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Sou ainda uma Brazilianist?

RESUMO

Este artigo questiona a utilidade da categoria de "brasilianista". Esta expressão, uma verdadeira "etiqueta" para o estrangeiro que estuda Brasil, surgiu nos anos 1970, numa época de expansão dos estudos brasileiros nos Estados Unidos, a qual coincidiu com os "anos de chumbo", no Brasil. Por isso, o conceito nascido no contexto da Guerra Fria fatalmente invocava uma figura norte-americana com orientação política específica e cujas pesquisas levaram, em si, as marcas do seu ponto de origem. O argumento do artigo é que essa imagem do "brasilianista" talvez tenha tido certa utilidade naquela época, mas dos anos 1980 para frente, várias mudanças no mundo acadêmico, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, complicaram qualquer esforço para diferenciar a produção acadêmica segundo o "lugar" do pesquisador. Ao mesmo tempo, certos aspectos persistentes do mundo acadêmico, inclusive linguagem e público, continuavam criando ligeiras divisões entre os brasilianistas e os historiadores no Brasil.

Palavras-chave:
brasilianista; lugar; transnacional

ABSTRACT

This article questions the usefulness of the category of 'Brazilianist.' This expression, a 'label' for foreigners who study Brazil, emerged in the 1970s, at a time of expansion of Brazilian studies in the United States, which coincided with the anos de chumbo (literally the years of lead, the period of harsh political repression during the dictatorship) in Brazil. For this reason, the concept, born in the context of the Cold War, fatally invokes a US figure with a specific political orientation and whose research contains in itself marks of its point of origin. The argument of the article is that this image of Brazilianist perhaps had a certain utility at that time, but from the 1980s onwards, various changes in the academic world, both in Brazil and in the United States, complicated any effort to differentiate academic production according to the 'place' of the researcher. At the same time, certain persistent aspects in the academic world, including language and public, continued creating some divisions among Brazilianists and historians in Brazil.

Keywords:
Brazilianist; place; transnational

Este artigo foi inspirado pelo tema do simpósio nacional da Anpuh 2015 - "Lugares dos Historiadores: Velhos e Novos Desafios".1 1 A primeira versão deste texto foi apresentada na forma de conferência no Simpósio ANPUH 2015, em Florianópolis, no dia 29 jul. 2015. Apresento meus agradecimentos ao Rodrigo Patto Sá Motta, presidente da ANPUH Nacional 2014-2015, pelo convite. Entre outras coisas, essa frase intrigante me levou a pensar na qualidade polissêmica da palavra "lugar" (tanto em português, quanto em inglês). Ela pode significar local, espaço, papel, lugar simbólico ou físico. Resolvi aproveitar esse tema para retomar uma questão que parece incorporar quase todos os sentidos da palavra - isto é, o lugar dos historiadores conhecidos pela etiqueta Brazilianists - em português, "brasilianistas" -, e, assim, meu próprio lugar na comunidade de historiadores que se dedicam aos estudos brasileiros.

A pergunta que serve como título deste artigo, "Sou ainda uma Brazilianist?", pode ser interpretada, na primeira instância, ao pé da letra. Nesse caso, a resposta literal e pontual é: "sim, ainda sou professora de história do Brasil e pesquisadora cujos estudos são principalmente dedicados à história do Brasil". E continuo morando e lecionando fora do Brasil, nos Estados Unidos. Mas claro que não estou contemplando essa pergunta no seu sentido estreitamente literal. Estou, pela finalidade deste artigo, pressupondo que a categoria de "brasilianista" tenha uma genealogia específica e nela esteja embutida uma série de significados que vão muito além do seu sentido mais simples, direto ou óbvio. Como é amplamente reconhecido, a palavra Brazilianist surgiu no início dos anos 1970, e virou um "lugar-comum" naquela década. Segundo várias fontes, foi o jornalista Elio Gaspari, num artigo publicado na Veja em 1971, quem primeiro difundiu esse termo, usando-o para nomear um acadêmico radicado nos Estados Unidos que estudava o Brasil (Moreira, 1990MOREIRA, Regina da Luz. Brasilianistas, historiografia e centros de documentação. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v.3, n.5, p.66-74, 1990., p.67). E, segundo Gaspari (e vários outros autores), o termo implicava uma série de qualidades ou peculiaridades que foram muito além da mera localização física desse acadêmico.

Falando de modo geral, os historiadores brasileiros "do Brasil", da minha faixa etária para cima, têm uma noção muito específica do brasilianista, talvez um tanto estereotipada, de um indivíduo que fala português com sotaque bastante carregado, cujo comportamento ou jeito é instantaneamente reconhecível como "norte-americano", e que parece uma figura fora do lugar, mesmo depois de muito anos de convivência com brasileiros. Claro que há variações: a outra face dessa moeda é o norte-americano que fala um excelente português (e que comumente ouve: "Mas como você fala bem!"), dança samba, faz uma caipirinha bem caprichada etc. - enfim, uma figura quase brasileira -, mas que nunca perde aquele toque de norte-americano.

Mas o brasilianista como figura não é o cerne da questão - o que me interessa mais aqui é seu (ou meu?) lugar intelectual e sua contribuição à historiografia do Brasil. Portanto, minha preocupação neste artigo também é um pouco diferente da análise levada a cabo por José Carlos Sebe, no seu livro de 1984SEBE, José Carlos. Introdução ao nacionalismo acadêmico: os brasilianistas. São Paulo: Brasiliense, 1984., Introdução ao nacionalismo acadêmico: os brasilianistas, que ressaltava o papel do anti-imperialismo dos anos 1970 na rejeição ou na desconfiança para com os norte-americanos estudando o Brasil. Segundo Sebe, "[d]e certa forma, o brasilianismo representava o aperfeiçoamento do discurso anti-imperialista, e, assim, o debate se alastrou muito rapidamente, convidando os brasileiros à perplexidade. Sem entender bem a 'invasão' promovida pelos pesquisadores norte-americanos, todos perguntavam: Quem são estes cidadãos? Que representam? O que querem? E sobretudo, para quem trabalham?" (Sebe, 1984SEBE, José Carlos. Introdução ao nacionalismo acadêmico: os brasilianistas. São Paulo: Brasiliense, 1984., p.9). Sem descartar essas questões ligadas à problemática do lugar do brasilianista nos projetos imperialistas, a esta altura acho possível concentrar argumentações mais no lado intelectual do assunto.

Dessa forma, voltando ao historiador/Brazilianist arquetípico do início dos anos 1970, a imagem intelectual que prevalecia era de um pesquisador sem muita preocupação com questões teóricas e voltado ao empirismo. Enquanto, na época, a dissertação padrão no Brasil habitualmente se estruturava com um capítulo detalhando as referências teóricas e metodológicas empregadas na tese e trazia um debate abstrato, o brasilianista, na sua introdução, ou apresentava um "contexto 'concreto' histórico" (sem problematizar a noção de contexto histórico), ou se situava dentro de um debate estreitamente historiográfico. Claro que esse contraste, essa dicotomia "teoria/empirismo", como todo binômio, tem o efeito de exagerar as divergências entre historiadores brasileiros e brasilianistas, mas naquela época havia certa validade nessa oposição; não era apenas uma imagem estereotipada, mas servia para entender algumas das verdadeiras divergências entre historiadores do Brasil "no Brasil" e "nos Estados Unidos". Havia, também - e vinculado ao suposto empirismo -, um senso do brasilianista como alguém que gozava de certos privilégios quanto ao acesso aos arquivos e aos fartos recursos para pesquisa na academia norte-americana, algo que alimentava (talvez com razão) uma atitude às vezes rancorosa por parte de alguns pesquisadores brasileiros.

