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Qual o lugar da natureza na teoria da produção do espaço de Henri Lefebvre? Algumas Reflexões1 1 Agradeço a Sinara Gomes, Jean Legroux e Alejandro Morcuende pela leitura das primeiras versões deste texto, bem como por suas contribuições, ideias e sugestões. Igualmente, agradeço aos dois pareceristas anônimos da RBEUR pelas sugestões e contribuições. Também sou grato à Universidade de Pernambuco (UPE), campus Petrolina, sobretudo ao Colegiado de Geografia, que me ofereceu o ambiente propício para a escrita deste artigo durante o período em que fui professor da instituição. Agradeço, ainda, ao Programa de Pós-graduação em Geografia (PROPGEO), da Universidade Estadual do Ceará (Uece), pelo apoio financeiro para a tradução do texto aqui apresentado. Todas as ideias são de minha inteira responsabilidade.

Resumo

É notório como a teoria da produção do espaço elaborada na década de 1970 por Henri Lefebvre se tornou uma das principais abordagens sobre os estudos urbanos nas últimas décadas. Embora as contribuições dadas por ele vigorem até hoje em múltiplas interpretações no Norte e no Sul global, há uma miríade de temas inter-relacionados à teorização lefebvriana que merecem atenção maior. A proposta deste artigo é problematizar a relação entre a teoria da produção do espaço e a ecologia, com base na hipótese de que há na referida teoria um conceito de natureza que é fundamental para a compreensão da política do espaço e que, portanto, possibilita a apreensão de uma politização da natureza e da ecologia. Este artigo consiste em uma primeira aproximação do tema da natureza na obra de Lefebvre, buscando tecer os fios que ligam a discussão da teoria da produção do espaço e a conceituação de natureza.

Palavras-chave:
Natureza; Produção do Espaço; Ecologia; Revolução; Henri Lefebvre

Abstract

It is of particular note how, over recent decades, the theory of the production of space, drawn up in the 1970s by Henri Lefebvre, has become one of the leading approaches to urban studies. Although his contributions are still applied today in manifold interpretations in both the Global North and South, there are nonetheless a myriad of interrelated themes to Lefebvrian theorization that deserve greater attention. In this paper, I propose to problematize the relationship between the theory of the production of space and ecology under the assumption that within Lefebvre’s theory there is a concept of nature, which is fundamental to understanding the politics of spatial policy and therefore, enables the politicization of nature and ecology to be perceived. The hypothesis I develop in this article is a first approach to the subject of Nature in the works of Lefebvre, seeking to link the threads which connect the discussion on the Theory of the Production of Space, and the conception of nature related to that theory.

Keywords:
Nature; Production of Space; Ecology; Revolution; Henri Lefebvre

Introdução

Nós temos diante de nós, atualmente, um Todo, ao mesmo tempo condição de produção e produto da ação, lugar do homem e objeto de gozo: a Terra.

Henri Lefebvre, Introdução à modernidade (1969LEFEBVRE, H. Introdução à modernidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 1969 [1962]. [1962]), p. 156).

Nas últimas décadas, a natureza foi alçada a um tema central de discussão política, econômica e social. Não seria exagero afirmar que, hoje, qualquer debate que deixe de lado o tema da natureza não será levado a sério no âmbito da problematização do presente e do futuro. Em verdade, os debates atravessados pela questão ecológica são, apesar de variados e baseados em diferentes posturas filosóficas e projetos políticos, assentados em uma problemática comum ou, no mínimo, compartilhada: o futuro da humanidade e da Terra.

As análises variam, desde a perspectiva ligada ao marxismo, ao pós-modernismo, ao pós-estruturalismo e à ecologia política2 2 Considero que Marques (2019) elabora uma boa síntese das perspectivas teórico-metodológicas para os estudos referentes à relação entre natureza e sociedade. MARQUES, M. I. Natureza e sociedade. In: CARLOS, A. F. A.; CRUZ, R. de C. O. (org.). A necessidade da geografia. São Paulo: Contexto, 2019. p. 175-190. . No que tange ao marxismo, além do clássico livro de Schmidt (1983SCHMIDT, A. El concepto de naturaleza en Marx. 4. ed. Ciudad de México: Siglo XXI, 1983 [1962]. [1962]), um dos trabalhos pioneiros foi o do geógrafo marxista italiano Massimo Quaini, que abordou essa problemática no início da década de 1970. Ele afirmou que Marx “denunciou os saques da natureza antes do nascimento de uma moderna consciência ecológica burguesa”; segundo esse autor, Marx soube “capturar criticamente e enquadrar historicamente estes fenômenos e estas contradições ecológicas do capitalismo” (QUAINI, 1979QUAINI, M. Marxismo e Geografia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979 [1974]. [1974], p. 138).

