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A guerra da Ucrânia: repercussões historiográficas no contexto da questão nacional

Ukraine’s War: Historiographical Repercussions in the Context of the National Question

RESUMO

Este artigo parte do discurso e artigo de Vladimir que questionam, com argumentos históricos, a viabilidade nacional e estatal independente da Ucrânia e dos ucranianos. Pelo lado político, isso permite que se aproprie da cultura historiográfica russa para construir relações entre Rússia e Ucrânia que, em última instância, visam a garantir o direito à guerra e à posse territorial. No artigo, isso servirá de base para uma análise comparativa de algumas das principais narrativas historiográficas tanto da Rússia quanto da Ucrânia sobre o assunto. Especial importância será dada à obra do clássico historiador ucraniano Mykhailo Hrushevsky, principal esteio da narrativa nacional daquele país em termos de sua afirmação como nação independente. Na conclusão será apresentada uma proposta teórica provisória de tentativa de síntese das teorias modernista e perenialista sobre o fenômeno do nacionalismo a partir do caso ucraniano.

Palavras-chave:
Ucrânia; Rússia; Historiografia

ABSTRACT

This article starts from Vladimir Putin’s speech and article that questions, with historical arguments, the independent national and state viability of Ukraine and the Ukrainians. On the political side, this allows the appropriation of Russian historiographical culture to build relations between Russia and Ukraine that, ultimately, aim to guarantee the right to war and territorial possession. In the article, this will serve as the basis for a comparative analysis of some of the main historiographical narratives from both Russia and Ukraine on the subject. Special importance will be given to the work of the classic Ukrainian historian Mykhailo Hrushevsky; the main pillar of the national narrative of that country in terms of its affirmation as an independent nation. In conclusion, a provisional theoretical proposal will be presented in an attempt to synthesize modernist and perennialist theories on the phenomenon of nationalism based on the Ukrainian case under debate.

Keywords:
Ukraine; Russia; Historiography

Juntamente com a invasão militar da Ucrânia iniciada em 24 de fevereiro de 2022, Vladimir Vladimirovich Putin deslanchou o que muitos especialistas consideraram ser um repto historiográfico à própria existência da Ucrânia como nação independente (Snyder, 2022SNYDER, Timothy. Timothy Snyder on the history of Ukraine: transcript. 29 jul. 2022. Disponível em: Disponível em: https://www.weforum.org/agenda/2022/07/timothy-snyder-ukraine-history/ . Acesso em: 15 fev. 2023.
https://www.weforum.org/agenda/2022/07/t...
, § 25; Plokhii, 2022PLOKHII, Serhii. The Return of History: The Russo-Ukrainian War Through the Eyes of a Historian. 26 set. 2022. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=VrffRpMWWlM . Acesso em: 15 fev. 2023.
https://www.youtube.com/watch?v=VrffRpMW...
, min. 8:56-10:10; BBC, 2021BBC. “Школьная ошибка”: российские и украинские историки разбирают статью Путина о единстве народов. [“Erro Escolar”: historiadores russos e ucranianos comentam artigo de Putin sobre a unidade dos povos]. 13 jul. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.bbc.com/russian/news-57807736 . Acesso em: 18 jun. 2022.
https://www.bbc.com/russian/news-5780773...
)1 1 Aqui e doravante, o símbolo § significa “parágrafo” em textos da internet não paginados, para facilitar a localização das passagens mencionadas. Igualmente, “min.” significa “minutagem” em vídeo citado. . Alguns dias antes, em 21 de fevereiro, em discurso televisivo às vésperas da invasão, o presidente russo afirmara que

[…] Na verdade, a Ucrânia nunca teve uma completa e estável tradição estatal. E, a partir de 1991, ela seguiu o caminho da cópia mecânica de modelos alienígenas, sem ligação com a história e a realidade ucranianas (Putin, 2022, aPUTIN, Vladimir Vladimirovich. Обращение Президента Российской Федерации 21 февраля 2022 года [Discurso do Presidente da Federação Russa de 21 de fevereiro de 2022]. 21 fev. 2022a. Disponível em: Disponível em: http://kremlin.ru/events/president/news/67828 . Acesso em: 18 jun. 2022.
http://kremlin.ru/events/president/news/...
, bPUTIN, Vladimir Vladimirovich. Address by the President of the Russian Federation. 21 fev. 2022b. Disponível em: Disponível em: http://en.kremlin.ru/events/president/news/67828 . Acesso em: 18 jun. 2022.
http://en.kremlin.ru/events/president/ne...
, § 44. Traduzimos).

Putin se refere aqui ao fato de que os ucranianos só passaram a ter um estado próprio, independente, minimamente estável, em dezembro de 1991, com a desagregação da URSS. Negando que a Ucrânia fosse um país independente estável, abria caminho para a retomada de antigas narrativas políticas e historiográficas russas de que os pequeno-russos (denominação do século XIX para os ucranianos, hoje considerada depreciativa) não formavam um corpo étnico separado dos chamados grão-russos da própria Rússia. Se essas premissas forem aceitas, uma reincorporação da Ucrânia (ou, pelo menos, das regiões da Ucrânia de maioria étnica de russos) se tornaria mais palatável politicamente.

Este comentário histórico de Putin não foi um episódio isolado. Em 12 de julho de 2021, o presidente russo (certamente com a ajuda de algum historiador ghost writer) publicou um longo artigo intitulado “Sobre a Unidade Histórica de Russos e Ucranianos”, em que analisava em detalhes a evolução histórica desses dois povos e defendia que uma separação entre os dois era algo artificial (Putin, 2021 aPUTIN, Vladimir Vladimirovich. Статья Владимира Путина “Об историческом единстве русских и украинцев” 12 июля 2021 года [Artigo de Vladimir Putin “Sobre a Unidade Histórica de Russos e Ucranianos” de 12 de julho de 2021]. 12 jul. 2021a. Disponível em: Disponível em: http://kremlin.ru/events/president/news/66181 . Acesso em: 18 jun. 2022.
http://kremlin.ru/events/president/news/...
, bPUTIN, Vladimir Vladimirovich. Article by Vladimir Putin “On the Historical Unity of Russians and Ukrainians”. 12 jul. 2021b. Disponível em: Disponível em: http://en.kremlin.ru/events/president/news/66181 . Acesso em: 18 jun. 2022.
http://en.kremlin.ru/events/president/ne...
).

Nesses trabalhos, Vladimir Vladimirovich explicou assim sua posição:

Mais uma vez enfatizo que a Ucrânia não é apenas um país vizinho para nós. É uma parte inalienável da nossa própria história, cultura e espaço espiritual. São nossos companheiros próximos, entre os quais há não apenas colegas, amigos e aqueles que serviram conosco, mas também parentes, pessoas ligadas por laços familiares, de sangue. Desde tempos imemoriais, os habitantes do sudoeste do que historicamente constituem as terras russas antigas se denominaram russos e cristãos ortodoxos. Era assim até o século XVII (quando uma porção desse território foi reincorporado à Rússia) e depois. […] [A] Ucrânia atual foi totalmente gerada pela Rússia, mais exatamente pela Rússia bolchevique comunista. Este processo começou imediatamente após a revolução de 1917. Aliás, Lenin e seus aliados fizeram isso de forma bastante dura para a própria Rússia, por meio da separação, da alienação de parte de seus próprios territórios históricos. E é claro que ninguém perguntou nada às milhões de pessoas que lá viviam. Depois, nas vésperas e no período posterior da Grande Guerra Patriótica [Segunda Guerra Mundial], Stalin anexou à URSS e deu à Ucrânia algumas terras que antes pertenciam à Polônia, à Romênia e à Hungria. Como uma espécie de compensação, Stalin transferiu à Polônia uma porção de território tradicionalmente alemão. Em 1954, Khrushchev tirou da Rússia a Crimeia e a deu à Ucrânia (Putin, 2022aPUTIN, Vladimir Vladimirovich. Обращение Президента Российской Федерации 21 февраля 2022 года [Discurso do Presidente da Federação Russa de 21 de fevereiro de 2022]. 21 fev. 2022a. Disponível em: Disponível em: http://kremlin.ru/events/president/news/67828 . Acesso em: 18 jun. 2022.
http://kremlin.ru/events/president/news/...
, bPUTIN, Vladimir Vladimirovich. Address by the President of the Russian Federation. 21 fev. 2022b. Disponível em: Disponível em: http://en.kremlin.ru/events/president/news/67828 . Acesso em: 18 jun. 2022.
http://en.kremlin.ru/events/president/ne...
, § 5, 6, 8 e 9. Traduzimos).

