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As independências no Brasil e na América Hispânica. História, memória e historiografia 200 anos depois

The Independences in Brazil and in Hispanic America. History, Memory and Historiography 200 Years Later

Reinscrever a independência do Brasil no âmbito das agendas que mobilizam, no presente, a comunidade científica interessada em explicar o passado e, na medida do possível, com ele aprender, constitui tarefa de amplo desafio. A começar pelo fato de que, como é próprio das efemérides históricas, o ato de lembrar, comemorar, celebrar tem como sua inevitável contrapartida o esquecimento. O que, para os mecanismos da memória, pode até se revelar algo positivo e mesmo necessário para nos livrar daquele tormento paralisante provocado por uma hipotética lembrança absoluta1 1 Drama este tão bem retratado por Jorge Luis Borges no seu célebre conto “Funes, o Memorioso”, cujo personagem guardava tanta informação que, para reconstituir um dia, gastava outro dia inteiro. . Mas, não nos isenta da tarefa de insistir, enquanto historiadores, no que muitos talvez prefiram esquecer ou deturpar a propósito do passado, assumindo o compromisso de compreendê-lo em sua historicidade.

No caso da independência do Brasil, esse dever do ofício implica admitir, antes de mais nada, estarmos diante de um tema irredutível à separação política com Portugal, no seu marco cronológico mais conhecido, de 1822. Trata-se, ao invés disso, de abordar a história das múltiplas ressonâncias deste passado, que permanece atual e atuante, resguardando inegável interesse social e historiográfico. Resulta daí a importância de recentes formulações empenhadas em problematizar alguns dos pressupostos contidos no próprio marco comemorativo destes 200 anos, lembrando-nos o quanto a história da independência do Brasil é inseparável das memórias, dos saberes e das representações sobre ela produzidos, que em algumas de suas versões continuam impermeáveis à “reflexão crítica” acumulada sobre o tema (Oliveira, 2022bOLIVEIRA, Cecilia Helena de Salles. Ideias em Confronto: embates pelo poder na Independência do Brasil (1808-1825). São Paulo: Todavia, 2022b., p. 191).

Ao mesmo tempo, é esta a história de um passado portador de valor histórico em si; “perpétua alteridade” a reivindicar os procedimentos críticos da História como disciplina autorizada a reconstituí-lo e problematizá-lo - sem submetê-lo “forçosamente ao presente” (Pimenta, 2022PIMENTA, João Paulo. Independência do Brasil. São Paulo: Contexto, 2022., p. 9) -, e a lançar aos historiadores novos questionamentos e desafios, estimulando o debate sobre sua prática, seu lugar e seu papel na sociedade. Isto porque os “confrontos teórico-práticos entre historiadores” são, também eles, travados no mesmo espaço de “disputa pela definição das balizas organizadoras da memória coletiva”, ou seja: dos referentes sociais e políticos que informam a percepção que uma sociedade “têm da realidade e, em se tratando de historiadores, também do seu ofício” (Jancsó, 2003JANCSÓ, István (Org). Brasil: Formação do Estado e da Nação. São Paulo:Hucitec, 2003., p. 18).

Assim tomada, a história da independência do Brasil revela-se, também, a história da sua memória e da sua historiografia. Tema saturado de temporalidade, cuja revisitação constitui ocasião propícia para atualizarmos - seguramente de forma menos ingênua e despretenciosa - aquela pergunta com a qual o historiador Marc Bloch foi surpreendido por seu filho: afinal, “para que serve a História?” (Bloch, 2001BLOCH, Marc. Apologia da história: ou o ofício de historiador. Rio de Janeiro: Zahar, 2001., p. 41).

É neste sentido que se justifica a proposta do presente Dossiê, cujo objetivo consiste em reunir contribuições que revisitem o tema da independência do Brasil nos marcos comemorativos do seu Bicentenário (1822-2022), restituindo-o à sua complexidade e atualidade. Evidentemente, a abordagem que orienta seus organizadores, assim como as opções temáticas e os recortes eleitos pelos autores dos artigos que o compõem, resultam do diálogo estabelecido com o saber acumulado na perspectiva da superação, assim como da incorporação de contribuições e problemáticas permanentemente recicladas. Embora esse “movimento pendular entre o que se tem por sabido e as evidências empíricas da sua incompletude” (Jancsó, 2008JANCSÓ, István. Brasil e brasileiros: Notas sobre modelagem de significados políticos na crise do Antigo Regime português na América. Estudos Avançados, v. 22, n. 62, pp. 257-274, 2008., p. 257) não constitua exatamente uma novidade na produção do conhecimento histórico, permanece como condição imprescindível para aquele exercício de “elucidação historiográfica”, melhor definido como a “ferramenta por meio da qual é possível assumir a herança que pesa sobre o domínio preciso de que nos ocupamos e traçar os seus limites” (Julia, 1995JULIA, Dominique. A religião: história religiosa. In: LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre (Orgs.). História: novas abordagens. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995. pp. 106-131., p. 125), assim como suas possibilidades de avanço.

Seguramente, tal exercício não implica elaborar um balanço exaustivo das principais contribuições que constituíram e constituem sucessivas versões da independência do Brasil - tarefa no mínimo difícil e que não cabe no escopo deste artigo introdutório, cuja pretensão é mais modesta. Procuramos, sobretudo, abordar algumas das problemáticas que permanecem atuais no contexto deste Bicentenário - deixando de fora, como é inevitável, muitas outras -, justamente por partirmos da compreensão de que estas se (re)definem na confluência de questões e demandas candentes, com as condições presentes de produção do conhecimento histórico. Problemáticas, portanto, que continuam a modelar as relações entre a disciplina e seus objetos, sugerindo outras tantas possibilidades de futuro abertas à história da independência do Brasil.

Nas reflexões que seguem, procuraremos abordar aquelas que mais diretamente orientam o enfoque proposto por este Dossiê, o qual vincula, histórica e historiograficamente, as independências no Brasil e na América Hispânica. Tal perspectiva justificou o esforço de reunirmos investigações produzidas nos contextos dos seus respectivos bicentenários, reatualizando a discussão acerca das dimensões paralelas e articuladas destes processos.

Esperamos, desse modo, que, a partir de suas respectivas filiações historiográficas e dos objetos de pesquisa de suas eleições, tais contribuições tragam à tona as múltiplas facetas mediante as quais a década de 1820 foi vivenciada, em praticamente todos os territórios americanos das monarquias ibéricas e em suas diferentes temporalidades, como uma época efetivamente revolucionária, sob os impactos do liberalismo. De tal forma que, posta em contexto, a independência do Brasil possa ser explicada a partir de estímulos histórica e reciprocamente provocados por experiências conectadas em distintas escalas de leitura temporal e espacial.

1 O PROBLEMA DAS NATURALIZAÇÕES E MITIFICAÇÕES EM TORNO DAS INDEPENDÊNCIAS

Sublinhar as conexões e os diálogos da história e da historiografia sobre as independências no Brasil e na Hispanoamérica, nos contextos de seus respectivos bicentenários, implica reconhecer, conforme formulado há algumas décadas pelo historiador argentino Halperin Donghi (1975HALPERIN DONGHI, Tulio. História da América Latina. 2. Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975., p. 7), o quanto este permanece sendo um “tema repleto de problemas”. A começar pelo fato de estarmos lidando com fenômenos que, na qualidade de eventos e processos, circunscreveram o quadro geral das sociedades ocidentais do período em questão, ao mesmo tempo que “variaram grandemente no tempo e no espaço” (Novais, 1986NOVAIS, Fernando Antônio. Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808). São Paulo, Editor Hucitec , 1986 [1972]., p. 4). O que implica o esforço de reinscrevê-los, quer na sua ampla variedade interna, quer nas suas conexões essenciais com outras experiências históricas de mesma natureza, desnaturalizando a forma como, tradicionalmente, foram tratadas algumas de suas diferenças e similitudes, assim como o pressuposto de que as independências teriam constituído um desfecho inexorável e linear da trajetória dos impérios ibéricos na América.

Além disso, significa levar em conta ser este um tema marcado por complexos entrelaçamentos entre história, memória e historiografia, dado que as primeiras formulações sobre o nacional, em vários destes países, surgiram sob o compromisso de elaboração das respectivas nacionalidades as quais, como se sabe, não precederam nem impulsionaram seus movimentos independentistas.

No Brasil, de acordo com o que já foi reiterado por relevantes sínteses e balanços historiográficos2 2 Importantes sínteses historiográficas sobre o tema já foram produzidas em diferentes momentos da historiografia brasileira, seja na forma de balanços críticos de obras e autores, seja através de obras coletivas expressivas das diversas perspectivas de abordagens, as quais constituem referências para estas reflexões introdutórias. Dentre eles: Mota (1972a; 2000), Jancsó (2005), Costa (2005), Pimenta (2009; 2022) e Malerba (2005; 2006). , a Independência ganhou suas primeiras formulações ainda durante o século XIX, através de um conjunto muito heterogêneo de materiais e narrativas que incluíam desde crônicas e relatos de viagem até memórias e compilações de documentos, organizados na tradição da história política e oficial oitocentista. Esta produção endossava versões que estiveram presentes desde os momentos cruciais da ruptura entre Brasil e Portugal, registrando-se em documentos, panfletos e discursos que circularam à época, responsáveis pela construção da imagem de uma independência necessária, legítima e ordeira, uma vez que não apenas responderia ao suposto “curso ‘natural’ de amadurecimento da colônia em relação à metrópole europeia”, como “soubera evitar as convulsões e destruições que tipificaram outros movimentos de independência, notadamente o hispano-americano” (Pimenta, 2008PIMENTA, João Paulo G. A Independência do Brasil e o liberalismo português: um balanço da produção acadêmica. Revista Digital de Historia Iberoamericana, v. 1, n. 1, pp. 70-105, 2008., p. 73). Entendimento este que se estendia à índole pacífica do povo brasileiro, supostamente “infenso às mudanças bruscas e às adesões radicais” (Costa, 2005COSTA, Wilma Peres. A Independência na Historiografia Brasileira. In: JANCSÓ, István (Org.). Independência: História e Historiografia. São Paulo: Hucitec , 2005. pp. 53-118., p. 69), reforçando o distanciamento em relação aos processos verificados na América Hispânica.

Este “caráter” da Independência foi tradicionalmente atribuído à benigna continuidade entre as monarquias portuguesa e brasileira, que teria sido capaz de preservar uma suposta unidade pré-existente - territorial, política e cultural -, sob o modelo do Estado dinástico orquestrado na figura D. Pedro I, concebido coevamente por José Bonifácio de Andrada e Silva como “o único que poderia fundamentar o Império Constitucional e conservar sua Integridade, Força e União”3 3 Cf. Claro [pseudônimo utilizado por José Bonifácio] (1944, pp. 85-88). Esta visão é registrada em inúmeros de seus escritos, e é por ele instrumentalizada no contexto mais imediato da Independência, quando cuidou de construir as bases de adesão ao sistema constitucional, vinculando-o à pessoa do Príncipe Regente (Silva, 1999; 2006). . Uma visão mitificadora da figura de ambos, alçados à condição de protagonistas da independência do Brasil e garantidores da unidade imperial, a partir de um projeto político supostamente coeso, cujo epicentro de formulação e irradiação para as demais províncias seria o Rio de Janeiro.

Ainda no século XIX, esta interpretação se consagra nas narrativas elaboradas pelos letrados reunidos no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) - fundado em 1838 por políticos de matriz liberal, alguns deles envolvidos diretamente na ruptura política com Portugal, e sob os auspícios do Imperador D. Pedro II -, aos quais se impunha a “tarefa de pensar o Brasil segundo os postulados próprios de uma história comprometida com o desvendamento do processo de gênese da Nação” (Guimarães, 1988GUIMARÃES, Manoel Luís Salgado. Nação e Civilização nos Trópicos: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o Projeto de uma História Nacional. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 1, pp. 5-27, 1988., p. 6).

Nascia daqui a escrita de uma História nacional carregada de forte “utilidade política e ideológica” (Pimenta, 2008PIMENTA, João Paulo G. A Independência do Brasil e o liberalismo português: um balanço da produção acadêmica. Revista Digital de Historia Iberoamericana, v. 1, n. 1, pp. 70-105, 2008., p. 74), na medida em que era compromissada com a própria consolidação do Império e da Monarquia. Sua versão mais conhecida é a obra do historiador Francisco Adolfo Varnhagen: História Geral do Brasil, encomendada inicialmente pelo IHGB e publicada entre 1854 e 1857, desdobrada na História da independência do Brasil, escrita em 1875 e publicada postumamente, em 1916. Responsável pela criação da matriz fundacionista da historiografia brasileira - aquela que prefigurava a Nação brasileira na obra colonizadora e pressupunha o Estado como seu demiurgo -, a vertente varnhageniana valorizava as continuidades reiteradas pela Independência, interpretada como o desfecho de um curso naturalmente “preparado” por Portugal e acelerado devido à transferência da Monarquia para o Rio de Janeiro, em 1808.