Uma renovada literatura no campo do marxismo produzida nos últimos trinta anos tem chamado atenção para o modo como a natureza está posicionada no âmbito da produção capitalista, da acumulação do capital, e para as contradições situadas nesse processo tendo como centralidade a relação do ser humano com a natureza e as crises ecológicas (FOSTER, 2005FOSTER, J. B. A ecologia de Marx: materialismo e natureza. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005 [2000]. [2000]; FOSTER; CLARK, 2020FOSTER, J. B.; CLARK, B. Marxismo e a dialética da ecologia. Crítica Marxista, n. 50, p. 171-191, 2020.; FRASER, 2021FRASER, N. Los Climas del Capital: Por un ecosocialismo transmedioamental. New Left Review, n. 127, p. 101-138, 2021.; HARVEY, 2016HARVEY, D. A relação do capital com a natureza. In: HARVEY, D. 17 contradições e o fim do capitalismo. São Paulo: Boitempo, 2016. p. 229-243., 2018HARVEY, D. Justicia, naturaleza y geografía de la diferencia. Madrid: Traficantes de Sueños, 2018 [1996]. [1996], 2020HARVEY, D. A natureza do meio ambiente: a dialética das transformações sociais e ambientais. In: HARVEY, D. Os sentidos do mundo. São Paulo: Boitempo , 2020. p. 181-244.; MOORE, 2016MOORE, J. De objeto a oikeios. Geração do meio ambiente na ecologia mundial capitalista. In: DUTRA E SILVA, S. et al. (org). Ensaios em ciências ambientais: crises, riscos e racionalidades. Rio de Janeiro: Garamond, 2016. p. 167-184., 2021MOORE, J. Sem pensar no Antropoceno: Homem e Natureza no Capitaloceno. Diálogo Global, International Sociological Association, v. 11, n. 3, p. 36-37, 2021., 2022MOORE, J. (org). Antropoceno ou Capitaloceno? Natureza, história e a crise do capitalismo. São Paulo: Elefante, 2022.; SAITO, 2021SAITO, K. O ecossocialismo em Karl Marx: capitalismo, natureza e crítica inacabada à economia política. São Paulo: Boitempo , 2021.; SMITH, 2007SMITH, N. Nature as accumulation strategy. Socialist Register, v. 43, p. 16-36, 2007., 2020SMITH, N. Desarrollo desigual. Naturaleza, capital y la producción del espacio. Madrid: Traficantes de Sueños , 2020.; WALLIS, 2009WALLIS, V. As respostas capitalista e socialista à crise ecológica. Crítica Marxista , n. 29, p. 57-74, 2009.).

Nas ciências sociais e humanas, a preocupação a respeito do conceito de espaço tem sido acompanhada, ainda que não com o mesmo nível de detalhamento e profundidade, da preocupação acerca do conceito de natureza. Não é nenhuma novidade encontrar na vasta literatura produzida, sobretudo na Geografia, a defesa em torno de uma dialética do natural e do social. Isso se deve ao fato de que, conforme Neil Smith (2007SMITH, N. Nature as accumulation strategy. Socialist Register, v. 43, p. 16-36, 2007., p. 17), “nós estamos atualmente vivendo um período no qual o núcleo da relação socioeconômica com a natureza está sendo dramaticamente transformado”3 3 As traduções das passagens de todos os textos estrangeiros são de minha inteira responsabilidade. Optei pelo uso diretamente em português visando dar fluidez à leitura. , o que torna a relação do capital com a natureza uma contradição perigosa e potencialmente fatal (HARVEY, 2016HARVEY, D. A relação do capital com a natureza. In: HARVEY, D. 17 contradições e o fim do capitalismo. São Paulo: Boitempo, 2016. p. 229-243.).

