime de condicionamento pré-transplante. Nesta fase, ocorre um rápido declínio nos leucócitos do receptor presentes no sangue periférico. Esta taxa de declínio observada depende, até certo ponto, do extenso regime de condicionamento utilizado.

Após esta etapa, realiza-se a transferência de células progenitoras do doador para o receptor com o objetivo de recuperar a hematopoiese. Realizada a transplantação das células progenitoras hematopoiéticas, a reconstituição da medula óssea consiste de dois fenômenos distintos: a recuperação numérica dos elementos celulares da medula e a recuperação funcional das interações celulares.

A recuperação funcional dos linfócitos e das células imunes efetoras ocorre gradualmente, podendo demorar um ano ou mais para o receptor desenvolver uma imunidade celular e humoral adequada.1 Esta recuperação é dependente de fatores que envolvem a idade do receptor, a patologia inicial, as diferenças no Complexo Principal de Histocompatibilidade (CPH) e em antígenos de histocompatibilidade secundários, a depleção das células-T, a terapia de condicionamento e prevenção da doença do enxerto contra o hospedeiro (do inglês, GVHD), as complicações pós-transplante tanto na GVHD aguda como crônica, bem como a recaída de doenças e estados infecciosos prévios ao transplante. Esta deficiência imune que persiste por anos em pacientes que recebem o TMO alogênico é uma das principais causas de morbidade e mortalidade.2,3 Embora o reaparecimento de neutrófilos e plaquetas seja considerado o ponto final da recuperação hematológica, após intensa quimio e/ou radioterapia e o transplante de medula, a reconstituição imunológica é um componente essencial desta etapa para o sucesso do transplante,1,4-6 a qual tem papel essencial na defesa contra agentes patogênicos.7,8

Os neutrófilos presentes no inóculo do doador têm um pequeno impacto no número de células circulantes no receptor, embora, linfócitos maduros presentes no enxerto tenham demonstrado contribuir funcionalmente para a imunidade do receptor no período pós-transplante.8,9

A via mais eficiente para reconstituir o repertório de linfócitos T, após o TMO alogênico, é a via T-dependente.10 Esta via representa uma retomada da ontogenia da célula-T e envolve rearranjos dos genes de receptores da célula-T.10,11 Células T geradas por esta via mantêm uma diversidade de repertório e imunocompetência a vários antígenos. Outra via de reconstituição de células-T pode ser a via de expansão periférica, ou seja, a proliferação de células-T maduras presentes no enxerto.10,11 Devido à destruição da hematopoiese do hospedeiro pela radiação, a reconstituição acelerada das células-T do hospedeiro certamente resulta das células-T maduras radiorresistentes.

Segundo Sackstein (1995),12 a natureza da migração dos linfócitos, em tecido linfóide ou não linfóide, após o transplante, é um fator adicional ao imunocomprometimento pós-transplante. Existe uma evidência crescente de que a capacidade da migração linfocitária para os linfonodos está comprometida após o transplante e estas alterações na migração dos linfócitos e na concentração destas células nos órgãos linfóides secundários contribuem para retardar a recuperação imune.

Reconstituição da resposta celular

Quando o sangue periférico do receptor começa a ser restaurado, surgem os primeiros granulócitos, seguidos dos linfócitos, bem como das hemácias e plaquetas. Os leucócitos normalmente começam a repovoar o tecido sangüíneo durante a segunda ou terceira semana após o transplante. Neste período, os neutrófilos e monócitos, recentemente formados, já parecem ser capazes de executar as suas mais importantes funções, tais como a fagocitose dos antígenos.7

Os grandes linfócitos granulares com atividade Natural Killer (NK) constituem a maior porção de linfócitos repovoando o sangue periférico após o início do enxerto. Estas células são capazes de produzir citocinas e, portanto, têm um importante papel na regulação da hematopoiese.13 As células NK caracteristicamente apresentam o fenótipo CD3-CD16+CD56+ e alcançam níveis normais durante o primeiro ano pós-transplante.14 Esta células são importantes no início da recuperação imunológica principalmente na proteção contra infecções.

