Acessibilidade / Reportar erro

Fatores associados à fragilidade em pessoas idosas usuárias de serviços de Atenção Primária à Saúde de uma capital da Amazônia Brasileira

Resumo

Objetivo

Estimar a prevalência da síndrome de fragilidade e sua associação com variáveis socioeconômicas, demográficas e de saúde, em idosos atendidos em duas Unidades de Saúde (US) no município de Rio Branco, Acre, no período de outubro de 2016 a junho de 2017.

Método

A prevalência de síndrome de fragilidade foi medida pela Edmonton Frail Scale (EFS), investigada em uma amostra calculada de 298 pessoas idosas, selecionadas aleatoriamente por meio de sorteio. Utilizou-se a Regressão de Poisson, com variância robusta e intervalos de confiança de 95%, para estimar as razões de prevalência e definir o modelo ajustado. Todas as análises levaram em consideração os pesos.

Resultados

Verificou-se que 35,1% da amostra apresentou fragilidade. A prevalência de fragilidade foi associada a ter 75 anos ou mais, inatividade física, risco nutricional, deficit cognitivo, percepção negativa da saúde, usar 5 ou mais medicamentos e ter/histórico de câncer, queda no último ano, morar sozinho, segurança de bairro insatisfatória e ser da etnia/cor não branca.

Conclusão

Verificou-se o perfil de alerta para rastreio da fragilidade, que poderá auxiliar na prática clínica dos profissionais das US da população de estudo e, ainda, considera a necessidade de implantação e fortalecimento de programas de atenção à saúde da pessoa idosa e atuação de matriciamento e/ou grupos de apoio multiprofissional à Saúde da Família.

Palavras-Chave:
Fragilidade; Idoso; Atenção Primária à Saúde; Prevalência

Abstract

Objective

To estimate the prevalence of frailty syndrome and its association with socioeconomic, demographic and health variables, in elderly people treated at two Health Units in the city of Rio Branco, Acre, from October 2016 to June 2017.

Method

The prevalence of frailty was measured using the Edmonton Frail Scale (EFS), and associations were tested with selected variables. Poisson regression, with robust variance and 95% confidence intervals, was used to estimate the prevalence ratios and define the adjusted model. All analyzes took into account the sample weights and were performed using SPSS version 20.

Results

It was found that 35.1% of the sample showed fragility. The prevalence of frailty was associated with being 75 years old or more, physical inactivity, nutritional risk, cognitive deficit, negative health perception, using 5 or more medications and having/history of cancer, falls in past year, living alone, unsatisfactory neighborhood safety and being of ethnicity/non-white color.

Conclusion

The alert profile for screening for frailty was verified, which may assist in the clinical practice of FHS professionals in the study population, and also considers the need to implement and strengthen eldely's health care programs and performance of the Family Health Support Centers.

Keywords
Frailty; Aged; Primary health care; Prevalence

INTRODUÇÃO

Ao longo dos últimos anos, pesquisas sobre fatores que afetam a longevidade e a saúde aumentaram substancialmente. Sabe-se que há correspondência entre os antecedentes genéticos e os desafios ambientais que produzem uma série de respostas adaptativas do organismo, mas que em alguns casos, resultam no surgimento de doenças e envelhecimento acelerado11 Ferrucci L, Kuh D, Olshansky S. Keynote: genes, environment, and behaviors that predict healthy longevity. Innov Aging 2017;1(Suppl 1):296–297.. A síndrome clínica da fragilidade se caracteriza por perda de peso e de massa muscular, diminuição da massa óssea e da força, fadiga, lentidão da marcha, instabilidade postural, diminuição da força do aperto de mão e redução da capacidade do organismo em manter a homeostase. Esse quadro aumenta o risco de prognóstico desfavorável diante das agressões externas e das doenças agudas e importante fator de risco de morbidade e mortalidade de idosos22 Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, et al. Frailty in Older Adults: Evidence for a Phenotype. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2001;56(3):146–157..

A prevalência de fragilidade em uma revisão sistemática publicada em 2018, realizada pelo Consenso Brasileiro de Fragilidade, variou entre 6,7 e 74,1%. Essas variações podem ocorrer de acordo com o instrumento empregado para classificar a fragilidade de pessoas idosas, bem como o cenário ao qual estão inseridas: comunidade, hospital, ambulatório ou instituição de longa permanência para idosos (ILPI)33 Lourenço RA, Moreira VG, Mello RGB, Santos IS, Lin SM, Pinto ALF, et al. Consenso brasileiro sobre fragilidade em idosos: conceitos, epidemiologia e instrumentos de avaliação. Geriatr Gerontol Envelhecimento 2018; 12(2):121-135..

Na população idosa, os indivíduos frágeis são os que mais necessitam de cuidados de saúde, e, por essa razão, a fragilidade pode ser utilizada como um potencial organizador de gerenciamento de saúde da pessoa idosa. A síndrome da fragilidade desempenha um impacto significativo nos cuidados hospitalares e gerontológicos, com necessidade de avaliações recorrentes, intervenções preventivas e de cuidados multidisciplinares, sendo forte preditora de mortalidade nas pessoas idosas, em todos os contextos aos quais estão inseridos22 Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, et al. Frailty in Older Adults: Evidence for a Phenotype. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2001;56(3):146–157.,33 Lourenço RA, Moreira VG, Mello RGB, Santos IS, Lin SM, Pinto ALF, et al. Consenso brasileiro sobre fragilidade em idosos: conceitos, epidemiologia e instrumentos de avaliação. Geriatr Gerontol Envelhecimento 2018; 12(2):121-135..

A identificação da prevalência da fragilidade e de seus fatores associados é importante para o desenvolvimento de políticas de cuidados de saúde, uma vez que se trata de uma síndrome previsível e evitável. A implementação de intervenções adequadas poderá contribuir para o tratamento da síndrome, bem como para a reversão do quadro, o que poderá permitir melhoria na qualidade de vida do idoso, além de postergar a ocorrência dos eventos adversos44 Duarte YO, Nunes DP, Andrade FB, Corona LP, Brito TRP, Santos JLF et al. Fragilidade em idosos no município de São Paulo: prevalência e fatores associados. Rev Bras Epidemiol 2018; 21(SUPPL 2):1-16..

Portanto, esta pesquisa tem como objetivo principal descrever os fatores associados à prevalência da síndrome de fragilidade de pessoas idosas acompanhadas por duas Unidades Básicas de Saúde em Rio Branco, Acre.

