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Utilização da Amnioinfusão na Propedêutica do Oligoidrâmnio Acentuado

The use of Diagnostic Amnioinfusion in Severe Oligohydramnios

Resumos

Objetivo: avaliar a eficácia da amnioinfusão para a propedêutica do oligoidrâmnio acentuado. Metodologia: foram incluídas neste estudo 12 gestantes com diagnóstico de oligoidrâmnio acentuado no 2º e 3º trimestre da gestação encaminhadas para realização de amnioinfusão. O procedimento foi realizado utilizando-se soro fisiológico a 37ºC a uma velocidade de 20 mL/min seguido da injeção de 5 mL de corante. A avaliação do índice de líquido amniótico (ILA) foi realizada antes e 30 minutos após o procedimento e as anomalias fetais quando presentes foram registradas. A idade gestacional das pacientes variou de 18 a 34 semanas (média 25 ± 4 semanas). O ILA inicial variou de zero a 7,3 cm (média 10,3 cm) e o final de 10,0 a 25,4 cm (média 16,36 ± 6 cm). O volume infundido variou de 300 a 1000 mL (média 605,4 ± 224,1 mL). Resultados: em nove pacientes (75%) o exame permitiu o diagnóstico etiológico: quatro roturas de membranas e malformações fetais em cinco casos. Em duas pacientes o oligoidrâmnio era idiopático e em uma gestante o estudo anatomopatológico revelou infarto placentário. Nove gestações (75%) foram interrompidas após o diagnóstico e três foram mantidas sob observação por tempo médio de 8,8 semanas após a amnioinfusão. Todos fetos evoluíram para o óbito, sendo sete natimortos e os demais neomortos. Conclusão: a amnioinfusão mostrou ser método propedêutico de alta acurácia permitindo o diagnóstico etiológico do oligoidrâmnio acentuado em 75% dos casos.

Amnioinfusão; Oligohidrâmnio; Malformações fetais; Rotura prematura de membranas


Purpose: to evaluate the effectiveness of diagnostic amnioinfusion in severe oligohydramnios. Methods: twelve patients with severe oligohydramnios in the second and third trimester of pregnancy were submitted to amnioinfusion. The procedure was done using a warm physiological saline at a rate of 20 mL/min followed by the instillation of 5 mL of dye. The amniotic fluid index (AFI) was measured before the procedure and 30 min afterwards and in case of fetal anomalies, it was documented. The gestational age ranged from 18 to 34 weeks (average 25 ± 4 weeks). The average of the initial ILA was 10.3cm and after the procedure was 16.4 cm. The volume of saline solution infused ranged from 300 to 1000 mL (605.4 ± 224.1 mL). Results: in nine patients (75%) the procedure led to an etiologic diagnosis: four cases of premature rupture of membranes and major malformations in five fetuses. In two patients the oligohydramnios was considered idiopathic and in one patient the pathological examination revealed a placental infarct. Nine pregnancies (75%) were interrupted after the diagnosis and in three cases it was maintained for 8.8 weeks after the amnioinfusion. All fetuses died, seven of them had neonatal death and the remaining had intrauterine death. Conclusion: amnioinfusion is an effective method with high precision, enabling the etiologic diagnosis of severe oligohydramnios in 75% of the cases.

Amnioinfusion; Oligohydramnios; Fetal malformations; Premature rupture of membranes