Embora abrigasse variações e tenha sido alvo da crítica liberal e republicana - que apontaria o legado colonial, monárquico e escravista como verdadeiros entraves ao progresso do país (Costa, 2005COSTA, Wilma Peres. A Independência na Historiografia Brasileira. In: JANCSÓ, István (Org.). Independência: História e Historiografia. São Paulo: Hucitec , 2005. pp. 53-118., pp. 60-64) -, esta linhagem interpretativa vigoraria até meados do século XX. Reiterada na obra do historiador Manuel de Oliveira Lima (1922LIMA, João Manuel de Oliveira. O movimento da Independência (1821-1822). Caieiras; São Paulo; Rio de Janeiro: Comp. Melhoramentos de S. Paulo, 1922.) - para o qual a Independência teria significado um “desquite amigável” entre Brasil e Portugal -, tornara-se representativa das visões que predominavam à época das efemérides do centenário da Independência, em 1922, quando, segundo a historiadora Cecília Helena Salles de Oliveira (2022aOLIVEIRA, Cecilia Helena de Salles. Historiografia e Memória da Independência. In: PIMENTA, João Paulo (Org.). E deixou de ser colônia: uma história da independência do Brasil. São Paulo: Edições 70, 2022a, pp. 371-414., p. 374), a revisão historiográfica desse episódio “depurou e fortificou as interpretações forjadas no século XIX”.

Assim, além de valorizar a dimensão supostamente “construtiva e unificadora do Império”, a obra de Oliveira Lima buscava conciliar o novo regime com o passado monárquico e imperial, apresentando o Império como uma espécie de “república disfarçada” - já que “internamente escondia um conteúdo liberal e constitucional adequado aos princípios americanos e aos padrões sociais estabelecidos pela colonização portuguesa” (Oliveira, 2022aOLIVEIRA, Cecilia Helena de Salles. Historiografia e Memória da Independência. In: PIMENTA, João Paulo (Org.). E deixou de ser colônia: uma história da independência do Brasil. São Paulo: Edições 70, 2022a, pp. 371-414., p. 398) -, sabendo evitar o curso revolucionário seguido pelas colônias hispano-americanas. Uma versão que endossava imagens coetâneas a 1822, como o argumento formulado pelo próprio José Bonifácio, o qual, respondendo às acusações que lhe pesavam por ter “plantado” a Monarquia, afirmava “que não podia ser de outro modo então”, dado que os brasileiros, “Como Colonos e Americanos tinham toda a disposição inata de serem Republicanos” e que, “para combater esta disposição só havia um meio, que era fazer depender [...] a independência da Realeza Constitucional” (Silva, s.d.SILVA, José Bonifácio de Andrada e. Notas; Coleção José Bonifácio, manuscrito n. 246. São Paulo (Museu Paulista). s.d.). Não sem motivos, a obra de Oliveira Lima revelou-se expressiva do consenso estabelecido entre “os governos republicanos dos anos de 1910 e 1920 e o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro” (Oliveira, 2022aOLIVEIRA, Cecilia Helena de Salles. Historiografia e Memória da Independência. In: PIMENTA, João Paulo (Org.). E deixou de ser colônia: uma história da independência do Brasil. São Paulo: Edições 70, 2022a, pp. 371-414., p. 398), que fundia o suposto “carisma” de D. Pedro à figura “ordenadora e construtiva” do Andrada, alçado à condição de “Patriarca da Independência”, o “Franklin brasileiro”, o “Fundador do Império”, o “Pai da Pátria” (Silva, 1999SILVA, Ana Rosa Cloclet da. Construção da Nação e Escravidão no pensamento de José Bonifácio: 1783-1823. Campinas: Ed. Unicamp; Centro de Memória, 1999.).

No contexto das comemorações do centenário da independência do Brasil, esta interpretação se desdobrou em festejos cívicos e iniciativas eivadas de “patriotismo nacionalista”, que buscavam conciliar o passado imperial com a jovem República. Resultou daí a reabilitação da figura do Imperador Pedro II, que, de maneira “descontextualizada” do regime que representou (Schwarcz, 1999SCHWARCZ, Lilia Moritz. As barbas do imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. 2. Ed. São Paulo: Companhia das Letras , 1999., p. 512), fora alçado à condição de “herói nacional”. Este investimento simbólico na valorização do passado imperial incluiu o translado dos seus restos mortais para o Brasil, juntamente com os da Imperatriz Tereza Cristina, em janeiro de 1921.

Tal iniciativa transformava “o último rito de passagem numa festa política” (Guimarães, 2009GUIMARÃES, Lucia Maria Paschoal. Os funerais de D. Pedro II e o imaginário republicano. In: SOIHET, Rachel et al. (Orgs.) Mitos, projetos e práticas políticas: memória e historiografia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, pp. 69-82, p. 79) cujo significado simbólico se vê reatualizado 100 anos depois, quando o atual governo federal se empenhou em tratativas diplomáticas com o governo português, que culminaram na autorização concedida para a vinda temporária do coração de D. Pedro I (IV em Portugal) ao Brasil, no âmbito das comemorações do Bicentenário4 4 A concessão pelo presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, foi anunciada em 22 de junho de 2022, e, em 23 de agosto deste ano, a cápsula de vidro contendo o coração de D. Pedro chegou ao Palácio do Planalto com honras de chefes de Estado. . Guardadas as devidas proporções5 5 Não se pode evitar o contraste da euforia patriótica e o seu apelo social por ocasião do centenário da Independência com a palidez das comemorações que marcam estes 200 anos, levadas a cabo por um governo conservador e ultradireitista, que subverte os próprios princípios republicanos. , em ambas as ocasiões a exaltação de um passado glorioso, associado ao Império e à Monarquia, é reveladora da sua utilidade em face dos percalços atravessados pelo regime republicano no Brasil.

Portanto, dentre tantas outras estratégias de revitalização da memória6 6 No contexto do centenário da Independência do Brasil, estas incluíram a fundação do Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro - cuja proposta discursiva, sob a direção de Gustavo Barroso, era construir uma verdadeira “biografia da nação” a partir dos grandes feitos e vultos do passado (Santos, 2006) -, desdobrando-se, ainda, nas homenagens rendidas ao “último Imperador” pela Câmara dos Deputados, por ocasião das comemorações do seu centenário natalício, em 1925 (Fagundes, 2015). , aquelas que marcam as efemérides da independência do Brasil continuam sendo emblemáticas do quanto este é um passado em disputa, suscetível a determinadas formas de interpelação e usos políticos como experiência legitimadora de interesses e demandas presentes, que continuam a nutrir uma cultura de história ancorada em elementos da memória. Neste mesmo sentido, estas se revelam ocasiões propícias para a problematização dos meandros discursivos e institucionais da escrita da história do Brasil e, portanto, convidativas a um repensar crítico sobre a prática e o lugar social dos historiadores.

Estes mesmos investimentos na memória e suas implicações para o revisionismo historiográfico marcaram as comemorações dos centenários das independências na América Hispânica. Celebradas em alguns casos durante a década de 1910, enquanto em outros até os anos de 1920, estas representaram ocasiões de enorme exaltação patriótica e de um intenso investimento em âmbito arquitetônico e escultural, que se propôs a naturalizar, na opinião pública, uma representação da história carregada de sentido épico, ancorada nas figuras dos “pais da pátria” e tributária de uma perspectiva marcadamente teleológica das independências.

Neste sentido, os festejos centenários em vários destes países contribuíram, decisivamente, para naturalizar uma série de interpretações sobre as independências reabilitadoras das “histórias pátrias” produzidas durante o século XIX, que, entrincheiradas nos auditórios locais, puseram-se a gerir o passado e reelaborá-lo de forma sintonizada com os respectivos processos de consolidação dos Estados nacionais (Pérez Vejo, 2010PÉREZ VEJO, Tomás. Los Centenarios en Hispanoamérica: la historia como representación. Historia Mexicana, v. 60, n. 1, pp. 7-29, 2010.). Efetivamente, um dos traços constitutivos do trabalho historiográfico no século XIX foi a construção de uma narrativa afinada aos próprios projetos de Estado em execução, para o que a reflexão sobre as independências, suas singularidades e seus “heróis” tornou-se inevitável. Conforme Germán Colmenares (Colmenares, 1997COLMENARES, Germán. Las convenciones contra la cultura: Ensayos sobre la historiografía hispanoamericana del siglo XIX. Bogotá: Tercer Mundo Editores, 1997., pp. XVI-XX), a historiografia oitocentista tendeu, assim, a reificar o período das independências ao considerá-lo um momento de epifania da Nação. Sob tal enfoque, os historiadores atuaram de maneira a estabelecer uma “fixação mítica” desse passado, que em breve seria transferida para o terreno do ensino de História7 7 Sobre os vínculos entre história, memória e historiografia para os casos hispano-americanos, ver ainda: Wasserman (2008), Palacios (2009), Alva (2009), Woll (1982), Corbo (2017). .

Também no caso da América Hispânica, a naturalização de certas interpretações dominantes dos processos de independência, durante o século XIX, teve efeitos duradouros nas historiografias nacionais posteriores e na formação das memórias coletivas em torno dos sucessos revolucionários. O cariz fortemente teleológico que adquiriram as narrativas das independências se refletiu em dois problemas mutuamente imbricados.

O primeiro deles foi o caráter de inevitabilidade do qual se revestiu a ideia de independência. Entre os historiadores hispano-americanos instalou-se, desde cedo, o consenso sobre a inexorável desintegração do Império espanhol, de maneira que, uma vez iniciada a crise da Monarquia com os acontecimentos de 1808, as declarações de independência seriam invariavelmente o objetivo estabelecido pelas lideranças revolucionárias. Esta interpretação não se sustenta à luz dos debates mais recentes, reveladores do quanto as independências não foram a única saída para a crise do Império, pois nos primeiros anos houve esforços significativos para estabelecerem-se regimes de autonomia variável no interior da Monarquia. A solução independentista só se tornou um objetivo desejável uma vez que fracassaram os intentos de reforma constitucional da Monarquia, no marco gaditano, e quando as dinâmicas polarizadoras da guerra tornaram inviáveis os esforços de recomposição da ordem imperial, a partir da lógica da autonomia8 8 Argumento este demonstrado por contribuições historiográficas incontornáveis para o debate, dentre as quais: Rodríguez (2008), Valdés (2006), Breña (2006), Chust (1999). .

Associada à ideia da inevitabilidade das independências, encontra-se, como desfecho daqueles processos, a ideia da primazia da nação como comunidade política predominante - senão exclusiva. Sustentada por uma narrativa evolucionista, a historiografia tradicional situou a maturação da “consciência nacional” dos criollos no rescaldo do regime colonial como um dos detonadores das independências que, sob tal enfoque, tornaram-se sinônimo da ideia de emancipação, isto é: da evolução progressiva de uma comunidade cultural que, no curso de 1810, havia encontrado a conjuntura política decisiva para alcançar a soberania nacional. Assim, as guerras de independências seriam conflitos nacionais (e nacionalistas) que supostamente opunham “espanhóis” a “uruguaios”, “equatorianos”, “mexicanos”, “chilenos”, etc. Tal paradigma também se viu fortemente questionado pela historiografia recente, permitindo superar o que François-Xavier Guerra (1999GUERRA, François-Xavier. De lo uno a lo múltiple: dimensiones y lógicas de la Independencia. In: MACFARLANE, Anthony; POSADA-CARBÓ, Eduardo (Eds.). Independence and Revolution in Spanish America: Perspectives and Problems. London: Institute of Latin American Studies, 1999. pp. 43-68., p. 45) denominou de esquema “nacionalitário”, que supunha teleologicamente que as independências eram a consequência política necessária de nacionalidades preexistentes. As novas pesquisas mudaram radicalmente este vetor interpretativo, propondo que as nações, antes que causa, são uma das consequências das independências, cujos perfis e singularidades constituíram um dos grandes e problemáticos processos do século XIX.

