Construção e validação de conteúdo de instrumento de autoavaliação da qualidade do cuidado em instituição de longa permanência para pessoas idosas

Resumo

Objetivo

Desenvolver e realizar a validação de conteúdo de um instrumento de autoavaliação da qualidade do cuidado em Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI), denominado QualificaILPI.

Método

Estudo metodológico realizado entre março e dezembro de 2021. O instrumento foi desenvolvido com base em modelo multidimensional de qualidade, legislação brasileira e pesquisa bibliográfica e contém padrões de qualidade para autoavaliação das ILPI nas dimensões: ambiente, lar, cuidado, envolvimento familiar e da comunidade, equipe de trabalho e gestão. Cada padrão é descrito e seguido por uma escala, com parâmetros para classificar o nível de qualidade da ILPI em incipiente, intermediário, consolidado. A Técnica Delphi modificada foi empregada para validação por um comitê de 10 especialistas quanto a pertinência do padrão para avaliação da qualidade da ILPI, da adequação dos objetivos e da escala de avaliação, clareza, podendo fazer comentários. O padrão foi mantido quando houve 75% de concordância entre os especialistas. O instrumento foi também avaliado pelo público-alvo, constituído por coordenadores de 10 ILPI, selecionadas por conveniência.

Resultados

No primeiro ciclo de avaliação, foram excluídos três padrões e dois novos foram criados. No segundo, alterou-se a dimensão de um padrão e dois padrões foram unidos. Ao final, permaneceram 29 padrões divididos em seis dimensões. O público-alvo, gestores de ILPI, sugeriu alterações na redação de alguns padrões. Houve consenso de 80% ou superior em todos os padrões.

Conclusão

O QualificaILPI poderá contribuir para o monitoramento das ILPI favorecendo a melhoria do cuidado ofertado aos residentes.

Palavras-Chave:
Técnica Delfos; Assistência de Longa Duração; Pessoa Idosa; Autoavaliação; Qualidade de Assistência à Saúde

Abstract

Objective

To develop and validate the content of a self-assessment instrument for the quality of care in Long-Term Care Facilities for Older Adults (Instituições de Longa Permanência para Idosos - ILPIs), named QualificaILPI.

Method

A methodological study conducted between March and December 2021. The instrument was developed based on a multidimensional quality model, Brazilian legislation, and literature research. It contains quality standards for self-assessment of ILPIs in the dimensions of environment, home, care, family and community involvement, work team, and management. Each standard is described and followed by a scale with parameters to classify the level of ILPI quality as incipient, intermediate, or consolidated. The modified Delphi Technique was employed for validation by a committee of 10 experts regarding the relevance of the standard for ILPI quality assessment, the appropriateness of objectives, the evaluation scale, and clarity, allowing for comments. The standard was retained when there was 75% agreement among the experts. The instrument was also evaluated by the target audience, consisting of coordinators from 10 ILPIs selected for convenience.

Results

In the first assessment cycle, three standards were excluded, and two new ones were created. In the second cycle, the dimension of one standard was changed, and two standards were combined. In the end, 29 standards remained, divided into six dimensions. The target audience, ILPI managers, suggested changes in the wording of some standards. There was a consensus of 80% or higher for all standards.

Conclusion

QualificaILPI has the potential to contribute to monitoring ILPIs, promoting the improvement of care offered to residents.

Keywords
Delphi Technique; Long-Term Care; Aged; Self-Assessment; Quality of Healthcare

INTRODUÇÃO

O envelhecimento pode ser acompanhado pelo aumento da necessidade por assistência nas atividades diárias. Quando a família não pode proporcionar esse suporte, as Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI) se tornam alternativas para prover esse cuidado. As ILPI são locais de residência coletiva, governamentais ou não, que oferecem assistência à saúde e atividades voltadas para a manutenção da condição clínico-funcional¹. Há uma tendência mundial de aumento desse tipo de domicílio², sendo que seu número varia de acordo com o país e a cultura local, e a população que vive em instituições corresponde a, aproximadamente, 0,5% da população idosa no Brasil, 9% nos Estados Unidos e 6% na França³.