Trabalhos Originais

Utilização da Amnioinfusão na Propedêutica do Oligoidrâmnio Acentuado

The use of Diagnostic Amnioinfusion in Severe Oligohydramnios

Juliana Moysés Leite1 1 Ambulatório de Medicina Fetal ¾ Santa Casa de Belo Horizonte ¾ MG 2 Hospital Mater Dei ¾ Belo Horizonte ¾ MG 3 Sonnus - Imagem ¾ Belo Horizonte ¾ MG Correspondência: Júlio César Faria Couto Avenida Flávio dos Santos, 335 / 403 ¾ Floresta 31015-150 ¾ Belo Horizonte ¾ MG e-mail: julianambl@uol.com.br ,2 1 Ambulatório de Medicina Fetal ¾ Santa Casa de Belo Horizonte ¾ MG 2 Hospital Mater Dei ¾ Belo Horizonte ¾ MG 3 Sonnus - Imagem ¾ Belo Horizonte ¾ MG Correspondência: Júlio César Faria Couto Avenida Flávio dos Santos, 335 / 403 ¾ Floresta 31015-150 ¾ Belo Horizonte ¾ MG e-mail: julianambl@uol.com.br , Marcus Vinícius Rodrigues Silva 1 1 Ambulatório de Medicina Fetal ¾ Santa Casa de Belo Horizonte ¾ MG 2 Hospital Mater Dei ¾ Belo Horizonte ¾ MG 3 Sonnus - Imagem ¾ Belo Horizonte ¾ MG Correspondência: Júlio César Faria Couto Avenida Flávio dos Santos, 335 / 403 ¾ Floresta 31015-150 ¾ Belo Horizonte ¾ MG e-mail: julianambl@uol.com.br ,3 1 Ambulatório de Medicina Fetal ¾ Santa Casa de Belo Horizonte ¾ MG 2 Hospital Mater Dei ¾ Belo Horizonte ¾ MG 3 Sonnus - Imagem ¾ Belo Horizonte ¾ MG Correspondência: Júlio César Faria Couto Avenida Flávio dos Santos, 335 / 403 ¾ Floresta 31015-150 ¾ Belo Horizonte ¾ MG e-mail: julianambl@uol.com.br , Renato Nunes Melo1 1 Ambulatório de Medicina Fetal ¾ Santa Casa de Belo Horizonte ¾ MG 2 Hospital Mater Dei ¾ Belo Horizonte ¾ MG 3 Sonnus - Imagem ¾ Belo Horizonte ¾ MG Correspondência: Júlio César Faria Couto Avenida Flávio dos Santos, 335 / 403 ¾ Floresta 31015-150 ¾ Belo Horizonte ¾ MG e-mail: julianambl@uol.com.br , Mariana Furtado1 1 Ambulatório de Medicina Fetal ¾ Santa Casa de Belo Horizonte ¾ MG 2 Hospital Mater Dei ¾ Belo Horizonte ¾ MG 3 Sonnus - Imagem ¾ Belo Horizonte ¾ MG Correspondência: Júlio César Faria Couto Avenida Flávio dos Santos, 335 / 403 ¾ Floresta 31015-150 ¾ Belo Horizonte ¾ MG e-mail: julianambl@uol.com.br Ana Paula Cançado Gonçalves1 1 Ambulatório de Medicina Fetal ¾ Santa Casa de Belo Horizonte ¾ MG 2 Hospital Mater Dei ¾ Belo Horizonte ¾ MG 3 Sonnus - Imagem ¾ Belo Horizonte ¾ MG Correspondência: Júlio César Faria Couto Avenida Flávio dos Santos, 335 / 403 ¾ Floresta 31015-150 ¾ Belo Horizonte ¾ MG e-mail: julianambl@uol.com.br , Ana Cristina Militão Abrantes1 1 Ambulatório de Medicina Fetal ¾ Santa Casa de Belo Horizonte ¾ MG 2 Hospital Mater Dei ¾ Belo Horizonte ¾ MG 3 Sonnus - Imagem ¾ Belo Horizonte ¾ MG Correspondência: Júlio César Faria Couto Avenida Flávio dos Santos, 335 / 403 ¾ Floresta 31015-150 ¾ Belo Horizonte ¾ MG e-mail: julianambl@uol.com.br , Júlio César de Faria Couto1 1 Ambulatório de Medicina Fetal ¾ Santa Casa de Belo Horizonte ¾ MG 2 Hospital Mater Dei ¾ Belo Horizonte ¾ MG 3 Sonnus - Imagem ¾ Belo Horizonte ¾ MG Correspondência: Júlio César Faria Couto Avenida Flávio dos Santos, 335 / 403 ¾ Floresta 31015-150 ¾ Belo Horizonte ¾ MG e-mail: julianambl@uol.com.br ,3 1 Ambulatório de Medicina Fetal ¾ Santa Casa de Belo Horizonte ¾ MG 2 Hospital Mater Dei ¾ Belo Horizonte ¾ MG 3 Sonnus - Imagem ¾ Belo Horizonte ¾ MG Correspondência: Júlio César Faria Couto Avenida Flávio dos Santos, 335 / 403 ¾ Floresta 31015-150 ¾ Belo Horizonte ¾ MG e-mail: julianambl@uol.com.br

RESUMO

Objetivo: avaliar a eficácia da amnioinfusão para a propedêutica do oligoidrâmnio acentuado.