Em suma, é possível reconhecer que, assim como observado no caso do Brasil, as realizações encampadas no contexto dos respectivos centenários das independências hispano-americanas se converteram em ocasiões propícias para a reiteração dos mitos fundadores das novas nações que, enquanto mitos, incidiram nos imaginários coletivos e nas memórias históricas. Neste sentido, um dos esforços mais profícuos e conectados da historiografia destes países tem sido, 200 anos após suas independências, problematizar estes complexos entrelaçamentos entre história, memória e historiografia, embatendo-se contra as atuais apropriações políticas daquele passado, que, no esforço de o ressuscitarem, desvendam-se como farsa. Embora seja este um percurso que transcenda o campo delimitado pelos estudos acadêmicos, o contexto atual se revela fecundo para o debate e a crítica historiográfica, que, seguindo a senda aberta por estudos pioneiros, reorientam as interpretações sobre as independências.

Num de seus direcionamentos - e retomando abordagens cunhadas, sobretudo, nas décadas de 1980 e 1990 -, acentua-se a tendência a romper com interpretações cujos marcos de referência, numa perspectiva teleológica, eram os Estados-nacionais, tradicionalmente tomados como protagonistas de processos ainda em curso e em nome de um constructo nacional ainda inexistente à época das independências. Sob tal ênfase, os estudos do historiador argentino José Carlos Chiaramonte configuram-se uma referência inspiradora, na medida em que, a partir de uma contundente e bem fundamentada crítica historiográfica ao “mito das origens” - que, no caso argentino, remonta às intepretações liberais cunhadas pela “geração de 1837” -, enfrentam os viéses clássicos do anacronismo e do teleologismo. Ambos, segundo ele, responsáveis “por deformar a compreensão de tudo o que aconteceu antes da emergência da nação, por supô-la somente como seu antecedente, quando certo é que, considerado a partir de outra perspectiva, o período apresenta linhas de desenvolvimento que não necessariamente tendiam para este resultado” (Chiaramonte, 2009CHIARAMONTE, José Carlos. Cidades, Províncias, Estados: origens da Nação Argentina (1800-1846). São Paulo: Hucitec, 2009., p. 13)9 9 Sob tal enfoque, o autor empresta cuidadosa importância às concepções e ao vocabulário político correspondentes ao processo de emergência das “primeiras entidades soberanas surgidas desde o início do processo da independência” no rio da Prata, problematizando os termos em que foram habitualmente formuladas as origens da nação, da nacionalidade e do Estado argentinos. .

Vale notar que a atual tendência se coloca em sintonia com as teses modernistas sobre a “questão nacional”, que permanece sendo o “tema que mais tem atraído a atenção dos historiadores da independência no Brasil” (Malerba, 2006MALERBA, Jurandir (Org.). A Independência brasileira: novas dimensões. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2006., p. 23). Neste sentido, assumindo o distanciamento crítico em relação aos usos mais naturalizados e, talvez, mais conservadores da “nação”, historiadores de diferentes países têm admitido o caráter essencialmente moderno destes constructos políticos que emergem na “era das revoluções”. A partir deste consenso - um dos únicos, talvez, em meio à pluralidade de abordagens que representam -, dedicam seus esforços à compreensão sobre os modos particulares mediante os quais as sociedades modernas - produtos da industrialização, da divisão do trabalho e do capitalismo - recriaram formas de solidariedade equivalentes às relações outrora existentes em pequenas comunidades tradicionais. O que significa admitir que a nacionalidade, bem como o nacionalismo, são artefatos culturais de um tipo peculiar, cuja compreensão, segundo Benedict Anderson, implica “considerar com cuidado como se tornaram entidades históricas, de que modo seus significados se alteraram no correr do tempo, e por que, hoje em dia, inspiram uma legitimidade emocional tão profunda” (Anderson, 1989ANDERSON, Benedict. Nação e consciência nacional. São Paulo: Ática, 1989. , pp. 12-13).

Os insights proporcionados por estes estudos têm redirecionado as pesquisas sobre as independências, ajudando a desfazer aquela espécie de “primazia da nação” como referente das comunidades políticas daí derivadas, desvendando outras formas de soberania e elementos coesivos de outra natureza, que conviveram com a emergência do nacional. No caso do Brasil, pautadas em acervos documentais inéditos, ou insuficientemente trabalhados, as interpretações se deslocaram da ênfase tradicionalmente conferida ao estudo dos mecanismos formais que moldaram os novos Estados emergidos da crise do Antigo Regime português para a historicidade essencialmente moderna das nações em cujo nome eles foram instituídos. Assumindo que o Estado e a Nação constituem fenômenos distintos e não coetâneos, tais estudos passam a se interessar pelas variáveis situadas nas suas interfaces, como é o caso daquelas de natureza identitária, menos tangíveis, embora não menos relevantes “para a compreensão do universo dos valores, dos projetos, dos padrões de sociabilidade”, capazes de moldar comportamentos e orientar as variáveis nitidamente objetivadas da vida política (Jancsó, 2003JANCSÓ, István (Org). Brasil: Formação do Estado e da Nação. São Paulo:Hucitec, 2003., p. 20).

As contribuições de Istvan Jancsó e João Paulo Pimenta têm sido expressivas no sentido de consolidar esta perspectiva historiográfica, tornando “assente que não se deve tomar a declaração da vontade de emancipação política como equivalente da constituição do Estado nacional brasileiro”, sendo este um processo que remonta às dinâmicas de formação da sociedade colonial, em toda sua variedade interna, e que ultrapassa as primeiras décadas do século XIX. O que apenas reforça o reconhecimento de “que o nexo entre a emergência desse Estado com a da nação em cujo nome ele foi instituído é uma das questões mais controversas da nossa historiografia” (Jancsó; Pimenta, 2000JANCSÓ, István; PIMENTA, João Paulo Garrido. Peças de um mosaico: ou apontamentos para o estudo da emergência da identidade nacional brasileira. In: MOTA, Carlos Guilherme (Org.). Viagem Incompleta: Formação: histórias: a experiência brasileira. Vol. 1. São Paulo: Ed. Senac, 2000. pp. 127-175., p. 132).

2 AS ESCALAS DE OBSERVAÇÃO E ANÁLISE

Os desdobramentos destas abordagens críticas sobre o nacional foram amplamente favorecidos pela diversificação das escalas de leitura temporal e espacial, mediante as quais as independências passaram a ser problematizadas. Muito esquematicamente, é possível dizer que esse giro foi duplo. Por um lado, distanciando-se do “nacionalismo metodológico”, as independências foram inscritas em processos históricos mais amplos e vinculados a um contexto revolucionário de dimensões ocidentais, cujas conexões com os casos singulares passaram a ser exploradas. Por outro, os novos enfoques contribuíram para desmontar a narrativa construída pelos Estados nacionais que, tradicionalmente, tenderam a uniformizar as interpretações sobre as independências a partir do acontecido naquelas cidades capitais, que atuavam como seus supostos focos de irradiação em direção às periferias. Ao contrário disso, passou a haver uma valorização das assimetrias e diversidades que inscreveram as independências na virtualidade de múltiplos espaços, projetos, atores e temporalidades, resultando na construção de narrativas que rejeitam singulares.

Embora não seja inédito, o exercício de contextualização das independências no âmbito de fenômenos mais abrangentes, que extrapolam os casos específicos, tem se favorecido por novos aportes teóricos e metodológicos que, no caso do Brasil, revisitam matrizes interpretativas produzidas a partir das décadas de 1960 e 1970, momento que marca o processo de institucionalização e profissionalização da pesquisa histórica no país. Foi então que, retomando a interpretação pioneira de Caio Prado Jr. - que, em Evolução Política do Brasil, de 1933PRADO JR., Caio. Evolução política do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1933., conferira ênfase à ideia de descontinuidade representada pela Independência, entendida como “revolução”10 10 Pautado num aporte teórico marxista, Prado Jr. concebia a revolução da independência como o “termo final do processo de diferenciação de interesses nacionais, ligados ao desenvolvimento econômico do país, e por isso mesmo distintos dos da metrópole e contrários a eles”. Neste sentido, esgarçava-se a contradição entre a superestrutura política da colônia e o estágio de suas forças produtivas, provocando-se a ruptura como forma de dar lugar a outras formas, mais adequadas às novas condições econômicas e capazes de conter a sua “evolução” (Prado Jr., 1933, p. 47). -, trabalhos como os de Emília Viotti da Costa (1990 [1968]), Fernando Novais (1986NOVAIS, Fernando Antônio. Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808). São Paulo, Editor Hucitec , 1986 [1972]. [1972]) e Carlos Guilherme Mota (1970MOTA, Carlos Guilherme. Atitudes de inovação no Brasil (1789-1801). Lisboa, Horizonte, 1970.; 1972aMOTA, Carlos Guilherme (Org.). 1822: dimensões. São Paulo: Perspectiva , 1972a; 1972bMOTA, Carlos Guilherme (Org.). Nordeste 1817. São Paulo, Perspectiva, 1972b. ) estabeleceram novos parâmetros para a interpretação da independência do Brasil, cuja principal “novidade”, conforme sistematizado por João Paulo Pimenta (2009PIMENTA, João Paulo G. A independência do Brasil como uma revolução: história e atualidade de um tema clássico. História da Historiografia, Ouro Preto, n. 3, pp. 53-82, set. 2009., p. 64), talvez “tenha sido a construção de um amplo consenso de que a Independência se inseriu em um panorama mundial de variadas e assimétricas transformações políticas que, juntas, formam uma unidade histórica”.

Naquele momento, rompendo com a forte herança da historiografia liberal e nacionalista, que vigorara até meados do século XX, estes estudos incorporaram insights proporcionados pela problemática das “Revoluções Atlânticas” - formulada ainda nos anos 50, e cujas principais sínteses são as obras Jacques Godechot (1972GODECHOT, Jacques. Independência do Brasil e a Revolução do Ocidente. In: MOTA, Carlos Guilherme (Org.). 1822: dimensões. São Paulo: Perspectiva, 1972 [1956].pp. 27-37. [1956], Robert Palmer (1959PALMER, Robert R. The Age of Democratic Revolution. Princeton: Princeton University Press, 1959. 2 Vols.) e Eric Hobsbawm, 1990HOBSBAWM, Eric J. Nações e nacionalismo desde 1780: programa, mito e realidade. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1990 [1962]. [1962]) -, que passou a conduzir à apreciação de uma leitura comparativa dos fenômenos revolucionários desencadeados pela Revolução Francesa. No âmbito destas formulações, o termo “revolução” desvencilhava-se de sua conotação episódica, associada a “guerras de independência”, apresentando-se na sua dimensão processual, estrutural e sistêmica.

No caso luso-brasileiro, o processo político americano poderia, desde então, ser visto como indissociável do advento do liberalismo em Portugal, invariavelmente atribuído à Revolução Constitucionalista do Porto, autorizando uma compreensão da Independência como processo revolucionário ao mesmo tempo brasileiro e português11 11 Na interpretação consagrada por Fernando Novais, a articulação destes quadrantes da Monarquia portuguesa num mesmo fenômeno revolucionário é compreendida a partir da crise do “Antigo Sistema Colonial”, categoria analítica por meio da qual este historiador buscou compreender uma das dimensões da crise geral do Antigo Regime europeu nas colônias, cujo desdobramento desencadearia a independência do Brasil como processo revolucionário desenvolvido tanto em Portugal como no Brasil (Novais, 1986). - perspectiva que lançava nova ênfase ao marco representado por 1808, tomado como momento de um longo processo de ruptura, instaurador de abrangências e complexidades sinalizadoras do esgotamento da alternativa reformista aventada desde meados do século XVIII pelas coroas ibéricas, como resposta aos primeiros sintomas da crise geral do Antigo Regime.

A despeito das críticas já dedicadas a estas referências historiográficas e do acréscimo de contribuições pautadas numa inegável diversidade teórica e metodológica, observado desde então, estes “enquadramentos geográficos e cronológicos” permanecem incontestáveis, desautorizando a rejeição do “caráter revolucionário” das independências (Pimenta, 2009PIMENTA, João Paulo G. A independência do Brasil como uma revolução: história e atualidade de um tema clássico. História da Historiografia, Ouro Preto, n. 3, pp. 53-82, set. 2009., p. 69). A partir desta compreensão, estabelecer os vetores das conexões entre as experiências observadas, conduzindo à apreciação de suas influências cruzadas, assim como identificar em que aspectos e dimensões as independências promoveram rupturas e reiteraram permanências, continua a se impor como desafio à recente historiografia.