Fatores que contribuem para o uso dessas residências incluem dependência das pessoas idosas, dificuldades financeiras da família, ausência de um cuidador em casa, mudança na dinâmica familiar, devido a todos os membros da família trabalharem e conflitos familiares⁴. Por não ser um processo natural, a mudança para um lar coletivo pode impactar negativamente na vida e na saúde das pessoas idosas⁵. Nessa perspectiva, as ILPI devem desenvolver ações que favoreçam o bem-estar e a qualidade de vida das pessoas idosas e que estimulem a manutenção da cognição, independência e capacidade física⁶.

Para verificar se estas ações estão sendo desenvolvidas, a avaliação das ILPI tem sido uma prática incentivada e reconhecida em muitos países, contribuindo para a implementação de políticas sociais⁷. No Brasil, a legislação regula o funcionamento do ILPI definindo os padrões mínimos de organização, recursos humanos, infraestrutura, processos operacionais, saúde, alimentação, limpeza, lavagem, processamento de roupas e armazenamento⁸,⁹. A vigilância sanitária realiza processos de avaliação externa com o objetivo de inspeção, de acordo com as normas estabelecidas. No entanto, não foram identificados processos sistematizados de avaliação interna que favoreçam a identificação de problemas, o planejamento e a tomada de decisões por parte daqueles que atuam no cotidiano da assistência à pessoa idosa⁹,¹⁰.

Essa avaliação da ILPI é uma questão complexa que deve ser teoricamente conceituada e orientada. Uma das muitas ferramentas existentes para avaliação, chamada Indicadores Observáveis da Qualidade do Cuidado nas ILPI, utiliza o Modelo Multidimensional Integrado de Qualidade e Atendimento Centrado na Pessoa, e contém sete dimensões de qualidade¹⁰. No entanto, em sua maioria, essas ferramentas não usam um modelo conceitual ou não são criadas especificamente para ILPI, ou ainda não incluem a percepção das pessoas idosas, dos trabalhadores, gestores e familiares na avaliação de uma forma conjunta¹⁰.

Para que seja realizada uma avaliação robusta, pressupõe-se a utilização de ferramentas que apoiem o processo de avaliação, que deve ser realizado de forma contínua por pessoas próximas à ILPI, a fim de possibilitar o planejamento do cuidado e melhorias na estrutura e nos processos de trabalho. Nesse sentido, este estudo teve como objetivo desenvolver e realizar a validação de conteúdo de um instrumento de autoavaliação da qualidade do cuidado em ILPI baseado no modelo de avaliação multidimensional.

MÉTODO

Trata-se de um estudo metodológico, desenvolvido entre março e dezembro de 2021, para a criação e validação de conteúdo de um instrumento de autoavaliação da qualidade do cuidado em ILPI, denominado QualificaILPI. As etapas de seu desenvolvimento foram demonstradas na Figura 1. Para sua construção, foram considerados modelos de qualidade do cuidado em ILPI e legislação brasileira, além de revisão da literatura.

Figura 1
Etapas da validação de conteúdo de instrumento de autoavaliação da qualidade do cuidado em ILPI (QUALIFICAILPI). Belo Horizonte, MG, 2021.

Os modelos conceituais adotados foram o modelo de qualidade em ILPI desenvolvido por Figueiredo et al.¹¹ e o modelo multidimensional de qualidade da atenção em ILPI de Rantz et al.¹². Figueiredo et al.¹¹ definiram a qualidade do ILPI como relacionada ao ambiente, cuidado oferecido, equipe e processo de trabalho, estado, família e comunidade, por meio de pesquisa qualitativa usando entrevistas não estruturadas. Segundo Rantz et al.¹², a qualidade do cuidado é multidimensional, abrangendo aspectos relacionados à equipe, cuidado, envolvimento da família, comunicação, ambiente, domicílio e custo. Também foi utilizado o modelo teórico de Donabedian¹³ para avaliação de serviços de saúde para definir o processo de trabalho e a estrutura a serem avaliados pelo instrumento. A estrutura envolve recursos materiais, humanos e organizacionais que favorecem os processos de trabalho envolvendo atividades relacionadas ao cuidado¹³. Esses modelos foram escolhidos com base em uma revisão de escopo dos modelos existentes para orientar a avaliação do cuidado em ILPI¹⁰. Adicionalmente, o marco legal utilizado foi a Resolução da Diretoria Colegiada, nº 502, de 27 de maio de 2021, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que dispõe sobre o funcionamento da ILPI⁸.