Putin toca em pontos importantes da história da Ucrânia. Para melhor entendê-los (especialmente suas conclusões), traçaremos um breve panorama dos desenvolvimentos históricos entre os dois países para que possamos compreender os diversos lados da questão e posteriormente avaliar as conclusões tiradas pelo presidente russo.

Antes de entrarmos nesse panorama histórico, uma palavra de precaução. O fato de este artigo utilizar inicialmente os textos de Vladimir Putin pelo lado da Rússia (e posteriormente, como veremos, os de Hrushevsky pelo lado ucraniano) como as pedras fundamentais dos discursos historiográficos e políticos em questão durante a guerra da Ucrânia não representa um esforço de “personalização” do problema, tratando-o como a “história dos grandes homens”. É apenas um ponto de partida para as discussões dos dois lados devido à grande influência de ambos os personagens no deslanchar de alguns dos debates aqui discutidos. Isso pode ser visto pelo fato de que, logo depois da publicação do artigo de Putin “Sobre a Unidade Histórica de Russos e Ucranianos”, uma série de historiadores e acadêmicos russos confirmaram a validade dos pontos levantados pelo presidente russo, iniciando uma controvérsia historiográfica com seus correspondentes acadêmicos ucranianos (Myakhkov, 2022MYAKHKOV, Mikhail. Семья народов: Украина до Украины [Família de Povos: Ucrânia antes da Ucrânia]. 4 mar. 2022. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=QvCMEg0sjo0 . Acesso em: 16 fev. 2022.
https://www.youtube.com/watch?v=QvCMEg0s...
; Spitsyn, 2022SPITSYN, Evgenii. Настоящая история Украины [A Verdadeira História da Ucrânia]. 18 mar. 2022. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=6BsUCc-5qUo . Acesso em: 16 fev. 2023.
https://www.youtube.com/watch?v=6BsUCc-5...
; Plokhii, 2022PLOKHII, Serhii. The Return of History: The Russo-Ukrainian War Through the Eyes of a Historian. 26 set. 2022. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=VrffRpMWWlM . Acesso em: 15 fev. 2023.
https://www.youtube.com/watch?v=VrffRpMW...
; BBC, 2021BBC. “Школьная ошибка”: российские и украинские историки разбирают статью Путина о единстве народов. [“Erro Escolar”: historiadores russos e ucranianos comentam artigo de Putin sobre a unidade dos povos]. 13 jul. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.bbc.com/russian/news-57807736 . Acesso em: 18 jun. 2022.
https://www.bbc.com/russian/news-5780773...
). Isso comprova a reverberação do discurso de Putin para dentro do ambiente acadêmico. É este transbordamento para o campo historiográfico das tensões provindas do campo político que abordaremos aqui. Mantendo sempre em mente que discurso político e historiografia não pertencem ao mesmo campo semântico (e devem ser tratados com o resguardo de suas especificidades), investigaremos os possíveis intercâmbios e influências mútuas exercidos por eles no dado caso do conflito russo-ucraniano.

BREVE PANORAMA HISTÓRICO DA UCRÂNIA E RÚSSIA2 2 A descrição sumária da história da Ucrânia e Rússia a seguir é baseada nos trabalhos de Magocsi (1996), Subtelny (2000), Plokhy (2015) e, especialmente, no clássico Hrushevsky (1991).

A origem da civilização russa não está na Rússia atual e sim na Ucrânia atual. Era o chamado Estado Kievano (ou Rus’) que existiu dos séculos IX ao XIII. Naquela época, não havia ainda a diferenciação entre russos, ucranianos e bielo-russos, que conjuntamente formavam, na época, o ramo dos atualmente chamados eslavos orientais (em contraposição aos eslavos meridionais, da antiga Iugoslávia, e aos eslavos ocidentais, tais como os poloneses, tchecos e eslovacos). Esta origem comum em Rus’ é a fonte das muitas das discussões sobre as diferenciações étnicas posteriores entre russos e ucranianos. Isso devido aos desenvolvimentos históricos posteriores. O Estado Kievano era uma espécie de confederação frouxa de cidades-Estados com vassalagem ao velikii knyaz (literalmente, “grão-príncipe”) de Kiev. Apesar de florescente culturalmente, tal confederação era desunida politicamente. No século XII, se iniciou um longo e intermitente processo de desintegração em suas partes internas constituintes (Kiev, Vladimir-Suzdal, Galícia-Volínia, Novgorod, Moscou, etc.). Entre os séculos XIII e XV, toda a região foi conquistada pelos mongóis. Depois do domínio mongol, o destino de russos e ucranianos foi bem diferente. Os russos formaram um Estado próprio centrado em Moscou. A partir do século XVI, com Ivan IV (“O Terrível”), a Moscóvia iniciou a construção do que seria posteriormente o grande império czarista.

Em contraposição, os ucranianos só viriam a ter um Estado próprio, independente e estável, em 1991, com a desintegração da URSS. Após o fim do domínio mongol, o território da atual Ucrânia e seu povo ficaram divididos (e periodicamente redistribuídos) entre vários impérios e Estados. Inicialmente, entre o Império Russo, a Lituânia e a Polônia. Polônia e Lituânia (que formaram a chamada Comunidade Polaco-Lituana entre 1569 e 1795) ficaram com as partes mais ocidentais, enquanto que os russos gradualmente dominaram as terras a leste. Com as três partilhas da Comunidade Polaco-Lituana (1772, 1793 e 1795), esta deixou de existir como Estado independente, e suas possessões “ucranianas” foram passadas principalmente para o Império Habsburgo (sendo formada, assim, a chamada Galícia austríaca) e para o Império Russo (a Volínia).

E como se deu a recomposição dessas “terras ucranianas” (na verdade, compartilhadas com populações de outras etnias, como os poloneses no oeste e os russos no leste) em um Estado independente de forma efetiva? Na confusão da guerra civil de três anos que se seguiu à Revolução Russa de 1917, algumas partes do antigo Império Russo buscaram independência. Uma delas a Ucrânia, território que foi, na época, disputado por vários grupos diferentes (bolcheviques, exércitos brancos, o exército anarquista de Nestor Makhno, o exército alemão e os nacionalistas ucranianos). Em 22 de janeiro de 1918, a República Popular Ucraniana (com capital em Kiev) declarou independência da Rússia bolchevique após o fracasso das negociações para a formação de uma federação entre elas. Ela, com dificuldades, conseguiu existir até aproximadamente dezembro de 1920, sendo derrotada militarmente pelos bolcheviques. Após o final da Guerra Civil, em 30 de dezembro de 1922, os bolcheviques fundaram oficialmente a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), com a Ucrânia sendo uma delas.

Assim, ao contrário de outros povos, os ucranianos não conseguiram criar um Estado próprio estável imediatamente após a Primeira Guerra Mundial. A Polônia, no entanto, conseguiu ser revivida como Estado independente e, pelo Tratado de Riga de 1921 (após guerra com a Rússia soviética), recobrou também parte das terras no oeste da Ucrânia (Galícia e o oeste da Volínia), que tinham sido da Comunidade Polaco-Lituana.

A República Socialista Soviética da Ucrânia somente conseguiria juntar a si o resto das terras historicamente “ucranianas” após a Segunda Guerra Mundial. Com a vitória no conflito, Stalin tirou as antigas partes ocidentais históricas da Ucrânia (mais alguns anexos) que ainda estavam sob domínio da Polônia (Galícia e o oeste da Volínia), Romênia (norte da Bucovina) e Hungria (Transcarpátia) e as transferiu para a República soviética homônima. E em 1954, em comemoração ao tricentenário da assinatura do Tratado de Pereslávia de 1654 (entre os cossacos zaparojianos e o czar Aleixo I, em que os cossacos se colocavam sob a proteção da Rússia contra os poloneses), Khrushchev decretou a transferência da Crimeia da Rússia para a Ucrânia. A partir de 1954, a República Socialista Soviética da Ucrânia estava, assim, com todos os territórios que, em 1991, com a dissolução da URSS, a tornaram um país independente, com a denominação oficial de Ucrânia.