Em termos mais específicos (falando dessa época que durou até o fim dos anos 1970), havia outra marca da diferença entre historiadores do Brasil no Brasil e os brasilianistas: o grau de entrosamento com a teoria marxista. Apesar das condições de repressão e censura no Brasil durante aquele período - ou precisamente por causa delas -, uma boa parte da turma de historiadores no Brasil continuava trabalhando dentro de uma ou outra vertente de materialismo histórico. Mas nos Estados Unidos, em plena Guerra Fria, para um historiador ser tachado de "marxista" continuava sendo um caminho direto, se não ao desemprego, a certa marginalidade.2 2 Esta é uma pequena confirmação de algo que todos nós já sabíamos - que a Guerra Fria impôs um notório grau de censura intelectual no mundo acadêmico, mesmo nos países supostamente democráticos. Na verdade, o fim dos anos 1960 e a década seguinte formavam um período de transição, marcado pela publicação das primeiras obras de Eugene Genovese, e a circulação dos livros de E. P. Thompson e Eric Hobsbawm na academia norte-americana. E os anos 1970 presenciavam o auge da "nova história social", com sua vertente nitidamente materialista e sua valorização da categoria de classe social. Mas essa nova corrente tinha mais pujança entre os historiadores dedicados ao estudo dos Estados Unidos e da Europa Ocidental; entre os brasilianistas da época, a influência da nova história social foi menos evidente; a maioria deles continuava seguindo uma linha empirista, às vezes levemente tingida pela teoria de modernização, que não se preocupava com as questões mais abrangentes e controvertidas sobre conflito de classe, o papel da esfera material na construção de identidades históricas e suas transformações, a relação entre estrutura e superestrutura etc. Uma minoria dialogava com o marxismo, mas geralmente, com a finalidade de disputá-lo - isto é, demonstrar, através do empirismo, que as relações políticas, econômicas e sociais são sempre mais complicadas do que o indicado pelo marxismo e o materialismo.

Havia outra qualidade, ou possível "defeito" que supostamente caracterizava os Brazilianists e os distanciou dos historiadores brasileiros. Talvez a melhor maneira de introduzir esse assunto seja citando um pequeno trecho da introdução do recente livro de meu estimado colega James Green, cujo título, na versão em português, é Apesar de você: oposição à ditadura brasileira nos Estados Unidos. Segundo Jim, a ideia do livro surgiu de uma conversa no Congresso da LASA, de 1998: "entre uma sessão e outra, um jovem historiador brasileiro de esquerda falou de sua frustração com o conhecimento bastante superficial dos brasilianistas (como são conhecidos, tanto de maneira afetuosa quanto irônica, os estudiosos norte-americanos do Brasil) sobre a história e cultura de seu país. Além disso, acrescentou ele, pouco tinham feito para se opor à ditadura militar" (Green, 2009GREEN, James N. Apesar de vocês: oposição à ditadura brasileira nos Estados Unidos, 1964-1985. Trad. S. Duarte. São Paulo: Companhia das Letras, 2009., p.29-30).

Foi essa última acusação - que interessava ao Jim - que acabou dedicando um livro de quase seiscentas páginas ao projeto de comprovar o contrário. Mas é a primeira colocação, sobre o conhecimento superficial dos brasilianistas, que me interessa neste artigo, e particularmente porque foi articulada mais de duas décadas depois do surgimento da noção do Brazilianist como categoria de pesquisador à parte.

Então, resumindo, a imagem do historiador do Brasil radicado nos Estados Unidos tinha uma série de elementos - o empirismo, a rejeição ao marxismo, um conhecimento superficial da sociedade e da cultura brasileiras, e uma falta de engajamento com a política (de esquerda) do país, qualidades que, supostamente (e, em certos casos, realmente) os distinguiram das suas contrapartidas brasileiras.

Antes de continuar, quero abrir um breve parêntese. Apesar da pergunta pessoal que serve de título para este artigo, não pretendo abordar essa questão de um ponto de vista "autobiográfico". Graças às pesquisas de José Carlos Sebe, contamos com um tipo de biografia coletiva dos colegas que compõem o que ele chamava de "Colônia Brasilianista". Os livros de Sebe sobre este tema nos permitem uma compreensão das trajetórias dos estudiosos norte-americanos que ele classifica de brasilianistas. E, entre outras finalidades, acho que o professor Sebe estava querendo mostrar a variedade de olhares e experiências que constituíram essa "colônia", e, de certa forma, oferecer uma importante correção ao brasilianista estereotipado.

Ao mesmo tempo, é difícil trabalhar com uma categoria como Brazilianists ou chamá-los de "colônia" sem reforçar certas noções associadas a essa categoria. Porém, devo dizer logo de início que jamais me identifiquei plenamente com o "Brazilianist-padrão". Sobretudo, porque meu principal motivo para estudar América Latina, em geral, e, especificamente, o Brasil, foi meu compromisso com a política da esquerda nos anos 1960 e 1970. Além do mais, fiz parte de uma geração de "radical historians" que abertamente adotou uma perspectiva marxista, ou "neomarxista". Para nós, não havia nada pior do que um historiador ser meramente "empirista", algo que, de nosso ponto de vista, servia de ficção, e que escondia os pressupostos "liberais" desse tipo de pesquisa histórica. Além disso, por uma série de circunstâncias não previstas, acabei estudando na pós-graduação com a professora "aposentada" da USP, Emília Viotti da CostaCOSTA, Emília Viotti da. Da senzala à colônia. São Paulo: Difel, 1966..3 3 Sobre a trajetória acadêmica da historiadora Emília Viotti da Costa, consultar o seu perfil, de minha autoria, no Dictionary of Caribbean and Afro-Latin American Biography. Ed. Henry Louis Gates e Franklin W. Knight. New York: Oxford University Press, 2016 (no prelo). Portanto, diferentemente da grande maioria dos brasilianistas, fiz o doutorado com uma historiadora brasileira de renome, e isso me levava a considerar-me mais "por dentro" do mundo acadêmico brasileiro do que os outros colegas norte-americanos. A primeira publicação da minha carreira foi um artigo incorporado como apêndice no livro O Bravo Matutino (1980; ver Weinstein, 1980______. Impressões da elite sobre os movimentos da classe operária: a cobertura da greve em O Estado de S. Paulo, 1902-1917. In: CAPELATO, Maria Helena Rolim; PRADO, Maria Lígia Coelho. O Bravo Matutino: imprensa e ideologia no jornal O Estado de S. Paulo. São Paulo: Alfa-Omega, 1980. p.135-176., p.135-176); os capítulos principais desse volume foram constituídos pelas dissertações de mestrado de Maria Helena Capelato e de Maria Lígia PradoCAPELATO, Maria Helena Rolim; PRADO, Maria Lígia Coelho. O Bravo Matutino: imprensa e ideologia no jornal O Estado de S. Paulo. São Paulo: Alfa-Omega, 1980., duas pesquisadoras que nas décadas seguintes seriam reconhecidas entre as mais importantes historiadoras da sua geração. Finalmente, havia a questão de gênero. Apesar da presença de várias mulheres norte-americanas na área de história do Brasil, a figura arquetípica do brasilianista tinha um aspecto masculino.

Olhando para trás, entendo por que me senti uma "exceção" entre os brasilianistas, especialmente entre aqueles que pertenceram a uma geração anterior, com a figura prototípica sendo Thomas Skidmore. Numa homenagem a Skidmore, feita em 2006, o ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos e seu ministro-conselheiro afirmaram que "desde o final dos anos 1960, pelo menos, ele [Skidmore] converteu-se no próprio símbolo vivo do brasilianista exemplar" (Barbosa; Almeida, 2006BARBOSA, Rubens Antonio; ALMEIDA, Paulo Roberto. Homenagem ao professor Thomas Skidmore. 2006. Disponível em: Disponível em: http://library.brown.edu/collections/skidmore/barbosa.html ; Acesso em: 3 fev. 2016.
http://library.brown.edu/collections/ski...
). E diferente de mim, Skidmore (que José Carlos Sebe coloca na subcategoria "Filhos de Castro") não viu motivo para se distanciar dessa designação: segundo ele, "sou um brasilianista assumido... Nasci nos Estados Unidos e aqui trabalho... As motivações que me levaram a estudar o Brasil dependeram do contexto político norte-americano e de seus reflexos em nosso sistema universitário..." (Meihy, 1990MEIHY, José Carlos Sebe Bom. A colônia brasilianista: história oral da vida acadêmica. São Paulo: Nova Stella, 1990., p.268).