Neste sentido, manifestando aquela espécie de insatisfação identificada por Jacques Revel quanto aos usos tradicionais do exercício de contextualização12 12 O autor se refere, basicamente, aos usos “retórico”, em que o contexto apresentado produz um efeito de realidade em torno do objeto; “argumentativo”, em que o contexto apresenta as condições nas quais uma realidade particular encontra seu lugar; e “interpretativo”, em que se extraem do contexto as razões gerais que permitiriam explicar situações particulares (Revel, 1998, p. 27). , próprios ao ofício do historiador, observa-se, nas últimas décadas, um maior esforço por reconstituir as modalidades de articulação do objeto (as independências) com o contexto mais amplo (o panorama revolucionário de dimensões ocidentais), o qual, por sua vez, deixou de ser visto como unificado, homogêneo, determinante das escolhas e ações dos sujeitos. Daí a relevância assumida pelos fluxos transnacionais de ideias, projetos, notícias e pessoas, para a compreensão da trama histórica do período, permitindo-nos pensar as independências e os projetos de nação que emergem no continente americano, no decorrer das primeiras décadas do século XIX, como processos conectados e determinados reciprocamente.

Esta compreensão é acompanhada e favorecida pelo ajuste das escalas de observação e análise, que passam a focar as experiências revolucionárias articuladas do contexto ibero-americano, bem como a valorizar a interlocução entre pesquisadores destes países, com certo afastamento dos parâmetros marcadamente eurocêntricos que sustentaram as abordagens anteriores13 13 A experiência de trabalho do grupo Iberconceptos (rede internacional de pesquisadores dedicados à História conceitual, dirigido por Javier Fernández Sebastián) tem sido exemplar neste sentido, ao sobrepor, em suas escalas de análise, diversos planos: o marco atlântico, o espaço continental americano e as experiências nacionais. Esta interconexão de escalas tem permitido descentrar as análises puramente nacionais - ao situar as independências em contextos mais amplos -, assim como questionar modelos “difusionistas” (marcadamente francocêntricos), ao recorrer às singularidades dos usos do léxico da política moderna em espaços locais. Alguns dos resultados dos estudos daí derivados podem ser consultados no monumental Diccionario político y social del mundo iberoamericano (2009). . O que explica, em boa medida, a repercussão dos trabalhos do historiador franco-espanhol François-Xavier Guerra (2009GUERRA, François-Xavier. Modernidad e independencias: ensayos sobre las revoluciones hispánicas. Madrid: Ediciones Encuentro S. A., 2009.), cujo mérito reside no esforço de pensar as revoluções hispânicas e os processos de independência que se desdobram no continente americano como parte de um mesmo “conjunto político e cultural organicamente articulado e fundamentalmente sistêmico”.

Assim, as revoluções hispânicas e os processos de independência são pensados no âmbito da ruptura, operada nas formas e nos fundamentos da legitimidade política. Na sua visão, o desconhecimento mútuo da história das revoluções hispânicas, legado pela historiografia do século XIX, teria impedido que estas fossem vistas como profundamente interligadas, ignorando que “a simultaneidade e [a] semelhança” destes processos revolucionários são, justamente, os “traço[s] mais espetacular[es] deste período” (Guerra, 2009GUERRA, François-Xavier. Modernidad e independencias: ensayos sobre las revoluciones hispánicas. Madrid: Ediciones Encuentro S. A., 2009., p. 116). Apesar de focar fundamentalmente as experiências hispano-americanas,

a proposta de Guerra se revela sugestiva para se pensar comparativamente o caso luso-brasileiro, ajudando a estabelecer um campo de diálogos tradicionalmente invisibilizado pelas historiografias nacionais. Neste sentido, mais do que comparar o que se passa no Brasil com outras regiões das Américas, a possibilidade de pensar as independências como processos revolucionários articulados - para além das fronteiras dos Estados nacionais, que se revelaram seus produtos - tem se apresentado como alternativa às visões estereotipadas e niveladoras por meio das quais elas foram tradicionalmente tratadas. Tal esforço, ao mesmo tempo em que revela as singularidades do caso brasileiro, explicita aquilo que aproxima esta experiência histórica de outras que lhe foram contemporâneas, algumas das quais profundamente interligadas e convergentes, como é o caso daquelas que marcam as trajetórias dos Impérios ibéricos nas Américas.

No entendimento do historiador João Paulo Pimenta, cujos trabalhos constituem referência incontornável sobre o tema, uma “observação atenta dos desdobramentos imediatos da crise política, que, no início do século XIX, atingiu em cheio as debilitadas monarquias ibéricas”, é reveladora do quanto, embora eles tenham se dado a partir de situações distintas e de ritmos diferenciados, desde então as coisas caminharam “de mãos dadas” e articuladas “em torno de uma mesma conjuntura”. O que, segundo ele, foi condição suficiente para “estabelecer uma dinâmica de superação da ordem colonial no Brasil, que, ao contrário de separá-la do que ocorria na América espanhola, tornava as duas realidades indissociavelmente ligadas, interdependentes” (Pimenta, 2005PIMENTA, João Paulo G. Com os olhos na América Espanhola: a Independência do Brasil (1808-1822). Cadernos do CHDD, Fundação Alexandre de Gusmão, Centro de História e Documentação Diplomática, Brasília: A Fundação, ano IV, n. especial, pp. 3-22, 2005., p. 19).

Se, por um lado, a ênfase nas modalidades de articulação entre o que se passava na América portuguesa e nos diferentes quadrantes da América Hispânica torna possível abandonar a ideia de que a independência do Brasil, e o constructo nacional daí resultante, constituíram uma suposta “exceção” no continente, por outro, tal perspectiva tem sido sofisticada e favorecida pela ênfase concomitante na variedade interna do conjunto que, até 1822, integrava a porção americana da Monarquia portuguesa.

Assim, instituída na condição de “problema crucial a ser enfrentado” (Jancsó, 2005JANCSÓ, István (Org.). Independência: História e Historiografia. São Paulo: Hucitec; FAPESP, 2005., p. 22), a ênfase nas “multifacetadas experiências humanas” acumuladas no decorrer da colonização é denotativa de diferenças significativas de ritmos e escalas entre as partes do “mosaico brasílico”, bem como destas em relação à metrópole, cujos impactos sobre a configuração da crise que levou à ruptura com Portugal não podem ser desprezados. No mínimo porque, conforme reconhecido por István Jancsó, orientaram decisivamente as diferentes percepções das mudanças em curso, das quais “resultaram outros tantos projetos políticos, cada qual expondo, com maior ou menor nitidez, os contornos da comunidade humana cujo futuro político esboçavam” - os quais, no caso brasileiro, pouco recorreram a critérios de tipo nacional (Jancsó, 2003JANCSÓ, István (Org). Brasil: Formação do Estado e da Nação. São Paulo:Hucitec, 2003., pp. 20-27).

Este giro nas escalas de observação e análise tem sofisticado as interpretações sobre as independências, trazendo à tona suas nuances locais e mesmo regionais, amparadas pela pluralidade de projetos, ideias e tendências, assim como pelas diferentes leituras que as mudanças vivenciadas naqueles tempos acelerados obtiveram, por sujeitos também plurais.

No caso do Brasil, os arranjos políticos arquitetados a partir do Rio de Janeiro deixaram, assim, de ser tomados como sintoma do que se passava nas demais províncias, “como se a Corte e a cidade que a abrigava pudessem expressar a diversidade e a multiplicidade de circunstâncias que se verificaram” (Oliveira, 2022aOLIVEIRA, Cecilia Helena de Salles. Historiografia e Memória da Independência. In: PIMENTA, João Paulo (Org.). E deixou de ser colônia: uma história da independência do Brasil. São Paulo: Edições 70, 2022a, pp. 371-414., p. 411). Da mesma forma, as tendências destoantes do modelo de Estado unitário - ao qual tendeu a ser reduzida a história da nossa emancipação política, por uma historiografia que se impôs como “nacional” (Malerba, 2006MALERBA, Jurandir (Org.). A Independência brasileira: novas dimensões. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2006., p. 29) - deixaram de ser vistas como estigmas ou exceções a distenderem a suposta unidade a ser mantida, sendo restituídas à sua condição de virtualidades inscritas numa conjuntura atravessada pela marca da instabilidade e da provisoriedade, próprias às situações de crise14 14 O historiador Evaldo Cabral de Mello elabora uma contundente crítica a esta visão mitificada da suposta “unidade do Brasil”, cuja contrapartida foi a construção de outro mito historiográfico: o do separatismo e do republicanismo dos pernambucanos (Mello, 2001; 2004). .

Neste sentido, perguntar-se por que o Brasil preservou uma certa unidade territorial - que, tampouco, coincidiu com a configuração pré-existente - sob o modelo monárquico, diferentemente do que prevaleceu na América Hispânica, implica admitir que, se é verdade que historicamente as coisas aconteceram de uma certa maneira, poderiam perfeitamente ter sucedido de outra. Ou seja: é preciso levar em conta que tanto a unidade imperial, no caso do Brasil, foi uma construção política entre outras disponíveis - que testemunhou fortes anseios de autonomia local de inspiração republicana e separatista, os quais continuaram mesmo após 1822 -, como, no caso hispano-americano, os modelos unitários também foram pensados e, de certa forma, implementados como alternativas de futuro aberto pela dissolução do império espanhol.

Como consequência, esta perspectiva menos finalista e mais sensível às conjunturas e contingências de uma época revolucionária, em que se conectavam dinâmicas globais com processos locais, permite-nos entender a intensa experimentação política levada a cabo na América Hispânica, assim como no Brasil. Focando o primeiro caso, é possível concordar que não somente as independências estiveram inscritas em processos cujo desenlace esteve aberto e tensionado pelas incertezas do sistema político internacional (Ternavasio, 2021TERNAVASIO, Marcela. Los juegos de la política. Las independencias hispanoamericanas frente a la contrarrevolución. Buenos Aires: Siglo XXI , 2021.), como, também, os regimes que emergiram na sequência das declarações de independência caracterizaram-se pela indefinição das formas de governo que assumiram os Estados nacionais, cujas fronteiras tampouco estavam definidas de antemão, nem coincidiam necessariamente com as antigas divisões administrativas do Império espanhol.

Neste sentido, outra perspectiva teleológica convencional cai por terra, mediante a crítica historiográfica recente: aquela que concebeu como inevitável, para o conjunto dos países de América espanhola, o vínculo entre independência e republicanismo. Ainda quando a adoção massiva da República como forma de governo na região a tenha convertido num laboratório político formidável em escala global (Sabato, 2018SABATO, Hilda. Republics of the New World: The Revolutionary Political Experiment in Nineteenth-Century Latin America. Princeton: Princeton University Press , 2018. ), a aposta no regime republicano só foi possível quando outras formas políticas foram derrotadas ou, por circunstâncias específicas, não obtiveram consenso para se imporem como alternativas à crise. Como sabemos, José de San Martín defendeu regimes próximos ao monárquico, sob a forma de governos liderados por príncipes europeus, tanto no Rio da Prata como no Peru. Na Nova Espanha, por sua vez, ante a impossibilidade de se ter um membro da realeza Habsburgo disposto a aceitar assumir o trono do Império mexicano, Agustín Iturbide foi coroado imperador.

Se a adoção do regime republicano se deu nos marcos de diferentes conjunturas políticas e diplomáticas imprevisíveis pela revolução, as tensões políticas internas aos novos Estados colocam em evidência a natureza conflitiva do fator territorial em sua conformação. Assim, a profunda territorialização da política à época das independências remete tanto às divergências quanto à institucionalização da noção de soberania num momento pré-nacional que, no caso hispano-americano, esteve fragmentada entre cidades, províncias e reinos, abrindo espaço para o que Antonio Annino (2003ANNINO, Antonio. Soberanías en lucha. In: ANNINO, Antonio; GUERRA, François-Xavier (Coords.). Inventando la nación. Iberoamérica. Siglo XIX. México: Fondo de Cultura Económica, 2003. pp. 152-184., p. 156) identificou como um “conflicto estructural entre soberanías diversas”15 15 Para o caso do Rio da Prata, a contribuição de Chiaramonte nos revela a mesma disputa por soberanias, em diferentes escalas (Chiaramonte, 2009). .