ANÁLISE

Vemos que a descrição inicial de Putin não está muito desfocada da realidade em termos factuais, mas suas conclusões são controversas. Baseando-se, em grande parte, na ausência de longevas tradições estatais independentes e na proximidade da língua e dos costumes com os russos, Vladimir Vladimirovich nega aos ucranianos uma existência autônoma consistente.

Em primeiro lugar, é importante observar que o presidente russo não está isolado nesta questão e há uma longa tradição (política e historiográfica) na Rússia de tentativa de absorção dos ucranianos dentro do âmbito do mundo (grão-)russo. Esta foi inclusive a tônica básica dos governantes do Império Russo no século XIX, quando o movimento nacionalista ucraniano por autonomia (pelo menos na área cultural) começou a ganhar força por meio de figuras como o poeta Taras Shevchenko, o historiador Nikolai Kostomarov e da formação de diversos tipos de hromada (“comunidade”) secreta na esteira da pioneira Irmandade dos Santos Cirilo e Metódio. O crescimento do movimento pela autonomização da cultura ucraniana foi combatido ferozmente pelo governo imperial russo com a Circular (secreta) do Ministro do Interior Valuev, de 18 de julho de 1863VALUEV, P. A. Циркуляр министра внутренних дел П. А. Валуева Киевскому, Московскому и Петербургскому цензурным комитетам от 18 июля 1863 г. [Circular do Ministro do Interior P. A. Valuev aos Comitês de Censura de Kiev, Moscou e São Petersburgo de 18 de julho de 1863]. S.d. [18 jul. 1863]. Disponível em: Disponível em: https://ru.wikisource.org/wiki/%D0%92%D0%B0%D0%BB%D1%83%D0%B5%D0%B2%D1%81%D0%BA%D0%B8%D0%B9_%D1%86%D0%B8%D1%80%D0%BA%D1%83%D0%BB%D1%8F%D1%80 . Acesso em: 18 jun. 2022.
https://ru.wikisource.org/wiki/%D0%92%D0...
(que proibiu a publicação de livros em língua ucraniana, exceto os de belles lettres), e o (também secreto) Decreto de Elms (pelo czar Alexandre II, em 18 de maio de 1876), que incluiu mesmo os livros de belles lettres na proibição (Valuev, [s.d.] [1863]VALUEV, P. A. Циркуляр министра внутренних дел П. А. Валуева Киевскому, Московскому и Петербургскому цензурным комитетам от 18 июля 1863 г. [Circular do Ministro do Interior P. A. Valuev aos Comitês de Censura de Kiev, Moscou e São Petersburgo de 18 de julho de 1863]. S.d. [18 jul. 1863]. Disponível em: Disponível em: https://ru.wikisource.org/wiki/%D0%92%D0%B0%D0%BB%D1%83%D0%B5%D0%B2%D1%81%D0%BA%D0%B8%D0%B9_%D1%86%D0%B8%D1%80%D0%BA%D1%83%D0%BB%D1%8F%D1%80 . Acesso em: 18 jun. 2022.
https://ru.wikisource.org/wiki/%D0%92%D0...
; Emskii Ukaz, [s.d.] [1876]EMSKII UKAZ. Decreto de Elms [18 de maio de 1876]. S.d. Disponível em: Disponível em: https://ru.wikisource.org/wiki/%D0%AD%D0%BC%D1%81%D0%BA%D0%B8%D0%B9_%D1%83%D0%BA%D0%B0%D0%B7 . Acesso em: 17 jun. 2022.
https://ru.wikisource.org/wiki/%D0%AD%D0...
). A tendência a ver a língua e a nacionalidade ucranianas como subsumidas na russa fica evidente na linguagem na própria Circular de Valuev:

[…] corroboram que uma língua pequeno-russa separada nunca existiu, não existe e não pode existir; que o dialeto usado pelo seu povo é simplesmente a língua russa, meramente corrompida com influência polonesa; que a língua russa comum é tão inteligível aos pequeno-russos quanto aos grão-russos e até mais inteligível que a língua agora criada para eles por alguns pequeno-russos e especialmente por poloneses, a assim chamada língua ucraniana (Valuev, 1863VALUEV, P. A. Циркуляр министра внутренних дел П. А. Валуева Киевскому, Московскому и Петербургскому цензурным комитетам от 18 июля 1863 г. [Circular do Ministro do Interior P. A. Valuev aos Comitês de Censura de Kiev, Moscou e São Petersburgo de 18 de julho de 1863]. S.d. [18 jul. 1863]. Disponível em: Disponível em: https://ru.wikisource.org/wiki/%D0%92%D0%B0%D0%BB%D1%83%D0%B5%D0%B2%D1%81%D0%BA%D0%B8%D0%B9_%D1%86%D0%B8%D1%80%D0%BA%D1%83%D0%BB%D1%8F%D1%80 . Acesso em: 18 jun. 2022.
https://ru.wikisource.org/wiki/%D0%92%D0...
, § 2. Traduzimos).

A visão tradicional historiográfica russa é que Moscou (que formou um Estado eslavo oriental independente) foi a grande herdeira do Estado Kievano (Rus’), o qual tinha se desintegrado e caído sob o domínio mongol entre os séculos XIII e XV. Foi Moscou que expulsou os mongóis e depois criou um grande império eslavo oriental enquanto que os que habitavam o território da atual Ucrânia ficaram sem estado próprio e sob domínio de vários Estados, inclusive (e principalmente) do Império Russo. Essa visão foi, de maneira geral, dominante historiograficamente tanto no período czarista (e.g. Nikolai Karamzin, N. G. Ustryalov, Mikhail Pogodin, Sergei Soloviev, Vasili Kliuchevskii) quanto no soviético (e.g. A. K. Kasimenko, K. Dubyna, Yu. Kondufor) (cf. Karamzin 1816-1829KARAMZIN, Nikolai Mikhailovich. История государства Российского [História do Estado Russo]. São Petersburgo: Tip. N. Grecha, 1816-1829. 12 vols. Disponível em: Disponível em: http://az.lib.ru/k/karamzin_n_m/ . Acesso em: 18 jun. 2022.
http://az.lib.ru/k/karamzin_n_m/...
; Ustryalov, 1856USTRYALOV, Nikolai Gerasimovich. Русская история [História Russa]. 5a Ed. São Petersburgo: Tip. Apollona Fridrikhsona, 1856. Disponível em: Disponível em: https://www.prlib.ru/item/442401 . Acesso em: 18 jun. 2022.
https://www.prlib.ru/item/442401...
; Pogodin, 1846-1857POGODIN, Mikhail Petrovich. Исследования, замечания и лекции о русской истории [Pesquisas, Observações e Lições Sobre a História Russa]. Moscou: Universitetskaya Tipografiya, 1846-1857. 7 vols. Disponível em: Disponível em: https://runivers.ru/lib/book9889/ . Acesso em: 18 jun. 2022.
https://runivers.ru/lib/book9889/...
; Soloviev, 1959-1966SOLOVIEV, Sergei Mikhailovich. История России с Древнейших Времен [História da Rússia desde os Tempos Antigos]. Moscou: Izdatel’stvo sotsial’no-ekonomicheskoi literatury, 1959-1966. 15 vols. Disponível em: Disponível em: http://www.spsl.nsc.ru/history/solov/main/solovlec.htm . Acesso em: 18 jun. 2022.
http://www.spsl.nsc.ru/history/solov/mai...
; Kliuchevskii, 1908-1916KLIUCHEVSKII, Vasilii Osipovich. Курс русской истории [Curso de História Russa]. 3ª Ed. Moscou: Tip. G. Lissnera i D. Sobko, 1908-1916. 5 vols. Disponível em: Disponível em: https://www.prlib.ru/item/342002 . Acesso em: 18 jun. 2022.
https://www.prlib.ru/item/342002...
; Kasimenko et al., 1951KASIMENKO, A. K. et al. (Eds.). Istoria Ukrains’koi SSR [História da RSS Ucraniana]. Vol. 1. Kiev: Izdatel’stvo AN UkSSR, 1951. Disponível em: Disponível em: http://resource.history.org.ua/item/0013078 . Acesso em: 18 jun. 2022.
http://resource.history.org.ua/item/0013...
; Dubyna et al., 1969DUBYNA, K. K. et al. (Eds.). Istoria Ukrains’koi RSR [História da RSS Ucraniana]. Vol. 2. Kiev: Naukova Dumka 1969. Disponível em: Disponível em: http://resource.history.org.ua/item/0013078 Acesso em: 18 jun. 2022.
http://resource.history.org.ua/item/0013...
; Kondufor, 1981KONDUFOR, Yu. История Украинской ССР [História da RSS Ucraniana]. Kiev: Naukova Dumka , 1981. Vol. 1. Disponível em: Disponível em: http://resource.history.org.ua/item/0013078 . Acesso em: 18 jun. 2022.
http://resource.history.org.ua/item/0013...
).