Longe de assumir essa identidade, fiquei incomodada pelo conceito do brasilianista e por tudo que ele implicava para meu lugar no mundo acadêmico brasileiro e na política da Guerra Fria. E essa inquietude não operava apenas no nível da sensibilidade; tinha um impacto concreto na minha trajetória intelectual. Um bom exemplo foi a escolha do tema da minha tese de doutorado, decisão que eu estava tomando por volta de 1976. Inspirada pelos trabalhos de Paulo Sérgio Pinheiro, Michael Hall e Boris Fausto, pensei em fazer uma pesquisa sobre a formação da classe trabalhadora em São Paulo. Paulo Sérgio, que soube do meu interesse no assunto, me mandou uma proposta de tese de um orientando dele, da Unicamp, que era bastante parecida com aquela que eu estava elaborando. Fiquei imediatamente preocupada em parecer imperialista, invadindo o território acadêmico de um historiador brasileiro; acabei desistindo do assunto. Aliás, um dos meus principais motivos para escolher o tema do ciclo da borracha na Amazônia foi o pressuposto de que poucos alunos que estavam fazendo mestrado ou doutorado nas universidades do Centro-Sul do Brasil tinham interesse pela história da Amazônia.4 4 O jovem historiador em questão era Francisco Foot Hardman que, certamente, não estava sabendo da minha crise de consciência. O livro que resultou da proposta é HARDMAN, 1983. Para mostrar até qual ponto meu raciocínio não fazia muito sentido, o seu projeto de doutorado tratou da história da Amazônia. Ver HARDMAN, 1988. Nunca me arrependi de ter optado pelo tema do ciclo da borracha, mas a esta altura parece bastante engraçado que eu realmente tenha acreditado que não havia lugar para duas teses sobre a formação da classe trabalhadora paulista. Foi justamente a ansiedade de me distanciar do "brasilianista típico" que me deixou incapaz de perceber que havia amplo espaço para nós dois.

Ainda depois de ter mudado de tema, eu continuava preocupada com as possíveis implicações da minha condição de norte-americana pesquisando a história do Brasil. Por exemplo, encontrei uma gama de importante documentação para minha tese no Cartório Chermont, o tabelionato comercial mais antigo de Belém do Pará. Logo percebi que o tabelião me permitiu fácil acesso àquele material justamente porque ele gostava da novidade de ter uma "gringa" pesquisando na sua sala. Mesmo no Arquivo Público do Estado do Pará, com seu pessoal mais profissionalizado, tive a forte impressão de que os funcionários foram mais dispostos a me acomodar e ajudar do que dar auxílio aos brasileiros que apareciam no arquivo de vez em quando. Enfim, não havia possibilidade de fugir totalmente da identidade de Brazilianist, em relação tanto às suas vantagens quanto às suas desvantagens.

Mas essas pequenas vantagens, verdadeiras ou imaginadas, no final das contas foram menos importantes do que a questão de posicionamento dentro do mundo acadêmico e para com o mercado de trabalho universitário. É isso que constituirá minha principal preocupação na parte seguinte deste artigo.

Para entender plenamente o significado do conceito de Brazilianist, é preciso levar em conta não apenas as circunstâncias da formação dessa turma de historiadores nos Estados Unidos, mas também o fato de que a sua emergência coincidiu (e provavelmente não por acaso) com um período muito específico na história da academia brasileira. Na sua biografia coletiva da "Colônia Brasilianista", Sebe divide os 32 acadêmicos entrevistados em três turmas (Meihy, 1990MEIHY, José Carlos Sebe Bom. A colônia brasilianista: história oral da vida acadêmica. São Paulo: Nova Stella, 1990.). Na primeira turma, "Os pioneiros", há poucos historiadores, e entre eles, há alguém como Stanley Stein, que apesar de ter escrito dois livros sobre a história do Brasil - inclusive Vassouras (1957STEIN, Stanley J. Vassouras, a Brazilian Coffee County, 1850-1900. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1957.), uma obra-prima da historiografia da escravidão - não seria facilmente classificado como brasilianista, e não foi identificado, em linhas gerais, assim, dentro da comunidade acadêmica norte-americana. É a segunda turma - "Os filhos de Castro" (11 professores, 7 deles historiadores) - que inclui os nomes que muita gente associa com o conceito de Brazilianist (Tom Skidmore, Warren Dean, Robert Levine, June Hahner etc.). Claro que são designados "Filhos de Castro" não por causa de serem partidários do fidelismo (nas suas tendências políticas, foi um grupo bastante diverso); a expressão indica o papel da Revolução Cubana em gerar um novo interesse por parte do governo norte-americano na América Latina, em geral, e no Brasil, em particular. Deixando de lado os desdobramentos políticos dessas iniciativas - existe uma ampla bibliografia analisando a criação de "Area Studies" durante a Guerra Fria (Berger, 1995BERGER, Mark T. Under Northern Eyes: Latin American Studies and U.S. Hegemony in the Americas, 1898-1990. Bloomington, IN: Indiana University Press, 1995.) -, o que quero acentuar aqui é que esse renovado interesse no Brasil criou as condições para a formação de uma geração de brasilianistas, muitos deles altamente produtivos e lecionando nas maiores universidades norte-americanas, onde o Brasil, antes, raramente aparecia nos cursos de história.

Esse grupo - no qual eu também incluiria Joseph Love, John Wirth, Eul-Soo Pang, Richard Graham, Ralph della Cava, Bradford Burns, Michael Conniff, entre outros - surgiu no fim dos anos 1960 e início da década seguinte, exatamente durante o período no Brasil conhecido como "Os Anos de Chumbo". Acho desnecessário explicar por que a produção na disciplina de história, no Brasil, naqueles anos, sofria limites, e por que aquele período não era, e não podia ser, uma época de grande inovação. Muitos historiadores de renome tinham que fugir do Brasil, e a censura pairava sobre o mundo acadêmico, especialmente nas letras e nas ciências sociais. Bolsas para que os brasileiros viajassem a arquivos fora da região de residência eram quase inexistentes. E simpósios regionais e nacionais como os da Anpuh eram algo inconcebível. Resultado? Quando comecei meus estudos de pós-graduação em história de América Latina, deparei com o cenário em que para muitos historiadores norte-americanos estudando o Brasil, as maiores referências eram trabalhos em inglês de autoria norte-americana. Claro que as obras clássicas da historiografia brasileira - os livros de Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, José Honório Rodrigues e outros - circulavam entre nós. Mas esses geralmente não serviam de referências mais próximas para quem estava escolhendo o tema da dissertação, e não era principalmente com eles que um brasilianista estaria dialogando.