Por isso, aquelas décadas serviram de laboratório político para se ensaiarem, dificultosamente - e muitas vezes por meio de guerras civis - diferentes e inéditas formas de articulação destas soberanias, que comportaram desde os governos de tipo federalista até os Estados definidos de maneira centralista e unitária, passando-se ainda por projetos políticos de caráter supraestatal, como demonstram os casos da Gran-Colômbia, da República Federal de Centro-américa, ou a Confederación Perú-Boliviana, em meados da década de 183016 16 Sob diferentes perspectivas teórico-metodológicas e a partir de contribuições situadas em distintos marcos da historiografia destes países, as experiências diversificadas quanto às disputas de soberania, à delimitação dos territórios e às formas de governos, aventadas durante e após as independências, são contempladas pelos estudos de: Chiaramonte (2009; 2004), Costeloe (1975), Carmagnani (1993), Ternavasio (2007), Morelli (2005), Avendaño Rojas (2009), Cartes Montory (2014). No Brasil, a publicação dos 3 volumes organizados por Marco Pamplona e Mäder, e publicados em português entre 2007 e 2010, referindo-se às revoluções de independência em cada um dos antigos Vice-reinos e nas Capitanias hispano-americanas, contribuíram enormemente para a divulgação desta recente historiografia entre o público acadêmico de língua portuguesa (Pamplona; Mäder, 2007; 2008; 2009). . Estas diferentes escalas de análise colocam em evidencia a profunda historicidade das fronteiras estatais, a difícil definição de seus contornos e a plasticidade das dinâmicas de interação entre o local e o nacional. Conforme sublinhado recentemente por Natalia Sobrevilla Perea (2021SOBREVILLA PEREA, Natalia. La disputa por las jurisdicciones y la formación estatal: federalismo, confederacionismo y centralismo en América del Sur 1808-1850. In: SOBREVILLA PEREA, Natalia (Ed.). Repúblicas sudamericanas en construcción. Hacia una historia en común. Lima: Fondo de Cultura Económica, 2021. pp. 19-58., p. 58): “Los Estados que hoy existen no tenían que ser necesariamente lo que son, ni tener las fronteras y organización interna que tienen”. Assim, o que acabou vingando foi o resultado conflitivo, histórico e aleatório dos processos de integração territorial do poder, que devem ser tomados como problema histórico de projeções nunca definidas de antemão.

No caso do Brasil, é legítimo dizer que a opção pelo regime monárquico e pelo formato imperial não estava sequer determinada pelas marcas estruturais da colonização portuguesa, a qual resultou em um conjunto pouco ou nada coeso de diferentes espaços coloniais, todos eles subjugados, em maior ou menor grau, ao poder metropolitano português. Desde o último quartel do século XVIII, essas singularidades que compunham o “mosaico brasílico” (Janscó; Pimenta, 2000JANCSÓ, István; PIMENTA, João Paulo Garrido. Peças de um mosaico: ou apontamentos para o estudo da emergência da identidade nacional brasileira. In: MOTA, Carlos Guilherme (Org.). Viagem Incompleta: Formação: histórias: a experiência brasileira. Vol. 1. São Paulo: Ed. Senac, 2000. pp. 127-175.) tenderam a se politizar, desencadeando movimentos sediciosos em várias partes do Brasil17 17 Como os que ocorreram nas capitanias de Minas Gerais (1789), do Rio de Janeiro (1794) e da Bahia (1798). . Mas nem mesmo essas manifestações eloquentes da crise do Antigo Regime português indicam um sentimento mais geral de coesão entre os súditos americanos, que permaneceram ligados às suas pátrias específicas, às prioridades de seus protagonistas, bem como a identidades de tipo particularista, sob uma mesma identidade portuguesa mais ampla. Tampouco tal sentimento mais geral tornou-se possível mediante a transferência da Corte portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808: fato inédito em toda a história da colonização moderna, instaurador de novas complexidades e instabilidades (Slemian, 2006SLEMIAN, Andréa. Vida Política em Tempo de Crise: Rio de Janeiro (1808-1824). São Paulo: Hucitec , 2006.) que em nada nos autorizam a tomar o favorecimento dos vínculos tradicionais com a Monarquia, ou a criação de um verdadeiro aparelho de Estado, montado no período joanino (Malerba, 2000MALERBA, Jurandir. A corte no exílio: civilização e poder no Brasil às vésperas da Independência. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.; Schultz, 2001SCHULTZ, Kirsten. Tropical Versailles: Empire, Monarchy, and the Portuguese Royal Court in Rio de Janeiro, 1808-1821. New York: Routledge, 2001.), como elementos suficientes para garantir a “unidade do Brasil”, e deste com Portugal. A começar pelo fato de que, por um lado, a inversão das condições assumidas pelo Rio de Janeiro e por Lisboa passou, desde então, a acirrar o descontentamento e o sentimento de “orfandade” de que foram tomados os súditos reinóis, acentuando as fissuras (de interesses e expectativas) entre as duas partes do Império luso-brasileiro (Silva, 2006SILVA, Ana Rosa Cloclet da Silva. Inventando a Nação: Intelectuais ilustrados e estadistas luso-brasileiros na crise do Antigo Regime português (1750-1822), São Paulo: Hucitec; FAPESP, 2006.). Concomitantemente, a transformação do Rio de Janeiro de cidade colonial em Corte imperial alterava profundamente o equilíbrio horizontal entre as partes do Brasil, gerando descontentamentos, aprofundando as diferenças entre os súditos americanos e alterando as rotas de peregrinação no conjunto do Império18 18 Reconfigurações e tensões estas observadas em diferentes quadrantes da América portuguesa, conforme demonstram estudos recentes (Silva, 2008; Machado, 2010; Slemian, 2006). .

Dessa forma, resulta legítimo supor que o Brasil nunca conheceu uma identidade política ou um poder soberano capaz de integrar plenamente suas partes assimétricas, de modo a predestiná-lo ao formato imperial e ao regime monárquico criado após 1822. Não foi fácil tornar tal opção viável nem, tampouco, mantê-la. O que nos autoriza a considerar o modelo imperial e o projeto do Estado dinástico não como meras continuidades com a construção política anterior, de cuja crise surgiram, mas como artefato político, inscrito num contexto carregado de potencial transformador das próprias circunstâncias que tornaram as independências um desfecho possível.

Tal constatação, longe de tornar a independência do Brasil um contraexemplo das variantes hispano-americanas, ilumina aquela que, talvez, possa ser considerada a principal semelhança entre estas experiências: o fato de não haver nenhuma inexorabilidade histórica em qualquer dos casos observados. Como observa István Jancsó: “A nação no sentido moderno, identificando sua soberania com a do Estado, era um projeto a ser inventado na América” (Jancsó, 2003JANCSÓ, István (Org). Brasil: Formação do Estado e da Nação. São Paulo:Hucitec, 2003., p. 21).

3 OS ATORES, SUAS IDEIAS E PRÁTICAS POLÍTICAS

Esta percepção nos leva a considerar que os aspectos efetivamente revolucionários das independências se colocam no âmbito de rupturas que não se limitam a mudanças de natureza política ou, mais restritamente, àquelas que tocam a esfera da legitimidade ou dos formatos assumidos pelos novos governos. Conforme admitido pela produção historiográfica recente, tais aspectos repousam, justamente, no potencial dos processos de independência de transfigurar os “elementos políticos, culturais, institucionais, econômicos e simbólicos” herdados do passado colonial (Pimenta, 2009PIMENTA, João Paulo G. A independência do Brasil como uma revolução: história e atualidade de um tema clássico. História da Historiografia, Ouro Preto, n. 3, pp. 53-82, set. 2009., p. 73); perspectiva que justifica a ênfase nestas tantas dimensões das independências, mediante a qual o “amálgama peculiar entre continuidades e descontinuidades” (Costa, 2005COSTA, Wilma Peres. A Independência na Historiografia Brasileira. In: JANCSÓ, István (Org.). Independência: História e Historiografia. São Paulo: Hucitec , 2005. pp. 53-118., p. 56), que tradicionalmente marcou o debate sobre a Independência na historiografia brasileira, ganha em complexidade e sofisticação.

Neste sentido, vale notar que os próprios contemporâneos estiveram conscientes da diversidade, da profundidade, da simultaneidade e, em muitos casos, da irreversibilidade das mudanças operadas entre finais do século XVIII e inícios do XIX, utilizando o conceito de “revolução” para englobar esta série de fraturas históricas com o passado (Oliveira, 2022bOLIVEIRA, Cecilia Helena de Salles. Ideias em Confronto: embates pelo poder na Independência do Brasil (1808-1825). São Paulo: Todavia, 2022b., pp. 11-12; Wasserman, 2019WASSERMAN, Fabio (Comp.). El mundo en movimiento: el concepto de Revolución en Iberoamérica y el Atlántico norte (siglos XVII-XX). Buenos Aires: Miño y Dávila Editores, 2019.). Além da percepção de estarem vivendo um momento de trânsito e crise - a qual desencadeava emoções confusas, que iam desde o entusiasmo até o temor -, os sucessos revolucionários implicaram uma mudança importante na percepção do tempo pelos sujeitos coevos, caracterizada por seu deslocamento em direção ao futuro - como horizonte capaz de emprestar sentido à ação política -, concomitantemente ao abandono crescente do passado (Wasserman, 2020WASSERMAN, Fabio (Ed.). Tiempos críticos: Historia, revolución y temporalidad en el mundo iberoamericano (siglos XVIII y XIX). Buenos Aires: Prometeo libros, 2020.).

Esse tempo acelerado - em que “as expectativas passam a distanciar-se cada vez mais das experiências feitas até então”19 19 Segundo Koselleck, reside aí uma das principais marcas da modernidade, a tal ponto que “só se pode conceber a modernidade como um tempo novo” (Koselleck, 2006, p. 314). - foi acompanhado por uma mudança profunda nos paradigmas linguístico-conceituais que pautavam as relações entre poder e sociedade. Nestes termos, as independências representaram não apenas mudanças políticas como, também, transformações na compreensão e na definição “do político” que coincidiram com o surgimento de um conjunto de conceitos que se propôs a redefinir as relações entre poder e sociedade, tais como “soberania”, “povo”, “nação”, “Estado”, “constituição”, “representação”, “cidadania”, “democracia”, “opinião pública”, “eleições”, etc. Por meio do intenso uso destes e de outros conceitos, diferentes atores buscaram redefinir e ressignificar os marcos de sua ação política, o que desembocou em diferentes potenciais e sentidos de ruptura com a antiga ordem política e social, emprestando complexidade aos processos das independências e, no caso hispano-americano, à adoção do republicanismo (Fernández Sebastián, 2021FERNÁNDEZ SEBASTIÁN, Javier. Historia conceptual en el Atlántico ibérico: lenguajes, tiempos, revoluciones. Madrid: Fondo de Cultura Económica de España, 2021. ). Estas mudanças no que concerne às ideias e aos conceitos estiveram vinculadas a transformações profundas nas formas de difusão dos discursos políticos, através de impressos que nutriram o nascente espaço comunicativo da “opinião pública” e de uma nova cultura política20 20 Sobre o tema, ver: Morel (2005), Neves (2005) e Carvalho, Bastos e Basile (2014). . A expansão da cultura impressa - representada pela proliferação de jornais, panfletos, pasquins, revistas, livros, folhetos, proclamações, etc., que se propunha a justificar a nova ordem de coisas, ou impugná-la (Carvalho; Bastos; Basile, 2014CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lúcia; BASILE, Marcello (Orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823). Vol. 1. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2014.) - contribuiu para posicionar a nova legitimidade da ordem política na nascente esfera pública moderna (Earle, 2002EARLE, Rebecca, The Role of Print in the Spanish American Wars of Independence. In: JAKSIĆ, Iván (Ed.). The Political Power of the Word: Press and Oratory in Nineteenth-Century Latin America. London: ILAS, Institute of Latin American Studies, .. pp. 9-33.; Guerra, 2002GUERRA, François-Xavier. Voces del Pueblo: redes de comunicación y orígenes de la opinión en el mundo hispánico (1808-1814). Revista de Indias, v. 62, n. 225, pp. 357-384, 2002.). O mesmo papel foi exercido em termos ritualísticos, uma vez que os novos Estados independentes se valeram de diferentes dispositivos simbólicos e culturais para socializar os novos conceitos e imaginários políticos. Isso torna possível admitir que a revolução política supôs, também, uma revolução iconográfica e festiva, que permitia aproximar os novos discursos e conteúdos políticos de audiências mais amplas (Ortemberg; 2013ORTEMBERG, Pablo (Dir.). El origen de las fiestas pátrias: Hispanoamérica en la era de las independencias. Rosario: Prohistoria , 2013.), convivendo, no caso do Brasil, “com toda uma liturgia do poder real que implicava também uma série de estratégias políticas” (Souza, 1999SOUZA, Iara Lis Carvalho. Pátria Coroada: o Brasil como corpo político autônomo, 1780-1831. São Paulo: Ed. Unesp, 1999., p. 208).