O instrumento possui padrões de qualidade, definidos com base na literatura ou na legislação, referentes a estrutura e processo de trabalho nas dimensões ambiente, equipe de trabalho, cuidado, lar, envolvimento familiar e comunidade e gestão da ILPI. Os conceitos das dimensões estão apresentados no Quadro 1. Para a avaliação de cada padrão, existe uma escala para indicar o seu nível de qualidade, que pode ser ausente, incipiente, intermediário ou consolidado. Essa escala varia de acordo com cada padrão. Os critérios utilizados para a construção da escala foram baseados em estudos anteriores ou tendo como referência o arcabouço legal brasileiro. Critérios estatísticos, quartis e tercis, foram usados quando nenhuma das condições estava disponível. O instrumento foi apresentado em uma ficha descritiva contendo a conceituação da dimensão de qualidade avaliada, descrição de cada padrão elaborado, objetivo, justificativa e escala de autoavaliação.

Quadro 1
Conceitos das dimensões avaliadas pelo instrumento de autoavaliação da qualidade do cuidado em ILPI. Belo Horizonte, MG, 2021.

Dimensões	Conceitos
Ambiente	Utilizou-se o conceito de docilidade ambiental, que se refere a locais amigáveis resultantes da provisão de recursos físicos e psicossociais de natureza compensatória para favorecer a saúde física, a funcionalidade, a segurança, a identidade com a residência e o bem-estar psicológico do morador. Como as habilidades da pessoa declinam e o comportamento depende de fatores externos, torna-se necessário melhorar o ambiente do residente para que ele possa viver de forma mais digna, com mais segurança e bem-estar 7,14,.
Equipe de trabalho	Refere-se à equipe de profissionais que atuam no cuidado às pessoas idosas residentes na ILPI. É preciso observar os requisitos técnicos para cada categoria profissional, garantir o número mínimo de profissionais, estabelecer educação permanente e aprimoramento do processo de trabalho para que haja satisfação dos profissionais e, consequentemente, melhor atendimento às necessidades do residente10, 14,15,.
Cuidado	Cuidado é qualquer ação para atender às necessidades básicas das pessoas idosas, incluindo também o estímulo ao autocuidado, à autoestima e à autovalorização. A ILPI deve cuidar continuamente das pessoas idosas, com respeito e escuta qualificada, empatia, incentivando sua autonomia e independência, sempre que possível. O cuidado é essencial para a qualidade de vida e sobrevivência das pessoas idosas14,15,.
Lar	As pessoas idosas que vivem em ILPI devem sentir que estão em sua própria casa. Com um ambiente acolhedor, a ILPI deve preservar hábitos, autonomia, convívio social seguro, higiene, saúde, acessibilidade e privacidade. Quando isso acontece, a pessoa idosa percebe os funcionários como amigos e familiares, sentindo-se em casa, participando das atividades da ILPI com liberdade e privacidade 14,16,.
Envolvimento familiar e da comunidade	A manutenção da pessoa idosa em seu próprio ambiente familiar é ideal, mas se isso não for possível, o lar coletivo é uma possibilidade. Mas, mesmo assim, é necessário manter o esse envolvimento com a família e a comunidade, favorecendo a autonomia e a qualidade de vida. Essa interação ajuda a manter a saúde mental, a satisfação e a independência10, 17,.
Gerenciamento da ILPI	A gestão da ILPI compreende processos administrativos para o alcance de resultados, com melhor qualidade de vida para a pessoa idosa, com base em normas que devem ser seguidas e que são estabelecidas pela legislação10, 18,.

• ILPI: instituições de longa permanência para idosos

O instrumento foi inicialmente submetido a um pré-teste por quatro especialistas (docentes da área de saúde geriátrica) para avaliação do formato adotado, as dimensões e seus padrões de autoavaliação, linguagem e possíveis inconsistências.

A Técnica Delphi modificada¹⁴ foi então utilizada para validar o conteúdo do instrumento de autoavaliação, baseada no Guidance on Conducting and Reporting Delphi Studies (CREDS)¹⁹. Essa técnica consiste em uma consulta interativa com especialistas que julgam questões ou assuntos específicos em ciclos de avaliação até que um consenso seja alcançado. Foi realizada por meio de metodologia anônima de grupo estruturado, que permitiu o acúmulo de contribuições de especialistas com diferentes experiências, desde a pesquisa até o atendimento de linha de frente à pessoa idosa. Os especialistas foram escolhidos por sua afinidade com o tema e experiência no atendimento à pessoa idosa¹⁴ sendo trabalhadores de ILPI, pesquisadores ou membros de associações/instituições de pesquisa ou proteção e assistência à pessoa idosa: Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (1), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (1), enfermeiros gerentes da Secretaria Municipal de Saúde (2), professores universitários (2), trabalhadores da Coordenação Estadual do Idoso (2) e cuidadores de pessoas idosas em ILPI: terapeuta ocupacional (1) , nutricionista (1), advogada (1) e fisioterapeuta (1).