O número de monócitos no sangue retorna ao normal rapidamente após o transplante. A função dos monócitos após o transplante de medula tem sido menos estudada que a função das células T e B; mas, segundo trabalhos de Witherspoon et al (1986) e Storek et al (1995),9,15 todos os parâmetros examinados aparecem predominantemente normais. Os linfócitos T e B, no entanto, demoram um pouco mais para se recuperarem e a atividade funcional destas células permanece suprimida por um período de tempo maior.

Este atraso na atividade funcional dos linfócitos, segundo Witherspoon et al (1986),9 é devido a duas razões principais: (a) estas células estão sofrendo ontogenia dentro de um ambiente relativamente alogênico, no adulto, onde existem freqüentemente, diferenças de histocompatibilidade maiores e menores entre o doador e o receptor; e, ainda porque (b) há um intervalo de tempo, razoavelmente considerável, entre o desenvolvimento funcional dos linfócitos e sua migração para os órgãos linfóides específicos. Um outro fator essencial para a supressão da função linfocitária é a administração de agentes imunossupressores pós-transplante que o receptor precisa receber, com o objetivo principal de minimizar os efeitos e a gravidade da GVHD. Drogas, como a ciclosporina-A e, especialmente, o metotrexato, utilizadas para a profilaxia da GVHD, resultam na destruição seletiva de linfócitos-T antígeno-específicos.

A reconstituição do sistema imune do receptor exige a formação de novos linfócitos-T antígeno-específicos, derivados das células progenitoras hematopoiéticas do doador. A formação destes novos linfócitos é dependente da função tímica do receptor, a qual vai diminuindo em função da idade. Em pesquisas com indivíduos não-transplantados, investigações de Parkman et al (1997)8 têm demonstrado uma correlação inversa entre a idade e a capacidade do paciente (recebendo quimioterapia) para a geração de linfócitos virgens (CD4+CD45RA+). Os linfócitos-T virgens, capazes de se diferenciarem em células-T antígeno-específicas, respondem pela manutenção da imunidade celular e humoral nos receptores de células progenitoras hematopoiéticas transplantadas. Desta forma, em pacientes adultos, esta deficiência é mais grave.16

O sistema linfóide do receptor pode ser prejudicado também pelas manifestações da GVHD. O timo pode ser selecionado como um órgão-alvo, assim como a pele, o fígado e o intestino, segundo as observações de Witherspoon et al (1986).9 Manifestações como hipocelularidade linfóide e atrofia com destruição tissular são características histológicas marcantes da GVHD em grau moderado ou grave.

Em geral, o processo de reconstituição imunológica, após o TMO, assemelha-se ao do desenvolvimento imune no início da vida embrionária. Entretanto, estudos e ensaios de Storek et al (1995)15 exibiram resultados fenotípicos sugerindo alguns sinais de discrepâncias entre o desenvolvimento das células-T no período embrionário e após o enxerto.

O timo no início da vida é bem desenvolvido, e, com o avançar da idade, naturalmente involuído, mas, ainda assim, conserva o potencial para o processo de diferenciação das células-T. Após o transplante, a função tímica é comprometida pelos efeitos da radiação, das drogas citotóxicas e da GVHD. Embora o timo seja o maior sítio de diferenciação das células-T, ele não é o único local de desenvolvimento desta população de células. A diferenciação das células-T pode ocorrer também através de vias extratímicas, na mucosa intestinal e no fígado.17-19

A contagem das células sangüíneas T CD4+ é supranormal durante o desenvolvimento fetal e neonatal e na infância; esse número, no entanto, é reduzido a níveis subnormais após o transplante, permanecendo assim depois de um ano após o enxerto medular em pacientes adultos.20,21 Dentre a subpopulação de linfócitos-T CD4+, células virgens (CD4+CD45RA+) são menos freqüentes que aquelas associadas com a memória (CD4+CD45RO+) após o transplante.

Em contraste com a ontogenia normal, os marcadores CD28, CD25 e CD69 não são usualmente expressos durante o primeiro ano após o transplante20. Em pacientes adultos normais, isto é, não-transplantados, a contagem de CD4 é maior que a de CD8; nos receptores de transplante, ocorre o inverso, o receptor apresenta uma limitada habilidade para produzir células-T CD4+ virgens. O epitélio tímico, segundo Kast et al (1984),22 tem demonstrado representar um papel mais importante no desenvolvimento de células-T helper do que na diferenciação de células-T citotóxicas. Como parece capaz de produzir células-T CD8+ virgens, indaga-se se isto poderia ser devido à produção extratímica destas células.18,19 Estudos em animais têm demonstrado que seguindo a transplantação, a expansão de linfócitos-T derivados do doador pode ocorrer em animais timectomizados.23

A proliferação das células-T, bem como a produção de imunoglobulinas, permanecem deficientes, normalmente, até a segunda metade do primeiro ano pós-transplante.