Metodologia: foram incluídas neste estudo 12 gestantes com diagnóstico de oligoidrâmnio acentuado no 2o e 3o trimestre da gestação encaminhadas para realização de amnioinfusão. O procedimento foi realizado utilizando-se soro fisiológico a 37oC a uma velocidade de 20 mL/min seguido da injeção de 5 mL de corante. A avaliação do índice de líquido amniótico (ILA) foi realizada antes e 30 minutos após o procedimento e as anomalias fetais quando presentes foram registradas. A idade gestacional das pacientes variou de 18 a 34 semanas (média 25 ± 4 semanas). O ILA inicial variou de zero a 7,3 cm (média 10,3 cm) e o final de 10,0 a 25,4 cm (média 16,36 ± 6 cm). O volume infundido variou de 300 a 1000 mL (média 605,4 ± 224,1 mL).

Resultados: em nove pacientes (75%) o exame permitiu o diagnóstico etiológico: quatro roturas de membranas e malformações fetais em cinco casos. Em duas pacientes o oligoidrâmnio era idiopático e em uma gestante o estudo anatomopatológico revelou infarto placentário. Nove gestações (75%) foram interrompidas após o diagnóstico e três foram mantidas sob observação por tempo médio de 8,8 semanas após a amnioinfusão. Todos fetos evoluíram para o óbito, sendo sete natimortos e os demais neomortos.

Conclusão: a amnioinfusão mostrou ser método propedêutico de alta acurácia permitindo o diagnóstico etiológico do oligoidrâmnio acentuado em 75% dos casos.

PALAVRAS-CHAVE: Amnioinfusão. Oligohidrâmnio. Malformações fetais. Rotura prematura de membranas.

Introdução

A incidência do oligoidrâmnio é estimada entre 0,5 e 5,5% das gestações1, variando de acordo com a população estudada e os critérios utilizados para o diagnóstico. Encontra-se associado a doenças maternas, fetais e anexiais entre elas a rotura prematura de membranas, malformações congênitas, anomalias cromossômicas, crescimento intra-uterino restrito, pós-maturidade e uso de medicamentos1.

A diminuição do líquido amniótico dificulta o estudo da morfologia fetal por reduzir o meio de condução necessário para a formação da imagem ultra-sonográfica. A amnioinfusão tem sido utilizada com o objetivo de reconstituir artificialmente essa interface, auxiliando o diagnóstico etiológico do oligoidrâmnio2,3. Foi utilizada pela primeira vez em 1983 por Miyazaki e Taylor4 em pacientes que apresentavam desacelerações variáveis dos batimentos cárdio-fetais durante o trabalho de parto.

Somente em 1988, Gembruch e Hansmann5 propuseram sua utilização como método propedêutico em pacientes portadoras de oligoidrâmnio, com o objetivo de permitir o estudo ultra-sonográfico da morfologia fetal.

Em 1991, Fisk et al.6 observaram aperfeiçoamento da imagem ultra-sonográfica em 95% das pacientes submetidas a amnioinfusão, permitindo o diagnóstico etiológico do oligoidrâmnio em 78,4% dos casos. Quetel et al.7 realizaram 13 amnioinfusões em gestantes portadoras de oligoidrâmnio acentuado. Houve melhora na qualidade da imagem em 92% dos casos, sendo o diagnóstico etiológico definido em 84,6% dos pacientes, principalmente malformações e rotura prematura de membranas.

A amnioinfusão além de auxilar no diagnóstico etiológico do oligoidrâmnio permite definir o prognóstico fetal de forma mais conclusiva, estabelecendo possíveis metas terapêuticas8,9. Dessa forma, o objetivo deste estudo foi avaliar a eficácia da amnioinfusão na propedêutica do oligoidrâmnio acentuado em um centro de referência no Brasil.

Pacientes e Métodos

Trata-se de um estudo prospectivo no qual foram incluídas 12 gestantes, sendo uma gestação gemelar. As pacientes foram encaminhadas ao Ambulatório de Medicina Fetal da Santa Casa de Belo Horizonte entre 23 de janeiro de 1998 e 04 de junho de 2001 com diagnóstico de oligoidrâmnio no segundo ou terceiro trimestre da gravidez. A idade materna média foi de 22,7 anos (variando de 18 a 33 anos; desvio padrão de 5 anos). A idade gestacional média no momento do procedimento foi de 25 semanas (18-30 semanas; DP = 4). Em relação à paridade, 50% das pacientes eram nulíparas. Nenhuma paciente apresentava doenças associadas.