O roteiro de validação permitiu que os especialistas avaliassem cada padrão do instrumento de autoavaliação quanto à sua relevância:

1) “O padrão é relevante para a avaliação da qualidade da ILPI?”

2) “O padrão é relevante para a avaliação da dimensão proposta?”.

Para responder a essas duas perguntas, os especialistas escolheram uma das seguintes opções: o padrão é indispensável, necessário ou dispensável. Os especialistas também opinaram sobre as questões “A redação do padrão é adequada para a compreensão de seu conteúdo?”; “O objetivo do padrão está adequadamente descrito?”; e “A escala de classificação proposta é adequada para medir diferentes níveis de qualidade da ILPI em termos do padrão avaliado?” e escolheram uma das opções: adequada, parcialmente adequada ou inadequada. Adicionalmente, duas questões abertas permitiram que os especialistas registrassem uma sugestão de redação para melhorar a clareza e compreensão do conteúdo ou qualquer outro comentário ou sugestão sobre o padrão.

O instrumento de autoavaliação, o roteiro de validação e o termo de consentimento livre e esclarecido foram enviados aos especialistas por meio do Google Forms on-line após a concordância em participar do estudo, previamente confirmada por contato telefônico. As respostas obtidas foram analisadas e consolidadas, gerando um relatório anônimo disponibilizado nos ciclos de avaliação subsequentes, juntamente com o instrumento de autoavaliação corrigido a partir dos comentários recebidos. Os padrões foram mantidos no instrumento quando um percentual de concordância de pelo menos 75% entre os especialistas foi obtido²⁰, para todos os aspectos avaliados. O percentual foi calculado pela frequência de especialistas que responderam positivamente (opções de respostas: indispensável + necessário ou adequada + parcialmente adequada) aos aspectos avaliados para cada padrão, separadamente.

Após essa etapa, o instrumento QualificaILPI foi impresso e enviado a dez gestores de ILPI, selecionados por conveniência em cinco ILPI filantrópicas e cinco privadas, por serem potenciais usuários do instrumento. Eles foram solicitados a avaliar a clareza dos padrões, a utilidade da autoavaliação para a ILPI e se a escala era adequada para diferenciar o nível de qualidade do cuidado na ILPI. Para avaliar a clareza e adequação da escala, as opções foram sim ou não. Para a utilidade, os gestores escolheram uma das seguintes opções de resposta: sempre, às vezes, raramente ou nunca. Quando os gestores optaram algum aspecto negativamente, eles foram solicitados a incluírem uma justificativa para essa avaliação. Além disso, havia espaço para comentários e sugestões. Da mesma forma, o percentual de concordância entre os gestores, quanto à essas questões, foi obtido pela frequência daqueles que responderam positivamente (resposta sim ou às vezes + sempre).

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Pesquisa da Comitê em Pesquisa da UFMG CAAE: 17002519.4.0000.5149 e todos os especialistas registraram sua aceitação em participar da pesquisa após a leitura do termo de consentimento livre e esclarecido.

^{DISPONIBILIDADE DE DADOS}

Todo o conjunto de dados que suporta os resultados deste estudo está em outro documento, publicado anteriormente disponível em: http://hdl.handle.net/1843/47720²¹.

RESULTADOS

A primeira versão do instrumento de autoavaliação foi composta por 35 padrões que avaliaram aspectos da estrutura e do processo de trabalho em seis dimensões: ambiente, equipe de trabalho, cuidado, lar, envolvimento familiar e comunitário e gestão da ILPI.