Reconstituição da resposta humoral

A recuperação quantitativa das células-B circulantes ocorre seguindo algumas etapas distintas; inicialmente, a contagem das células B permanece pouco detectável num período de três a seis meses após o transplante; esta contagem, no entanto, aumenta rapidamente, conduzindo a um nível supranormal entre seis a 24 meses depois do transplante, seguida de uma subseqüente normalização, provavelmente durante os anos seguintes.24

No início do período pós-transplante, todos os estágios programados da célula-B (ativação, proliferação e diferenciação em células produtoras de imunoglobulinas) falham. Os rearranjos dos genes das imunoglobulinas após o transplante são mais consistentes com uma ativação policlonal dos linfócitos-B.19 As mutações somáticas ocorrem com menos freqüência nestes pacientes que em indivíduos adultos normais. Este fato pode bloquear a maturação da afinidade dos anticorpos, gerando anticorpos inespecíficos.

Segundo Small et al (1990),25 o número relativo e absoluto de células circulantes expressando CD19 e CD20, dois marcadores das células B maduras, aparece diminuído durante os três primeiros meses após o transplante. Além disso, durante o primeiro ano pós-transplante, a maioria das células B expressa marcadores de fenótipos indiferenciados, como CD23 e CD38.

Quando não há desenvolvimento de GVHD crônica, a ativação, proliferação e secreção de IgM gradualmente retorna ao normal. A única anormalidade que persiste por mais de um ano após o transplante é a produção insuficiente de IgG e IgA.8,9 Em pacientes que desenvolveram GVHD crônica, defeitos nos processos de ativação, proliferação e diferenciação tendem a persistir por cerca de um ano após o transplante.15 A GVHD clínica ou subclínica deve resultar em baixa produção de citocinas Th2 (IL-4, IL-5, IL-6), impedindo a troca de classes de IgM para IgA ou para IgG.

O nível de imunoglobulinas do soro decresce, chegando perto ou permanecendo abaixo do nível normal durante as três primeiras semanas pós-transplante. Elas retornam aos níveis normais nos meses e anos seguintes à transplantação; o nível de IgM normaliza-se dentro de semanas, IgG1 e IgG3 dentro de meses, enquanto os níveis de IgG2, IgG4 e IgA normalizam-se dentro de anos após o transplante.26 Em um grande estudo randomizado realizado por Sullivan et al (1990),27 houve uma redução na incidência de septicemia por gram-negativos e infecções locais em pacientes recebendo Ig intravenosa, assim como significante diminuição na incidência de GVHD aguda em pacientes que receberam Ig intravenosa comparados àqueles que não receberam. Estes dados sugerem que o papel da Ig intravenosa resultou em um efeito imunorregulatório especialmente na prevenção de GVHD.

Efeitos da GVHD na reconstituição imunológica

De maneira geral, a GVHD é causada pela reação das células-T maduras, enxertadas no inóculo, contra os aloantígenos do hospedeiro. A GVHD aguda após o transplante de células progenitoras hematopoiéticas histocompatível possui um pequeno efeito no tempo de reconstituição linfóide. Experimentos com camundongos têm demonstrado que a GVHD aguda produz defeitos na função tímica, incluindo uma reduzida capacidade de produzir linfócitos-T periféricos funcionais.28

Além disso, o uso de imunossupressores para a profilaxia da GVHD pode contribuir para esta deficiência. A ciclosporina pode inibir a diferenciação de timócitos duplo-positivos em timócitos CD3+ simples-positivos.29

Um número reduzido de linfócitos-T virgens também foi observado em pacientes que desenvolveram GVHD crônica e receberam terapia imunossupressora.15 Outros estudos mostraram uma diminuição no número e função de linfócitos-T CD4+, além de um aumento de linfócitos-T supressores CD4+ e CD8+ em pacientes com GVHD crônica.30 Durante episódios de GVHD, defeitos na função dos linfócitos-B que resultam da falta de responsividade normal para a estimulação dos linfócitos-T têm sido identificados.15,17,21

As anormalidades mais aparentes são vistas na GVHD crônica. Os receptores normalmente apresentam uma capacidade diminuída para desenvolver respostas de linfócitos-T antígeno-específicos, bem como para produzir anticorpos específicos. Há ainda uma incidência aumentada para a produção de auto-anticorpos e uma inabilidade de realizar troca de classes de anticorpos de IgM para IgG e para IgA, os quais são eventos dependentes de células T.