Pelo contrário, os brasilianistas da época ou estavam dialogando entre si mesmos, ou com estudiosos norte-americanos da área de estudos latino-americanos. Esse estado de coisas foi refletido no título do já citado artigo de Elio Gaspari, publicado na Veja, em 1971: "A História do Brasil: o passado do país está sendo escrito em inglês". E é bem possível que alguns brasilianistas da época acreditassem que o centro gravitacional da historiografia sobre o Brasil pudesse ser encontrado na academia norte-americana. Eu, pessoalmente, achava e ainda creio que isso, mesmo durante os anos de chumbo, nada mais era do que uma ilusão; os melhores historiadores do Brasil nos Estados Unidos jamais imaginaram que eles pudessem ignorar e muito menos desprezar a produção acadêmica brasileira. (Mesmo durante esse trecho triste da história do mundo acadêmico no Brasil, houve historiadores como Carlos Guilherme Mota, Maria Odila Leite da Silva Dias e Fernando Novais fazendo pesquisas de grande impacto na área.) Porém, nos Estados Unidos, o aumento de recursos para pesquisas na América Latina e a multiplicação de vagas em departamentos de história na década após a Revolução Cubana não apenas ampliaram a comunidade de brasilianistas, mas criaram essa turma de historiadores norte-americanos justamente quando a situação aqui no Brasil se tornava especialmente difícil. Não é por acaso que foi no início da década de 1970 que a palavra Brazilianist virou a maneira preferida de se referir aos norte-americanos estudiosos do Brasil, e trouxe, no seu bojo, as qualidades que já foram pautadas.

Aliás, as condições que produziram o brasilianista prototípico não duraram muito tempo. Começando com os desdobramentos no lado dos Estados Unidos, o fim da explosão demográfica pós-guerra, a chamada "baby boom", resultou numa queda brusca no tamanho das turmas nos programas de graduação. Isso, junto ao fato de as universidades terem contratado muitos novos professores na área de América Latina apenas na década anterior - todos eles muito longe da idade de se aposentarem - combinaram para criar uma crise no mercado de trabalho para doutores em história, e mais ainda para quem trabalhava em alguma área da América Latina. Uma "crise" que se intensificou na segunda metade da década de 1970.

Dentre as consequências dessa crise do mercado está uma pequena, mas significativa, migração de professores dos Estados Unidos para o Brasil; uns chegaram aqui por motivos pessoais, outros por causa das reduzidas opções nos States. A Unicamp - uma instituição relativamente nova e aberta, naquela época - recebeu Michael Hall (1975) e Peter Eisenberg (1978), e um pouco mais tarde, Robert Slenes, que passou primeiro pela Universidade Federal Fluminense (1979-1983). Mas, para além da contração no mercado de trabalho nos Estados Unidos, esses anos presenciaram algumas profundas mudanças no mundo acadêmico norte-americano, especialmente na disciplina de história. Devido a uma onda de alunos radicalizados enchendo as fileiras dos programas de pós-graduação, motivados por suas experiências de militância no movimento contra a guerra do Vietnã e outros movimentos sociais dos anos 1960 (e até aquele momento, indiferentes às previsões de uma falta de vagas no nível universitário), a área de história vinha se transformando. Estudos feministas, história dos afrodescendentes e outras minorias; várias vertentes da nova história social, e um maior interesse num marxismo renovado, da linha mais gramsciana ou cultural seguindo a influência de E. P. Thompson - tudo isso marcava aquela "nova geração".5 5 Sobre o radicalismo da minha geração de historiadores (ou uma boa parte dela), ver WEINSTEIN, 2001.

Poucos anos depois, no Brasil, fim dos anos 1970 e início da década seguinte, era possível perceber uma série de desdobramentos ligados à expansão do sistema universitário e à abertura política, em geral, que possibilitava a formação de novas turmas de historiadores, muitos deles procurando distanciar-se das supostas "vacas sagradas" das gerações anteriores. A influência de Gramsci e teóricos neogramscianos apareceu antes no Brasil que nos Estados Unidos - talvez por causa de maior intercâmbio com colegas argentinos -, mas havia uma propensão em ambos os lados para repensar questões de poder e dominação por meio do conceito de hegemonia.6 6 Uma excelente introdução à trajetória da influência de Antonio Gramsci e do conceito de hegemonia escrito por um dos maiores estudiosos do Gramsci na Argentina: ARICÓ, 1988. Portanto, a convergência mais fácil foi a de perceber o impacto geral da nova história social e de sua tendência de desacentuar os fatores estruturais e enfatizar o protagonismo de grupos populares, uma proposta acadêmica que encaixava muito bem com a estreia do Partido dos Trabalhadores na cena política brasileira.

Não é necessário reprisar a trajetória da profissão de história no Brasil nas últimas décadas do século XX. Minha proposta não é recontar uma narrativa do recente passado amplamente conhecida; estou simplesmente querendo sugerir que as tendências na disciplina de história na época (fim dos anos 1970 e início da década seguinte), seja nos Estados Unidos, seja no Brasil, permitiram certa convergência de temas, de abordagens teóricas, e de propostas políticas. E, por implicação, isso significa que ficou cada vez mais inviável construir uma dicotomia entre os estudos históricos dos brasilianistas e as pesquisas dos historiadores brasileiros.

Entre os elementos reforçando essa convergência, houve, no Brasil, uma intensificada valorização dos arquivos e de pesquisa em fontes primárias anteriormente não exploradas. O entusiasmo para com a nova história social e, um pouco mais tarde, o crescente interesse na micro-história, levaram a nova geração de historiadores a procurar fontes em cartórios, em depósitos judiciais, em arquivos de sindicatos, em história oral etc. Claro que isso não quer dizer que as gerações anteriores não se preocupassem com a pesquisa em fontes primárias. É mais uma questão de ênfase do que de uma transformação radical. Os meios sociais da plebe e os grupos subalternos que se tornaram os principais objetos de pesquisa foram precisamente aqueles que seriam difíceis de achar nas fontes tipicamente consultadas, e, portanto, os estudos históricos daquela época obrigavam os historiadores a mergulharem em documentação anteriormente deixada de lado. Enfim, outra suposta distinção entre o historiador brasileiro e o Brazilianist - o grau de compromisso com a pesquisa nos arquivos - que talvez fosse um exagero, tornou-se totalmente inadequada como linha divisória.

Além dessas várias mudanças qualitativas no mundo acadêmico, é preciso mencionar umas tendências quantitativas também. Durante a última quinzena do século XX, houve uma queda na formação de historiadores se especializando em história do Brasil, nas universidades norte-americanas. Em ampla escala, houve uma diminuição de interesse pela América Latina na esfera pública.7 7 A única exceção foi a região da América Central, principalmente em razão da Revolução Sandinista, na Nicarágua. O ensino da língua portuguesa, se antes não era muito comum no meio universitário, naquele momento ficou ainda mais marginalizado dentro dos departamentos de línguas latinas. Por isso, exatamente num momento de renovação e expansão da comunidade de historiadores no Brasil, a história do Brasil como subdisciplina de estudos latino-americanos nos Estados Unidos estava passando por uma fase de encolhimento. Fica impossível, sob estas circunstâncias, imaginar uma turma de brasilianistas que pudesse ou quisesse seguir sua própria agenda, e, mais ainda, que conseguisse impor seus interesses na área de estudos brasileiros. Essa próxima geração (que, por sinal, foi a minha), denominada por José Carlos Sebe como "os especialistas",8 8 Essa categoria, diferente de "pioneiros" e "filhos de Castro", não tem muito valor analítico e indica até qual ponto essa geração, como grupo, fugia de qualquer identidade coerente. além de contar com poucos historiadores em sua turma, foi um grupo altamente eclético em seus temas e suas orientações. Se, por um breve período, no início dos anos 1970, era possível acreditar que a produção dos brasilianistas manifestasse certa homogeneidade e coerência, e que estivesse definindo o campo de pesquisa sobre o Brasil, isso certamente não seria o caso nas próximas décadas. Mesmo os brasilianistas da "geração-padrão", os "filhos de Castro", procuravam aumentar seu entrosamento com as novas linhas de interpretação que vinham sendo produzidas pela academia brasileira; cada vez mais, os norte-americanos estavam seguindo a orientação intelectual dos historiadores brasileiros.