O oligoidrâmnio foi suspeitado clinicamente pela medida da altura uterina menor que o esperado para a idade gestacional e confirmado por meio de exame ultra-sonográfico. Nos dois primeiros anos do estudo, utilizou-se a avaliação subjetiva, conforme proposto por Philipson et al.10. A partir de 2000, a avaliação do líquido amniótico passou a ser feita pela medida do índice de líquido amniótico (ILA), segundo os critérios de Phelan et al.11.

Os seguintes parâmetros foram avaliados: volume infundido, tempo de infusão, ILA inicial e final, número de procedimentos por paciente, evolução da gestação e mortalidade perinatal.

O estudo anatomopatológico do feto e da placenta foi indicado em todos os casos.

Após anti-sepsia e anestesia local, sob controle ultra-sonográfico contínuo, uma agulha de 18G foi introduzida na cavidade amniótica através da parede abdominal materna e realizada amnioinfusão com soro fisiológico aquecido a 37oC em infusão contínua a uma velocidade de 20 mL/ minuto, seguida de infusão de uma ampola de vitamina B12 como corante. A infusão era mantida até que se obtivesse imagem ultra-sonográfica adequada, não havendo volume pré-estabelecido para a infusão. Trinta minutos após o procedimento foi realizado estudo ultra-sonográfico para avaliação da morfologia fetal e as anomalias quando presentes foram registradas.

A amnioinfusão e o exame ultra-sonográfico foram realizados por um único observador. Foram utilizados os aparelhos Aloka modelo SSD 650 (3,5MHz) (Aloka, Ltda, Tokyo, Japão) e Siemens Sonoline Versa Plus (3,5MHz) (Siemens Medical System, Inc, Alemanha).

Para análise dos resultados utilizou-se a distribuição percentual, média e desvio-padrão.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Santa Casa de Belo Horizonte.

Resultados

Foram realizadas 13 amnioinfusões nas 12 pacientes (Tabela 1). Em 3 pacientes (casos 1, 2 e 5) a avaliação do líquido amniótico foi subjetiva. Nos demais casos foi realizada a avaliação do ILA. Em 7 pacientes (casos 4, 7, 8, 9, 10, 11 e 12) o líquido amniótico encontrava-se ausente. Em duas gestantes (casos 3 e 6) o ILA inicial foi de 7,3 cm e 2,0 cm, respectivamente. O volume infundido variou entre 300 e 1000 mL (média 605,4 mL; DP = 224,1). O ILA final variou entre 10,0 e 25,4 cm (média 16,4 cm; DP = 6). O tempo médio de infusão foi de 30 minutos (20¾60 min), o que permitiu que o líquido fosse infundido a uma velocidade média de 20 mL/min.

Em todas as gestantes, o volume de líquido obtido após a amnioinfusão permitiu o estudo ultra-sonográfico fetal adequado. Em nove pacientes (75%) o diagnóstico pôde ser estabelecido pelo procedimento. Cinco fetos (41,6%) apresentavam malformações. As principais foram urinárias (n = 3): displasia renal bilateral (n = 2) e agenesia renal bilateral (n = 1). Os dois fetos restantes apresentaram seqüência de regressão caudal (n = 1) e síndrome do cordão curto (n = 1). A rotura prematura de membranas foi a etiologia do oligoâmnio observada em quatro pacientes (33,3%).

Em três pacientes o diagnóstico etiológico do oligoidrâmnio não pôde ser estabelecido no período pré-natal. Em um caso (caso 1) o diagnóstico foi estabelecido pelo estudo anatomopatológico da placenta que revelou infarto placentário extenso ocupando grande área no local da inserção do cordão do feto portador do oligoidrâmnio. Nos dois casos restantes (3 e 5), apesar da propedêutica realizada, não foi possível identificar a etiologia do oligoidrâmnio, sendo considerado idiopático.

Nove gestações (75%) foram interrompidas após o diagnóstico. A idade gestacional média na época da interrupção foi de 28 semanas, (19 a 30 semanas; DP = 6). Todos os casos nos quais o diagnóstico foi de rotura prematura de membranas e oligoidrâmnio idiopático foram interrompidos. Dentre os casos de malformações fetais incompatíveis com a vida, os casos 9, 11 e 12 foram interrompidos. Dessas gestações, todos os fetos evoluíram ao óbito, sendo seis natimortos e três neomortos.