E como os ucranianos respondem a essa visão historiográfica grão-russa?

Primeiramente, no que diz respeito à questão básica de Moscou se colocar como a grande (única) herdeira do Estado Kievano original, é constantemente relembrada a coincidência geográfica e cronológica de Kiev (capital da Ucrânia) com a Rus’ original: afinal, Kiev está na Ucrânia e era o centro do Estado Kievano dos séculos IX ao XII, enquanto que o assentamento de Moscou só foi documentado nos registros históricos pela primeira vez em 1147. Como provocativamente colocou Oleksandr Alfyorov: “Os territórios das atuais Rússia e Bielo-Rússia não tiveram nenhuma participação no processo de criação de Rus’. Falando em linguagem atual, eles foram incorporados ou ocupados pelos príncipes de Kiev” (BBC, 2021BBC. “Школьная ошибка”: российские и украинские историки разбирают статью Путина о единстве народов. [“Erro Escolar”: historiadores russos e ucranianos comentam artigo de Putin sobre a unidade dos povos]. 13 jul. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.bbc.com/russian/news-57807736 . Acesso em: 18 jun. 2022.
https://www.bbc.com/russian/news-5780773...
. Traduzimos).

Em relação aos outros pontos históricos diversos mencionados por Putin supra, (que, como vimos, refletem pontos de vista comuns vigentes tanto na época czarista quanto soviética), eles foram “respondidos” (abordados) por uma série de historiadores ucranianos (ou ucrainófilos) tanto na época do aumento da consciência nacional ucraniana dentro do Império Russo no século XIX e início do XX (e.g. Panteleimon Kulish, Nikolai Kostomarov, Mykhailo Hrushevsky) quanto em épocas de menor repressão (a década de 1920, o “degelo” de Khrushchev, a Perestroika) no período soviético (e.g. Mykhailo Hrushevsky, M. Yu. Braichevskyi, F. P. Shevchenko) (cf. Kulish, 1857KULISH, Panteleimon. Чорна рада [O Conselho Negro]. São Petersburgo: Tip. Aleksandra Yakobsona, 1857.; 1874-1875KULISH, Panteleimon. История воссоединения Руси [História da Reunificação de Rus’]. São Peterburgo: Izdatel’stvo Obshchestvennaya Pol’za, 1874-1875. 3 vols. ; Kostomarov, 1868KOSTOMAROV, Nikolai. Гетманство Юрия Хмельницкого [O Hetmanado de Yurii Khmelnitsky]. Vestnik Evropy, v. 2, livro 4, pp. 485-536, 1868. Disponível em: Disponível em: https://elib.nlu.org.ua/view.html?&id=6946 . Acesso em: 18 jun. 2022.
https://elib.nlu.org.ua/view.html?&id=69...
; Hrushevsky, 1970HRUSHEVSKY, Mykhailo Serhiiovych. A History of Ukraine. Hamden: Archon Books, 1970.; 1991HRUSHEVSKY, Mykhailo Serhiiovych. Історія України-Руси [História da Ucrânia-Rus’]. Kiev: Naukova Dumka , 1991 [1898-1936]. 10 vols. Disponível em: Disponível em: http://litopys.org.ua/hrushrus/iur.htm Acesso em: 16 jun. 2022.
http://litopys.org.ua/hrushrus/iur.htm...
; Braichevskyi, 1968BRAICHEVSKYI, Mykhailo Yulyanovich. Походження Русі [O Surgimento de Rus’]. Kiev: Naukova Dumka, 1968.; Shevchenko, 1966SHEVCHENKO, F. P. Chomu M. Hryshevskyi povernuvsia na Riadiansku Ukrainu [Porque M. Hrushevsky Voltou à Ucrânia?]. Ukrains’kyi Istorychnyi Zhurnal, n. 11, pp. 13-30, 1966.).

Para fins de nossa investigação aqui, utilizaremos o esquema explicativo do mais influente desses historiadores: Mykhailo Hrushevsky.

A leitura histórica e historiográfica de Hrushevsky constitui uma espécie de mito fundador da própria Ucrânia independente. Além de sua fama como historiador clássico da nação, ele foi também, em 1917, o primeiro presidente da Rada (“Conselho”) Central da Ucrânia, que em 1918 declarou a independência da Ucrânia sob o nome de República Popular da Ucrânia. Em sua monumental História da Ucrânia-Rus’ (em 10 volumes, publicados entre 1898 e 1936), Hrushevsky traçou um grande painel dos desenvolvimentos históricos ucranianos que, ao contrário da narrativa de Putin, enfatizava os pontos que denotavam uma nação com grande potencial estatal independente da Rússia3 3 Hrushevsky exemplifica, na Ucrânia, as complexidades e os desafios da questão do “duplo lugar” do historiador em relação ao problema do nacionalismo e do Estado nacional. Como bem mostraram, sob diversos ângulos, Potter (1962), Hroch (1985) e Hobsbawm (1992), os historiadores (e intelectuais em geral) possuem um duplo papel em relação ao nacionalismo, ao mesmo tempo como seus estudiosos e também como seus impulsionadores, especialmente quando assumem a arena política pública. .

EXCURSO SOBRE A PECULIARIDADE DOS ESTADOS MULTINACIONAIS (NACIONALISMO ÉTNICO, JUS SANGUINIS) EM CONTRAPOSIÇÃO AOS ESTADOS-NAÇÃO (NACIONALISMO CÍVICO, JUS SOLI)

Antes de prosseguirmos na discussão da grande narrativa de Hrushevsky, devemos fazer um excurso sobre certas peculiaridades teóricas e práticas dos Estados multinacionais que não são tão conhecidas ou entendidas nos Estados-nação ocidentais, mas são fundamentais para entender nuanças dos desenvolvimentos históricos e políticos daqueles países.

A primeira distinção fundamental concerne à forma de determinação da nacionalidade de alguém. Nos Estados-nação do Ocidente, a nacionalidade de uma pessoa é determinada pelo princípio jurídico do jus soli (“direito do solo”) ou local de nascimento. Se um casal de japoneses migra ao Brasil e tem um filho no país, ele imediatamente recebe nacionalidade brasileira. Já na Rússia, Ucrânia e países eslavos em geral, a nacionalidade de uma pessoa nada tem a ver com o local onde nasce. A nacionalidade é determinada pelo princípio do jus sanguinis (“direito do sangue”), ou seja, a nacionalidade de uma pessoa ao nascer é a nacionalidade de seu pai ou de sua mãe (pode escolher, se forem diferentes). Enquanto o princípio do jus soli tende a homogeneizar a população do país em uma única nacionalidade, o princípio jurídico do jus sanguinis eterniza as diferenças étnicas entre as pessoas (lá chamadas de diferenças nacionais ou de nacionalidade), gerando assim os chamados estados multinacionais. Na Rússia e na Ucrânia, por exemplo, há mais de uma centena de nacionalidades diferentes. É o caso de um Estado com muitas nações diferentes convivendo dentro dele. Ao contrário dos Estados-nação (onde nacionalidade e cidadania tendem a coincidir), nos Estados multinacionais cidadania e nacionalidade são coisas totalmente distintas e frequentemente não coincidem (Segrillo, 1999SEGRILLO, Angelo de Oliveira. Reconstruindo a “Reconstrução”: uma análise das principais causas da Perestroika soviética. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal Fluminense. Niterói, 1999. , p. 113 e passim; Segrillo, 2012SEGRILLO, Angelo. Os Russos. São Paulo: Contexto, 2012., p. 13).