Reimunização após transplante de medula óssea

Com o regime de condicionamento realizado antes do TMO, os receptores perdem a memória imunológica a agentes infecciosos e vacinas realizadas ao longo da vida. Esta perda de imunidade protetora vem sendo demonstrada em pacientes submetidos ao transplante e, conseqüentemente um programa de reimunização após o TMO é necessário para assegurar imunidade.31-35

Os mais recentes protocolos de vacinas recomendadas no pós-transplante de medula, assim como uma extensa discussão sobre sua efetividade, podem ser encontrados em uma recente revisão realizada por Machado (2004).36 A maioria dos centros transplantadores tem recomendado a vacinação com toxóide diftérico um ano após o TMO, mas múltiplas doses dois a seis meses após o transplante parecem ser mais efetivas que uma dose única.37

Com relação à vacina com toxóide tetânico, os resultados parecem conflitantes. Enquanto alguns pesquisadores têm observado uma imunidade duradoura após a imunização,38 outros observaram que somente 50% dos receptores conseguiram manter esta proteção.32

A vacinação com polissacarídeos de pneumococos não têm mostrado resultados satisfatórios, pois requer um sistema imune maduro para obtenção da resposta máxima. A maioria destas vacinas é pobremente imunogênica em pacientes transplantados.39 Esta falta de resposta humoral aos antígenos polissacarídeos pode ser mais prolongada em pacientes com GVHD crônica.40

A vacinação para o vírus influenza é recomendada para os pacientes imunossuprimidos.41 Os resultados de vários estudos indicaram que pelo menos duas doses da vacina podem ser administradas, seguramente e efetivamente, quatro meses após o TMO.42,43

A vacina para o poliovírus também é altamente recomendada no pós-transplante. Estudos mostraram que vacinas contendo o poliovírus inativado realizadas logo após o TMO (6, 8 e 14 meses) e mais tarde (18, 20 e 26 meses) foram similarmente imunogênicas.44

Outros vírus, como o citomegalovírus, também podem ser combatidos com o uso de vacinação.45 Esta imunização pode ser de grande valor em situações de transplante já que este vírus está associado a graves complicações em pacientes transplantados e imunossuprimidos.

A imunidade ao sarampo diminui continuamente após o transplante.29 A vacinação com vírus vivos atenuados foi avaliada em termos de segurança e eficácia por Machado et al (2002).34 Os autores relataram a não ocorrência de efeitos graves decorrentes da vacinação e a ocorrência de resposta à vacina de todos os pacientes imunizados. Desta forma, em países onde a doença ainda não foi erradicada, esta estratégia de vacinação pode ser realizada com segurança.

Outras vacinas estão sendo testadas em pacientes transplantados. Hata et al (2002),46 recentemente, demonstraram que quatro doses de uma vacina para varicela inativada, administradas antes do TMO e durante os primeiros noventa dias após o transplante, reduziram o risco de varicela zoster em receptores de TMO autólogo.

A vacinação contra a hepatite B tem sido recomendada após o primeiro ano da transplantação em países onde a infecção é comum e em casos de crianças. Machado et al (1996)47 avaliaram a sua efetividade e observaram que a manutenção da imunidade foi maior em crianças e em pacientes que não desenvolveram a GVHD crônica. Quanto à vacina contra a hepatite A, não existem dados sobre o seu uso em pacientes transplantados. A vacina poderia ser de grande importância em crianças e pacientes que passam por áreas endêmicas.