Dois ciclos de validação foram necessários para obter o consenso entre os especialistas sobre os padrões propostos para o instrumento. Após o primeiro ciclo, foi excluído um padrão da dimensão ambiente por apresentar percentual de concordância <75%. Os especialistas consideraram inadequada a necessidade de um carro de propriedade da ILPI para o transporte das pessoas idosas, aspecto avaliado por esse padrão excluído. Na dimensão equipe de trabalho, a presença de diferentes categorias de profissionais de saúde, como os contratados nas ILPI, foi considerada desnecessária e até inadequada, pois a percepção é de que a ILPI deveria ser como um lar, por isso foi excluída, assim como três padrões que continham atendimento médico, psicológico e odontológico pela ILPI. Caso a pessoa idosa necessite de algum desses profissionais, deve ser marcada uma consulta, que pode ser fora ou dentro do ILPI. Criou-se um padrão que contempla os cuidados com a saúde bucal, e não apenas a oferta de tratamento odontológico. Os padrões sobre acompanhamento da saúde da pessoa idosa pelo cuidador e sobre a necessidade dos registros de dados do mesmo foram modificados e unidos. A participação dos residentes em decisões na ILPI foi transferida para a dimensão Lar. O padrão que tratava da participação de voluntários em atividades no lar foi transferido para a dimensão Envolvimento da Comunidade e unido ao padrão que incentiva a presença da família na ILPI. O padrão sobre jardinagem foi incorporado ao de área verde e horta da dimensão Ambiente. Alterações nas redações de diversos padrões também foram realizadas a partir do comentário dos especialistas.

No segundo ciclo de validação, o percentual de concordância entre os especialistas foi superior a 75% para todos os padrões. Os especialistas também sugeriram incluir a avaliação do perfil do cuidador e a qualidade do curso técnico para cuidadores de pessoas idosas realizado por eles, além disso, sugeriram mudanças em relação à pandemia da covid-19. No entanto, essas questões extrapolam os objetivos dos instrumentos de autoavaliação. A avaliação do perfil dos cuidadores requer conhecimentos específicos, sendo que a qualidade do curso de cuidador independe da ILPI, que é regulamentado pelo Ministério da Educação. Além disso, foi recomendado considerar a situação extraordinária da pandemia e adotar as mudanças necessárias, enquanto for necessário. Outras sugestões de redação e conteúdo foram acatadas e qualificaram os padrões. Os percentuais de concordância entre os especialistas para os aspectos de validação de conteúdo dos padrões foram apresentados na Tabela 1.

Na avaliação do instrumento pelo público-alvo, o percentual de concordância entre gestores ficou acima de 80% para todos os aspectos avaliados e todos os padrões. Os gestores consideraram que o padrão 5, da dimensão 3 (Cuidado), e o padrão 3, da dimensão 6 (Gestão), seriam “raramente” úteis para ILPI. O padrão 5 se refere à prevenção da violência, a partir da dimensão cuidado. A justificativa apresentada para essa resposta não considerou a violência como uma situação esperada dentro da ILPI, mas sabe-se que ela existe e precisa de atenção. O outro padrão avalia a participação dos gestores e profissionais da unidade de saúde próximo à ILPI na elaboração do plano de saúde. Argumentou-se que isso não ocorre no cotidiano do ILPI, mas é uma exigência da legislação brasileira⁸ e deve ser estimulado, pois promove a integração entre a ILPI e as unidades de saúde. Quanto à adequação da escala de avaliação, todos os padrões obtiveram concordância superior a 80% (Tabela 2).

Tabela 1
Percentual de concordância dos especialistas no primeiro e segundo ciclos de validação de padrões em termos de relevância para avaliação da qualidade da ILPI, relevância para avaliação da dimensão, compreensão, adequação do objetivo e da escala de avaliação (número de especialistas no primeiro ciclo: 11; no segundo: 10). Belo Horizonte, MG, 2021.