Desse modo, se as independências representaram mudanças importantes nas dinâmicas políticas e sociais, isto deveu-se, justamente, à politização e mobilização de diferentes setores sociais. Sob esta lente, novas perspectivas historiográficas têm contribuído para visibilizar e reposicionar a capacidade de agência de segmentos tradicionalmente destituídos de protagonismo nos conflitos da época, ou, no caso do Brasil, vistos como supostas ameaças ao projeto de Estado unitário e à ordem escravista. Derivam daqui abordagens menos essencialistas e idealizadas de suas ações, questionando-se, ao mesmo tempo, a noção de que as independências teriam sido experiências puramente “elitistas”, o que demonstra o quanto a crise imperial de inícios do século XIX implicou uma impressionante participação política das camadas populares, as quais, com diversos níveis de sofisticação ideológica ou de impacto institucional, posicionaram-se como ator coletivo inevitável na vida política do período, conferindo novos significados e abrangências ao radicalismo das independências21 21 Para o caso hispano-americano, ver as contribuições de: Guardino (1996), Sanders (2004), Di Meglio (2006), García-Bryce (2008), Warren (2001), Méndez (2005), Fradkin (2015). .

No caso do Brasil, as contribuições inevitavelmente destacam a participação de escravizados e livres de cor, cujo engajamento nas lutas políticas do período foi atrelado ao suposto “risco da anarquia” promovido pela “plebe ignorante”, ou ao que era designado coevamente como os riscos da “mal entendida liberdade” (Silva, 2005SILVA, Ana Rosa Cloclet da. Identidades políticas e a emergência do novo Estado Nacional: o caso mineiro. In: JANCSÓ, István (Org.). Independência: História e Historiografia, São Paulo: Hucitec , 2005. pp. 2015-256.), além de outros sinais distintivos que acenavam para as profundas clivagens raciais que marcavam a sociedade brasileira (Reis, 1989REIS, João José. O jogo duro do dois de julho: o “Partido negro” na independência da Bahia. In: REIS, João José; SILVA, Eduardo. Negociação e Conflito: a resistência negra no Brasil escravista. São Paulo: Companhia das Letras , 1989. pp. 79-98.; Kraay, 2001KRAAY, Hendrik. Race, State, and Armed Forces in Independence-Era Brazil: Bahia, 1790s-1840s. Stanford: Stanford University Press , 2001.; 2002KRAAY, Hendrik. “Em outra coisa não falavam os pardos, cabras, e crioulos”: o “recrutamento” de escravos na guerra da Independência na Bahia. Revista Brasileira de História , São Paulo, v. 22, n. 43, pp. 109-126, 2002.; Silva, 2022SILVA, Ana Rosa Cloclet da. O Brasil e a Crise do Antigo Regime, 1750-1808. In: PIMENTA, João Paulo (Org.). E deixou de ser colônia: uma história da independência do Brasil. São Paulo: Edições 70 , 2022. pp. 41-83.). Se, por um lado, esta ênfase muito se beneficiou do revisionismo historiográfico sobre a escravidão - o qual marcou a historiografia brasileira da década de 1990 -, por outro observa-se um direcionamento dos estudos recentes para a compreensão do envolvimento dos povos indígenas nas lutas do período, a partir de abordagens problematizadoras das visões estereotipadas e da invisibilidade à qual estes sujeitos estiveram tradicionalmente relegados pelas narrativas da memória e da história da independência do Brasil (Sposito, 2022SPOSITO, Fernanda. Povos indígenas na independência. In: PIMENTA, João Paulo (Org.). E deixou de ser colônia: uma história da independência do Brasil. São Paulo: Edições 70 , 2022. pp. 217-249.; Dantas, 2018DANTAS, Mariana Albuquerque. Dimensões da participação política indígena: Estado nacional e revoltas em Pernambuco e Alagoas (1817-1848). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2018.; Moreira, 2017MOREIRA, Vânia Maria Losada. Espírito Santo indígena: conquista, trabalho, territorialidade e autogoverno dos índios, 1798-1860. Vitória: Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, 2017.).

Neste sentido, ao romper com os marcos sociais convencionais, as independências também possibilitaram o questionamento de instituições como a escravidão e das discriminações jurídicas e econômicas que recaíam sobre a população indígena, instalando fortes controvérsias sobre os alcances dos conceitos de “igualdade”, “liberdade” e “cidadania”. Em qualquer dos casos observados, é possível reconhecer o peso gravitacional assumido pelas tensões interétnicas nas guerras e nos conflitos sociais que desencadearam as independências (cf. Echeverri, 2018ECHEVERRI, Marcela. Esclavos e indígenas realistas en la Era de la Revolución: Reforma, revolución y realismo en los Andes septentrionales, 1780-1825. Bogotá: Universidad de Los Andes, 2018.; Manara, 2021MANARA, Carla. Contrarrevolución en las fronteras: El liderazgo de los hermanos Pincheira en la guerrilla del Sur americano (1818-1832). Rosario: Prohistoria, 2021. ; Guzmán; Ghidoli, 2020GUZMÁN, Florencia; GHIDOLI, María de Lourdes (Eds.). El asedio a la libertad. Abolición y posabolición de la esclavitud en el Cono Sur. Buenos Aires: Biblos, 2020.; Blanchard, 2008BLANCHARD, Peter. Under the Flags of Freedom: Slave Soldiers and the Wars of Independence in Spanish South America. Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 2008.).

Por fim, o uso historiográfico da categoria de gênero tem permitido compreender, a partir de perspectivas renovadas, os diferentes papéis assumidos pelas mulheres durante as independências, rompendo com o silenciamento de uma história até então contada pelo crivo de supostos heróis masculinos (cf. Perrot, 2005PERROT, Michelle. As mulheres ou os silêncios da história. Bauru: EDUSC, 2005. ; Del Priore; Bassanezi, 2004DEL PRIORE, Mary; BASSANEZI, Carla Beozzo (Eds.). História das mulheres no Brasil. São Paulo: Editora Contexto; Editora da Unesp, 2004.; Davies; Brewster; Owen, 2011DAVIES, Catherine; BREWSTER, Claire; OWEN, Hilary. South American Independence: Gender, Politics, Text. Liverpool: Liverpool University Press, 2011.; Chambers, 2013CHAMBERS, Sarah C. ¿Actoras políticas o ayudantes abnegadas? Repensando las actitudes hacia las mujeres durante las guerras de independencia hispanoamericanas. In: THIBAUD, Clément et al. (Dirs.). L’Atlantique révolutionnaire: une perspective Ibéro-Américaine. Rennes: Les Perséides, 2013. pp. 301-331. e Prado, 1991-1992PRADO, Maria Lígia Coelho. Em busca da participação das mulheres nas lutas pela independência política da América Latina. Revista Brasileira de História , v. 12, n. 23-24, pp. 77-90, set. 1991-ago. 1992.). Neste sentido, o que se nota são abordagens apuradas, fundamentadas em documentos inéditos que, ao trazerem à tona estas protagonistas, contribuem para desmontar versões oficiais da história, que operaram na mesma lógica predominante do século XIX: aquela que reservava às mulheres um papel submisso, restrito ao âmbito doméstico e devocional22 22 Estereótipos que, no caso do Brasil, remontam à formação da sociedade colonial (Del Priore, 2009; Algranti, 1999). , ocultando que, no contexto da Independência, muitas delas “atuaram num circuito claramente identificado com o da política, motivadas por ideias, sentimentos e crenças que as levavam a romper com os padrões sociais e religiosos vigentes” (Prado, 1991-1992PRADO, Maria Lígia Coelho. Em busca da participação das mulheres nas lutas pela independência política da América Latina. Revista Brasileira de História , v. 12, n. 23-24, pp. 77-90, set. 1991-ago. 1992., p. 90)23 23 No caso do Brasil, além do importante papel assumido pela Princesa Leopoldina - que chegou a ocupar o cargo de Regente em 1822, durante a viagem de D. Pedro I, tendo ainda assinado, no dia 2 de setembro daquele ano, o Decreto da Independência, comunicado por carta a Dom Pedro -, revelam-se diversos manifestos redigidos e assinados por mulheres, posicionando-se sobre as questões políticas candentes no momento crucial da ruptura com Portugal, assim como engajando-se como lideranças locais das guerras da Independência (Slemian; Teles, 2022; Lyra, 2006). .

Se a consideração desta pluralidade de protagonistas, suas agências e seus projetos, se torna componente fundamental no reposicionamento dos termos de radicalismo das independências, no que toca àqueles atores mais tradicionalmente associados aos aspectos de “continuidade” supostamente legados pelas independências os avanços não têm sido menos significativos. Neste sentido, observa-se uma especial ênfase no envolvimento dos agentes religiosos, além do próprio vínculo institucional entre Igreja católica e os novos Estados, como ingrediente incontornável da trama política do período e da própria construção das nacionalidades, pensando tais aspectos a partir das mudanças qualitativas que os mesmos comportaram nos marcos do constitucionalismo. Com efeito, embora o catolicismo tenha continuado operando na vida coletiva das comunidades ibero-americanas a partir da ruptura com suas metrópoles, emprestando sentido e oferecendo balizas morais para se pensar a vida pública, isto não significou que o mesmo tenha se mantido inalterável. Inevitavelmente, durante as guerras de independência a fé se politizou, expressando, a partir da lógica religiosa, as fraturas políticas das revoluções.

No caso hispano-americano, os setores independentistas e propensos ao republicanismo construíram uma “teologia política” da revolução, que permitiria justificar não apenas a ruptura do vínculo colonial como, também, de modo muito mais profundo, um processo tendente a “republicanizar a divindade”, o qual daria lugar a um experimento político inédito no continente: a possibilidade de articular um “catolicismo republicano” (Cid, 2018CID, Gabriel. Republicanizar la religión: el clero en el debate político de la independencia chilena, 1808-1814. Anuario de Historia de la Iglesia, v. 27, pp. 247-268, 2018.). Num sentido ainda mais profundo, as revoluções de independência representaram, também, uma revolução no conceito de soberania, que rompia com a noção de direito divino, passando a ser pensada a partir da lógica da soberania popular. Esta mudança abriu uma série de problemas institucionais sobre como definir os limites da ingerência entre política e religião no espaço público, desdobrando-se, ainda, em outras questões relacionadas à tolerância religiosa e à liberdade de consciência, que não tardariam a se converter em tópicos norteadores da incipiente opinião pública no período pós-independências (Fernández Sebastián, 2011FERNÁNDEZ SEBASTIÁN, Javier Toleration and Freedom of Expression in the Hispanic World between Enlightenment and Liberalism. Past and Present, v. 211, issue 1, pp. 159-197, mai. 2011.).

Nestes termos, o processo de dissolução do regime de cristandade ibérico, que teve lugar a partir - e em parte como resultado - da crise das metrópoles coloniais, implicou reconfigurações profundas da religião em reposta às transformações operadas em outros planos, transformando as “formas como os indivíduos se relacionavam com o sagrado e com as instituições que o administravam”, as “funções e a organização dessas instituições”, bem como “os vínculos que estabeleciam até então com um poder civil, cujos fundamentos já não remetiam à religião herdada”, embora dela não pudessem prescindir. Estas transformações configuraram contextos de “modernidade religiosa”, conceito que traduz as experiências diferenciadas, embora profundamente conectadas, da secularização nestes países (Di Stefano, 2018DI STEFANO, Roberto. Modernidad religiosa y secularización en la Argentina del siglo XIX. In: MARANHÃO FILHO, Eduardo Meinberg de Albuquerque (Org.). Política, Religião e Diversidades: Educação e Espaço Público. Vol. I. Florianópolis: ABHR; Fogo Digital, 2018. pp. 133-147., p. 135), justificando o interesse recente por se desvendarem os modos específicos, porém, articulados, de diferenciação entre o campo religioso e o campo político nas sociedades ibero-americanas, ao longo do século XIX24 24 Perspectiva esta que vem sendo encampada pelos pesquisadores vinculados ao Grupo Religión y Política, da rede Iberconceptos, a partir da perspectiva da história conectada e com o uso das ferramentas da História conceitual. .