O processo de imunização seguindo o TMO deve levar em consideração a ocorrência de GVHD crônica. Pacientes com esta doença raramente desenvolvem uma imunidade protetora após as vacinações, mesmo após repetidas imunizações. Eles são inaptos a produzir novos linfócitos-T CD4+, portanto têm dificuldade em responder a novos estímulos antigênicos. Desta forma, as vacinações contendo os vírus do sarampo, coqueluche, rubéola e varicela não são recomendadas para estes pacientes, devido ao risco proeminente do uso de vírus vivos atenuados. Nestes casos, o uso de anti-Ig pode ser eficaz como terapia protetora.40

Conclusões

Os receptores de transplantes de células progenitoras hematopoiéticas desenvolvem uma imunodeficiência que varia na gravidade e duração, devido a fatores individuais que acometem o receptor. Entre os fatores que contribuem para o imunocomprometimento pós-transplante estão: uma deficiência na reconstituição da ontogenia linfóide, uma falta de manutenção da imunidade específica do doador, o efeito da GVHD e sua terapia e, uma redução na função tímica do receptor.

A recuperação de um sistema imunológico competente e capaz de defender o receptor transplantado contra agentes patógenos é de vital importância para o sucesso do transplante. Para pacientes com um curso pós-transplante sem complicações, as funções imunológicas normais serão alcançadas em aproximadamente um ano.

No geral, o padrão de reconstituição imune em pacientes submetidos ao TMO alogênico é o surgimento de células-T CD4+CD4RO+ nos primeiros dias após o transplante; a inversão da razão CD4+:CD8+ nos dias que se seguem; e, a rápida normalização da contagem de células NK (CD16+CD56+). Com relação à produção de anticorpos, a ativação, proliferação e secreção de IgM gradualmente retorna ao normal. A única anormalidade que persiste por mais de um ano após o transplante é a produção insuficiente de IgG e IgA. No entanto, algumas complicações que ocorrem após o transplante podem interferir na recuperação imunológica do receptor, aumentando este tempo para três anos ou mais.

A deficiência de linfócitos-T antígeno-específicos pode se prolongar devido à involução tímica que se observa após o TMO alogênico. Esta deficiência tímica parece estar associada à idade e à coexistência da GVHD. Dependendo da gravidade da doença, o timo pode ser lesionado como uma conseqüência da resposta imune. Além disso, para amenizar os efeitos da GVHD, novas doses de imunossupressores são ministradas, podendo agravar a imunodeficiência.

A redução na incidência de GVHD e da sua terapia associada, e a disponibilidade de citocinas, possivelmente a IL-7, que possam compensar o decréscimo da função do timo, podem ser importantes alternativas para a redução da imunodeficiência pós-transplante.

Finalmente, com o objetivo de recuperar a memória imunológica perdida, devido ao regime de condicionamento no período pré-transplante, um novo processo de imunização deve ser iniciado nestes pacientes.

Recebido: 25/07/2004

Aceito após modificações: 31/08/2004

Avaliação: Editor e dois revisores externos.