	Aspectos avaliados por especialistas nos dois ciclos de validação
Dimensões	Relevância do padrão para a avaliação da qualidade dos cuidados de longa duração		Relevância do padrão para avaliação da dimensão		Compreensão adequada			Descrição adequada da finalidade do padrão		Escala adequada
Ambiente	Ciclo 1	Ciclo 2	Ciclo 1	Ciclo 2		Ciclo 1	Ciclo 2	Ciclo 1	Ciclo 2	Ciclo 1	Ciclo 2
Padrões
1	90,9	100	90,9	100		90,9	100	81,2	100	81,2	100
2	100	100	90	100		81,8	100	72,7*	100	63,6*	100
3†	100	90	100	90		100	100	100	100	100	100
4	100	100	100	100		100	100	100	100	100	100
5‡	72,8*		72,8*			72,8*		81,8		72,8*
6	90,9	100	81,8	100		90,9	100	90,9	100	90,9	100
Equipe de trabalho Padrões
1‡	90,9		90,9			100		100
1	90,9	100	90,9	100		90,9	100	100	100	100	100
2	90,9	100	100	100		100	100	100	100	100	100
3	100	100	100	100		90,9	100	100	90	90,9	100
4	100	100	100	100		100	100	100	100	100	100
5	100	100	100	100		100	100	100	100	100	100
Cuidado Padrões
1	100	100	100	100		100	100	100	100	100	100
2	100	100	100	100		100	100	100	100	100	100
3	90,9	100	90,9	90		90,9	100	90,9	100	100	100
4§	100	100	100	100		100	100	100	100	100	100
5	100	100	100	100		100	100	100	100	100	100
6	100	100	100	100		100	100	100	100	100	100
7	90,1	100	90,1	90		100	100	100	100	100	100
8	100	100	90,1	100		100	100	100	100	100	100
9º §	90,1		81,8			90,1				100
10 ||	100		90,1			100		100		100
9	81,8	100	81,8	90		199	100	100	100	100	90
11‡	81,8		81,8			100		100		100
12‡	90,1		90,1			100		100		100
13‡	81,8		81,8			100		100		100
9		100		100			100		100		100
10		100		90			100		100		90
Lar Padrões
1	90,9	90	90,9	90		90,9	90	90,9	100	81,8	100
2 **	100	90	100	90		100	100	100	100	100	100
3 ||	90,9	90	90,9	90		100	100	100	100	100	100
4	81,8		81,8			100		100		100
3†		90		90			100		100		100
Envolvimento familiar e da comunidade Padrões
1 **	81,8	100	81,8	100		100	100	100	100	100	100
2	90,9	100	90,9	100		100	100	100	100	100	100
Gerenciamento da ILPI Padrões
1	100	100	100	100		100	100	100	100	100	100
2	100	100	100	100		100	100	100	100	100	100
3	81,8	90	81,8	90		100	100	100	100	100	100
4	100	100	100	100		100	100	100	100	100	100

• ILPI: instituições de longa permanência para idosos*Percentual de concordância entre especialistas <75%; † Parte do padrão deslocada para outra dimensão (3 a 3); ‡ Padrões excluídos; § Padrões reunidos na mesma dimensão (4 e 9); || Padrão movido para outra dimensão (10 e 3); **Padrões unidos em diferentes dimensões (2 e 1).

O instrumento final de autoavaliação apresentou 29 dos 35 padrões distribuídos em seis dimensões (Tabela 3). A versão completa do instrumento QualificaILPI com as escalas e parâmetros de avaliação encontra-se arquivo suplementar: http://hdl.handle.net/1843/47720 21¹⁷.

Tabela 2
Percentual de concordância dos gestores de ILPI (n=10) quanto à clareza dos padrões, sua utilidade para a autoavaliação e a adequação da escala para diferenciar qualidade do cuidado na ILPI. Belo Horizonte, MG, 2021.

	Aspectos avaliados pelos gestores
Padrões	Clareza dos padrões (% Sim)	Utilidade da autoavaliação para a ILPI (% sempre e às vezes)		Adequação do instrumento para diferenciar os níveis de qualidade do cuidado na ILPI (% sim)
Dimensão 1: Ambiente
		Sempre	Às vezes
1	100	100		90
2	100	100		80
3	90	100		100
4	100	80	20	100
5	100	80	20	90
Dimensão 2: Equipe de trabalho
1	100	100		100
2	100	90	10	100
3	100	90	10	80
4	100	90	10	100
5	100	90	10	90
Dimensão 3: Cuidado
1	100	90	10	90
2	100	90	10	100
3	100	80	20	90
4	100	90	10	100
5	100	80	20	90
6	100	90	10	100
7	100	80	20	100
8	90	90	10	90
9	100	90	10	100
10	100	80	20	100
Dimensão 4: Lar
1	100	90	10	100
2	100	80	20	90
3	100	70	30	90
Dimensão 5: Envolvimento familiar da comunidade
1	100	80	20	100
2	100	80	20	90
Dimensão 6: Gestão
1	100	70	30	80
2	100	70	30	80
3	90	70	30	80
4	100	80	20	100

• ILPI: Instituições de Longa Permanência para Idosos.