Essa nova e inteiramente saudável direção ficou especialmente clara para mim quando a revista da LASA, a Latin American Research Review, me mandou, em 1993, quatro livros sobre o Brasil imperial e republicano para resenhar. Eram todos de autoria norte-americana, e os autores de dois dos livros - Richard Graham e Robert Levine - eram Brazilianists consagrados. Os livros tratavam de temas bastante diversos, mas todos esses autores, de uma maneira ou outra, estavam dialogando com a obra de José Murilo de Carvalho e com outros historiadores que estavam repensando a transição do Império para a República não como um sinal de progresso, mas como uma consolidação de certo projeto de modernização conservadora que favorecia os interesses estrangeiros e as elites paulistas.9 9 WEINSTEIN, 1994; nas palavras de Sérgio Buarque de Holanda, "o império dos fazendeiros só começa no Brasil ... com a queda do Império" (citado em CARVALHO, 1988, p.21).

Claro que a historiografia dos brasilianistas na década de 1970 já se aproveitava das ideias e das interpretações de historiadores e intelectuais brasileiros. Nesses quatro livros, o que me impressionava como verdadeira novidade foi que os autores estavam participando de uma conversa, num diálogo que surgiu das preocupações políticas daquele momento no Brasil, que era de profunda decepção com a transição à suposta democracia e quando, mais uma vez, muita gente estava tentada a dizer "essa não é a república dos meus sonhos".10 10 Essa frase é geralmente atribuída ao republicano histórico Joaquim Saldanha Marinho (1816-1895). Os autores estavam, também, lidando com um momento de suposta comemoração do centenário da abolição da escravidão, que acabou gerando uma produção extremamente crítica sobre o racismo e sobre a desigualdade na sociedade brasileira. Difícil para qualquer um desses brasilianistas, velhos ou novos, sustentar a declaração de Skidmore, afirmando que "as motivações que me levaram a estudar o Brasil dependeram do contexto político norte-americano e de seus reflexos em nosso sistema universitário" (Meihy, 1990MEIHY, José Carlos Sebe Bom. A colônia brasilianista: história oral da vida acadêmica. São Paulo: Nova Stella, 1990., p. 267-268). Pois nessa nova fase era menos o contexto político norte-americano, stricto sensu, que estava motivando os historiadores do Brasil nos Estados Unidos, e mais as inquietações políticas dos próprios brasileiros.

Se, nesse conjunto de livros ficou óbvio para mim que os autores estavam sendo todos influenciados pelas pesquisas de um historiador brasileiro (aliás, um que fez o doutorado em ciência política na Stanford University), havia outras linhas de pesquisa e interpretação que não deixaram tão claro "o ponto de origem" de certo argumento ou conceito. Um bom exemplo é a questão da participação dos escravos na sua própria emancipação, uma ideia que hoje é quase senso comum entre historiadores do Brasil. Emília Viotti foi a primeira historiadora, em meu conhecimento, que ressaltou a participação dos escravos na província de São Paulo no processo de abolição por conta do seu êxodo em massa das fazendas de café. Mas no seu livro clássico, de 1966, Da Senzala à Colônia, o papel de destaque foi dos abolicionistas que, supostamente, impulsionaram as fugas em massa dos escravos. E, para ela, o sistema de escravidão já estava numa fase de desagregação quando os escravos começaram a abandonar as fazendas. Cinco anos depois, um historiador norte-americano, Robert Brent Toplin, publicou um livro sobre a abolição de escravidão no Brasil que citava o trabalho de Emília, mas - nitidamente seguindo a influência da nova história social - esticou o argumento ainda mais, privilegiando o papel dos próprios escravos (Toplin, 1972TOPLIN, Robert Brent. The Abolition of Slavery in Brazil. New York: Atheneum, 1972.). Exatamente 4 anos depois de Toplin, Warren Dean publicou seu famoso livro sobre a escravidão na região cafeeira de Rio Claro (Dean, 1976DEAN, Warren. Rio Claro: A Brazilian Plantation System, 1820-1920. Stanford, CAL: Stanford University Press, 1976.). Parecido com o livro de Toplin, o de Dean situava os escravos como os protagonistas dessa última fase da sua emancipação, porém indo ainda mais longe, já que ele minimizava o papel dos abolicionistas brancos e insistia no profundo compromisso dos fazendeiros paulistas com a instituição da escravidão. Para Warren Dean essas iniciativas dos escravos, em vez de serem a última gota d'água, forjaram o próprio instrumento da sua emancipação que, finalmente, venceu apesar da intransigência dos fazendeiros-escravocratas. As obras de Toplin e Dean prepararam o caminho para os estudos posteriores, lançados nos anos 1980 e 1990, de Célia Marinho de Azevedo (1987AZEVEDO, Célia Marinho de. Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das elites - século XIX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.) e Maria Helena Machado (1994MACHADO, Maria Helena Pereira Toledo. O plano e o pânico: os movimentos sociais na década da abolição. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1994.) sobre a mobilização da população cativa em São Paulo, nos últimos anos da escravidão, e o pânico das elites em face da desordem e da perda de uma fonte de mão de obra altamente lucrativa.

A noção dos escravos como agentes da sua própria emancipação logo alargou-se para além das fronteiras da antiga província de São Paulo. Por casualidade, em 1986, estive na Unicamp, fazendo pesquisas no Arquivo Edgard Leuenroth, por ocasião de um seminário ministrado pela historiadora norte-americana Rebecca Scott, cujas principais pesquisas, até aquele momento, eram voltadas à questão da emancipação de escravos em Cuba (Scott, 1985______. Slave Emancipation in Cuba: The Transition to Free Labor, 1860-1899. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1985.). A reação da plateia - principalmente alunos de pós-graduação na Unicamp, muitos deles orientandos de Bob Slenes trabalhando com temas ligados à escravidão e emancipação -, foi altamente animada e entusiasmada. Além da evidente qualidade da pesquisa de Scott, a empolgação geral refletia o fato de ela estar trabalhando com o caso de Cuba, outra sociedade em que, supostamente, a escravidão acabou por um processo gradativo, jurídico, e não violento, e que não necessitou da mobilização dos escravos ou do uso da violência. Porém, Scott demonstrou, por meio de uma análise micro-histórica, que os escravos cubanos tiveram uma atuação fundamental no processo de emancipação e na formação dos movimentos anticoloniais. E, ainda por cima, ela montou um argumento bastante forte contra a interpretação da abolição, de Manuel Moreno Fraginals, cujo livro clássico, El ingenio (1964MORENO FRAGINALS, Manuel. El ingenio: el complejo económico social cubano del azúcar. 2v. La Habana: Comisión Nacional Cubana de la UNESCO, 1964.), sustentou a ideia da incompatibilização estrutural de capitalismo e escravidão, portanto, minimizando o protagonismo dos escravos.11 11 Scott mapeia o caminho para essa conclusão no "Afterword" da nova edição do seu livro (SCOTT, 2000, p.295-302). A pesquisa de Scott deixou pouca margem para dúvida de que não foi o capitalismo, pelo menos no sentido estruturalista, que desmanchou o regime de escravidão em Cuba. A recepção tão entusiasmada do trabalho de Scott, enfim, explica-se pelas muitas convergências com as preocupações já circulando dentro dessa turma de novos historiadores de escravidão e da diáspora africana, no Brasil. Poucos anos depois desse seminário, Sidney Chalhoub (que estava na sala, naquele dia) defendeu a tese de doutorado que virou o livro Visões da Liberdade (1990CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na corte. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.), no qual ele trabalha com documentação jurídica e policial, com uma abordagem micro-histórica, para demonstrar, de maneira abrangente, que muitos escravos (e não apenas aqueles fugindo das fazendas paulistas) participaram de sua própria emancipação e prepararam o caminho para a abolição.