No que se refere às contribuições do pensamento marxista para pensar a ecologia e a natureza, apenas recentemente o trabalho de Henri Lefebvre passou a ser alvo de debate, embora ainda seja escassamente explorado (FOSTER et al., 2020FOSTER, J. B. et al. Henri Lefebvre’s Marxian ecological critique: recovering a foundational contribution to environmental sociology. Environmental Sociology, v. 6, n. 1, p. 31-41, 2020. ; NAPOLETANO et al., 2022a NAPOLETANO, B.; CLARK, B.; FOSTER, J. B.; URQUIJO, P. Sostenibilidad y Revolución Metabólica em la Obras de Henri Lefebvre. LAGJS/Ensayo/DS, n. 98, p. 1-24, 2022a. , 2022b NAPOLETANO, B.; CLARK, B.; FOSTER, J. B.; URQUIJO, P. Henri Lefebvre’s conception of nature-society in the revolutionary project of autogestion. Dialogues in Human Geography , 2022b. Doi: https://doi.org/10.1177/20438206221088385.
https://doi.org/https://doi.org/10.1177/...
, 2022c NAPOLETANO, B.; CLARK, B.; FOSTER, J. B.. Antinomies of space and nature or an open totality? Neil Smith and Henri Lefebvre on nature and society. Human Geography, v. 15, n. 3, p. 245-258, 2022c.). Esse tema, tão fortemente associado aos estudos que tomam o espaço como elemento-chave e explicativo do mundo moderno, tem deixado a contribuição lefebvriana em uma posição não confortável. Isso significa que o modo como sua conceituação de espaço e mesmo sua teoria da produção do espaço se difundiram nas ciências sociais tem levado a uma interpretação da natureza que não vai a fundo naquilo que Lefebvre queria expressar.

Este artigo busca contribuir exatamente nessa direção: problematizar a relação entre a teoria da produção do espaço e a ecologia. Assim, tem como principal objetivo mostrar de que maneira o conceito de natureza se acomoda na teoria da produção do espaço, com o intuito de abordar, por um lado, a relação natureza e espaço, e como esses conceitos surgem interligados e dialeticamente conectados na teorização de Lefebvre, e, por outro, como o tema da ecologia já despontava com certo interesse nas entrevistas, intervenções e escritos desse autor quando o assunto era o espaço e sua produção. Apesar de a ecologia aparecer de modo não sistemático, ela se revela no arsenal teórico de Lefebvre como subordinada à teorização do espaço.

Argumenta-se aqui que, na teoria da produção do espaço, há um conceito de natureza fundamental para a compreensão da política do espaço e que, portanto, possibilita a apreensão de uma politização da natureza e da ecologia. A hipótese desenvolvida neste artigo consiste em uma primeira aproximação do tema da natureza na obra de Lefebvre, a fim de construir os fios que unem a discussão da teoria da produção do espaço e a condição da natureza ligada àquela teoria. Destarte, busca-se contribuir para o aprofundamento da obra desse autor, trazendo para o centro da discussão um aporte relevante para a compreensão da ecologia contemporânea. O objetivo que guiou a escrita deste texto foi, portanto, responder à questão: Qual o lugar da natureza na teoria da produção do espaço de Henri Lefebvre?

Para finalizar esta introdução, destaco que as reflexões aqui desenvolvidas constituem aproximações ancoradas em um campo acadêmico mais específico - no caso, a Geografia. Isso certamente impõe limitações, dada a vastidão de escritos que dialogam com e se inspiram na obra de Henri Lefebvre em vários campos do conhecimento. Porém, destaca-se que, apesar disso, o esforço aqui empreendido tenta não se prender a demarcações e limites disciplinares, em face de a teoria da produção do espaço ter influenciado, para além da Geografia, outros campos associados aos estudos urbanos em geral, como Planejamento Urbano, Sociologia, Arquitetura e Urbanismo. Além disso, pela profundidade do tema em tela, o qual exige um mergulho detalhado, este artigo constitui-se em uma contribuição para o debate e sinaliza a necessidade de mais estudos a respeito do tema da natureza na obra lefebvriana e de suas potencialidades para a análise da crise ecológica.

1. Natureza e espaço na teoria da produção do espaço

Entre o final dos anos 1960 e meados dos anos 1970, Lefebvre publicou uma série de textos, livros e artigos a respeito do urbanismo, da cidade, da problemática urbana e do processo de urbanização. A explosão da cidade histórica, como ele depois viria a chamar, e as implicações do “neocapitalismo” na transformação das relações entre campo e cidade e rural e urbano constituíram o ponto nevrálgico desses trabalhos em torno do “ponto crítico” (LEFEBVRE, 1973bLEFEBVRE, H. De lo rural a lo urbano. 4. ed. Barcelona: Ediciones península, 1973b.; 1999 LEFEBVRE, H. A cidade do capital. Rio de Janeiro: DP&A. 1999 [1972].[1972]; 2000 LEFEBVRE, H. La production de l’espace. 4. ed. Paris: Antrophos, 2000 [1974].[1974]; 2008aLEFEBVRE, H. O direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2008a.; 2008b LEFEBVRE, H. A revolução urbana. Belo Horizonte: EdUFMG, 2008b [1970].[1970]; 2008cLEFEBVRE, H. Espaço e política. Belo Horizonte: Ed. da UFMG, 2008c [1973]. [1973]).