Tabela 3
Dimensões e aspectos abordados pelos padrões de qualidade do instrumento de autoavaliação da qualidade do cuidado na ILPI - QualificaILPI. Belo Horizonte, MG, 2021.

Padrões	Dimensão 1: Ambiente
1	Questões de mobilidade e segurança
2	Adequação dos dormitórios
3	Área de conivência, área verde, acesso à internet
4	Local adequado para medicamentos
5	Limpeza e higiene (presença de odores)
Dimensão 2: Equipe de trabalho
1	Número adequado de cuidadores considerando o grau de dependência do residente
2	Responsável técnico
3	Cuidadores com curso de capacitação
4	Educação Permanente
5	Reuniões de equipe
Dimensão 3: Cuidado
1	Alimentação adequada
2	Normas e rotinas técnicas para processamento de alimentos
3	Plano de assistência médica
4	Cadastro individualizado do residente
5	Prevenção da violência
6	Atividades físicas
7	Atividades recreativas e culturais
8	Atividades ocupacionais
9	Cuidados dentários diários, incluindo limpeza de próteses dentárias
10	Cuidados de saúde
Padrões	Dimensão 4: Lar
1	Atividades intergeracionais
2	Consideração das preferências do residente
3	Participação nas decisões domésticas
Dimensão 5: Envolvimento familiar e da comunidade
1	Incentivar a participação da família e da comunidade
2	Integração com Instituições de Ensino
Dimensão 6: Gestão
1	Uso de indicadores para monitorar o desempenho
2	Discussão do monitoramento com os colaboradores
3	Participação da saúde pública no planejamento
4	Estratégias para evitar rotatividade de profissionais

DISCUSSÃO

O instrumento QualificaILPI apresentou validade de conteúdo, conferida pelos especialistas, e foi considerado claro e útil por gestores e profissionais ao contribuir para o processo de autoavaliação da qualidade da assistência na ILPI. O processo de validação por especialistas e público-alvo contribuiu para qualificar o instrumento produzido²⁰.

O número de especialistas indicado e os ciclos de validação foram conduzidos de acordo com a descrição da técnica, que recomenda de cinco a dez especialistas, com grande domínio do tema¹⁴. O método de consenso possibilitou sintetizar as informações dos especialistas, que expressaram livremente seus posicionamentos e impressões sobre o instrumento em construção sem a presença de outro, o que reduziu o risco de viés. Por fim, modificações e alterações necessárias foram apontadas por todos os especialistas¹⁴, ²².

O QualificaILPI inova como um instrumento de autoavaliação que inclui padrões referentes à participação das pessoas idosas em atividades da ILPI; existência de parceria com instituições de ensino e participação de pessoas de todas as idades na rotina da ILPI, possibilitando o convívio entre gerações; a inclusão dos cuidados com a saúde bucal, que podem evitar agravos à saúde; e a prevenção da violência²¹. Os padrões incluem aspectos importantes para a saúde, bem-estar e qualidade de vida das pessoas idosas. Foi levado em consideração a necessidade da aproximação da ILPI com um lar, sem, contudo, esquecer da necessidade de atender as necessidades de saúde e estimulação da pessoa idosa para manutenção e recuperação de sua saúde.

A dimensão ambiente engloba aspectos da estrutura que permitem privacidade, espaço para socialização, conforto e segurança, podendo prevenir acidentes e favorecer os processos de trabalho, como visto em outros estudos¹²,²³. A dimensão equipe de trabalho aborda os trabalhadores de ILPI, incluindo os cuidadores, que devem ser capacitados e motivados, essenciais para uma assistência de qualidade¹²,¹³,²⁴. A dimensão cuidado avalia aspectos como a alimentação⁶,²⁵, e a atividade física, que é importante para a convivência e interação com outros residentes, manutenção da saúde e independência⁶,²⁴,²⁶,²⁷. Inclui também a avaliação do plano de cuidados individualizado³, evitando internações e mantendo a saúde bucal para evitar o excesso de biofilme que pode estar relacionado à pneumonia respiratória²⁸. Além de prevenir a violência, que pode gerar consequências psicológicas negativas afetando a saúde e o bem-estar¹⁶.

