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Hemoglobinas anormais em sangue de cordão umbilical

Abnormal hemoglobins in umbilical cord blood

CARTA AO EDITOR LETTER TO EDITOR

Hemoglobinas anormais em sangue de cordão umbilical

Abnormal hemoglobins in umbilical cord blood

Lízia Maria F. R. CamposI; Francisca L. DiasII; Marcel MendesIII

IPós-graduanda, mestrado em Patologia Clínica, UFTM

IIProfessora, Disciplina de Genética, UFTM

IIIProfessor, Disciplina de Hematologia, Faculdade de Biomedicina, Uniube

Endereço para correspondência Correspondência para: Lízia Maria F. R. Campos. Universidade Federal do Triângulo Mineiro — UFTM Disciplina de Genética. Praça Manoel Terra, 330, Centro 38100-000 — Uberaba-MG Tel.: (34) 3318-5434. E-mail: lizia.maria@terra.com.br

ABSTRACT

Hemoglobin pathologies are heterogeneous groups of recessively inherited disorders, which include thalassemias and falciform-related diseases. A falciform-related Illness is a generic term for the family of hemoglobin pathologies characterized by the presence of hemoglobin S (Hb S). Brazil is a country with a significant ethnical admixture, in which the colonization process played a great role on the spread of abnormal genes, specifically thalassemias and sickle cell disease. The mutations that give origin to these diseases are specific to some regions; in many cases determined by ethnical and geographical distributions. This knowledge serves as a basis for control programs and genetic counseling. This study evaluated the presence of abnormal hemoglobins in newborn children using alkaline electrophoresis in cellulose acetate and shows their incidence among the Uberaba population. Control samples of Hb FS and Hb FC were used, as well as Hb AF. From a total of 506 newborn children, 485 presented with normal hemoglobins and 21 presented with abnormal hemoglobins. Prevention of hemoglobin pathologies is important to detect heterozygotes and to explain about the alteration that they carry and the probability of transmission to their offspring.

Key words: Abnormal hemoglobins; thalassemia; sickle cell disease; genetic counseling.

Palavras-chave: Hemoglobinas anormais; talassemia; anemia falciforme; aconselhamento genético.

Senhor Editor

As hemoglobinopatias são grupos heterogêneos de distúrbios herdados recessivamente que incluem as talassemias e as doenças falciformes. As mutações que as originam são específicas de algumas regiões e, em muitos casos, determinadas por distribuições étnicas e geográficas, fundamentando os programas de controle destas alterações e o aconselhamento genético.1,2

Doença falciforme é o termo genérico para a família das hemoglobinopatias caracterizadas pela presença da hemoglobina S (Hb S). O defeito genético constitui basicamente a substituição do ácido glutâmico pela valina na posição seis da cadeia beta da hemoglobina. Esta é uma das alterações genéticas mais comuns em todo o mundo, acometendo aproximadamente um em cada quatrocentos indivíduos da raça negra. No Brasil se caracteriza por significativa mistura racial onde o processo de colonização teve grande influência na dispersão dos genes anormais, principalmente talassemia e falcemias.2,3 As formas clínicas mais importantes atualmente são os níveis de hemoglobina fetal (Hb F), a coexistência de outras hemoglobinopatias hereditárias (ex: talassemias) e, finalmente, os diferentes haplótipos para a Hb S.4,5

Os níveis de hemoglobina fetal correspondem a menos de 1% da hemoglobina total em indivíduos maiores de 1 ano de idade, porém há casos onde eles se encontram bem mais elevados devido a fatores hereditários. Esses indivíduos apresentam menor severidade da anemia falciforme, já que as moléculas de Hb F não participam do processo de polimerização que ocorre entre as moléculas de hemoglobina S desoxigenada (desoxi Hb S).4,6

A associação da doença falciforme com outras hemoglobinopatias hereditárias é relativamente freqüente e leva a uma diversidade de quadros clínicos que variam desde formas assintomáticas até as mais severas. Quando a hemoglobina S é desoxigenada, a substituição do ácido glutâmico pela valina na posição seis da cadeia beta resulta numa interação hidrofóbica com outras moléculas de hemoglobina, desencadeando uma agregação em grandes polímeros.7,8

A polimerização da hemoglobina S desoxigenada é o evento primário na patogênese molecular da doença falciforme, resultando na distorção da forma da hemácia e diminuição acentuada da sua capacidade de se deformar.9 Os afoiçamentos repetidos podem também levar a formação de inclusões com características morfológicas de pequenos corpúsculos de Heinz. Essas inclusões se ligam à membrana e são parcialmente responsáveis pela destruição prematura dessas hemácias.2

O diagnóstico laboratorial, além de sinais indiretos de hemólise caracterizados por hiperbilirrubinemia indireta e reticulocitose, é o teste de afoiçamento positivo (utilizando como agente redutor o metabissulfito de sódio) ou o teste de solubilidade indicando a presença de Hb S, mas não fazem distinção entre anemia falciforme, traço falciforme e heterozigotos compostos como a S/b talassemia. É a eletroforese de hemoglobina que estabelece o diagnóstico.6