Conflito de interesse: não declarado

  • 1. Reiffers J, Goldman JM, Armitage JO (eds): Blood Stem Cell Transplantation, Martin Dunitz, London, 1998, p157-70.
  • 2. Atkinson K, Farewell V, Storb R et al. Analysis of late infections after human bone marrow transplantation: role of genotypic nonidentity between marrow donor and recipient and of nonspecific suppressor cells in patients with chronic graft-versus-host disease. Blood 1982;60:714-20.
  • 3. Ochs L, Shu XO, Miller J et al. Late infections after allogeneic bone marrow transplantation: comparison of incidence in related and unrelated donor transplant recipients. Blood 1995; 86:3.979-86.
  • 4. Miller J, Mathew J, Garcia-Morales R et al. The human bone marrow as an immunoregulatory organ. Transplantation 1999; 68:1.079-90.
  • 5. Raaphorst FM. Reconstitution of the B cell repertoire after bone marrow transplantation does not recapitulate human fetal development. Bone Marrow Transplant 1999;24:1.267-72.
  • 6. Spangrude GJ, Cooper DD. Paradigm shifts in stem-cell biology. Semin Hematol 2000;37:3-10.
  • 7. Atkinson K. Risk factors for chronic graft-versus-host disease after HLA-identical sibling bone marrow transplantation. Blood 1990; 75:2.459-64.
  • 8. Parkman R, Weinberg KI. Immunological reconstitution following bone marrow transplantation. Immunol Rev 1997;157:73-8.
  • 9. Witherspoon RP, Goehle S, Kretschmer M et al. Regulation of immunoglobulin production after human marrow grafting: the role of helper and suppressor T cells in acute graft-versus-host disease. Transplantation 1986;41:328-35.
  • 10. Mackell CL, Gress RE. Pathways of T-cell regeneration in mice and humans: implications for bone marrow transplantation and immunotherapy. Immunol Rev 1997;157:61-72.
  • 11. Lum LG. The kinetics of immune reconstitution after human marrow transplantation. Blood 1987;69:369-80.
  • 12. Sackstein R. Lymphocyte migration following bone marrow transplantation. Ann N Y Acad Sci 1995;770:177-88.
  • 13. Dokhelar MC, Wiels J, Lipinski M et al. Early reappearance of peripheral natural killer activity in graft-versus-host disease. Transplantation 1981;86:1.347-51.
  • 14. Roberts MM, To LB, Gillis D et al. Immune reconstitution, autologous marrow transplantation and allogeneic bone marrow transplantation. Bone Marrow Transplant 1993;12:469-75.
  • 15. Storek J, Witherspoon RP, Storb R. T cell reconstitution after bone marrow transplantation into adult patients does not resemble T cell development in early life. Bone Marrow Transplant 1995;16:413-25.
  • 16. Small TN, Papadopoulos EB, Boulad F et al. Comparison of immune reconstitution after unrelated and related T-cell-depleted bone marrow transplantation: effect of patient age and donor leukocyte infusions. Blood 1999;93:467-80.
  • 17. Rocha B, Guy-Grand D, Vassalli P. Extrathymic T cell differentiation. Curr Opin Immunol 1995;7:235-42.
  • 18. Dejbakhsh-Jones S, Jerabek L, Weissman IL et al. Extrathymic maturation of ab T cells from hematopoietic stem cells. J Immunol 1995;155:3.338-44.
  • 19. Guillaume T, Rubinstein DB, Syman M. Immune reconstitution and immunotherapy after autologous hematopoietic stem cell transplantation. Blood 1998;92:1.471-90.
  • 20. Milosevits J, Pócsik é, Schmidt B et al. Immunophenotypic and functional characteristics of haemopoietic cells from human cord blood. Scand J Immunol 1995;42:493-500.
  • 21. Fujimaki K, Maruta A, Yoshida M et al. Immune reconstitution assessed during five years after allogeneic bone marrow transplantation. Bone Marrow Transplant 2001;27:1.275-81.
  • 22. Kast WM, De Waal, Melief CJM. Thymus dictates major histocompatibility complex (MHC) specificity and immune response gene phenotype of class II MHC-restricted T cells but not of class I MHC restricted T cells. J Exp Med 1984;160:1.752-66.
  • 23. Mackall CL, Granger L, Sheard MA et al. T-Cell Regeneration after bone marrow transplantation: differential CD45 isoform expression on thymic-derived versus thymic-independent progeny. Blood 1993;82:2.585-94.
  • 24. Leitenberg D, Rapperport JM, Smith BR. B-cell precursor bone marrow reconstitution after bone marrow transplantation. Am J Clin Pathol 1994;102:231-6.
  • 25. Small TN, Keever CA, Weiner-Fedus S et al. B-cell differentiation following autologous, conventional, or depleted bone marrow transplantation: a recapitulation of normal B-cell ontogeny. Blood 1990;76:1.647-56.