O fato de haver várias nações (no Brasil chamaríamos de etnias, mas isso não reflete a profundidade da diferenciação) compartilhando um único Estado por um lado cria grande riqueza cultural diversa, mas, por outro, gera potencial conflitivo interno, já que, como nações diferentes, aqueles grupos étnicos fazem várias demandas de autonomia cultural (e mesmo, por vezes, política) para si. Basta ver que os cidadãos ucranianos de nacionalidade (etnia) russa das repúblicas de Lugansk e Donetsk não aceitaram a derrubada do presidente Viktor Yanukovich (um cidadão ucraniano de nacionalidade [etnia] russa) em 2014, pela Revolução Maidan, e se declararam em guerra civil contra o novo governo central encabeçado pelo cidadão ucraniano de nacionalidade ucraniana Petro Poroshenko (um problema que o atual presidente do país, o cidadão ucraniano de nacionalidade judaica Volodymyr Zelensky, não está conseguindo resolver). É o problema da dupla pertença: um cidadão ucraniano de nacionalidade russa terá sua lealdade maior com o país de sua cidadania ou com a nação à qual pertence? A resposta tem variado de indivíduo para indivíduo no caso concreto da Ucrânia4 4 Sobre isso, ver Ferraro Jr. (2022), que quantifica, por meio da análise de pesquisas de opinião locais, as diferenciações dos pontos de vista políticos e históricos das diversas etnias (nacionalidades) em regiões na Ucrânia. .

Por outro lado, a não coincidência do Estado com a nação também gera o que poderíamos chamar de irredentismo étnico. Vladimir Putin já declarou que se sente no direito e no dever de proteger os membros da nação russa, mesmo que estejam em outros países que não a Rússia (Putin, 2014PUTIN, Vladimir Vladimirovich. Совещание послов и постоянных представителей России [Encontro dos Embaixadores e representantes permanentes da Rússia]. 1 jul. 2014. Disponível em: Disponível em: http://kremlin.ru/events/president/transcripts/46131 . Acesso em: 18 jun. 2022.
http://kremlin.ru/events/president/trans...
, § 12).

O ESQUEMA INTERPRETATIVO DE HRUSHEVSKY 5 5 O texto integral da grande obra multivolume de Hrushevsky, História da Ucrânia-Rus’, base da descrição a seguir, pode ser lido na língua original em Hrushevsky (1991 [1898-1936]), e em inglês em Hrushevsky (1997-2001).

Terminado o excurso para explicar as nuanças dos estados multinacionais (onde Estado e nação não coincidem e a última pode existir sem o primeiro), podemos agora retornar à resposta histórica de Hrushevsky à narrativa tradicional imperial grã-russa (e, indiretamente, ao ataque historiográfico de Putin sobre a fraqueza da tradição estatal da Ucrânia como nação).

O excurso foi importante pois o Leitmotiv da História da Ucrânia-Rus’ de Hrushevsky é o povo. Segundo ele, é o povo que dá o grande significado e carrega as origens e tradições da nação ucraniana no decurso de sua longa história. Relembremos que, pelas concepções do nacionalismo étnico (também chamado de nacionalismo cultural) explicadas acima, uma nação pode existir sem um Estado (caso exemplar sendo os judeus, que perderam seu Estado e viveram séculos sem Estado próprio até readquirir um em 1948). Assim, ao colocar no povo a condição de Träger da nação, Hrushevsky abre uma primeira grande linha de defesa com a afirmação do povo ucraniano como uma nação antiga.

Mas Hrushevsky vai mais além e defende também tradições estatais antigas para a Ucrânia. De início, reclama para a ucraniana Kiev, de maneira completamente independente de Moscou (que nem existia documentada historicamente na época, como lembrou Alfyorov supra), a fundação (e consolidação) do Estado Kievano (Rus’). Esta seria uma primeira tradição estatal.

Mas como resistir aos argumentos da historiografia grão-russa tradicional de que o Estado Kievano desapareceu (sendo a região inclusive dominada pelos mongóis entre os séculos XIII e XV) e a tradição estatal principal daqueles eslavos (após passar, de maneira efêmera e fragilizada, pelo principado de Vladimir-Suzdal) seria continuada por Moscou, que no século XV expulsou os conquistadores mongóis e no século XVI iniciou a construção do grande Império Russo, o qual dominaria as principais terras da antiga Rus’?

Hrushevsky responde a isso de uma maneira bastante astuta com duas tradições estatais alternativas ligadas ao povo ucraniano. Ele resgata o principado da Galícia-Volínia (depois reino da Rutênia) dos séculos XII ao XIV e o Hetmanato Cossaco dos séculos XVII e XVIII.

Em primeiro lugar, o principado da Galícia-Volínia. Em vez de caminhar para o leste (como a narrativa tradicional grão-russa, que enfatiza Vladimir-Suzdal e Moscou mais a nordeste), Hrushevsky busca a continuação das tradições do Estado Kievano em outro de seus Estados sucessores (no período de sua desintegração) mais a oeste, no principado da Galícia-Volínia, que existiu entre 1199 e 1253 e foi sucedido pelo reino da Galícia-Volínia (também conhecido como Reino da Rutênia) de 1253-1349.

Esta “virada para o oeste” de Hrushevsky terá consequências importantes em termos históricos e políticos. A região da Galícia, que forma a parte ocidental da Ucrânia, posteriormente não cairá sob o domínio do Império Russo, como as partes leste e a própria Kiev cairiam. Ao perder a independência posteriormente, a Volínia seria conquistada pela Lituânia e a Galícia pela Polônia (Estados que posteriormente se uniriam na chamada Comunidade Polaco-Lituana, que existiu entre 1569 e 1795). Ou seja, a região da Galícia-Volínia não se ligaria à cultura cristã ortodoxa da Rússia e sim à cultura católica romana da Comunidade Polaco-Lituana. Inclusive ali, entre os ucranianos, surgiria uma nova Igreja, a chamada Igreja Uniata (originalmente Igreja Rutena Uniata, atualmente Igreja Greco-Católica Ucraniana), que desde a União de Brest, de 1596, é uma parte da Igreja católica romana, mas que segue os ritos bizantinos. Ou seja, a Galícia (e por algum tempo, antes de ser incorporada por Moscou em 1795, a Volínia) se tornaria um centro de cultura ucraniana totalmente independente de Moscou e do mundo ortodoxo bizantino e mais ligado às tradições ocidentais. Inclusive, com as três partilhas da Polônia (a Comunidade Polaco-Lituana deixou de existir em 1795), a Galícia passou para o domínio austríaco dos Habsburgo e a Volínia para o Império Russo. Como no Império Habsburgo a cultura ucraniana sofria menos repressão que no Império Russo, ela pôde ter um relativo florescimento e desenvolvimento nessas terras da Galícia austríaca. Até hoje, essas terras ocidentais ucranianas são as que contêm uma porcentagem maior de ucranianos étnicos, e é a parte que sofre menos influência russa. Daí ser ali onde atualmente o impulso autonomista e independentista é mais forte na Ucrânia (especialmente em relação à Rússia) (cf. Ferraro Júnior, 2022FERRARO JÚNIOR, Vicente Giaccaglini. O dilema entre democracia e ordem em sociedades divididas: conflitos separatistas, ameaças sociais e preferências autoritárias na Rússia e na Ucrânia. Tese (Doutorado em Ciência Política) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2022. supra).

Ou seja, com sua ênfase na Galícia-Volínia, Hrushevsky claramente apontava um caminho alternativo à Moscou para um futuro Estado ucraniano.

Mas o principado da Galícia-Volínia, como todas as terras de Rus’ (incluindo Moscou), perderia sua independência na época do domínio mongol sobre a Rússia (e posteriormente também para a Polônia e Lituânia). Significaria isso que os ucranianos de Hrushevsky não teriam mais nenhuma tradição estatal independente a partir dali até o século XX? O historiador ucraniano diz que não, e que uma tradição estatal de independência foi alcançada pelo Hetmanato Cossaco do século XVII. Aqui é necessário explicar alguns desenvolvimentos históricos sociais da Ucrânia na época.