MÉTODOS

O presente estudo refere-se ao resultado de uma pesquisa transversal realizada com idosos de duas Unidades Básicas de Saúde (US) de Rio Branco, Acre, cujo trabalho de campo ocorreu de outubro de 2016 a junho de 2017.

Rio Branco, capital do Estado do Acre, apresenta uma área territorial de 9.222,58 km², localizada na Região Norte do país. Sua população, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, é 370.550 habitantes. Em relação ao Sistema de Saúde, o município tem como base a Rede de Atenção Primária em Saúde (APS) com cobertura de 56,99%, está organizada de forma hierarquizada, obedecendo às diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS)55 RIO BRANCO. Secretaria Municipal de Saúde. Relatório de Gestão, 2015..

Atualmente a composição da Rede está dividida em 12 regionais de saúde, espaço territorial de abrangência de Unidades Básicas de saúde, contando com 61 Equipes de Saúde da Família (ESF), 8 Equipes de Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), 5 Unidades de Referência da Atenção Primária (URAP), 7 Centros de Saúde e uma Equipe Multidisciplinar em Assistência Domiciliar (EMAD tipo2)55 RIO BRANCO. Secretaria Municipal de Saúde. Relatório de Gestão, 2015..

Por meio da lista Unidades de Saúde que compõem as regionais da rede pública de saúde, informada pela Secretaria Municipal de Saúde, optou-se por selecionar uma Unidade de Referência em Atenção Primária à Saúde e uma Unidade de Saúde da Família, localizadas em duas regionais de saúde distintas. Os critérios para seleção dessas unidades foram: estar com o cadastro das famílias atualizado e ter o maior número de pessoas idosas cadastradas.

Foram considerados elegíveis para participação no estudo pessoas idosas de ambos os sexos, que residiam na área adscrita e com cadastro nas unidades selecionadas. Foram critérios de exclusão as pessoas idosas institucionalizadas e aqueles com situação de saúde que impossibilitava a participação, como os que possuíam diagnóstico de doenças cognitivas. Foram consideradas perdas os casos em que os sujeitos se negaram a responder o questionário, aqueles que não foram encontrados em domicílio após duas tentativas no local de residência ou por motivo de mudança, e aquelas que não responderam todos os itens necessários para classificação na escala de fragilidade.

Para o cálculo amostral, considerou-se a quantidade de idosos cadastrados nas US selecionadas (N=953), uma estimativa da prevalência de fragilidade de 10%66 Collard RM, Boter H, Schoevers RA, Oude Voshaar RC. Prevalence of Frailty in Community-Dwelling Older Persons: A Systematic Review. J Am Geriatr Soc 2012; 60(8):1487–1492., um grau de confiança de 95% e um erro amostral de 3%, resultando em 302 indivíduos. O acréscimo de 20% para possíveis perdas gerou uma estimativa amostral de 365 idosos. Foi obtida uma amostra aleatória simples a partir da listagem dos idosos cadastrados nas UBS que participaram deste estudo.

A coleta de dados foi feita por meio de entrevistas domiciliares, após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, realizadas por uma equipe composta pela coordenadora da pesquisa e estudantes de medicina e de pós-graduação em ciência da saúde, os quais foram submetidos a um treinamento introdutório in loco, com duração mínima de 4 horas, em que foram abordados os seguintes temas: 1. Apresentação da relevância da pesquisa e seus

objetivos; 2. Aspectos éticos durante a coleta de dados em pesquisa, Resolução n°. 466 de 12 de dezembro de 2012 do Conselho Nacional de Saúde; 3. Procedimentos e materiais para a coleta de dados.

O instrumento utilizado foi um questionário validado que contempla 13 blocos temáticos, com informações socioeconômicas e demográficas, hábitos de vida e condições de saúde. Foi aplicado o instrumento denominado Edmonton Frail Scale (EFS)77 Rolfson, Darryl B. et al. Validity and reliability of the Edmonton Frail Scale. Age and ageing 2006; 35(5):526-529. do qual foram obtidos os dados para avaliar o desfecho de interesse do presente estudo.

A definição da variável fragilidade considerou a EFS, elaborada na Universidade de Alberta, Canadá, e validada no Brasil88 Fabrício-Wehbe SCC, Schiaveto FV, Vendrusculo TRP, Haas VJ, Dantas RAS, Rodrigues RAP. Cross-cultural adaptation and validity of the “Edmonton Frail Scale - EFS” in a Brazilian elderly sample. Rev Lat Am Enfermagem. 2009;17(6):1043–1049.. A EFS permite avaliar nove domínios: cognição (aplicação do teste do relógio), estado geral de saúde, independência funcional, suporte social, uso de medicamentos, nutrição, humor, continência e desempenho funcional (teste “levante e ande”). Seu escore varia de 0 a 17 pontos e idoso pode ser classificado em: não apresenta fragilidade (0-4 pontos); aparentemente vulnerável (5-6); fragilidade leve (7-8); fragilidade moderada (9-10); fragilidade severa (11 ou mais). Entretanto, para a análise dos dados como desfecho, no presente estudo essa variável foi dicotomizada em frágil (fragilidade leve, moderada e severa) e não frágil (não apresenta fragilidade e aparentemente vulnerável).

A partir da revisão de literatura, foram selecionadas as variáveis exploratórias, que estão, detalhadamente, descritas em Bezerra e Santos99 Bezerra PCL, Santos EMA. Perfil sociodemográfico e situação de saúde de idosos acompanhados na atenção primária à saúde em uma capital da Amazônia Ocidental. Rev Kairós Gerontol 2020;23(1):451-469.. Em resumo, foram analisadas como variáveis independentes: sexo, faixa etária (por década); etnia/cor da pele autodeclarada; cidade de nascimento; situação conjugal; escolaridade (em 5 categorias); renda familiar (em 3 categorias); percepção de segurança do bairro onde reside; consumo de cigarros e de bebida alcoólica; índice de massa corporal; prática de atividade física (avaliado pelo International Physical Activity Questionnaire); autopercepção da saúde (em 2 categorias); deficit cognitivo (avaliado pelo Mini Mental); sintomas depressivos (avaliados pela Escala de Depressão Geriátrica GDS-15); incapacidade funcional (avaliada por meio da escala de atividades básicas e instrumentais da vida diária); risco nutricional; histórico de queda; polifarmácia; e nome e número de morbidades autorreferidas

Nas estimativas de prevalência, assim como nas razões de prevalência bruta e ajustada, utilizou-se a Regressão de Poisson, com variância robusta, e seus respectivos intervalos de confiança (IC95%). Assim, foram obtidas razões de prevalência bruta nas análises bivariadas e, a partir de seus resultados, foram incluídas na análise multivariável aquelas variáveis que apresentaram p≤0,20. Permaneceram no modelo final apenas as que apresentaram melhor ajuste nas razões de prevalência e p≤0,05.