A finalidade deste longo parêntese não é a de estabelecer uma genealogia definitiva de uma importante vertente historiográfica - existem, certamente, outros caminhos pelos quais a nova geração de historiadores abriu interpretações inovadoras de escravidão e emancipação. Minha proposta é mais modesta e é somente a de oferecer um bom exemplo da dificuldade, talvez impossibilidade, de associar certo conceito ou abordagem com um ponto de origem específico. Por exemplo, naquele belo dia na Unicamp, em 1986, eu estava sentada numa sala lotada de alunos de pós-graduação, muitos deles doutorandos de Bob Slenes e Michael Hall, norte-americanos radicados no Brasil há tempos, e esses alunos estavam assistindo à palestra da "Cubanist" norte-americana Rebecca Scott, e se preparando para refazer a historiografia da escravidão e da emancipação no Brasil.

Por uma série de razões, os estudiosos da escravidão e emancipação, seja no Brasil, no Caribe, ou nos Estados Unidos, têm se mostrado particularmente dispostos a trocar, circular e apropriar ideias inicialmente propostas em diferentes contextos. Mas há muitos outros temas que manifestam as marcas de pesquisas entrelaçadas, como a história do gênero e a história dos movimentos operários. Em todas essas áreas, dos anos 1980 para frente, o que se torna mais evidente é a convergência de interpretações, independentemente de seus supostos pontos de origem.

Mudando o enquadramento para o mundo acadêmico dos últimos 20 anos, podemos ver outra série de transições, quer do Norte, quer do Sul, que complicava ainda mais qualquer tentativa de estabelecer uma clara divisão entre historiadores brasileiros e brasilianistas. Um traço geral dos brasilianistas foi - e continua sendo - sua formação na academia norte-americana, em primeiro lugar, como Latin Americanists. Aliás, é muito provável que a maioria da geração de brasilianistas dos anos 1960/1970 tenha se formado em programas de estudos latino-americanos, em que não havia nenhum professor especializado na história do Brasil. Isso, hoje, é muito menos comum, já que, atualmente, um jovem norte-americano querendo se formar em história do Brasil geralmente escolhe um programa de pós-graduação que tem entre os historiadores da área de América Latina pelo menos um/uma com especialização no Brasil. Ao mesmo tempo, a área de estudos desse doutorando norte-americano continua sendo designada como América Latina, realidade que se reflete nos cursos compulsórios, nas matérias incluídas nas provas, e nos preparativos para a entrada no mercado de trabalho. Esse percurso, que obriga o futuro Brazilianist a passar pela América Latina, continua sendo algo aparentemente particular da formação dos brasilianistas, mas acho que não tanto quanto antigamente. Enquanto havia uma circulação de estudiosos brasileiros pela América Latina nos anos 1960 e 1970, refletindo o forte compromisso com o "latino-americanismo" da época, na disciplina de história, o contexto hegemônico continuava sendo "a nação" e havia poucos recursos (no Brasil) para quem quisesse se definir como especialista em América Latina. Nas últimas décadas, graças aos novos recursos para pesquisa no exterior, aos esforços de um núcleo de historiadores dedicados a treinar doutorandos na história da América Latina e, ainda mais, das Américas - especialmente minhas queridas colegas Maria Lígia Prado e Maria Helena Capelato -, a identidade de especialista em América Latina deixou de ser algo valorizado principalmente no exterior. Dentro do Brasil, os congressos da ANPHLAC oferecem um espaço essencial para historiadores cujas pesquisas vão além das fronteiras nacionais, inclusive cada vez mais os que fazem a história das Américas no sentido verdadeiramente hemisférico.

Aliás, de todas as alterações na paisagem da profissão que serviam para diminuir as diferenças entre Brazilianists e historiadores brasileiros, talvez o surgimento de uma visão transregional ou transnacional (ou mesmo global) gerou as mudanças mais profundas.12 12 Sobre o viés transnacional, ver SEIGEL, 2009, p.1-4; WEINSTEIN, 2013. Quero deixar claro que não estou dizendo que, antes, faltava uma visão que fosse além do contexto nacional, entre os historiadores brasileiros. Pelo contrário, foram muitos os brasileiros que estudaram fora do país, fazendo o doutorado ou pós-doutorado, e também devemos falar da longa influência de historiadores de fora (especialmente os franceses) na formação da profissão de história no Brasil, da farta circulação de debates teóricos e metodológicos no meio intelectual brasileiro que, somados a outros fatores, também contribuíam para uma tendência cosmopolita dentro do universo universitário brasileiro. Mas as consequências do viés transnacional e seus desdobramentos têm impactado a profissão de historiador, dentro e fora do Brasil, de maneira bem mais profunda, reorganizando a própria noção da história como disciplina que foi sempre tão profundamente comprometida com o nascimento do Estado-nação.

Uma das repercussões da crescente inclinação dos historiadores em toda parte para superar os limites (em todos os sentidos) da nação é o estabelecimento de novas "áreas de pesquisa" e grupos de trabalho que atravessam nações e regiões, como, por exemplo, o "Mundo Atlântico", ou a "Diáspora Africana". Os especialistas em história da escravidão e emancipação, como já foi registrado, estão reconceituando o estudo desses temas de uma maneira que ultrapassa a experiência de uma nação só.13 13 A abordagem comparativa, que teve seu auge nos anos 1970, continuava privilegiando a nação. A crítica mais radical dessa abordagem é SEIGEL, 2005. A conversa transnacional não está dispensando as singularidades locais, mas o que está em relevo, hoje, é a circulação de discursos sobre escravidão e raça, as histórias conectadas pelas disputas jurídicas, os conceitos de liberdade, os significativos de território livre, a natureza de um capitalismo construído na base de trabalho escravo, a precariedade da liberdade e de trabalho supostamente "livre" numa sociedade com escravos, o papel de etnicidades africanas na construção de redes de solidariedade e atuação política. O contexto "nacional" não desaparece nesses diálogos, mas não é necessariamente o contexto mais pontual. E isso me leva a fazer uma pergunta já evidente: o que significa ser Brazilianist nesta nova fase de interpretação histórica, quando uma das preocupações principais é o resgate da disciplina "história" da hegemonia da nação?14 14 Essa frase vem do título do livro do historiador Prasenjit DUARA (1997).

Nos anos 1980, durante a auge do debate acadêmico relativo à teoria feminista nos Estados Unidos, a chamada "standpoint theory" surgiu como uma abordagem bastante influente (Ryan, 2005RYAN, Michael. "Standpoint Theory." Encyclopedia of Social Theory, v.2. George Ritzer (Org.) Thousand Oaks, CAL: Sage Reference, 2005. p.789.). A versão mais simplista dessa "teoria" insistia numa ligação direta entre identidade coletiva e a perspectiva (ou o olhar) da autora. Por exemplo, segundo essa abordagem teórica, a produção intelectual de autoria feminina sempre manifestaria traços da sua condição assumida de mulher (ou de latina, ou afrodescendente, ou gay, e assim por diante). E a autoridade do saber de certo/a autor/autora refletiria a standpoint, ou seja, um ponto de vista, que exporia, então, a posição social dele/dela. O conceito de brasilianista forjado no início dos anos 1970 seguia mais ou menos a lógica dessa versão de standpoint theory que, apesar dos seus aspectos meio simplistas, tinha certa aplicabilidade naquele contexto.