De modo geral, a extensa obra de Lefebvre, “um polímata contemporâneo, erudito e testemunha multifacetada e protagonista do [...] curto século XX” (MARTÍNEZ LOREA, 2018MARTÍNEZ LOREA, I. Presentación: Henri Lefebvre, em busca del espacio del placer. In: LEFEBVRE, H. Hacia uma arquitectura del placer. Madrid: CIS , 2018. p. 13-57., p. 22), não é fácil de ser compreendida (GOONEWARDENA, 2011 GOONEWARDENA, K. Henri Lefebvre y la revolución de la vida cotidiana, la ciudad y lo Estado. Urban, Madrid, n. 2, p. 1-15, 2011.). Ele produziu um “trabalho imperturbável” em temas que a esquerda ignorava (ANDERSON, 1985ANDERSON, P. A crise da crise do marxismo: introdução a um debate contemporâneo. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1985.) e foi ativo na vida pública e política francesa no século XX (id., 2011); segundo José Paulo Netto (2015PAULO NETTO, J. Lefebvre, 1955: crítica e generosidade. Blog da Boitempo, 16 nov, 2015. Disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/2015/11/16/lefebvre-1955-critica-e-generosidade/. Acesso em: 17 nov. 2015.
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, n.p.), está “entre os autores marxistas que mais escreveram e publicaram”. “Autor indispensável para compreender o espaço e a sociedade contemporânea” (LENCIONI, 2015LENCIONI, S. Totalidad y tríades: compreendendo el pensamiento de Lefebvre. In: MATTOS, C. de; LINK, F. (org.). Lefebvre revisitado: capitalismo, vida cotidiana y el derecho a la ciudad. Santiago (Chile): RIL Editores, 2015. p. 57-77., p. 76), sua produção teórica está entrelaçada, apesar de não formar um sistema fechado, conforme seu “testemunho autobiográfico” (LEFEBVRE, 1976bLEFEBVRE, H. Tiempos equívocos. Barcelona: Editorial Kairós, 1976b [1975]. [1975], p. 197).