Todas as análises estatísticas foram realizadas considerando-se o efeito do desenho amostral, incorporando-se os pesos amostrais, ou seja, o cálculo do fator de ponderação (nº de cadastrados/nº de efetivamente avaliados) nas respectivas unidades de saúde. Para análise de ajuste do modelo e análise de resíduos foram utilizados os parâmetros deviance, Akaike information criterion (AIC) e Bayesian information criterion (BIC).

A pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca - ENSP/ FIOCRUZ (Parecer n°1.722.418), tendo seguido todas as recomendações da Resolução nº. 466/12 e 510/2016, do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde.

RESULTADOS

Foram computadas 67 perdas, em função de pessoas idosas que: não foram encontrados em domicílio após duas tentativas no local de residência sem sucesso ou por motivo de mudança (n=59); não possuíam todos os elementos necessários para classificação do desfecho ou se negaram a responder todo o questionário (n=8). Assim, a população efetivamente estudada foi de 298 idosos, com idade entre 60 e 99 anos, sendo a média de 71,4 anos (dp = 8,5).

A Tabela 1 apresenta a prevalência global dos estratos da Síndrome de Fragilidade (SF) na população estudada revelou que 35,1% da amostra mostrou algum nível de fragilidade, distribuída em 15,6% naqueles que tinham fragilidade leve, 11,3% fragilidade moderada e 8,2% severa. A SF foi mais frequente entre as mulheres (37,5%) (p-valor<0,05).

Tabela 1
Classificação de Fragilidade da amostra dos idosos avaliados, segundo sexo (n=298). Rio Branco, AC,2016 – 2017.

A Tabela 2 revela que houve predomínio do sexo feminino e da raça/etnia autodeclarada parda (67,6%), enquanto 2,1% dos idosos se autodeclararam de etnia indígena. Encontrou-se maior frequência de casado ou com companheiro(a) (47,4%) e de viúvo(a) (28,2%). A maior proporção de idosos era sem escolaridade (42,5%) e quase dez por cento da amostra de idosos morava sozinho (9,8%). Na análise dos fatores sociodemográficos, nas diferentes idades, observa-se que as proporções dos idosos com fragilidade aumentaram de acordo com a faixa etária e apresentaram diferenças estatisticamente significativas, exceto para etnia/cor autodeclarada e morar sozinho. A prevalência de fragilidade foi de 29,6% para os sexagenários, 40,7% nos septuagenários e 29,6% entre os octogenários em diante.

Tabela 2
Prevalência de Fragilidade, segundo as características sociodemográficas dos idosos avaliados (n=298). Rio Branco, AC, 2016 – 2017.

Na Tabela 2 é possível verificar, ainda, que foram encontradas maiores proporções de frágeis entre os idosos do sexo feminino (66,5%), sem companheiro (59,3%), que nasceram em outros municípios do Acre ou da Região Norte (73,9%), analfabetos (59,0%), com renda familiar inferior a um salário mínimo (54,1%) e que não se sentiam seguros no bairro onde residiam (90,0%).

A Tabela 3 mostra que entre os idosos frágeis, 83,0%% apresentavam percepção insatisfatória da saúde geral e bucal e 3,3% faziam uso excessivo de bebida alcóolica. Foram encontradas maiores prevalências de fragilidade entre os idosos com alguma morbidade (98,2%), sedentários (93,4%), sintomas depressivos (90,7%), em risco nutricional (82,4%), obesos (78%), com deficit cognitivo (65,3%), incapacidade funcional (63,8%), com multimorbidade (54,4%), histórico de queda (58,3%) e polifarmácia (50,9%). Quanto às morbidades referidas investigadas, as que apresentaram p-valor significativo na prevalência de fragilidade foram: hipertensão arterial (78,1%), doença de coluna/costas (65,3%), cardiovascular (40,0%), diabetes (37,2%), osteoporose (35,8%) e câncer (11,2%).

Tabela 3
Prevalência de Fragilidade, segundo as variáveis de estilo de vida e situação de saúde, dos idosos avaliados (n=298). Rio Branco, AC,2016 – 2017.

A prevalência de SF foi associada a ter 75 ou mais anos (1,43; IC95% 1,19 – 1,70), à inatividade física (1,57; IC95% 1,10 – 2,23), a estar em risco nutricional (1,76; IC95% 1,43 – 2,17), ter deficit cognitivo (1,22; IC95% 1,03 – 1,43), à percepção negativa da saúde (1,77; IC95% 1,41 – 2,21), ao uso de ≥ 5 medicamentos (1,64; IC95% 1,39 – 1,93), ter história câncer (1,86; IC95% 1,25 – 2,77), ter história de queda no último ano (1,32 ; IC95% 1,11 – 1,57), morar sozinho (1,40; IC95% 1,02 – 1,93), segurança de bairro insatisfatória (1,27; IC95% 1,07 – 1,50) e ser da etnia/cor não branca (1,26; IC95% 1,03 – 1,55), no modelo final da análise multivariável. A dependência funcional (2,19; IC95%1,81 – 2,66) e presença de risco para depressão (2,02; IC95% 1,49 – 2,73) foram as variáveis mais fortemente associadas à SF (Tabela 4).

Tabela 4
Análise de Razão de Prevalência Bruta e Ajustada por Regressão de Poisson, segundo as variáveis de estilo de vida e situação de saúde, dos idosos avaliados (n=298). Rio Branco, AC, 2016 – 2017.

DISCUSSÃO

A pesquisa enfocou a síndrome de fragilidade e os fatores a ela associados em uma amostra de idosos cadastrados em duas unidades de atenção primária do município do Rio Branco, Acre. O perfil sociodemográfico e de saúde observado foi semelhante ao da pesquisa de base populacional realizada em Montes Claros, Minas Gerais, a qual foi validada o instrumento utilizado para estabelecer a síndrome de fragilidade do idoso na atual pesquisa88 Fabrício-Wehbe SCC, Schiaveto FV, Vendrusculo TRP, Haas VJ, Dantas RAS, Rodrigues RAP. Cross-cultural adaptation and validity of the “Edmonton Frail Scale - EFS” in a Brazilian elderly sample. Rev Lat Am Enfermagem. 2009;17(6):1043–1049..