Com o crescente impacto das teorias pós-modernas ao longo dos anos 1980, a "standpoint theory" sofreu uma série de modificações. O maior problema foi a persistência de um grau de essencialismo, e várias teóricas feministas procuravam repensá-la, insistindo em que um único indivíduo poderia adotar perspectivas múltiplas e que a autoridade do saber deveria ser pensada como um efeito das lutas políticas e não simplesmente como elementos fixos de uma identidade pré-configurada (Harding, 2003HARDING, Sandra (Org.) The Feminist Standpoint Theory Reader: Intellectual and Political Controversies. London: Routledge, 2003.). Enfim, essa revisão teórica procurava manter a noção da ligação entre identidade e autoridade e, ao mesmo tempo, abrir mão do essencialismo e da homogeneidade em favor dos conceitos pós-modernos de hibridez e instabilidade. Enquanto a versão inicial da standpoint theory ofereceu uma fácil resposta às perguntas: "quem é um brasilianista?"; "qual é seu lugar?", essa nova versão da standpoint theory dificultava qualquer tentativa de dar uma resposta que colocasse o brasilianista e o historiador brasileiro radicado no Brasil em lugares nitidamente distintos e fixos. E, por isso, seria inútil procurar marcas de identidade na produção dos historiadores dependendo do seu "lugar de origem". Não pretendo insistir numa coincidência entre teoria e ontologia, mas acredito que tanto as inovações na conceituação de identidade quanto as mudanças na própria disciplina de história conspiraram para complicar a questão que serve de título a este artigo.

Até agora tenho dedicado a maior parte da minha análise a uma série de argumentos com o propósito de mostrar que o conceito e a imagem inicial do brasilianista já são noções antiquadas, senão arcaicas. Mas seria um exagero expressar que o historiador, atualmente, trabalha num espaço que transcende lugar e contexto. Mesmo com todas as transformações na disciplina, há certos aspectos da localização acadêmica do historiador do Brasil radicado nos Estados Unidos que influem na direção da sua pesquisa, e tendem a distinguir-se da sua contrapartida no Brasil. Por exemplo, normalmente o historiador do Brasil norte-americano é o único professor no seu departamento que trabalha nessa área de especialização. Portanto, quando um orientando meu se prepara para fazer concurso, sei que ele/ela vai enfrentar uma sala onde estará presente, talvez, uma única pessoa que pesquisa a América Latina e, absolutamente ninguém mais que tenha se especializado na temática, principalmente em história do Brasil. Meus alunos buscando inserção no mercado de trabalho se armam para explicar, em poucas palavras, a importância do tema das suas teses, e geralmente procuram ligar as suas pesquisas a uma questão - gênero, preconceito racial, urbanização - que facilita uma articulação com a historiografia dos Estados Unidos ou da Europa. Muitas questões de grande relevância para os historiadores localizados no Brasil - especialmente na esfera de história política e intelectual - são menos viáveis para doutorandos das universidades norte-americanas, justamente porque a importância dessas temáticas é menos evidente para o público acadêmico dos Estados Unidos.

Existe outra "ansiedade" entre os estudiosos da história do Brasil nos Estados Unidos que me parece existir, também, na academia brasileira, mas num registro diferente. Isto é, a preocupação com os lugares ocupados (neste caso, talvez sinônimo de "prestígio") pela história do Brasil e pela história da América Latina, em geral, dentro da disciplina de história. Em razão do lugar privilegiado ocupado pela "civilização ocidental" na academia norte-americana até muito recentemente, os estudiosos da América Latina quase sempre acabaram ocupando um lugar relativamente periférico. No auge da Guerra Fria, o governo norte-americano valorizava certas linhas de pesquisa sobre América Latina, mas isso não gerava o mesmo nível de valorização nos altos círculos acadêmicos. Por conta disso, muitos estudiosos da América Latina - incluindo os do Brasil -, nos Estados Unidos, hoje, se identificam intelectualmente com o projeto pós-colonial articulado de maneira mais eloquente pelo historiador indiano Dipesh Chakrabarty. Em seu livro já canônico, Provincializing Europe (2000CHAKRABARTY, Dipesh. Provincializing Europe: Postcolonial Thought and Historical Difference. Princeton, NJ: Princeton University Press, 2000.), Chakrabarty montou uma crítica profunda e instigante de uma linha historicista que associa a história da Europa (e lugares afins) com o universal e a história de lugares como Índia, África e América Latina, entre outros, com o particular. Essa crítica surgiu, primeiramente, da Escola de Estudos Subalternos, com suas raízes no sul da Ásia, mas essa perspectiva tem referenciado os trabalhos de muitos historiadores da América Latina, atualmente.15 15 Alguns exemplos são THURNER e GUERRERO, 2003, e MIGNOLO (2005). Está fora das finalidades deste artigo elaborar todas as implicações desse novo compromisso intelectual, mas, para mim, uma das repercussões mais significativas é a recusa total da noção do excepcionalismo norte-americano e da noção da história do Brasil (ou da Índia ou do México) como uma narrativa de "fracasso". A primeira geração de brasilianistas - com vários historiadores que se identificaram com a política da esquerda e que montaram críticas profundas do papel dos Estados Unidos na América Latina - não escapou de certo olhar que posicionava os Estados Unidos como a nação-sucesso, e o Brasil (com seu governo autoritário e graves desigualdades) como a nação-fracasso. O novo olhar, inspirado pela teoria pós-colonial, não dispensa uma visão crítica, mas insiste em que práticas democráticas e políticas sociais devam ser entendidas historicamente no seu contexto transregional ou transnacional, levando em conta, ainda, a constante construção de hierarquias de diferença e poder que formam os parâmetros de sucesso e fracasso, e interferem na distribuição de recursos, tanto materiais como simbólicos.

Entre os vários propósitos que surgem desse (relativamente) novo olhar pós-colonial, há a insistência no valor da produção intelectual fora do "Norte Global" e a sua indispensabilidade para construir uma visão histórica que evite a reinscrição do triunfalismo ocidental. Mesmo a nova orientação que produziu áreas temáticas como o Mundo Atlântico e a Diáspora Africana não garante uma visão mais ampla do protagonismo histórico - muitos estudos nessas áreas não vão além do mundo anglófono e ignoram, por exemplo, os trabalhos pioneiros de Artur Ramos e José Honório Rodrigues, e muitos livros disponíveis, exclusivamente, em português.16 16 O importante livro de GILROY (1993) sobre o "Atlântico negro" ignora quase completamente o mundo fora das regiões anglofônicas (há no livro, exatamente, duas referências ao Brasil).

Aliás, a questão de língua é algo que continua criando certas formas de desigualdade na esfera de estudos históricos, em geral, e, especificamente, entre historiadores do Brasil segundo seu lugar de formação. O inglês segue sendo a língua franca do mundo acadêmico, e a potencialidade para uma circulação mais ampla de um trabalho escrito em inglês, comparado com um redigido em português, é indiscutível. Devo apontar que há sinais de uma leve alteração nessa política de publicação, contudo. A última década trouxe o lançamento, em inglês, de vários livros de autoria brasileira, inclusive trabalhos de Laura de Mello e Souza, João José Reis, Mariza de Carvalho Soares, Durval Muniz de Albuquerque Júnior, Lilia Schwarcz, Paulo Fontes e, finalmente, em 2012, Roots of Brazil de Sérgio Buarque de Holanda. Mas há muitos historiadores brasileiros de renome cujos trabalhos continuam acessíveis somente aos colegas que conseguem ler português.

Portanto, traduções para inglês não são o único meio de facilitar a circulação de trabalhos além das fronteiras do Brasil. Alguns anos atrás, uma colega no Departamento de História da NYU, cuja atual pesquisa trata de escravidão indígena no Caribe, me avisou que estava estudando a língua portuguesa. O motivo? Ela achava absolutamente indispensável ler o livro de John MonteiroMONTEIRO, John M. Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 1994., Negros da terra, sobre a escravidão indígena na São Paulo colonial. Pensei em sugerir que ela lesse a dissertação dele, defendida na University of Chicago e redigida, naturalmente, em inglês.17 17 MONTEIRO, 1985. Uma versão em inglês de Negros da Terra está sendo preparada e será lançada pela Cambridge University Press, em 2017. Mas John tinha incorporado muitas pesquisas novas e argumentos refinados ao livro, e por isso, a tese defendida em 1985 não seria uma plena substituta para o texto publicado em 1994. De qualquer jeito, gostei da ideia de essa colega se sentir obrigada a aprender português.