Três gestações (25%) evoluíram por um tempo médio de 8,8 semanas após a amnioinfusão (casos 1, 4, 7). O feto portador de oligoidrâmnio do caso 1 foi natimorto e o segundo gemelar, que apresentava líquido amniótico normal, evoluiu satisfatoriamente. As gestantes cujos fetos apresentavam displasia renal bilateral optaram pela continuidade da gestação que evoluiu até 36 e 34 semanas, respectivamente, sendo ambos neomortos.

Todos os recém-nascidos foram encaminhados a necropsia, que confirmou os achados ultra-sonográficos pré-natais em todos os casos.

Ocorreram complicações relacionadas diretamente ao procedimento em dois casos (16,6%) nos quais houve rotura prematura das membranas (casos 5, 12). Não foi observado nenhum caso de corioamnionite.

Discussão

O oligoidrâmnio acentuado é sinal ultra-sonográfico de grande importância na avaliação do prognóstico fetal. Quando ocorre precocemente na gravidez, está associado a alta taxa de morbimortalidade perinatal1,12.

Sua etiologia varia conforme a idade gestacional do diagnóstico. Oligoidrâmnio precoce encontra-se relacionado a malformações fetais (principalmente do trato gênito-urinário), anomalias cromossômicas e rotura prematura de membranas13. Já o oligoidrâmnio diagnosticado no terceiro trimestre encontra-se associado a pós-maturidade e doenças maternas como hipertensão, diabetes ou tabagismo1.

Outras etiologias como uso de medicamentos também podem ocasionar oligoidrâmnio. Drogas como os antiinflamatórios não esteróides reduzem o volume do líquido amniótico por diminuírem os níveis de PGE2 e PGI2 na arteríola eferente. Outras como os inibidores da enzima de conversão da angiotensina podem alterar os mecanismos renina-dependentes com efeito hipotensor de longa duração sobre o feto13.

A presença de oligoidrâmnio, independente da idade gestacional, impõe um estudo detalhado da anatomia fetal, uma vez que numerosas anomalias congênitas têm sido relatadas em associação a este sinal14,15.A maioria envolve o trato gênito-urinário resultando em alteração na produção ou excreção de urina fetal. A incidência de anomalias urinárias em gestantes portadoras de oligoidrâmnio no segundo trimestre varia de 25% a 50%16. Nesses casos as malformações devem ser bilaterais a fim de levarem a diminuição considerável do líquido amniótico.

Reforçando os estudos anteriores, observamos que as malformações foram a etiologia mais comum do oligoidrâmnio neste estudo (40%); destas, as urinárias foram responsáveis por 25% dos casos de oligoidrâmnio, representando 60% do total de malformações encontradas.

A rotura prematura de membranas (RPM) foi a segunda causa mais freqüente de oligoidrâmnio (30%). Sua etiologia é desconhecida, mas está associada a fatores pessoais (baixo nível socioeconômico, desnutrição, tabagismo), traumáticos (procedimentos intra-uterinos), ovulares (poliidrâmnio, placenta prévia, inserção marginal do cordão), infecciosos e uterinos (malformações e miomatose)1. A RPM associada ao oligoidrâmnio encontra-se relacionada a um aumento da mortalidade perinatal. Neste estudo, as quatro pacientes que apresentaram RPM diagnosticada pela amnioinfusão apresentavam idade gestacional entre 19 e 27 semanas e oligoidrâmnio acentuado. Devido ao prognóstico materno-fetal sombrio, a conduta adotada no serviço nestes casos é a interrupção da gestação.

Uma correlação direta tem sido estabelecida entre o grau do oligoidrâmnio e a incidência de infecção em pacientes com RPM para as quais se adota uma conduta expectante. Esses dados são confirmados pelo estudo de Vintzielos et al.17, que observaram 15,7% de morte perinatal associada a aumento na incidência de infecção perinatal, com 47,3% de corioamnionite e 31,5% de sepse neonatal.

A amnioinfusão acompanhada pela injeção de contraste é excelente método para confirmação da RPM. Recomenda-se o uso de vitamina do complexo B ou do índigo carmim 11. O uso de azul de metileno tem sido contra-indicado por sua associação com obstrução intestinal neonatal e hemólise fetal18-20.

Em aproximadamente 30% dos casos, não é possível determinar a etiologia do oligiidrâmnio13. Duas hipóteses etiopatogênicas têm sido propostas nesses casos: aumento da prolactina decidual, favorecendo a passagem de água do compartimento amniótico para o compartimento materno, ou diminuição do volume plasmático materno21.