O fenômeno álgico, às vezes de grande intensidade, se manifesta em geral por dor músculo-esquelética, torácica ou abdominal, podendo, todavia, se originar em qualquer tecido, sendo necessário estabelecer seu diagnóstico diferencial com outras causas de dor, ligadas ou não a hemoglobinopatia S.10,11

Infecções severas são a maior causa de mortalidade e morbidade nos pacientes com anemia falciforme. Os sítios mais comuns de infecção são pulmões, o trato gênito-urinário, sistema nervoso central (SNC), ossos e articulações. Em crianças, são comuns as septicemias e meningites por microorganismos encapsulados, como o Streptococcus pneumoniae e o Haemophylus influenzae.11,12,13

O presente estudo objetiva avaliar a presença de hemoglobinas anormais em amostra de sangue do cordão umbilical de recém-nascidos por eletroforese em pH alcalino em acetato de celulose e mostrar a incidência destas, na população de Uberaba-MG. Os grupos analisados foram recém-nascidos do Hospital Escola da Universidade Federal do Triângulo Mineiro/UFTM, sendo que as amostras de sangue foram colhidas do cordão umbilical, com EDTA e entregues ao Hemocentro Regional de Uberaba. Depois foram repassadas para análise no Laboratório de Biomedicina da Universidade de Uberaba/Uniube.

A metodologia empregada para análise foi a eletro-forese qualitativa em acetato de celulose pH 8,0-9,0. A técnica utiliza solução tampão Tris-EDTA-borato 0,025M pH 8,5, para que a corrente elétrica percorra as tiras de acetato de celulose; então, aplicam-se nas tiras as amostras de sangue do cordão umbilical hemolisando-as com saponina 1%; em seguida passa-se corrente elétrica a 300 volts por trinta minutos. Removem-se as tiras e cora com Ponceau por dez minutos e descora-se com solução ácido acético/metanol/água destilada, por três minutos. Foram utilizadas amostras controles tipo: Hb FS, Hb FC e padrão normal Hb AF.

De um total de 506 amostras, 283 indivíduos eram do sexo feminino e 223 indivíduos do sexo masculino, mostrado na tabela 2.

A origem racial destes indivíduos não pôde ser avaliada, pois não foi fornecida adequadamente pelo hospital. Em relação às hemoglobinopatias, 21 (4,15%) recém-nascidos apresentaram hemoglobinas alteradas, dos quais 19 (3,75 %) apresentaram hemoglobina S, sendo dez do sexo masculino e nove do sexo feminino; um (0,20%) apresentou hemoglobina H, sendo este do sexo masculino, e um (0,20%) apresentou hemoglobina C, este do sexo feminino, ilustrado na tabela 3.

Constatamos que, dos 506 recém-nascidos analisados, 18 (3,56%) amostras sugeriram portadores de hemoglobinas anormais. As hemoglobinas fetais encontradas nos recém-nascidos são normais e serão substituídas pela hemoglobina A por volta dos seis meses de idade, período nos quais novos testes deverão ser realizados para confirmar as suspeitas de hemoglobinas anormais.

O presente estudo procurou mostrar a importância do diagnóstico laboratorial de hemoglobinopatias, bem como as atividades de prevenção que permitem o aconselhamento genético, o tratamento precoce nos casos de homozigose.

Nas avaliações em neonatos, os resultados sugerem a implantação de serviços de esclarecimento à população que realmente atinjam toda a comunidade, além de fornecer o tratamento de suporte aos indivíduos afetados.

Podemos concluir que a prevenção de hemoglobinopatias é importante para a detecção dos heterozigotos e esclarecê-los a respeito da alteração que possuem. Sendo assim, estaremos contribuindo para o conhecimento sobre esta alteração genética e reduzindo morbidade e mortalidade dos indivíduos com a forma grave da doença.

Referências Bibliográficas

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6. Tomé-Alves R et al. Hemoglobinas AS/alfa talassemia: importância diagnóstica. Rev Bras Hematol Hemoter 2000; .22(3):388-394.

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8. Jeanne A. Smith. The natural history of sickle cell disease. Annals New York Academy of Sciences 1987.

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11. Spires R. Ocular manifestations of sickle cell disease. J Ophtalmic Nurs Technol 1995;14(2):74-77.

12. Sally C Davies, PO Olatunji. Blood transfusion in sickle cell disease. Vox Sanguinis 1995;68:145-51.

13. Ferster AC et al. Hydroxyurea for treatment of severe sickle cell anemia. A pediatric clinical trial. Blood 1996;88:6, 1960-64.

Recebido: 05/09/2005

Aceito após modificações: 03/03/2006

Universidade de Uberaba (Uniube), Laboratório de Análises Clínicas e Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM)

Avaliação: Editor e dois revisores externos.

Conflito de interesse: não declarado

  • Correspondência para:
    Lízia Maria F. R. Campos.
    Universidade Federal do Triângulo Mineiro — UFTM Disciplina de Genética.
    Praça Manoel Terra, 330, Centro
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Ago 2006
    • Data do Fascículo
      Mar 2006
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