A tragicamente abreviada carreira de John Monteiro exemplifica até qual ponto um historiador pode reimaginar seu "lugar" e ir além das geografias convencionais do saber. Embora John tenha nascido em Minnesota e se graduado e pós-graduado nos Estados Unidos, ele se dedicou ao mundo universitário brasileiro; publicou sua obra-mestra em português, e criou novos parâmetros para interpretar a história da população indígena no Brasil. Mas ele voltou várias vezes aos Estados Unidos para dar cursos, participou de muitos congressos e seminários internacionais, publicou importantes artigos em inglês, e se tornou uma referência indispensável para historiadores e antropólogos trabalhando com questões de escravidão e culturas indígenas por toda parte, nas Américas. E, nos últimos anos da sua vida, ele estava indo ainda mais longe, pesquisando ideologias de raça e mestiçagem, no Brasil e na Índia portuguesa.18 18 Veja o último capítulo, p.194-216, "Raças de gigantes: Mestiçagem e mitografia no Brasil e na Índia portuguesa" em MONTEIRO, 2001.

John Monteiro conseguiu construir uma identidade intelectual excepcional que atravessava muitas fronteiras, inclusive de país e de disciplina. Seria impossível chamá-lo de Brazilianist. Em comparação, a maioria dos norte-americanos que estudam a história do Brasil segue um percurso acadêmico que reflete sua localização fora dali; quando eles estão/nós estamos no Brasil pesquisando, lecionando, ou matando saudades, continuam/continuamos sendo (mesmo sem querer) um pouco fora do lugar. No final das contas, acredito que a velha imagem do brasilianista já é coisa do passado; novas gerações, novos olhares e novas direções na disciplina de história transformaram essa figura num anacronismo. Mas alguns traços permanecem e certas inovações geraram novas divergências e novos desafios. Para concluir, diria que sou ainda uma brasilianista, mas nem tanto.

REFERÊNCIAS

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    » http://revistas.fflch.usp.br/anphlac/article/view/1225/1088

NOTAS

  • 1
    A primeira versão deste texto foi apresentada na forma de conferência no Simpósio ANPUH 2015, em Florianópolis, no dia 29 jul. 2015. Apresento meus agradecimentos ao Rodrigo Patto Sá Motta, presidente da ANPUH Nacional 2014-2015, pelo convite.
  • 2
    Esta é uma pequena confirmação de algo que todos nós já sabíamos - que a Guerra Fria impôs um notório grau de censura intelectual no mundo acadêmico, mesmo nos países supostamente democráticos.
  • 3
    Sobre a trajetória acadêmica da historiadora Emília Viotti da Costa, consultar o seu perfil, de minha autoria, no Dictionary of Caribbean and Afro-Latin American Biography. Ed. Henry Louis Gates e Franklin W. Knight. New York: Oxford University Press, 2016 (no prelo).
  • 4
    O jovem historiador em questão era Francisco Foot Hardman que, certamente, não estava sabendo da minha crise de consciência. O livro que resultou da proposta é HARDMAN, 1983HARDMAN, Francisco Foot. Nem pátria nem patrão!: vida operária e cultura anarquista no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1983.. Para mostrar até qual ponto meu raciocínio não fazia muito sentido, o seu projeto de doutorado tratou da história da Amazônia. Ver HARDMAN, 1988______. Trem-fantasma: a ferrovia Madeira-Mamoré e a modernidade na selva. São Paulo: Companhia das Letras, 1988..
  • 5
    Sobre o radicalismo da minha geração de historiadores (ou uma boa parte dela), ver WEINSTEIN, 2001WEINSTEIN, Barbara. Buddy, Can You Spare a Paradigm?: Reflections on Generational Shifts and Latin American History. The Americas, New York: Cambridge University Press, v.57, n.4, p.453-466, 2001..
  • 6
    Uma excelente introdução à trajetória da influência de Antonio Gramsci e do conceito de hegemonia escrito por um dos maiores estudiosos do Gramsci na Argentina: ARICÓ, 1988.
  • 7
    A única exceção foi a região da América Central, principalmente em razão da Revolução Sandinista, na Nicarágua.
  • 8
    Essa categoria, diferente de "pioneiros" e "filhos de Castro", não tem muito valor analítico e indica até qual ponto essa geração, como grupo, fugia de qualquer identidade coerente.
  • 9
    WEINSTEIN, 1994______. Not the Republic of Their Dreams: Historical Obstacles to Political and Social Democracy in Brazil. Latin American Research Review, Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, v.24, n.2, p.262-273, 1994.; nas palavras de Sérgio Buarque de Holanda, "o império dos fazendeiros só começa no Brasil ... com a queda do Império" (citado em CARVALHO, 1988CARVALHO, José Murilo de. Teatro de sombras: a política imperial. Rio de Janeiro: Iuperj; São Paulo: Vértice, 1988., p.21).
  • 10
    Essa frase é geralmente atribuída ao republicano histórico Joaquim Saldanha Marinho (1816-1895).
  • 11
    Scott mapeia o caminho para essa conclusão no "Afterword" da nova edição do seu livro (SCOTT, 2000SCOTT, Rebecca J. "Afterword." In: ______. Slave Emancipation in Cuba: The Transition to Free Labor, 1860-1899. 2.ed. Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 2000., p.295-302).
  • 12
    Sobre o viés transnacional, ver SEIGEL, 2009______. Uneven Encounters: Making Race and Nation in Brazil. Durham, NC: Duke University Press, 2009., p.1-4; WEINSTEIN, 2013______. Pensando a história fora da nação: a historiografia da América Latina e o viés transnacional. Revista Eletrônica da ANPHLAC, São Paulo, n.14, p.13-29. 2013. Disponível em: http://revistas.fflch.usp.br/anphlac/article/view/1225/1088.
    http://revistas.fflch.usp.br/anphlac/art...
    .
  • 13
    A abordagem comparativa, que teve seu auge nos anos 1970, continuava privilegiando a nação. A crítica mais radical dessa abordagem é SEIGEL, 2005SEIGEL, Micol. Beyond Compare: Historical Method after the Transnational Turn. Radical History Review, Durham, NC: Duke University Press, n.91, p.62-90, 2005..
  • 14
    Essa frase vem do título do livro do historiador Prasenjit DUARA (1997DUARA, Prasenjit. Rescuing History from the Nation: Questioning Narratives of Modern China. Chicago: University of Chicago Press, 1995.).
  • 15
    Alguns exemplos são THURNER e GUERRERO, 2003THURNER, Mark; GUERRERO, Andres (Org.) After Spanish Rule: Postcolonial Predicaments of the Americas. Durham, NC: Duke University Press, 2003., e MIGNOLO (2005MIGNOLO, Walter D. The Idea of Latin America. Oxford: Blackwell, 2005.).
  • 16
    O importante livro de GILROY (1993GILROY, Paul. The Black Atlantic: Modernity and Double Consciousness. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1993.) sobre o "Atlântico negro" ignora quase completamente o mundo fora das regiões anglofônicas (há no livro, exatamente, duas referências ao Brasil).
  • 17
    MONTEIRO, 1985______. São Paulo in the Seventeenth Century: Economy and Society. Tese (Doutorado em História) - University of Chicago. Chicago, 1985.. Uma versão em inglês de Negros da Terra está sendo preparada e será lançada pela Cambridge University Press, em 2017.
  • 18
    Veja o último capítulo, p.194-216, "Raças de gigantes: Mestiçagem e mitografia no Brasil e na Índia portuguesa" em MONTEIRO, 2001______. Tupis, tapuias e historiadores: estudos de história indígena e do indigenismo. Tese (Livre Docência) - IFCH, Universidade de Campinas. Campinas, 2001..

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Ago 2016
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2016

Histórico

  • Recebido
    11 Fev 2016
  • Aceito
    26 Mar 2016
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