Quanto aos idosos classificados como frágeis na amostra do estudo, a prevalência foi de 35,1%. Essa prevalência foi superior a apresentada no município de São Paulo com 8,5%44 Duarte YO, Nunes DP, Andrade FB, Corona LP, Brito TRP, Santos JLF et al. Fragilidade em idosos no município de São Paulo: prevalência e fatores associados. Rev Bras Epidemiol 2018; 21(SUPPL 2):1-16., e também em Ribeirão Preto, com 7,6%1010 Fhon JRS, Rodrigues RAP, Santos JLF, Diniz MA, Santos EBD, Almeida VC, Giacomini SBL. Factors associated with frailty in older adults: a longitudinal study. Rev Saude Publica 2018; 52(74):1-8.. Os dados internacionais oscilam entre 4,2% a 15,0% da prevalência de SF1111 Rahi B, Pellay H, Chuy V, Helmer C, Samieri C, Féart C. Dairy Product Intake and Long-Term Risk for Frailty among French Elderly Community Dwellers. Nutrients 2021;13(7):2151.,1212 Yaghi N, Yaghi C, Abifadel M, Boulos C, Feart C. Dietary Patterns and Risk Factors of Frailty in Lebanese Older Adults. Nutrients 2021;13(7):2188., resultados inferiores aos encontrados nacionalmente e em Rio Branco.

Entretanto, de forma semelhante à amostra atual, a prevalência de fragilidade encontrada por meio do fenótipo de fragilidade de Fried, no estudo de base populacional em sete localidades brasileiras, foi de 39,1%, em 20131313 Neri AL (ed). Fragilidade e qualidade de vida na velhice. Campinas, SP: Editora Alínea; 2013.. A prevalência do estudo supracitado em Montes Claros, Minas Gerais (47,2%)88 Fabrício-Wehbe SCC, Schiaveto FV, Vendrusculo TRP, Haas VJ, Dantas RAS, Rodrigues RAP. Cross-cultural adaptation and validity of the “Edmonton Frail Scale - EFS” in a Brazilian elderly sample. Rev Lat Am Enfermagem. 2009;17(6):1043–1049. foi superior ao encontrado em Rio Branco. Segundo uma revisão sistemática realizada sobre a prevalência de SFI no Brasil, os dados de prevalência são discrepantes, sendo que a padronização dos métodos de triagem para a síndrome da fragilidade poderia facilitar a comparação entre os estudos, a fim de maximizar e criar estratégias de intervenção, especialmente em um país com diversidade cultural e disparidades regionais, como o Brasil1414 Fabrício DM, Luchesi BM, Alexandre TS, Chagas MHN. Prevalence of frailty syndrome in Brazil: a systematic review. Cad Saúde Colet 2022; 30(4) 615-637..

A dependência funcional (2,19; IC95%1,81 - 2,66) e presença de depressão (2,02 IC95% 1,49 - 2,73) foram as variáveis mais fortemente associadas à SF. A associação entre fragilidade e incapacidade funcional pode interferir na mobilidade, interação social e na motivação dos idosos. Provoca ônus físico, material e emocional para a família e aumento na demanda por cuidados nos sistemas público e privado de saúde. É relevante gerar dados a esse respeito e usá-los com intuito de instrumentalizar os profissionais para realizar prevenção e reabilitação precoce de limitações na capacidade funcional1515 Gobbens RJJ. Cross-sectional and Longitudinal Associations of Environmental Factors with Frailty and Disability in Older People. Arch Gerontol Geriatr 2019;85:1-32..

Estima-se que, entre 1 a 9% dos idosos comunitários apresentam depressão1616 Barcelos-Ferreira R, Izbicki R, Steffens DC, Bottino CMC. Depressive morbidity and gender in community-dwelling Brazilian elderly: systematic review and meta-analysis. Int Psychogeriatr 2010;22(5):712–726.. Os achados do atual estudo quanto à depressão, são consistentes com aqueles obtidos por Liu e colaboradores (2021)1717 Liu M, Hou T, Nkimbeng M, Li Y, Taylor JL, Sun X, et al. Associations between symptoms of pain, insomnia and depression, and frailty in older adults: A cross-sectional analysis of a cohort study. Int J Nurs Stud 2021;117: 1-20. em comunidades nos Estados Unidos, que apresentaram associação entre prevalência de fragilidade e de depressão. Para Ramos e colaboradores (2015)1818 Ramos GCF, Carneiro JA, Barbosa ATF, Mendonça JMG, Caldeira AP. Prevalência de sintomas depressivos e fatores associados em idosos no norte de Minas Gerais: um estudo de base populacional. J Bras Psiquiatr 2015;64(2):122–131., a fragilidade nos idosos está mais fortemente associada aos sintomas depressivos referentes à exaustão do que com sintomas afetivos em si. De acordo com esses autores, a fragilidade pode ser mais concernente aos aspectos neurovegetativos da depressão e menos aos aspectos disfóricos ou ideacionais da mesma. Essa análise é reforçada por Fiske e colaboradores (2009)1919 Fiske A, Wetherell JL, Gatz M. Depression in Older Adults. Annu Rev Clin Psychol 2009;5(1):363–389. que caracterizaram as mudanças cognitivas (lentidão psicomotora, fluência verbal, nomeação, iniciação/perseverança), os sintomas somáticos (sintomas gastrointestinais, perda apetite, constipação, problemas de sono) e a perda de interesse como sendo os sintomas mais comuns da depressão em idosos. Nos idosos, podendo ser chamada de formas variantes de depressão, como: “depressão sem tristeza” ou “síndrome de depleção” ou “síndrome de disfunção executiva depressiva”1919 Fiske A, Wetherell JL, Gatz M. Depression in Older Adults. Annu Rev Clin Psychol 2009;5(1):363–389..