O nome “Ucrânia”, em russo e em ucraniano, é relacionado à “fronteira”, “limite”, significando mais ou menos “na fronteira”. Parte disso se refere ao fato de que a Ucrânia (como vimos, dividida entre vários impérios e Estados) representava, assim, uma região “de fronteira”, já que muitas de suas terras, especialmente ao final do domínio mongol dos séculos XIII-XV, ficaram com um status disputado ou impreciso legalmente. Ou seja, em alguns sentidos, uma típica “terra de ninguém” fronteiriça, onde não há um controle estatal definido e definitivo. Por exemplo, quando a instituição da servidão começou a apertar no Império Russo, muitos camponeses fugiam para aquelas regiões fronteiriças para escapar dela. Esta foi a origem de muitas das comunidades cossacas: camponeses que fugiam da servidão para essas “terras de ninguém” e lá se auto-organizavam coletivamente sob líderes chamados de Hetman. No século XVII, houve a formação do chamado Hetmanato Cossaco, que existiu de 1649 a 1764. Segundo Hrushevsky, o Hetmanato Cossaco, em suas origens na revolta de 1648-1657, sob a liderança do Hetman Bohdan Khmelnytsky, possuía características de um Estado independente, pois tinha organização própria e não era dominado de facto por nenhum dos impérios vizinhos. Para Hrushevsky, era a afirmação de uma identidade ucraniana (em resistência tanto aos poloneses por um lado quanto aos russos por outro) dotada de um Estado de facto. Tanto que, pressionado militarmente pelos poloneses no lado ocidental, o hetman Khmelnytsky concluiu com a Rússia o Tratado de Pereslávia de 1654, em que se colocava sob proteção militar da Rússia (contra os poloneses), mas mantendo a autonomia de suas instituições. As condições do tratado de Pereslávia são objeto de grandes controvérsias até hoje, pois, com o tempo, os czares russos foram gradualmente diminuindo a autonomia do Hemanato Cossaco até sua total e incondicional incorporação à Governadoria da Pequena Rússia do Império Russo, em 1764.

Assim, a narrativa de Hrushevsky enfatiza as diversas tradições estatais históricas da nação ucraniana (Estado Kievano, principado da Galícia-Volínia, Hetmanato Cossaco) e forma um contraponto à narrativa imperial grão-russa tradicional (e, consequentemente, também ao discurso de Putin sobre a falta de tradição estatal dos ucranianos).

É importante notar que o fato de Hrushevsky puxar o pêndulo da historiografia para as tradições estatais mais ocidentais da Galícia-Volínia (em contraposição à ligação das terras mais a leste com a Rússia) não significa que ele era um admirador incondicional e unilateral do Ocidente em oposição a Moscou. Ele também criticava a exploração do povo ucraniano sob os outros Impérios, como o Habsburgo. Era especialmente crítico do jugo dos senhores de terra poloneses sobre os camponeses ucranianos tanto no período da Comunidade Polaco-Lituana quanto na Galícia austríaca. Era bem mais simpático à maneira (que considerava tolerante) como os lituanos trataram seus súditos ucranianos quando dominaram unilateralmente a Volínia antes da criação da Comunidade Polaco-Lituana.

Baseamos nossa descrição do lado ucraniano desta “batalha historiográfica” em Hrushevsky não só porque ele é considerado o mais influente historiador clássico ucraniano (e por ter presidido uma de suas experiências estatais independentes, com a República Popular Ucraniana em 1918), mas também porque de facto sua História da Ucrânia-Rus’ ainda hoje é o principal esteio da narrativa histórica nacionalista do país.

RESUMO COMPARATIVO DAS NARRATIVAS HISTÓRICAS TRADICIONAIS UCRANIANAS E RUSSAS SOBRE A HISTÓRIA DA UCRÂNIA

Em vista do exposto acima, podemos resumir os pontos-chave principais que diferenciam as narrativas históricas tradicionais da Ucrânia e da Rússia sobre os desenvolvimentos na história da Ucrânia6 6 Aqui obviamente não se trata de analisar todas as grandes controvérsias entre as historiografias ucraniana e russa (que são bastante numerosas). Trata-se apenas de mencionar algumas poucas fundamentais que se distinguem por um caráter avassaladoramente conspícuo (em termos inclusive de visibilidade internacional) e chegam a constituir uma espécie de “mito fundador” na historiografia do novo Estado ucraniano independente. . Como vimos, a narrativa histórica de Putin nada tem de especialmente original ou esdrúxula, sendo reflexo de posturas historiográficas tradicionais oriundas da Rússia czarista que (em grande parte, mas sofrendo adaptações à abordagem classista marxista) perduraram também durante o período soviético.

Primeiramente, o caráter do Estado Kievano (Rus’), que existiu entre os séculos IX e XIII, quando o povo eslavo oriental ainda não havia se diferenciado entre os futuros russos, ucranianos e bielo-russos. Os ucranianos se veem como o núcleo original populacional daquele Estado fundador (uma federação de cidades-Estados com vassalagem ao grão-príncipe de Kiev), com Moscou (“fundada” no século XII) como uma adição tardia e inicialmente periférica. Já os russos tendem a ver Rus’ como a origem comum, indiferenciada, dos posteriores russos, ucranianos e bielo-russos.

Esta origem comum tende a ser transportada para períodos posteriores pelos historiadores tradicionais russos, que veem os povos russo, ucraniano e bielo-russo como formando uma “grande família” (com os russos no papel do “irmão maior” devido a serem os mais numerosos dos três). Já os ucranianos enfatizam as diferenças (culturais, linguísticas, etc.) entre os três povos, vistos como totalmente diferenciados, apesar de sua origem étnica comum.

Relacionado ao ponto acima, os russos enfatizam que ucranianos e bielo-russos (e russos) há séculos, durante o período czarista e soviético, viveram sob um soberano/líder comum. Os ucranianos enfatizam que houve regiões ocidentais da Ucrânia (mormente a Galícia) que nunca foram parte do Império czarista e somente foram incorporadas à URSS por via militar, com a Segunda Guerra Mundial.

A controvérsia sobre o caráter estatal do Hetmanato Cossaco do século XVII também divide as historiografias ucraniana e russa. Os ucranianos veem o Hetmanato Cossaco como um Estado (de facto) independente que existiu nas terras “sem dono” fronteiriças entre vários impérios ao largo do rio Dniepre. E veem o Tratado de Pereslávia de 1654, pelo qual o Hetmanato Cossaco se colocava sob a proteção do Império Russo (contra os ataques dos poloneses), como um tratado entre dois Estados independentes pelo qual a Rússia garantia a autonomia do Hetmanato Cossaco dentro do Império Russo (promessa não cumprida e que levou posteriormente à dissolução do Hetmanato dentro do império czarista). Já os russos não veem o Hetmanato Cossaco como um Estado de pleno direito e encaram o Tratado de Pereslávia como uma submissão dos cossacos ao império czarista em troca de proteção militar.

Em termos de figuras históricas, há controvérsias sobre Ivan Mazepa e Stepan Bandera. Ivan Mazepa foi um chefe (hetman) cossaco do século XVIII que administrava o Hetmanato Cossaco como um dos mais fiéis ajudantes do czar Pedro, o Grande. Entretanto, instado a usar os cossacos para auxiliar os russos em sua Grande Guerra do Norte (1700-1721) contra os suecos, ele se recusou e fez uma aliança com estes últimos contra os russos em busca de uma autonomia para o Hetmanato Cossaco. Acabaria sendo malsucedido na empreitada e tendo que fugir para o exílio. Desde lá, Mazepa é visto pelos ucranianos como um herói nacional em busca de independência para os ucranianos/cossacos e na Rússia como sinônimo de traidor: a expressão russa “mazepismo” denota comportamento traiçoeiro.

A outra grande figura nacional, a que talvez seja a mais controversa e a mais relevante para o contexto da guerra entre Rússia e Ucrânia em 2022, é a de Stepan Bandera. Bandera era o líder de uma organização nacionalista de extrema-direita dentro da chamada Organização dos Ucranianos Nacionalistas (OUN), cujo braço armado era o Exército Insurgente Ucraniano. Durante a Segunda Guerra Mundial, sua organização colaborou com as tropas alemãs invasoras em seu combate contra o domínio da União Soviética sobre a Ucrânia. Apesar de a relação entre a OUN e os nazistas ser tensa e algo contraditória (Bandera foi preso por algum tempo pelos próprios alemães por suas atividades pró-Ucrânia independente), desde então os russos consideram Bandera um porta-estandarte do nazismo e fascismo que, segundo eles, permeia consideravelmente o movimento nacionalista ucraniano. Para (grande parte de) os ucranianos, Bandera é um herói nacionalista da pátria contra o domínio totalitário soviético da época sobre a Ucrânia. O presidente ucraniano Viktor Yushchenko, em 2010, agraciou Bandera postumamente com a mais alta comenda ucraniana, o título de “Herói da Ucrânia”, premiação esta que foi anulada no ano seguinte durante o mandato do presidente Viktor Yanukovich. Uma série de partidos de extrema direita na Ucrânia (Liberdade, Setor da Direita, Assembleia Nacional Ucraniana-Organização Nacional de Autodefesa, Congresso dos Nacionalistas Ucranianos, etc.) reclamam para si as tradições de Bandera e de sua Organização dos Ucranianos Nacionalistas. Isso está na base do discurso de Putin durante a invasão de 2022, de que era necessário “desnazificar” a Ucrânia.