É inconteste a grande difusão e influência lefebvriana em diversos autores, como atestam, por exemplo, as obras de Harvey (2006HARVEY, D. Espaços de esperança. Loyola: São Paulo, 2006.; 2018HARVEY, D. Justicia, naturaleza y geografía de la diferencia. Madrid: Traficantes de Sueños, 2018 [1996].; 2020HARVEY, D. A natureza do meio ambiente: a dialética das transformações sociais e ambientais. In: HARVEY, D. Os sentidos do mundo. São Paulo: Boitempo , 2020. p. 181-244.), Gottdiener (2010GOTTDIENER, M. A produção social do espaço urbano. 2. ed. São Paulo: Edusp, 2010.), Schmid (2012SCHMID, C. A teoria da produção do espaço de Henri Lefebvre: em direção a uma dialética tridimensional. GEOUSP Espaço e Tempo , São Paulo, n. 32, p. 89-109, 2012.), Marcuse (2011MARCUSE, P. ¿Qué derecho para qué ciudad en Lefebvre? Urban, Madrid, n. 2, p. 17-21, 2011.), Merrifield (2011 MERRIFIELD, A. El derecho a la ciudad y más allá: notas sobre una reconceptualización lefebvriana. Urban, Madrid, n. 2, p. 101-110, 2011.), Stanek e Schmid (2011STANEK, Ł.; SCHMID, C. Teoría, no método: Henri Lefebvre, investigación y diseño urbanos en la actualidad. Urban, Madrid, n. 2, p. 1-8, 2011.), Soja (1993SOJA, E. Geografias pós-modernas. Rio de Janeiro: Zahar, 1993.; 2008SOJA, E. O espaço como questão pessoal. In: OLIVEIRA, M. P.; COELHO, M. C. N.; CORRÊA, A. de M. O Brasil, a América Latina e o mundo: espacialidades contemporâneas (II). Rio de Janeiro: Lamparina; Anpege; Faperj; 2008. p. 17-51.), Brenner (2018BRENNER, N. Espaços da urbanização: O urbano a partir da teoria crítica. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2018.), Swyngedouw (2001) SWYNGEDOUW, E. A cidade como um híbrido: natureza, sociedade e “urbanização cyborg”. In: ACSELRAD, H. (org.). A duração das cidades: sustentabilidade e riscos nas políticas urbanas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2009. p. 99-120. e Goonewardena (2011 GOONEWARDENA, K. Henri Lefebvre y la revolución de la vida cotidiana, la ciudad y lo Estado. Urban, Madrid, n. 2, p. 1-15, 2011.) no mundo anglo-saxão e europeu, assim como as de Martins (1996MARTINS, J. de S. (org.). Henri Lefebvre e o retorno à dialética. São Paulo: Hucitec, 1996.), Carlos (2017CARLOS, A. F. A. A privação do urbano e o “direito à cidade” em Henri Lefebvre. In: CARLOS, A. F. A; ALVES, G.; PADUA, R. F. Justiça espacial e o direito à cidade. São Paulo: Contexto, 2017. p. 33-62. ; 2019CARLOS, A. F. A. Henri Lefebvre: a problemática urbana em sua determinação espacial. GEOUSP Espaço e Tempo, v. 23, n. 3, p. 458-477, 2019. ; 2020CARLOS, A. F. A. Henri Lefebvre: o espaço, a cidade e o “direto à cidade”. Revista Direito e Práxis, v. 11, n. 1, p. 349-369, 2020. ), Damiani (2012DAMIANI, A. L. Introdução a elementos da obra de Henri Lefebvre e a geografia. Revista do Departamento de Geografia, São Paulo, v. esp., p. 254-283, 2012.), Costa (2013COSTA, G. M. A aproximação entre teoria e prática urbana: reflexões a partir do pensamento de Henri Lefebvre. Revista da Universidade Federal de Minas Gerais, v. 20, n. 1, p. 168-189, 2013.), Costa, Costa e Monte-Mór (2015)COSTA, G. M.; COSTA, H. S. de M.; MONTE-MÓR, R. L. de M. Teorias e práticas urbanas: condições para a sociedade urbana. Belo Horizonte: C/Arte, 2015., Monte-Mór (2006)MONTE-MÓR, R. L. de M. O que é o urbano, no mundo contemporâneo. Revista Paranaense de Desenvolvimento, Curitiba, n. 111, p. 9-18, 2006., Limonad (2003LIMONAD, E. (org.). Entre a ordem próxima e a ordem distante: contribuições a partir do pensamento de Henri Lefebvre. Niterói: Gecel-UFF, 2003.) no Brasil. No entanto, a atenção mais nítida nessas contribuições recai no espaço, na cidade e no urbano4 4 É importante lembrar, também, que um conjunto de edições especiais de periódicos foi dedicado ao pensamento de Lefebvre, tais como Rue Descartes (2009), Urban (2011), L’Homme et la Société (2012), Territórios (2013) e O dossiê Henri Lefebvre e a problemática urbana na GEOUSP (SIMONI-SANTOS, CARLOS, ALVES, 2019). RUE Descartes. Droit de cité. Paris, n. 63, v. 1, 2009. URBAN. Espectos de Henri Lefebvre, Madrid, n. 2, 2011. L’HOMME ET LA SOCIETÈ. Henri Lefebvre: le pensée devenue monde. Paris, n. 185-186, 2012. TERRITÓRIOS. La vigencia de Henri Lefebvre en la investigación socio-territorial, n. 29, 2013. SIMONI-SANTOS, C.; CARLOS, A. F. A.; ALVES, G. da A. O dossiê Henri Lefebvre e a problemática urbana na GEOUSP. GEOUSP Espaço e Tempo, v. 23, n. 3, p. 453-457, 2019. , enquanto a natureza, apesar de não ser ignorada, aparece mais implícita do que explicitamente. As exceções nesse debate são Smith (1998SMITH, N. Antinomies of space and nature in Henri Lefebvre’s The Production of Space. In: LIGHT, J.; SMITH, J. M. (ed.). Philosophy and geography II: the production of public space, 1998. p. 49-70.) e Janzen (2002JANZEN, R. Reconsidering the politics of nature. Capitalism Nature Socialism, v. 13, n. 2, p. 96-116, 2002.), que foram pioneiros em tratar do tema da natureza em Lefebvre, problematizando-a. Além deles, no prefácio de um editorial publicado em edição da revista Capitalism Nature Socialism5 5 Revista científica fundada por James O’Connor (1930-2017), influente teórico marxista da questão ecológica. dedicada a Henri Lefebvre, Kipfer e Milgrom (2002KIPFER, S.; MILGROM, R. Henri Lefebvre - Urbanization, Space and Nature: Editors’ Preface. Capitalism Nature Socialism , v. 13, n. 2, p. 37-41, 2002.) destacaram as potencialidades da teoria lefebvriana para pensar a ecologia. Esse tema vem recebendo cada vez mais atenção em anos recentes, quando a ecologia e a relação sociedade-natureza em Lefebvre passaram a ser alvo de exame e avaliação (BUTLER, 2023BUTLER, C. Autogestion and ecological politics in the work of Henri Lefebvre. Dialogues in Human Geography, 2023. [online]. Doi: https://doi.org/10.1177/20438206231157914.
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; LIMONAD, 2021LIMONAD, E. Por uma outra sustentabilidade: um diálogo entre Lefebvre e o pensamento decolonial. Boletim Goiano de Geografia, v. 41, p. e70787, 2021.; NAPOLETANO et al., 2022a NAPOLETANO, B.; CLARK, B.; FOSTER, J. B.; URQUIJO, P. Sostenibilidad y Revolución Metabólica em la Obras de Henri Lefebvre. LAGJS/Ensayo/DS, n. 98, p. 1-24, 2022a. ; 2022b NAPOLETANO, B.; CLARK, B.; FOSTER, J. B.; URQUIJO, P. Henri Lefebvre’s conception of nature-society in the revolutionary project of autogestion. Dialogues in Human Geography , 2022b. Doi: https://doi.org/10.1177/20438206221088385.
https://doi.org/https://doi.org/10.1177/...
; 2002c NAPOLETANO, B.; CLARK, B.; FOSTER, J. B.. Antinomies of space and nature or an open totality? Neil Smith and Henri Lefebvre on nature and society. Human Geography, v. 15, n. 3, p. 245-258, 2022c.; SCOTT, 2019SCOTT, N. Ecologizing Lefebvre: Urban Mobilities & the Production of Nature. In: LEARY-OWHIN, M. E.; McCARTHY, J. P. (org.). The Handbook of Henri Lefebvre, the City and Urban Society . New York: Routledge , 2019. p. 298-308.; PAIVA, 2019PAIVA, D. Transforming nature through cyclical appropriation or linear dominance: Lefebvre’s contributions to think about the interaction between human activity and nature. In: LEARY-OWHIN, M. E.; McCARTHY, J. P. (org.). The Handbook of Henri Lefebvre, the City and Urban Society. New York: Routledge, 2019. p. 318-326.; PEREIRA, 2023PEREIRA, C. S. S. “Revolution of Space”, autogestion and appropriation of nature in Henri Lefebvre’s political and revolutionary project. Dialogues in Human Geography , v. 13, p. 1-4, 2023.). As reflexões e análises desenvolvidas neste texto somam-se, portanto, a esses trabalhos mais recentes.