Ademais, em uma amostra constituída por maioria feminina, como a da atual pesquisa, a relação menopausa e depressão deve ser salientada. O impacto provocado nos outros sistemas, como alterações vasomotoras, geniturinárias, a nível cerebral, cutâneo, ósseos, articular, metabólicas, entre outras, que podem acentuar os fatores predisponentes à depressão e eventos estressores. Além das mudanças sociais e estruturais que coincidem com essa fase do ciclo de vida da mulher2020 Real GA, Jiménez JLL, González CG. Climatério, saúde e depressão, uma abordagem psicossocial: Estudo exploratório com um grupo de mulheres da cidade do México. Rev Kairós Gerontol 2017;20(1):09-23..

Nos resultados do atual estudo, a fragilidade esteve 1,57 vezes mais prevalente entre aqueles sem a prática de atividade física, comparado aos idosos ativos fisicamente. A inatividade física relaciona-se à perda da força muscular e à diminuição da massa muscular, componentes importantes da sarcopenia, a qual integra à síndrome de fragilidade em idosos22 Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, et al. Frailty in Older Adults: Evidence for a Phenotype. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2001;56(3):146–157..

Segundo Tylutka e colaboradores (2021)2121 Tylutka A, Morawin B, Gramacki A, Zembron-Lacny A. Lifestyle exercise attenuates immunosenescence; flow cytometry analysis. BMC Geriatr 2021;21(1):1-13. a prática habitual de atividade física pode regular o sistema imunológico, liberar menos citocinas inflamatórias e postergar o início da imunossenescência. Tanto a incapacidade funcional como a fragilidade estão associadas a: depressão2222 Aguiar BM, Silva PO, Vieira MA, Costa FM da, Carneiro JA. Evaluation of functional disability and associated factors in the elderly. Rev Bras Geriatr e Gerontol 2019;22(2):1-11., queda2323 Lins MEM, Marques APO, Leal MCC, Barros RLM. Risco de fragilidade em idosos comunitários assistidos na atenção básica de saúde e fatores associados Saúde Debate 2019; 43(121):520-529. e mobilidade física prejudicada2424 Gill TM, Gahbauer EA, Murphy TE, Han L, Allore HG. Risk Factors and Precipitants of Long-Term Disability in Community Mobility: A Cohort Study of Older Persons. Ann Intern Med 2012;156(2):131-140.. Alguns estudos têm apontado que a fragilidade é um preditor significativo de mortalidade2525 Borim FSA, Francisco PMSB, Neri AL. Sociodemographic and health factors associated with mortality in community-dwelling elderly. Rev Saúde Pública 2017; 51(42):1-11. e de incapacidade em idosos2626 Stocker, H.R., Peterson, R., Toosizadeh, N., Wendel, C., Fain, M., Mohler, J.J. Frailty Transitions Among Older Adults. Innovation in Aging 2017, 1(1):195..

Destaca-se que quase a totalidade de amostra (96,6%) da presente pesquisa apresentou ao menos uma morbidade autorreferida. Dados de alta prevalência de morbidades em indivíduos idosos foram encontrados nacionalmente1313 Neri AL (ed). Fragilidade e qualidade de vida na velhice. Campinas, SP: Editora Alínea; 2013.,2727 César CLG, Carandina L, Alves MCGP, Barros MBA, Goldbaum M, Organizadores. Saúde e condição de vida em São Paulo: Inquérito Multicêntrico de Saúde no Estado de São Paulo (ISA-SP). 1ª ed. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo; 2005.. No atual estudo, dentre as morbidades referidas investigadas, o câncer foi a que se manteve no modelo descritivo de fragilidade.

Estudos populacionais apontam uma prevalência de câncer de 6,5 a 26,5% entre os idosos no Brasil1313 Neri AL (ed). Fragilidade e qualidade de vida na velhice. Campinas, SP: Editora Alínea; 2013.,2727 César CLG, Carandina L, Alves MCGP, Barros MBA, Goldbaum M, Organizadores. Saúde e condição de vida em São Paulo: Inquérito Multicêntrico de Saúde no Estado de São Paulo (ISA-SP). 1ª ed. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo; 2005.. Os achados da amostra são condizentes com os de Perez e Lourenço (2013)2828 Perez M, Lourenço RA. Rede FIBRA-RJ: fragilidade e risco de hospitalização em idosos da cidade do Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saúde Pública 2013; 29(7):1381-1391. que identificaram associação de câncer com o risco de internações recorrentes em idosos fragilizados.

Outra variável importante para prevalência de fragilidade foi a condição do idoso estar em risco nutricional. Em Recife, uma investigação desenvolvida com idosos de comunidades, concluiu que, idosos que sujeitos a desnutrição possuem duas vezes o risco de desenvolver fragilidade, e aqueles em risco nutricional aumentam cinco vezes o risco de fragilidade2323 Lins MEM, Marques APO, Leal MCC, Barros RLM. Risco de fragilidade em idosos comunitários assistidos na atenção básica de saúde e fatores associados Saúde Debate 2019; 43(121):520-529..

Recentemente, estudos têm buscado relacionar a fragilidade com padrões alimentares. De uma forma geral, os dados apontam uma associação positiva da fragilidade com padrões mistos de alimentação em países asiáticos e naqueles com menor adesão à dieta mediterrânea2929 Sanchez-Puelles, C., Carnicero, J., Rodríguez-Mañas, L. Adherence to the mediterranean diet and frailty status in spain. Data from the tsha study. Innovation in Aging 2017;1(1):385.. Um aspecto importante, deve-se à cultura alimentar típica da região, com acentuado consumo de carboidratos simples, a exemplo da farinha de mandioca. Não foi encontrada nenhuma publicação científica, quanto ao consumo alimentar deficiente de proteínas na região da atual pesquisa. Faz-se necessária a investigação para comprovar a hipótese das autoras sobre o padrão alimentar local de baixo consumo de proteínas, sabidamente necessárias para manutenção e aumento da massa muscular.

Resultados semelhantes quanto à polifarmácia foram encontrados pelo estudo FIBRA, no qual a distribuição dos fármacos consumidos diariamente pelos idosos foi a seguinte: 15,5% negaram uso regular de medicamentos vs 12,0% em Rio Branco; 42,1% relataram consumo de 1 a 2 medicamentos diariamente vs 31,8% em Rio Branco e 41,7% informaram consumo regular de 3 ou mais medicamentos vs 56,2% em Rio Branco1313 Neri AL (ed). Fragilidade e qualidade de vida na velhice. Campinas, SP: Editora Alínea; 2013..