EXCURSO SOBRE A HISTORIOGRAFIA TRANSNACIONAL (WORLD HISTORY) SOBRE A UCRÂNIA

Uma alternativa historiográfica sobre a Ucrânia que tem ganhado força nos últimos anos (talvez na esteira das recentes décadas de globalização) é a de correntes como a história transnacional ou world history, que fogem à narrativa tradicional política centrada no Estado ou na nação. Tais historiadores (e.g Georgiy Kasianov, Philipp Ther, Tymothy Snyder) analisam a Ucrânia não do ponto de vista de seus desenvolvimentos internos e sim como resultado de uma série de influências dentro e fora do país, como uma confluência de interações que, em última instância, transcendem as fronteiras nacionais e interagem com influências globais maiores (Kasianov; Ther, 2009KASIANOV, Georgiy; THER, Philipp. A Laboratory of Transnational History: Ukraine and Recent Ukrainian Historiography. Budapest: Central European University Press, 2009.; Snyder, 2017SNYDER, Timothy. Ukrainian History as World History, 1917-2017 (Keynote Speech at the “Revolutionary Ukraine: A Reflection on 1917 and Its Aftermath” Conference). 13 out. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=_Glhke6e2Io . Acesso em: 18 jun. 2022.
https://www.youtube.com/watch?v=_Glhke6e...
). Como todos os historiadores de história transnacional ou de world history, tendem a diminuir o papel central dado por historiadores políticos tradicionais ao Estado e à nação, e assim o fazem no caso da Ucrânia.

O quadro institucional e intelectual estabelecido para o estudo da história ucraniana na Ucrânia independente de maneira geral refletiu as necessidades práticas de construção estatal e nacional. O que de fato ocorreu foi uma revitalização e difusão maciçamente patrocinadas pelo Estado do esquema histórico da “nação renascida”, baseado nos cânones metodológicos e modelos cognitivos do século XIX - período em que essa tarefa foi, pela primeira vez, tentada pelo movimento nacional ucraniano. Se a historiografia soviética foi orientada pelo objetivo do comunismo, o novo telos é a nação. Esta maneira de escrever história, apoiada e dirigida pelos vários governos da Ucrânia ao longo dos anos 1990, se chocou com as realidades culturais e políticas prevalecentes na própria Ucrânia - sua diversidade de culturas, línguas, religiões, normas éticas, experiência histórica e memória. Tentativas de nacionalizar a história criaram sérios problemas para o projeto de estabelecer uma nação “cívica” […]. A Ucrânia não constituiu um Estado-nação poderoso no século XIX e no “breve” século XX, o período que promoveu e institucionalizou a história nacional. Apesar de grande parte da literatura de nation-building ser etnocêntrica, não faz sentido reduzir a história ucraniana aos portadores da identidade étnica ucraniana. A história da Ucrânia e da Europa Oriental em geral parece ser apropriada para uma abordagem de “história transnacional” […] [A] história transnacional se concentra nas relações entre culturas e sociedades, evitando deliberadamente a concentração em uma cultura ou país específico. Ela compara os envios e recebimentos entre culturas, realçando os agentes das trocas culturais, sendo assim orientada para o conceito de agency. A história transnacional desafia modelos simples de difusão. Estuda as maneiras como as culturas usam e se apropriam de bens culturais de origem distante ou estrangeira. As categorias de “eu/minha” e “(d)o outro” não são essencializadas, mas concebidas como fluidas e definidas pela percepção histórica de dado momento (Kasianov; Ther, 2009KASIANOV, Georgiy; THER, Philipp. A Laboratory of Transnational History: Ukraine and Recent Ukrainian Historiography. Budapest: Central European University Press, 2009., pp. 1, 3. Traduzimos).

Não pretendemos analisar o mérito da metodologia e da abordagem desses praticantes da história transnacional ou world history aqui. Queremos apenas mencionar um efeito colateral algo irônico que esta abordagem tem no meio da verdadeira “guerra” historiográfica que é objeto deste artigo. Muitos dos praticantes desta história transnacional e world history sobre a Ucrânia (especialmente os autores ocidentais), na disputa bélica real entre Ucrânia e Rússia, estão no campo pró-Ucrânia. Entretanto, ao diminuir o papel do Estado na história ucraniana, tais historiadores, de certa maneira, “lançam lenha na fogueira” do discurso da “guerra” historiográfica putiniana, que tem como um dos argumentos centrais a ausência ou fraqueza do impulso estatal na Ucrânia. Sobre isso, ver a resposta de Timothy Snyder ao ser perguntado por um ucraniano da plateia sobre como Snyder via a questão do Estado e da nação na Ucrânia, ao final de sua conferência magna no Institut für die Wissenschaften vom Menschen (IWM), em Viena, em 2017, ou a reação ao artigo “Does Ukraine Have a History?”, de Mark von Hagen, na revista Slavic Review, em 1995 (Hagen, 1995HAGEN, Mark von. Does Ukraine Have a History? Slavic Review, v. 54, issue 3, pp. 658-673, 1995.; Snyder, 2017SNYDER, Timothy. Ukrainian History as World History, 1917-2017 (Keynote Speech at the “Revolutionary Ukraine: A Reflection on 1917 and Its Aftermath” Conference). 13 out. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=_Glhke6e2Io . Acesso em: 18 jun. 2022.
https://www.youtube.com/watch?v=_Glhke6e...
, min. 53:40).

Se nós desta vez refizermos a pergunta “A Ucrânia tem uma história?” no sentido de um registro escrito do passado experienciado que tem larga aceitação e autoridade nas comunidades acadêmicas e políticas internacionais, então a resposta não é tão simples [...]. Nos grandes centros acadêmicos anglo-americanos, alemães e japoneses, a história da Ucrânia como campo (com algumas importantes exceções) não existe per se: as exceções confirmam a regra geral. O governo canadense e os imigrantes ucraniano-canadenses subsidiam a história e a cultura da Ucrânia no Canadá, mas aqui existe uma situação “anormal” de que quase todos os acadêmicos são de origem ucraniana. Este fato tem permitido a historiadores mainstream caracterizar a história ucraniana como uma “busca por raízes”, defesa nacional ou alguma outra forma de oratória partidária, e negar ao campo a valorização que ele busca como “história objetiva” […]. O resultado de tudo isso é que, pelos índices de organização intelectual da escrita profissional da história, a Ucrânia não tem uma história (Hagen, 1995HAGEN, Mark von. Does Ukraine Have a History? Slavic Review, v. 54, issue 3, pp. 658-673, 1995., pp. 658-659. Traduzimos).

Como podemos notar, no atual momento da “guerra” historiográfica de Putin e muitos historiadores russos com a Ucrânia, a abordagem transnacional e de world history, como empregada até então, tem representado uma espécie de fogo amigo, ao diminuir o papel do Estado na história da Ucrânia no momento em que os historiadores mais tradicionais ucranianos tentam defender a existência do seu Estado (e nação) contra as alegações putinianas de falta de tradição estatal na Ucrânia.