  • 26. Sheridan JF, Tutschka PJ, Sedmak DD et al. Immunoglobulin G subclass deficiency and pneumococcal infection after allogeneic bone marrow transplantation. Blood 1990;75:1.583-6.
  • 27. Sullivan KM, Kopecky KJ, Jocom J et al. Immunomodulator Y and antimicrobial efficacy of intravenous immunoglobulin in bone marrow transplantation. N Engl J Med 1990;323:705-12.
  • 28. Seddik M, Seemayer TA, Lapp WS. T cell functional defect associated with thymic epithelial injury induced by a graft-versus-host reaction. Transplantation 1980;29:61-6.
  • 29. Jenkins MK, Schwartz RH, Pardoll DM. Effects of cyclosporine A on T cell development and clonal deletion. Science 1988;241:1.655-1.658.
  • 30. Hansen JA, Atkinson K, Martin PJ et al. Human T-lymphocyte phenotypes after bone marrow transplantation. T cells expressing Ia-like antigen. Transplantation 1983;36:277-81.
  • 31. Ljungman P, Fridell E, Lonngvist B et al. Efficacy and safety of vaccination of marrow transplant recipients with a live attenuated measles, mumps, and rubella vaccine. J Infectious Dis 1989;159:610-5.
  • 32. Ljungman P, Wiklund-Hammarsten M, Duraj V et al. Response to tetanus toxoid immunization after allogeneic bone marrow transplantation. J Infectious Dis 1990;162:496-500.
  • 33. Ljungman P, Duraj V, Magnius L. Response to immunization against polio after allogeneic marrow transplantation. Bone Marrow Transplant 1991;7:89-93.
  • 34. Machado CM, Gonçalves FB, Pannuti CS et al. Measles in bone marrow transplant recipients during an outbreak in Săo Paulo, Brazil. Blood 2002;99:83-7.
  • 35. Idilman R, Üstün C, Karayalçin S et al. Hepatitis B virus vaccination of recipients and donors of allogeneic peripheral blood stem cell transplantation. Clin Transp 2003;17:438-43.
  • 36. Machado CM. Reimmunization after bone marrow transplantation current recommendations and perspectives. Braz J Med Biol Res 2004;37:151-8.
  • 37. Li Volt S, Mauro L, Di Gregório F et al. Immune status and immune response to diphtheria-tetanus and polio vaccines in allogeneic bone marrow-transplanted thalassemic patients. Bone Marrow Transplant 1994;14:225-7.
  • 38. Lum LG, Seigneuret MC, Storb R. The transfer of antigen-specific humoral immunity from marrow donors to marrow recipients. J Clin Immunol 1986;6:389-96.
  • 39. Singhal S, Mehtaj. Reimmunization after blood or marrow stem cell transplantation. Bone Marrow Transplant 1999; 23:637-46.
  • 40. Thomas ED, Blume KG, Forman SJ (eds): Hematopoietic Cell Transplantation, Blackwell, Malden, 1999, p704-11.
  • 41. Poduval Rd, Josephson Ma. Influenza vaccination practices in the transplant community. Program and Abstracts of American Transplant Congress 2003: The Fourth Joint American Transplant Meeting; May 30-June 4, 2003; Washington, Dc. Abstract 581.
  • 42. Vance E, George S, Guinan EC et al. Comparison of multiple immunization schedules for haemophilus influenzae type-b conjugate and tetanus toxoid vaccines following bone marrow transplantation. Bone Marrow Transplant 1998;22:735-41.
  • 43. Guinan EC, Molrine DC, Antin JH et al. Polysaccharide conjugate vaccines responses in bone marrow transplant patients. Transplantation 1994;57:677-84.
  • 44. Parkkali T, Stenvik M, Ruutu T et al. Randomized comparison of early and late vaccination with inactivated poliovirus vaccine after allogeneic BMT. Bone Marrow Transplant 1997;20:663-8.
  • 45. Thomas ED, Blume KG, Forman SJ (eds): Hematopoietic Cell Transplantation, Blackwell, Malden, 1999, p58-62.
  • 46. Hata A, Asanuma H, Rinki M et al. Use of Inactivated varicella vaccine in recipients of hematopoietic-cell transplants. N Engl J Med 2002;347:26-34.
  • 47. Machado CM, Rocha IF, Diomede B et al. Effectiveness of hepatitis B vaccination and persistence of immunity after BMT (Abstract). The Ninth International Symposium on Infections in the Immunocompromised Host. Assisi, Italy, June 23-26, 1996.
  • Endereço para correspondência
    Jeane Eliete Laguila Visentainer
    Departamento de Análises Clínicas — Universidade Estadual de Maringá
    Av. Colombo, 5.790
    87020-900 — Maringá-PR — Brasil
    Tel: (44) 261-4347 — Fax: (44) 261-4431
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Mar 2005
    • Data do Fascículo
      2004

    Histórico

    • Aceito
      31 Ago 2004
    • Recebido
      25 Jul 2004
    Associação Brasileira de Hematologia e Hemoterapia e Terapia Celular R. Dr. Diogo de Faria, 775 cj 114, 04037-002 São Paulo/SP/Brasil, Tel. (55 11) 2369-7767/2338-6764 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: secretaria@rbhh.org