As mudanças fisiológicas mais comuns do envelhecimento podem ter um efeito significante na farmacocinética e farmacodinâmica. Quanto mais medicamentos, maior o risco de reações indesejáveis, interação medicamentosa e toxicidade em idosos. A interação dos medicamentos e a toxicidade em idosos costumam resultar em alterações cognitivas e no comportamento que são frequentemente confundidas com demência3030 Lin, S, Aprahamian, I, Cezar, NO. et al. Number of medications increases in Community dwelling older people According to the frailty status. Innovation in Aging 2017;1(1):194.. Ainda assim, a razão de prevalência em Rio Branco foi menor comparada à do Rio de Janeiro (RP 1,45, IC95% 1,12 – 1,89), São Paulo (RP 2,2, IC95% 1,5 – 2,9)2626 Stocker, H.R., Peterson, R., Toosizadeh, N., Wendel, C., Fain, M., Mohler, J.J. Frailty Transitions Among Older Adults. Innovation in Aging 2017, 1(1):195.,2929 Sanchez-Puelles, C., Carnicero, J., Rodríguez-Mañas, L. Adherence to the mediterranean diet and frailty status in spain. Data from the tsha study. Innovation in Aging 2017;1(1):385.. Maior consumo de medicamentos também foi associada fragilidade em investigações na China (≥3 ou 4 medicamentos), EUA (≥5 medicamentos), Japão, Suécia, entre outros3131 Ernsth Bravell M, Westerlind B, Midlöv P, Östgren C-J, Borgquist L, Lannering C, et al. How to assess frailty and the need for care? Report from the Study of Health and Drugs in the Elderly (SHADES) in community dwellings in Sweden. Arch Gerontol Geriatr 2011;53(1):40–45.,3232 Chang S-F. Frailty Is a Major Related Factor for at Risk of Malnutrition in Community-Dwelling Older Adults: Frail Assessment for Nutrition. J Nurs Scholarsh 2017;49(1):63–72..

A associação da SF e queda replicam achados de outros estudos22 Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, et al. Frailty in Older Adults: Evidence for a Phenotype. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2001;56(3):146–157.. A fragilidade e a ocorrência de quedas podem estar relacionadas bidirecionalmente, uma vez que a queda pode levar à fragilidade e esta pode levar à queda. De acordo com dados em âmbito mundial, as quedas em idosos estão associadas a 12% das mortes, sendo responsáveis por 40% da mortalidade por lesões. Estima-se que após a ocorrência de queda, 20% dos idosos com fratura de quadril vão ao óbito dentro de um ano3333 Fhon JRS, Rosset I, Freitas CP, Silva AO, Santos JLF, Rodrigues RAP. Prevalência de quedas de idosos em situação de fragilidade. Rev Saúde Pública. 2013;47(2):266–273..

Diversos estudos têm demonstrado que a autopercepção de saúde é um preditor de mortalidade, especialmente entre idosos77 Rolfson, Darryl B. et al. Validity and reliability of the Edmonton Frail Scale. Age and ageing 2006; 35(5):526-529.. Os dados encontrados de maior prevalência de idosos com deficit cognitivo entre aqueles com fragilidade estão alinhados com a hipótese das causas compartilhadas, sustentada por outros autores3333 Fhon JRS, Rosset I, Freitas CP, Silva AO, Santos JLF, Rodrigues RAP. Prevalência de quedas de idosos em situação de fragilidade. Rev Saúde Pública. 2013;47(2):266–273.. Esses autores defendem que as bases biológicas da etiologia para ambas são geradas por marcadores de inflamação crônica, diabetes, problemas cardiovasculares e doenças cerebrais tanto vascular como neurodegenerativa. Evidências apontam para o risco aumentado do desfecho de mortalidade mediante ocorrência simultânea de ambas3434 St. John PD, Tyas SL, Griffith LE, Menec V. The cumulative effect of frailty and cognition on mortality – results of a prospective cohort study. Int Psychogeriatr 2017;29(4):535–543..

Quanto aos fatores sociodemográficos, a idade maior ou igual a 75 anos, a insegurança do bairro, a etnia não branca e morar sozinho foram os que se mantiveram no modelo descritivo da fragilidade no presente estudo. A faixa etária a partir dos 75 anos manteve-se no modelo descritivo, sendo que os estudos internacionais apresentam maior associação em estrato etário mais avançado, como 80 anos ou mais ou 85 anos ou mais2424 Gill TM, Gahbauer EA, Murphy TE, Han L, Allore HG. Risk Factors and Precipitants of Long-Term Disability in Community Mobility: A Cohort Study of Older Persons. Ann Intern Med 2012;156(2):131-140.. Evidenciando que na amostra estudada, a fragilidade se apresentou de forma mais precoce em relação àqueles estudos.

Alguns estudos concluem que o idoso que mora sozinho associa-se ao perfil de risco para fragilidade2828 Perez M, Lourenço RA. Rede FIBRA-RJ: fragilidade e risco de hospitalização em idosos da cidade do Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saúde Pública 2013; 29(7):1381-1391.. Residir sozinho pode significar preservação da autonomia ou pode refletir desamparo social e deficit de recursos sociais, na eminência de cuidados. Quanto à etnia, embora a associação com a etnia não branca tenha sido evidenciada no estudo clássico do fenótipo da fragilidade de Fried e colaboradores (2001)22 Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, et al. Frailty in Older Adults: Evidence for a Phenotype. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2001;56(3):146–157., ela tem sido pouco investigada e/ou relacionada na literatura científica mais recente, dificultando a comparação dos dados encontrados.

O fator de insegurança do bairro apresentou associação positiva com a prevalência da SF. Acredita-se que o indivíduo que esteja domiciliado em um bairro que remete à sensação de insegurança pública pode provocar um estado de alerta constante, ocasionando o estado de estresse, com liberação de cortisol e citocinas, prejudicando a homeostase e desencadeando o ciclo de favorecendo ao surgimento da fragilidade3535 Blackurn, Elizabeth, Epel, Elissa. O segredo está nos telômeros: receita revolucionária para manter a juventude e viver mais e melhor. 1ª. ed. São Paulo: Planeta, 2017..