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Os artigos reunidos neste Dossiê mostram como a historiografia produzida nas últimas décadas, revigorada em boa medida pelas questões candentes nos marcos dos respectivos bicentenários das independências do Brasil e da América Hispânica, reflete algumas das transformações decisivas no campo das suas análises, que procuramos descrever nestas reflexões introdutórias. Neste sentido, expressam perspectivas mais críticas a respeito das naturalizações historiográficas, mais completas no que concerne às interconexões das diversas escalas de observação e análise consideradas por cada um dos autores e, sobretudo, menos condicionadas teleologicamente pelos imperativos da independência ou da nação, como desfechos supostamente inexoráveis dos processos observados, desvendando as diversas modulações assumidas pelo liberalismo, a pluralidade dos protagonistas e seus projetos de futuro no contexto das independências.

A contribuição de Daniel Gutiérrez e Rodrigo Moreno examina, a partir de uma interessante perspectiva comparada, os casos de Nova Granada (1819) e Nova Espanha (1821). Além das inevitáveis diferenças - uma vez tendo sido declaradas as independências, adotou-se, no primeiro caso, a forma republicana, e, no segundo, um peculiar desenho imperial -, os autores põem em relevo a importância de como sucessos inesperados que terminaram desembocando no colapso dos regimes vice-reinais conduziram ao processo das independências, sem que estas estivessem prefixadas como um desenlace necessário. O texto enfatiza aspectos como a negociação, as políticas de perdão e o esquecimento para atrair as lideranças militares realistas, bem como o papel estratégico da defesa da religião, no intuito de captar adesões à causa independentista.

O artigo de Ítalo Domingos Santirocchi enfatiza o aspecto religioso em seu vínculo com a política em tempos de revolução, as inevitáveis divergências de opinião no interior da alta hierarquia do clero e os esforços teológicos realizados pelos sacerdotes para adaptar o catolicismo à linguagem do constitucionalismo moderno. Examinando detalhadamente um conjunto de cartas pastorais publicadas nas províncias do norte do Brasil, nos marcos de 1822, o artigo evidencia a importância social da prédica religiosa em termos do alcance e da difusão de seus discursos, assim como a instrumentalização da fé por parte dos poderes políticos, a fim de garantirem uma recepção favorável do constitucionalismo perante os paroquianos.

Assumindo um distanciamento crítico em relação à ideia de que o liberalismo na América Hispânica constituiria um conjunto de crenças refratárias às identidades locais, e questionando a tradicional exclusão das independências ibero-americanas do ciclo de revoluções atlânticas, a contribuição de Ivana Frasquet aponta sugestivamente que, no contexto das independências, a revolução não pôde circunscrever-se puramente à formação de Estados nacionais, os quais, no caso da América espanhola, tornaram-se repúblicas. Ao contrário disso, deve-se atentar para a série de mudanças sociais, culturais e econômicas associadas ao liberalismo, cujas singularidades para a época a autora reconstrói de maneira detalhada, especialmente no contexto revolucionário da década de 1820.

A ênfase no ciclo atlântico das revoluções liberais e em suas diferentes repercussões no espaço luso-brasileiro é analisada por Glayds Ribeiro a partir da consideração das diferentes percepções sobre as possibilidades inscritas num contexto de aceleradas transformações: por um lado, o medo do retorno do absolutismo; por outro, o temor concernente à forma como as ideias liberais repercutiriam em solo brasileiro, afetando a vida cotidiana dos indivíduos. Assim, pondo em relevo as facetas transformadoras e conectadas do liberalismo, a autora analisa expressões de um constitucionalismo popular na sociedade multiétnica e multirracial da Corte do Rio de Janeiro nos marcos de 1820, considerando a repercussão das ideias liberais entre trabalhadores brancos pobres, escravos e libertos, os quais, ansiando por outros sentidos de liberdade, tornaram-se agentes de uma revolução passiva, num momento em que a ideia de democracia e igualdade não podia avançar para além de certos limites.

Atento às recepções plurais do constitucionalismo por parte dos sujeitos até então secundarizados nos estudos sobre a independência do Brasil, o artigo de Francisco Cancela representa uma contribuição pioneira, ao analisar a atuação dos camarários indígenas de Vila Verde, na província da Bahia, no contexto da aclamação de d. Pedro I, revelando os sentidos de sua adesão à “santa causa do Brasil”. Adentrando o período seguinte à Independência, o autor situa o modo como essas lideranças aproveitaram-se do cenário de construção do Brasil independente, travando uma longa disputa em torno do direito à liberdade e à terra. Assim, amparado por uma robusta documentação, Cancela incursiona por uma sugestiva análise dos confrontos entre etnicidades, identidades e territorialidades, que moldaram as disputas em torno da noção de cidadania na região, resgatando a agência dos povos indígenas neste processo.

Ânderson Marcelo Schmitt examina as complexas articulações político-territoriais da Independência nas províncias do sul do Brasil, em suas conexões específicas com a região do Rio da Prata, entre a chegada da família real e a primeira metade da década de 1820. Analisando especificamente o caso da capitania/província de Santa Catarina, o autor reconstrói a importância do elemento militar na região, nos marcos das guerras travadas na província da Cisplatina, atentando para o modo como a experiência bélica possibilitou a intensa circulação de pessoas (oficiais, espiões, prisioneiros), informações e ideias intermitentemente em disputa no contexto da Independência.

A ênfase nos matizes assumidos pelas ideias liberais, veiculadas por impressos que, naquele contexto, embateram-se em defesa de diferentes concepções de Estado, configura-se na contribuição do artigo de Marisa Saenz Leme. Abordando comparativamente as concepções sobre soberania, a relação entre os poderes Legislativo e Executivo e, sobretudo, a questão da autonomia provincial, veiculadas pelo periódico O Conciliador Nacional, do pernambucano Miguel do Sacramento Lopes, e pelos livros do capixaba José Bernardino Batista Pereira d’Almeida, a autora revela aspectos singulares de um “liberalismo moderado” atuante já no momento da Independência. Na sua interpretação, esta tendência teria permanecido em boa medida ofuscada devido à forte contraposição entre concepções centralizadoras áulicas e o liberalismo radical confederativo, que marcara a recepção do constitucionalismo nas diferentes províncias do Brasil.

O embate entre diferentes narrativas produzidas na conjuntura da Independência, a partir do fenômeno do periodismo, constitui a tônica do artigo de Juliana Meirelles e Marieta de Carvalho. Contrapondo as opiniões que circularam no periódico baiano Semanário Cívico e na folha carioca O Espelho, as autoras trazem à tona a intensa circulação de ideias e de projetos políticos que, entre 1821 e 1822, expressaram as diferentes percepções dos acontecimentos coevos entre as províncias do norte e o Rio de Janeiro. Assim, analisando o que pode ser tomado como a verdadeira “guerra de penas”, as autoras evidenciam a importância que os grupos políticos diversos da Corte e das províncias conferiam ao manejo de uma opinião pública favorável às suas específicas leituras do processo da independência.

Como se pode notar, em conjunto estes artigos expressam uma aproximação mais atenta à heterogeneidade dos atores sociais relevantes, à profunda historicidade das linguagens, atitudes e sensibilidades políticas do período, demonstrando o caráter indeterminado dos problemas e dilemas enfrentados, bem como suas múltiplas possibilidades de equacionamento, de forma a explicar o passado em seus próprios termos.

Que esta possa ser uma ótima oportunidade de reflexão, inspiradora de outras formas de reconstituir, lembrar e problematizar o passado, abrindo com isso novos horizontes de futuro...

Uma boa leitura!