A dimensão do lar visa avaliar se a ILPI está o mais próximo possível de um lar, garantindo que os moradores participem de algumas decisões, preservando seus hábitos e autonomia gerando saúde e bem-estar¹²,¹⁷. A quinta dimensão, envolvimento da família e da comunidade, avalia se essas relações estão sendo incentivadas e permitidas da forma mais ampla possível para uma melhor saúde mental e qualidade de vida. Parcerias com instituições de ensino para aumentar a interação social e a estimulação cognitiva e física também devem ser consideradas¹⁶ além do contato com pessoas de outras gerações²⁹. A última dimensão avalia a gestão, que deve ser bem planejada com acompanhamento adequado para o funcionamento da ILPI⁸,²⁰,³⁰,³¹.

Há algumas limitações a serem consideradas neste estudo. Primeiramente, a técnica Delphi não permite a interação presencial ou em grupo entre os participantes, o que limita a troca de informações, embora promova maior liberdade e autonomia nas avaliações. Além disso, a longa duração do processo de validação, que pode se estender por vários meses até a obtenção de todas as respostas, é um desafio³²,³³. Definir escalas de avaliação foi complexo, uma vez que nem sempre foram disponíveis parâmetros (na literatura ou documentos normativos) para definição de qualidade da ILPI, tendo alguns deles se basearam em estatísticas. É importante notar que este estudo se concentra exclusivamente na validação do conteúdo do instrumento por especialistas, enquanto pesquisas futuras deverão avaliar suas propriedades psicométricas e dimensionalidade. Embora reconheça-se as diferenças das ILPI em diferentes contextos, os conceitos adotados para definição de qualidade pode ser aplicáveis de forma abrangente, especialmente em relação a elementos como o contato com a família e o senso de pertencimento a um lar. Esse instrumento de autoavaliação, abrangendo várias dimensões, oferece uma oportunidade para os responsáveis pela gestão e cuidados dos idosos analisarem diversos aspectos do funcionamento e das práticas das ILPI. Isso engloba desde questões estruturais e de gestão até o trabalho em equipe e o relacionamento entre as ILPI, os idosos e seus familiares, bem como o envolvimento da comunidade. A implementação do processo de autoavaliação permite um monitoramento contínuo da qualidade dos cuidados, o que contribui para o bem-estar de todos os envolvidos, em consonância com as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) que enfatizam a importância da avaliação das ILPI ²¹,³¹,³⁴,³⁵.

CONCLUSÃO

O instrumento de autoavaliação QualificaILPI apresentou validade de conteúdo e foi considerado útil para avaliar o nível de qualidade do cuidado na ILPI em relação aos padrões multidimensionais de qualidade. Este instrumento de autoavaliação representa uma ferramenta poderosa e inovadora que os coordenadores de Instituições de Longa Permanência para Idosos, gestores e profissionais podem utilizar de diversas maneiras. Ele permite um acompanhamento contínuo da qualidade dos serviços oferecidos por essas instituições, servindo como guia em reuniões com funcionários, gerentes e residentes, além de auxiliar no planejamento e na tomada de decisões. A autoavaliação desempenha um papel fundamental ao contribuir para a vigilância e monitoramento contínuo. Ela também pode indicar aspectos que podem ser aprimorados para elevar a qualidade do cuidado ofertado às pessoas idosas. Os resultados obtidos podem ser usados para fazer comparações ao longo do tempo, permitindo uma análise longitudinal do desempenho em relação aos padrões estabelecidos.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos a todos os especialistas e gestores que participaram da elaboração deste instrumento.

• Financiamento da pesquisa: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001). Raquel Conceição Ferreira recebe apoio financeiro pelo Programa Pesquisador Mineiro (FAPEMIG: PPM-00603-18) e é bolsista de produtividade do CNPq (310938/2022-8).

• DISPONIBILIDADE DE DADOS

  Todo o conjunto de dados que suporta os resultados deste estudo está em outro documento, publicado anteriormente disponível em: http://hdl.handle.net/1843/4772021.

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Editado por

Editado por: Marquiony Marques dos Santos

Disponibilidade de dados

Todo o conjunto de dados que suporta os resultados deste estudo está em outro documento, publicado anteriormente disponível em: http://hdl.handle.net/1843/4772021.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  11 Mar 2024
• Data do Fascículo
  2024

Histórico

• Recebido
  01 Ago 2023
• Aceito
  28 Nov 2023