Outro aspecto a ser considerado, é a tendência ao comportamento de menor utilização dos espaços públicos, restrição ao ambiente domiciliar e maior isolamento social, possibilitando a ocorrência tanto da fragilidade como de outros fatores associado à síndrome, como o sedentarismo, depressão, encurtamento dos telômeros, entre outros. Estudos recentes têm evidenciado que locais com precária coesão social, são prejudiciais para a manutenção dos telômeros e até mesmo aceleram o encurtamento dos mesmos, esse dado é válido para qualquer nível de renda3535 Blackurn, Elizabeth, Epel, Elissa. O segredo está nos telômeros: receita revolucionária para manter a juventude e viver mais e melhor. 1ª. ed. São Paulo: Planeta, 2017..

É preciso cautela na análise dos dados apresentados no referido estudo por não se tratar de uma relação causal, mas de associação detectada em um estudo transversal. Dentre as limitações inerentes ao delineamento transversal observacional, destaca-se a impossibilidade de abranger todas as possíveis condições confundidoras da relação em investigação, embora se tenha buscado controlar as mais relevantes citadas na literatura. Cabe o apontamento de que a síndrome estudada tem ganhado destaque na produção científica da área, no entanto, ainda necessita de maiores investigações de fatores ainda não explorados, como por exemplo, a relação com biomarcadores laboratoriais.

Uma limitação do estudo a ser considerada foi o elevado percentual de perdas em uma das US estudadas. Tais perdas se deram, majoritariamente, por mudança de endereço ocorrida entre a seleção da amostra e o trabalho de campo, tendo sido determinada pelo governo do Estado, uma vez que a área foi considerada de risco. Praticamente não houve recusa de participação da pesquisa. Vale a ressalva que o delineamento do estudo possibilita extrapolação dos resultados apenas para as áreas de abrangência das US investigadas. Porém, as referidas US foram escolhidas justamente por apresentarem maior concentração de pessoas idosas acompanhadas na APS de Rio Branco, e, caso os demais territórios do município apresentem perfis de pessoas idosas semelhantes aos da amostra da pesquisa, os resultados possivelmente poderão representar a população de pessoas idosas assistidas na APS da Capital do Acre. Faz-se necessários novas investigações para confirmar tal apontamento. Outra potencial limitação foi o critério de exclusão das pessoas idosas com diagnóstico de doenças cognitivas, uma vez que, possivelmente, formam um estrato específico das pessoas com fragilidade que não estão representadas no estudo. No entanto, optou-se por proceder desta forma para evitar viés de informação, uma vez que a maioria dos questionários utilizados em metodologias de estudos semelhantes são autoaplicáveis.

Por outro lado, a utilização de um questionário validado, com temas abrangentes sobre as condições de vida e de saúde relevantes para a população de idosos, permitiu uma análise ampla que contemplou aspectos pouco explorados, sobretudo no país, sobre a fragilidade, até mesmo de forma inédita, como a variável ambiental “sensação de insegurança do bairro” que foi associada ao desfecho. Outro ponto forte da pesquisa é que o processo amostral garantiu a aleatoriedade e representatividade da população de idosos investigados.

Além do mais, o presente estudo reforça as ações previstas em políticas públicas direcionadas à população idosa que visam identificar no nível da atenção primária à saúde, os indivíduos frágeis ou em estágios iniciais de fragilidade; estimular sua reabilitação, a prevenção do declínio funcional e recuperação da máxima autonomia funcional. Do ponto de vista científico, os resultados de estudos descritivos são relevantes para gestores e clínicos.

CONCLUSÃO

As informações desta pesquisa permitiram identificar a prevalência de 35,1% da SF e seus fatores associados para a população alvo do estudo, que foram faixa etária de ≥75 anos, etnia/cor autodeclarada não branca, vive sozinho, segurança de bairro insatisfatória, sem prática de atividade física, em risco nutricional, percepção de saúde insatisfatória, deficit cognitivo, incapacidade funcional, história de queda no último ano, polifarmácia, com sintomas depressivos e história de câncer.

Desta forma, verificar o perfil de alerta para rastreio da fragilidade poderá auxiliar na prática clínica dos profissionais das US da população de estudo para o planejamento de intervenções, plano terapêutico de minimizar os riscos aumentados para morte e as demais complicações relacionadas à fragilidade do idoso.

Possibilita ainda subsidiar políticas, ações e programas de prevenção e cuidados às pessoas idosas da região e revelar a necessidade da implantação e fortalecimento de programas específicos, como a de atenção à saúde da pessoa idosa e atuação de grupos de apoio multiprofissional à Saúde da Família.