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  • WOLL, Allen L. A Functional Past: The Uses of History in Nineteenth-Century Chile. Baton Rouge: Louisiana State University Press, 1982.
  • 1
    Drama este tão bem retratado por Jorge Luis Borges no seu célebre conto “Funes, o Memorioso”, cujo personagem guardava tanta informação que, para reconstituir um dia, gastava outro dia inteiro.
  • 2
    Importantes sínteses historiográficas sobre o tema já foram produzidas em diferentes momentos da historiografia brasileira, seja na forma de balanços críticos de obras e autores, seja através de obras coletivas expressivas das diversas perspectivas de abordagens, as quais constituem referências para estas reflexões introdutórias. Dentre eles: Mota (1972aMOTA, Carlos Guilherme (Org.). 1822: dimensões. São Paulo: Perspectiva , 1972a; 2000), Jancsó (2005JANCSÓ, István (Org.). Independência: História e Historiografia. São Paulo: Hucitec; FAPESP, 2005.), Costa (2005COSTA, Wilma Peres. A Independência na Historiografia Brasileira. In: JANCSÓ, István (Org.). Independência: História e Historiografia. São Paulo: Hucitec , 2005. pp. 53-118.), Pimenta (2009PIMENTA, João Paulo G. A independência do Brasil como uma revolução: história e atualidade de um tema clássico. História da Historiografia, Ouro Preto, n. 3, pp. 53-82, set. 2009.; 2022PIMENTA, João Paulo. Independência do Brasil. São Paulo: Contexto, 2022.) e Malerba (2005MALERBA, Jurandir. As independências do Brasil: ponderações teóricas em perspectiva historiográfica. História, v. 24, n. 1, pp. 99-126, 2005.; 2006MALERBA, Jurandir (Org.). A Independência brasileira: novas dimensões. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2006.).
  • 3
    Cf. Claro [pseudônimo utilizado por José Bonifácio] (1944CLARO, João. Carta de João Claro [pseudônimo utilizado por José Bonifácio] a seo Compadre Braz Escuro, 9 de outubro de 1823. In: O TAMOYO. Rio de Janeiro: Zélio Valverde (Ed. Fac-similar de jornais antigos), 1944. pp. 85-88., pp. 85-88). Esta visão é registrada em inúmeros de seus escritos, e é por ele instrumentalizada no contexto mais imediato da Independência, quando cuidou de construir as bases de adesão ao sistema constitucional, vinculando-o à pessoa do Príncipe Regente (Silva, 1999SILVA, Ana Rosa Cloclet da. Construção da Nação e Escravidão no pensamento de José Bonifácio: 1783-1823. Campinas: Ed. Unicamp; Centro de Memória, 1999.; 2006SILVA, Ana Rosa Cloclet da Silva. Inventando a Nação: Intelectuais ilustrados e estadistas luso-brasileiros na crise do Antigo Regime português (1750-1822), São Paulo: Hucitec; FAPESP, 2006.).
  • 4
    A concessão pelo presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, foi anunciada em 22 de junho de 2022, e, em 23 de agosto deste ano, a cápsula de vidro contendo o coração de D. Pedro chegou ao Palácio do Planalto com honras de chefes de Estado.
  • 5
    Não se pode evitar o contraste da euforia patriótica e o seu apelo social por ocasião do centenário da Independência com a palidez das comemorações que marcam estes 200 anos, levadas a cabo por um governo conservador e ultradireitista, que subverte os próprios princípios republicanos.
  • 6
    No contexto do centenário da Independência do Brasil, estas incluíram a fundação do Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro - cuja proposta discursiva, sob a direção de Gustavo Barroso, era construir uma verdadeira “biografia da nação” a partir dos grandes feitos e vultos do passado (Santos, 2006SANTOS, Myrian Sepúlveda dos. A escrita do passado em museus históricos. Rio de Janeiro: Garamond; Minc/IPHAN/DEMU, 2006.) -, desdobrando-se, ainda, nas homenagens rendidas ao “último Imperador” pela Câmara dos Deputados, por ocasião das comemorações do seu centenário natalício, em 1925 (Fagundes, 2015FAGUNDES, Luciana Pessanha. De volta à terra pátria: o translado dos restos mortais de D. Pedro II e Thereza Cristina para o Brasil (1921). In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA DA ANPUH, XXVIII, 2015, Florianópolis, XXVIII Simpósio Nacional de História. Florianópolis, 2015. pp. 1-36.).
  • 7
    Sobre os vínculos entre história, memória e historiografia para os casos hispano-americanos, ver ainda: Wasserman (2008WASSERMAN, Fabio. Entre Clio y la Polis. Conocimiento histórico y representaciones del pasado em el Río de la Plata. Buenos Aires: Teseo, 2008.), Palacios (2009PALACIOS, Guillermo (Coord.). La nación y su historia: independencias, relato historiográfico y debates sobre la nación: América Latina, siglo XIX. México: El Colegio de México, 2009.), Alva (2009ALVA, Joseph Dager. Historiografía y nación en el Perú del siglo XIX. Lima: Pontificia Universidad Católica del Perú, 2009.), Woll (1982WOLL, Allen L. A Functional Past: The Uses of History in Nineteenth-Century Chile. Baton Rouge: Louisiana State University Press, 1982.), Corbo (2017CORBO, Tomás Sansón (Coord.). La nación y la pluma: escritura de la Historia en la región platense (siglo XIX): autores, textos y tendencias. Asunción: Tiempo de Historia, 2017.).
  • 8
    Argumento este demonstrado por contribuições historiográficas incontornáveis para o debate, dentre as quais: Rodríguez (2008RODRÍGUEZ, Jaime E. La independencia de la América Española. México: D. F.: Fondo de Cultura Económica, 2008.), Valdés (2006PORTILLO VALDÉS, José María. Crisis atlántica: Autonomía e independencia en la crisis de la monarquía hispana. Madrid: Marcial Pons, 2006.), Breña (2006BREÑA, Roberto. El primer liberalismo español y los procesos de emancipación de América, 1808-1824: una revisión historiográfica del liberalismo hispánico. México, D. F.: El Colegio de México, 2006.), Chust (1999CHUST, Manuel. La cuestión nacional americana en las Cortes de Cádiz. Valencia: UNED; Fundación Instituto de Historia Social, 1999.).
  • 9
    Sob tal enfoque, o autor empresta cuidadosa importância às concepções e ao vocabulário político correspondentes ao processo de emergência das “primeiras entidades soberanas surgidas desde o início do processo da independência” no rio da Prata, problematizando os termos em que foram habitualmente formuladas as origens da nação, da nacionalidade e do Estado argentinos.
  • 10
    Pautado num aporte teórico marxista, Prado Jr. concebia a revolução da independência como o “termo final do processo de diferenciação de interesses nacionais, ligados ao desenvolvimento econômico do país, e por isso mesmo distintos dos da metrópole e contrários a eles”. Neste sentido, esgarçava-se a contradição entre a superestrutura política da colônia e o estágio de suas forças produtivas, provocando-se a ruptura como forma de dar lugar a outras formas, mais adequadas às novas condições econômicas e capazes de conter a sua “evolução” (Prado Jr., 1933PRADO JR., Caio. Evolução política do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1933., p. 47).
  • 11
    Na interpretação consagrada por Fernando Novais, a articulação destes quadrantes da Monarquia portuguesa num mesmo fenômeno revolucionário é compreendida a partir da crise do “Antigo Sistema Colonial”, categoria analítica por meio da qual este historiador buscou compreender uma das dimensões da crise geral do Antigo Regime europeu nas colônias, cujo desdobramento desencadearia a independência do Brasil como processo revolucionário desenvolvido tanto em Portugal como no Brasil (Novais, 1986NOVAIS, Fernando Antônio. Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808). São Paulo, Editor Hucitec , 1986 [1972].).
  • 12
    O autor se refere, basicamente, aos usos “retórico”, em que o contexto apresentado produz um efeito de realidade em torno do objeto; “argumentativo”, em que o contexto apresenta as condições nas quais uma realidade particular encontra seu lugar; e “interpretativo”, em que se extraem do contexto as razões gerais que permitiriam explicar situações particulares (Revel, 1998REVEL, Jacques (Org.). Jogos de Escalas: a experiência da microanálise. Tradução de Dora Rocha. Rio de Janeiro: FGV, 1998., p. 27).
  • 13
    A experiência de trabalho do grupo Iberconceptos (rede internacional de pesquisadores dedicados à História conceitual, dirigido por Javier Fernández Sebastián) tem sido exemplar neste sentido, ao sobrepor, em suas escalas de análise, diversos planos: o marco atlântico, o espaço continental americano e as experiências nacionais. Esta interconexão de escalas tem permitido descentrar as análises puramente nacionais - ao situar as independências em contextos mais amplos -, assim como questionar modelos “difusionistas” (marcadamente francocêntricos), ao recorrer às singularidades dos usos do léxico da política moderna em espaços locais. Alguns dos resultados dos estudos daí derivados podem ser consultados no monumental Diccionario político y social del mundo iberoamericano (2009FERNÁNDEZ SEBASTIÁN, Javier (Org.). Diccionario político y social del mundo iberoamericano. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales; Universidad del País Vasco, 2009-2014.).
  • 14
    O historiador Evaldo Cabral de Mello elabora uma contundente crítica a esta visão mitificada da suposta “unidade do Brasil”, cuja contrapartida foi a construção de outro mito historiográfico: o do separatismo e do republicanismo dos pernambucanos (Mello, 2001MELLO, Evaldo Cabral de. Frei Caneca ou a outra independência. In: MELLO, Evaldo Cabral de (Org.). Frei Joaquim do Amor Divino Caneca. São Paulo: Ed. 34, 2001. pp. 11-47.; 2004MELLO, Evaldo Cabral de. A outra Independência: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824. São Paulo: Editora 34, 2004.).
  • 15
    Para o caso do Rio da Prata, a contribuição de Chiaramonte nos revela a mesma disputa por soberanias, em diferentes escalas (Chiaramonte, 2009CHIARAMONTE, José Carlos. Cidades, Províncias, Estados: origens da Nação Argentina (1800-1846). São Paulo: Hucitec, 2009.).
  • 16
    Sob diferentes perspectivas teórico-metodológicas e a partir de contribuições situadas em distintos marcos da historiografia destes países, as experiências diversificadas quanto às disputas de soberania, à delimitação dos territórios e às formas de governos, aventadas durante e após as independências, são contempladas pelos estudos de: Chiaramonte (2009CHIARAMONTE, José Carlos. Cidades, Províncias, Estados: origens da Nação Argentina (1800-1846). São Paulo: Hucitec, 2009.; 2004CHIARAMONTE, José Carlos. Nación y Estado en Iberoamérica. El lenguaje político en tiempos de las Independencias. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 2004.), Costeloe (1975COSTELOE, Michael P. La primera república federal de México (1824-1835). México: Fondo de Cultura Económica, 1975.), Carmagnani (1993CARMAGNANI, Marcello (Coord.). Federalismos latinoamericanos: México, Brasil, Argentina. México, D. F.: Fondo de Cultura Económica, 1993.), Ternavasio (2007TERNAVASIO, Marcela. Gobernar la revolución. Poderes en disputa en el Río de la Plata, 1810-1826. Buenos Aires: Siglo XXI, 2007.), Morelli (2005MORELLI, Federica. Territorio o Nación. Reforma y disolución del espacio imperial en Ecuador, 1765-1830. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2005.), Avendaño Rojas (2009AVENDAÑO ROJAS, Xiomara. Centroamérica entre lo antiguo y lo moderno: Institucionalidad, ciudadanía y representación política, 1810-1838. Castellón: Universitat Jaume I, 2009.), Cartes Montory (2014CARTES MONTORY, Armando. “Un gobierno de los pueblos…”: Relaciones provinciales en la Independencia de Chile. Valparaíso: Ediciones Universitarias de Valparaíso, 2014.). No Brasil, a publicação dos 3 volumes organizados por Marco Pamplona e Mäder, e publicados em português entre 2007 e 2010, referindo-se às revoluções de independência em cada um dos antigos Vice-reinos e nas Capitanias hispano-americanas, contribuíram enormemente para a divulgação desta recente historiografia entre o público acadêmico de língua portuguesa (Pamplona; Mäder, 2007PAMPLONA, Marco Antonio; MÄDER, Maria Elisa (Orgs.). Revoluções de independências e nacionalismos nas Américas: região do Prata e Chile. Vol. 1. São Paulo: Paz e Terra, 2007.; 2008PAMPLONA, Marco Antonio; MÄDER, Maria Elisa (Orgs.). Revoluções de independências e nacionalismos nas Américas: Nova Espanha. Vol. 2. São Paulo: Paz e Terra , 2008.; 2009PAMPLONA, Marco Antonio; MÄDER, Maria Elisa (Orgs.). Revoluções de independências e nacionalismos nas Américas: Nova Granada, Venezuela e Cuba. Vol. 3. São Paulo: Paz e Terra , 2009.).
  • 17
    Como os que ocorreram nas capitanias de Minas Gerais (1789), do Rio de Janeiro (1794) e da Bahia (1798).
  • 18
    Reconfigurações e tensões estas observadas em diferentes quadrantes da América portuguesa, conforme demonstram estudos recentes (Silva, 2008SILVA, Ana Rosa Cloclet da. 1808 e seus impactos no processo de politização das identidades coletivas: Minas Gerais (1795-1831). Revista de Historia, v. 159, pp. 189-224, 2008.; Machado, 2010MACHADO, André Roberto de A. A quebra da mola real das sociedades: a crise política do Antigo Regime português na província do Grão-Pará (1821-1825). São Paulo: Hucitec; FAPESP, 2010.; Slemian, 2006SLEMIAN, Andréa. Vida Política em Tempo de Crise: Rio de Janeiro (1808-1824). São Paulo: Hucitec , 2006.).
  • 19
    Segundo Koselleck, reside aí uma das principais marcas da modernidade, a tal ponto que “só se pode conceber a modernidade como um tempo novo” (Koselleck, 2006, p. 314).
  • 20
    Sobre o tema, ver: Morel (2005), Neves (2005NEVES, Lúcia P. das. Os panfletos políticos e a cultura política da Independência do Brasil. In: JANCSÓ, István (Org.). Independência: História e Historiografia. São Paulo: Hucitec; FAPESP, 2005. pp. 637-675.) e Carvalho, Bastos e Basile (2014CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lúcia; BASILE, Marcello (Orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823). Vol. 1. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2014.).
  • 21
    Para o caso hispano-americano, ver as contribuições de: Guardino (1996GUARDINO, Peter F. Peasants, Politics, and the Formation of Mexico’s National State: Guerrero, 1800-1857. Stanford: Stanford University Press, 1996.), Sanders (2004SANDERS, James E. Contentious Republicans: Popular Politics, Race, and Class in Nineteenth-Century Colombia. Durham: Duke University Press , 2004.), Di Meglio (2006DI MEGLIO, Gabriel. ¡Viva el bajo pueblo!: La plebe urbana de Buenos Aires y la política entre la Revolución de Mayo y el Rosismo (1810-1829). Buenos Aires: Prometeo, 2006.), García-Bryce (2008GARCÍA-BRYCE, Íñigo. República con ciudadanos: los artesanos de Lima, 1821-1879. Lima: Instituto de Estudios Peruanos, 2008.), Warren (2001WARREN, Richard A. Vagrants and Citizens: Politics and the Masses in Mexico City from Colony to Republic. Wilmington, Del.: Scholarly Resources, 2001.), Méndez (2005MÉNDEZ, Cecilia. The Plebeian Republic: The Huanta Rebellion and the Making of the Peruvian State, 1820-1850. Durham: Duke University Press, 2005.), Fradkin (2015FRADKIN, Raúl O. (Ed.). ¿Y el pueblo dónde está? Contribuciones para una Historia popular de la revolucion de independencia en el Río de la Prata. Buenos Aires: Prometeo , 2015.).
  • 22
    Estereótipos que, no caso do Brasil, remontam à formação da sociedade colonial (Del Priore, 2009DEL PRIORE, Mary. Ao sul do corpo: condição feminina, maternidades e mentalidades. 2. Ed. Bauru: Unesp, 2009.; Algranti, 1999ALGRANTI, Leila Mezan. Honradas e Devotas: mulheres da colônia. Rio de Janeiro: José Olympio, 1999.).
  • 23
    No caso do Brasil, além do importante papel assumido pela Princesa Leopoldina - que chegou a ocupar o cargo de Regente em 1822, durante a viagem de D. Pedro I, tendo ainda assinado, no dia 2 de setembro daquele ano, o Decreto da Independência, comunicado por carta a Dom Pedro -, revelam-se diversos manifestos redigidos e assinados por mulheres, posicionando-se sobre as questões políticas candentes no momento crucial da ruptura com Portugal, assim como engajando-se como lideranças locais das guerras da Independência (Slemian; Teles, 2022SLEMIAN, Andréa; TELES, Danielly de Jesus. Mulheres em cena no espaço público da Independência. In: SLEMIAN, Andrea; FURTADO, Júnia (Orgs.). Uma cartografia dos Brasis: poderes, disputas e sociabilidades na Independência. Belo Horizonte: Fino Traço, 2022. pp. 221-240.; Lyra, 2006LYRA, Maria de Lourdes Viana. A atuação da mulher na cena pública: diversidade de atores e de manifestações políticas no Brasil imperial. Almanack Braziliense, n. 3, pp. 105-122, mai. 2006.).
  • 24
    Perspectiva esta que vem sendo encampada pelos pesquisadores vinculados ao Grupo Religión y Política, da rede Iberconceptos, a partir da perspectiva da história conectada e com o uso das ferramentas da História conceitual.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022
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