Neste estudo, pôde-se observar melhora na qualidade da imagem ultra-sonográfica em todas as pacientes o que permitiu o diagnóstico etiológico do oligoidrâmnio em 9 dos 12 casos (75%). Após o procedimento, o oligoidrâmnio foi considerado idiopático em dois casos, assim permanecendo após o nascimento das crianças. Num terceiro caso tratava-se de infarto placentário cujo diagnóstico foi feito por estudo anatomopatológico.

As principais complicações fetais relacionadas ao procedimento são rotura prematura das membranas, corioamnionite, lesões fetais, bradicardia, hipotermia, prematuridade e descolamento placentário. Rotura prematura das membranas é a complicação mais freqüente5. Neste estudo foi observada em dois casos (16,6%). Não foi observada relação entre o tempo do procedimento e a incidência desta complicação. A principal complicação materna relatada na literatura é a embolia amniótica cuja incidência é de 0,01%, associada principalmente a amnioinfusão realizada durante o trabalho de parto22.

A evolução neonatal traduz a gravidade do oligoidrâmnio acentuado diagnosticado precocemente na gravidez. Nesses casos, a morbimortalidade perinatal está aumentada pelo desenvolvimento de hipoplasia pulmonar, além da compressão fetal pela parede uterina que limita os movimentos fetais induzindo ao desenvolvimento de artrogripose23. Chamberlain et al.24 observaram aumento de 40 vezes na mortalidade perinatal em fetos apresentando oligoidrâmnio. Este estudo comprova essas observações: todos os fetos evoluíram ao óbito, sendo 58% natimortos e o restante neomortos.

Concluímos que a amnioinfusão mostrou ser método propedêutico de alta acurácia no diagnóstico etiológico do oligoidrâmnio acentuado. No entanto, não é procedimento isento de riscos, sendo a rotura prematura de membranas sua complicação mais freqüente. Dessa forma, deve ser realizada exclusivamente por profissionais treinados sendo indicada apenas nos casos em que a postura da equipe médica será influenciada pelo resultado do exame ou quando o desejo dos pais de um diagnóstico definitivo for mais importante que os riscos do procedimento.

ABSTRACT

Purpose: to evaluate the effectiveness of diagnostic amnioinfusion in severe oligohydramnios.

Methods: twelve patients with severe oligohydramnios in the second and third trimester of pregnancy were submitted to amnioinfusion. The procedure was done using a warm physiological saline at a rate of 20 mL/min followed by the instillation of 5 mL of dye. The amniotic fluid index (AFI) was measured before the procedure and 30 min afterwards and in case of fetal anomalies, it was documented. The gestational age ranged from 18 to 34 weeks (average 25 ± 4 weeks). The average of the initial ILA was 10.3cm and after the procedure was 16.4 cm. The volume of saline solution infused ranged from 300 to 1000 mL (605.4 ± 224.1 mL).

Results: in nine patients (75%) the procedure led to an etiologic diagnosis: four cases of premature rupture of membranes and major malformations in five fetuses. In two patients the oligohydramnios was considered idiopathic and in one patient the pathological examination revealed a placental infarct. Nine pregnancies (75%) were interrupted after the diagnosis and in three cases it was maintained for 8.8 weeks after the amnioinfusion. All fetuses died, seven of them had neonatal death and the remaining had intrauterine death.

Conclusion: amnioinfusion is an effective method with high precision, enabling the etiologic diagnosis of severe oligohydramnios in 75% of the cases.

KEY WORDS: Amnioinfusion. Oligohydramnios. Fetal malformations. Premature rupture of membranes.

Recebido em: 28/1/2002

Aceito com modificações em: 29/7/2002

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  • 1
    Ambulatório de Medicina Fetal ¾ Santa Casa de Belo Horizonte ¾ MG
    2
    Hospital Mater Dei ¾ Belo Horizonte ¾ MG
    3
    Sonnus - Imagem ¾ Belo Horizonte ¾ MG
    Correspondência:
    Júlio César Faria Couto
    Avenida Flávio dos Santos, 335 / 403 ¾ Floresta
    31015-150 ¾ Belo Horizonte ¾ MG
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Set 2002
    • Data do Fascículo
      Jul 2002

    Histórico

    • Recebido
      28 Jan 2002
    • Aceito
      29 Jul 2002
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