CONCLUSÃO

Toda a análise anterior, suscitada a partir do repto historiográfico de Putin à Ucrânia, serve para uma rediscussão de questões antigas sobre a identidade ucraniana como nação e como Estado. Uma derivação teórica mais geral pode, potencialmente, ser extraída dela a partir da dissonância descrita entre as concepções cívica e étnica de nação e a aplicação prática do jus soli e jus sanguinis nos Estados nacionais e multinacionais. É conhecida a divergência entre modernistas (e.g. Ernest Gellner; Benedict Anderson) e perenialistas (e.g. Adrian Hastings, John Armstrong) sobre a questão de quão recente é o surgimento das nações, com os primeiros insistindo que o nacionalismo é um fenômeno recente, da era moderna, e os últimos defendendo que as nações são um fenômeno antigo (havendo nações, como a dos judeus, com muitas centenas de anos) (Gellner, 1983GELLNER, Ernest. Nations and Nationalism . Oxford: Basil Blackwell, 1983.; Anderson, 1983ANDERSON, Benedict. Imagined Communities. London: Verso, 1983.; Hastings, 1997HASTINGS, Adrian. The Construction of Nationhood: Ethnicity, Religion and Nationalism. Cambridge: Cambridge University Press, 1997.; Armstrong, 1982ARMSTRONG, John A. Nations Before Nationalism. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 1982.). Uma maneira, talvez, de tentar diminuir o fosso entre essas duas concepções tão opostas seja assumir, de forma mais concreta, que há, não apenas na teoria mas também na prática, duas concepções diferentes de nação. A concepção cívica de nação tem características modernas (já que implica em homogeneização dentro de um território, processo complicado e que exigiu historicamente instrumentos modernos de controle como imprensa, escolarização massificada, serviço militar obrigatório e geral, unificação do mercado interno, etc. para ser realizado). Entretanto, a concepção étnica de nação existe há mais tempo, já que não exige necessariamente territorialização própria, e historicamente conseguiu conviver com as formas pré-modernas estatais (o grande exemplo seriam os impérios multinacionais mais antigos). Aliás, analisando as condições do Império Russo em seus debates com Rosa Luxemburgo sobre a questão nacional, Lenin (1960-1970LENIN, V. I. The Right of Nations to Self-Determination. In: LENIN, V. I. Collected Works. Vol. 20. Moscou: Progress Publishers, 1960-1970. 45 vols., pp. 393-454., pp. 396-397, na esteira de Karl Kautsky, 1908KAUTSKY, Karl. Nationalität und Internationalität. Ergänzungshefte zur Neien Zeit, n. 1, pp. 1-36, 18 jan. 1908. Disponível em: Disponível em: http://library.fes.de/pdf-files/bibliothek/neuezeit/1908_e01.pdf . Acesso em: 17 jun. 2022.
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) havia identificado o nacionalismo étnico como resquício dos impérios multinacionais das áreas mais atrasadas economicamente da Europa (Império Russo, Império Habsburgo, etc.), e o Estado-Nação (com seu mercado nacional unificado e as suas estruturas homogeneizadas) como a forma adequada do capitalismo avançado (como nos exemplos da França e Inglaterra).

A proposta acima de Lenin coloca a questão algo em termos de superior/inferior (mais avançado/mais atrasado). Não sabemos se essa dicotomia qualitativa se sustenta propriamente, mas chamamos a atenção que esta colocação do revolucionário russo caminha na direção de incorporar a noção de que há não apenas duas grandes definições tipológicas de “nação” na teoria, mas dois tipos de nação na prática. Este é o impulso que desejamos estimular aqui.

É importante notar que a proposta aqui lançada, de assumir, teoricamente e na prática política, que há não apenas duas definições teóricas de nação, mas dois tipos de nação, difere da outra grande tentativa de fazer uma ponte entre modernismo e perenialismo, que é o etnosimbolismo de Anthony D. Smith. Mesmo Smith (2009SMITH, Anthony D. Ethno-symbolism and Nationalism: A Cultural Approach. London: Routledge, 2009.) mantém uma definição única de nação, como fica claro em sua controvérsia com Walker Connor (2004CONNOR, Walker. The Timelessness of Nations. Nations and Nationalism, v. 10, n. 1-2, pp. 35-47, 2004., pp. 36-38).

Tudo isso mostra quão profundo é o fosso entre as diferentes concepções de nação e nacionalismo e quão difícil é superar os impasses teóricos e práticos daí advindos. A proposta supra de incorporar que há, não apenas na teoria, mas também na prática, dois tipos de nação, não pode superar esse fosso imediatamente, mas pode servir de uma hipótese inicial, uma plataforma para que no futuro se consiga um impulso sintético que possibilite uma linguagem mais comum aos diversos lados, especialmente nos debates entre modernistas e perenialistas.

Sobre o caso concreto da Ucrânia no meio desses debates e embates historiográficos, é importante lembrar que, mesmo sendo stricto sensu sua forma estatal independente estável bastante recente (desde 1991), a Ucrânia, como nação (no sentido étnico e cultural), já existia há bastante tempo.

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    » https://ru.wikisource.org/wiki/%D0%92%D0%B0%D0%BB%D1%83%D0%B5%D0%B2%D1%81%D0%BA%D0%B8%D0%B9_%D1%86%D0%B8%D1%80%D0%BA%D1%83%D0%BB%D1%8F%D1%80
  • 1
    Aqui e doravante, o símbolo § significa “parágrafo” em textos da internet não paginados, para facilitar a localização das passagens mencionadas. Igualmente, “min.” significa “minutagem” em vídeo citado.
  • 2
    A descrição sumária da história da Ucrânia e Rússia a seguir é baseada nos trabalhos de Magocsi (1996MAGOCSI, Paul Robert. A History of Ukraine. Toronto: University of Toronto Press, 1996. ), Subtelny (2000SUBTELNY, Orest. Ukraine: A History. 3a Ed. Toronto: University of Toronto Press . 2000. ), Plokhy (2015PLOKHY, Serhii. The Gates of Europe: A History of Ukraine. New York: Basic Books, 2015.) e, especialmente, no clássico Hrushevsky (1991HRUSHEVSKY, Mykhailo Serhiiovych. Історія України-Руси [História da Ucrânia-Rus’]. Kiev: Naukova Dumka , 1991 [1898-1936]. 10 vols. Disponível em: Disponível em: http://litopys.org.ua/hrushrus/iur.htm Acesso em: 16 jun. 2022.
    http://litopys.org.ua/hrushrus/iur.htm...
    ).
  • 3
    Hrushevsky exemplifica, na Ucrânia, as complexidades e os desafios da questão do “duplo lugar” do historiador em relação ao problema do nacionalismo e do Estado nacional. Como bem mostraram, sob diversos ângulos, Potter (1962POTTER, David M. The Historian’s Use of Nationalism and Vice Versa. The American Historical Review, v. 67, issue 4, pp. 924-950, jul. 1962. ), Hroch (1985HROCH, Miroslav. Social Preconditions of National Revival in Europe. Cambridge: Cambridge University Press , 1985.) e Hobsbawm (1992HOBSBAWM, Eric J. Nations and Nationalism Since 1780. 2ª Ed. Cambridge: Cambridge University Press , 1992.), os historiadores (e intelectuais em geral) possuem um duplo papel em relação ao nacionalismo, ao mesmo tempo como seus estudiosos e também como seus impulsionadores, especialmente quando assumem a arena política pública.
  • 4
    Sobre isso, ver Ferraro Jr. (2022FERRARO JÚNIOR, Vicente Giaccaglini. O dilema entre democracia e ordem em sociedades divididas: conflitos separatistas, ameaças sociais e preferências autoritárias na Rússia e na Ucrânia. Tese (Doutorado em Ciência Política) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2022. ), que quantifica, por meio da análise de pesquisas de opinião locais, as diferenciações dos pontos de vista políticos e históricos das diversas etnias (nacionalidades) em regiões na Ucrânia.
  • 5
    O texto integral da grande obra multivolume de Hrushevsky, História da Ucrânia-Rus’, base da descrição a seguir, pode ser lido na língua original em Hrushevsky (1991HRUSHEVSKY, Mykhailo Serhiiovych. Історія України-Руси [História da Ucrânia-Rus’]. Kiev: Naukova Dumka , 1991 [1898-1936]. 10 vols. Disponível em: Disponível em: http://litopys.org.ua/hrushrus/iur.htm Acesso em: 16 jun. 2022.
    http://litopys.org.ua/hrushrus/iur.htm...
    [1898-1936]), e em inglês em Hrushevsky (1997-2001HRUSHEVSKY, Mykhailo Serhiiovych. History of Ukraine-Rus’. Edmonton: CIUS Press, 1997-2021. 12 vols.).
  • 6
    Aqui obviamente não se trata de analisar todas as grandes controvérsias entre as historiografias ucraniana e russa (que são bastante numerosas). Trata-se apenas de mencionar algumas poucas fundamentais que se distinguem por um caráter avassaladoramente conspícuo (em termos inclusive de visibilidade internacional) e chegam a constituir uma espécie de “mito fundador” na historiografia do novo Estado ucraniano independente.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    10 Set 2022
  • Aceito
    18 Mar 2023
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