  • Financiamento da pesquisa: Fundação de Amparo à Pesquisa do Acre – Bolsa de Doutoramento Edital 008/2014.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Ferrucci L, Kuh D, Olshansky S. Keynote: genes, environment, and behaviors that predict healthy longevity. Innov Aging 2017;1(Suppl 1):296–297.
  • 2
    Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, et al. Frailty in Older Adults: Evidence for a Phenotype. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2001;56(3):146–157.
  • 3
    Lourenço RA, Moreira VG, Mello RGB, Santos IS, Lin SM, Pinto ALF, et al. Consenso brasileiro sobre fragilidade em idosos: conceitos, epidemiologia e instrumentos de avaliação. Geriatr Gerontol Envelhecimento 2018; 12(2):121-135.
  • 4
    Duarte YO, Nunes DP, Andrade FB, Corona LP, Brito TRP, Santos JLF et al. Fragilidade em idosos no município de São Paulo: prevalência e fatores associados. Rev Bras Epidemiol 2018; 21(SUPPL 2):1-16.
  • 5
    RIO BRANCO. Secretaria Municipal de Saúde. Relatório de Gestão, 2015.
  • 6
    Collard RM, Boter H, Schoevers RA, Oude Voshaar RC. Prevalence of Frailty in Community-Dwelling Older Persons: A Systematic Review. J Am Geriatr Soc 2012; 60(8):1487–1492.
  • 7
    Rolfson, Darryl B. et al. Validity and reliability of the Edmonton Frail Scale. Age and ageing 2006; 35(5):526-529.
  • 8
    Fabrício-Wehbe SCC, Schiaveto FV, Vendrusculo TRP, Haas VJ, Dantas RAS, Rodrigues RAP. Cross-cultural adaptation and validity of the “Edmonton Frail Scale - EFS” in a Brazilian elderly sample. Rev Lat Am Enfermagem. 2009;17(6):1043–1049.
  • 9
    Bezerra PCL, Santos EMA. Perfil sociodemográfico e situação de saúde de idosos acompanhados na atenção primária à saúde em uma capital da Amazônia Ocidental. Rev Kairós Gerontol 2020;23(1):451-469.
  • 10
    Fhon JRS, Rodrigues RAP, Santos JLF, Diniz MA, Santos EBD, Almeida VC, Giacomini SBL. Factors associated with frailty in older adults: a longitudinal study. Rev Saude Publica 2018; 52(74):1-8.
  • 11
    Rahi B, Pellay H, Chuy V, Helmer C, Samieri C, Féart C. Dairy Product Intake and Long-Term Risk for Frailty among French Elderly Community Dwellers. Nutrients 2021;13(7):2151.
  • 12
    Yaghi N, Yaghi C, Abifadel M, Boulos C, Feart C. Dietary Patterns and Risk Factors of Frailty in Lebanese Older Adults. Nutrients 2021;13(7):2188.
  • 13
    Neri AL (ed). Fragilidade e qualidade de vida na velhice. Campinas, SP: Editora Alínea; 2013.
  • 14
    Fabrício DM, Luchesi BM, Alexandre TS, Chagas MHN. Prevalence of frailty syndrome in Brazil: a systematic review. Cad Saúde Colet 2022; 30(4) 615-637.
  • 15
    Gobbens RJJ. Cross-sectional and Longitudinal Associations of Environmental Factors with Frailty and Disability in Older People. Arch Gerontol Geriatr 2019;85:1-32.
  • 16
    Barcelos-Ferreira R, Izbicki R, Steffens DC, Bottino CMC. Depressive morbidity and gender in community-dwelling Brazilian elderly: systematic review and meta-analysis. Int Psychogeriatr 2010;22(5):712–726.
  • 17
    Liu M, Hou T, Nkimbeng M, Li Y, Taylor JL, Sun X, et al. Associations between symptoms of pain, insomnia and depression, and frailty in older adults: A cross-sectional analysis of a cohort study. Int J Nurs Stud 2021;117: 1-20.
  • 18
    Ramos GCF, Carneiro JA, Barbosa ATF, Mendonça JMG, Caldeira AP. Prevalência de sintomas depressivos e fatores associados em idosos no norte de Minas Gerais: um estudo de base populacional. J Bras Psiquiatr 2015;64(2):122–131.
  • 19
    Fiske A, Wetherell JL, Gatz M. Depression in Older Adults. Annu Rev Clin Psychol 2009;5(1):363–389.
  • 20
    Real GA, Jiménez JLL, González CG. Climatério, saúde e depressão, uma abordagem psicossocial: Estudo exploratório com um grupo de mulheres da cidade do México. Rev Kairós Gerontol 2017;20(1):09-23.
  • 21
    Tylutka A, Morawin B, Gramacki A, Zembron-Lacny A. Lifestyle exercise attenuates immunosenescence; flow cytometry analysis. BMC Geriatr 2021;21(1):1-13.
  • 22
    Aguiar BM, Silva PO, Vieira MA, Costa FM da, Carneiro JA. Evaluation of functional disability and associated factors in the elderly. Rev Bras Geriatr e Gerontol 2019;22(2):1-11.
  • 23
    Lins MEM, Marques APO, Leal MCC, Barros RLM. Risco de fragilidade em idosos comunitários assistidos na atenção básica de saúde e fatores associados Saúde Debate 2019; 43(121):520-529.
  • 24
    Gill TM, Gahbauer EA, Murphy TE, Han L, Allore HG. Risk Factors and Precipitants of Long-Term Disability in Community Mobility: A Cohort Study of Older Persons. Ann Intern Med 2012;156(2):131-140.
  • 25
    Borim FSA, Francisco PMSB, Neri AL. Sociodemographic and health factors associated with mortality in community-dwelling elderly. Rev Saúde Pública 2017; 51(42):1-11.
  • 26
    Stocker, H.R., Peterson, R., Toosizadeh, N., Wendel, C., Fain, M., Mohler, J.J. Frailty Transitions Among Older Adults. Innovation in Aging 2017, 1(1):195.
  • 27
    César CLG, Carandina L, Alves MCGP, Barros MBA, Goldbaum M, Organizadores. Saúde e condição de vida em São Paulo: Inquérito Multicêntrico de Saúde no Estado de São Paulo (ISA-SP). 1ª ed. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo; 2005.
  • 28
    Perez M, Lourenço RA. Rede FIBRA-RJ: fragilidade e risco de hospitalização em idosos da cidade do Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saúde Pública 2013; 29(7):1381-1391.
  • 29
    Sanchez-Puelles, C., Carnicero, J., Rodríguez-Mañas, L. Adherence to the mediterranean diet and frailty status in spain. Data from the tsha study. Innovation in Aging 2017;1(1):385.
  • 30
    Lin, S, Aprahamian, I, Cezar, NO. et al. Number of medications increases in Community dwelling older people According to the frailty status. Innovation in Aging 2017;1(1):194.
  • 31
    Ernsth Bravell M, Westerlind B, Midlöv P, Östgren C-J, Borgquist L, Lannering C, et al. How to assess frailty and the need for care? Report from the Study of Health and Drugs in the Elderly (SHADES) in community dwellings in Sweden. Arch Gerontol Geriatr 2011;53(1):40–45.
  • 32
    Chang S-F. Frailty Is a Major Related Factor for at Risk of Malnutrition in Community-Dwelling Older Adults: Frail Assessment for Nutrition. J Nurs Scholarsh 2017;49(1):63–72.
  • 33
    Fhon JRS, Rosset I, Freitas CP, Silva AO, Santos JLF, Rodrigues RAP. Prevalência de quedas de idosos em situação de fragilidade. Rev Saúde Pública. 2013;47(2):266–273.
  • 34
    St. John PD, Tyas SL, Griffith LE, Menec V. The cumulative effect of frailty and cognition on mortality – results of a prospective cohort study. Int Psychogeriatr 2017;29(4):535–543.
  • 35
    Blackurn, Elizabeth, Epel, Elissa. O segredo está nos telômeros: receita revolucionária para manter a juventude e viver mais e melhor. 1ª. ed. São Paulo: Planeta, 2017.

Editado por

Editado por: Tamires Carneiro de Oliveira Mendes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    28 Jan 2023
  • Aceito
    01 Jun 2023
Universidade do Estado do Rio Janeiro Rua São Francisco Xavier, 524 - Bloco F, 20559-900 Rio de Janeiro - RJ Brasil, Tel.: (55 21) 2334-0168 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revistabgg@gmail.com