Tido por muitos como a grande obra de Lefebvre, é no livro La Production de l’espace que se encontra sua formulação mais completa da teorização do espaço, ou melhor, da produção do espaço. Esse livro, publicado em 1974 (2000)LEFEBVRE, H. La production de l’espace. 4. ed. Paris: Antrophos, 2000 [1974]., já vinha sendo anunciado desde alguns anos antes por intermédio de outras publicações e entrevistas. Em La Révolution urbaine, de 1970 (2008b)LEFEBVRE, H. A revolução urbana. Belo Horizonte: EdUFMG, 2008b [1970]., é possível encontrar passagens nas quais a teoria já é esboçada, quando se afirma, por exemplo, que “a produção do espaço, em si, não é nova [...]. O novo é a produção global e total do espaço social” (LEFEBVRE, 2008bLEFEBVRE, H. A revolução urbana. Belo Horizonte: EdUFMG, 2008b [1970]., p. 140).

Em La Production de l’espace encontramos as formulações que possibilitam um entendimento do que Lefebvre pensava a respeito da natureza em relação ao espaço. Elas serão abordadas adiante. É importante destacar, antes de avançar, que o conceito de natureza já aparecia em seus escritos dos anos 1930, quando ocorreu sua incursão em torno da dialética e do materialismo histórico (LEFEBVRE; GUTERMAN, 2018LEFEBVRE, H.; GUTERMAN, N. Introdução. In: LÊNIN, V. I. Cadernos Filosóficos Hegel. São Paulo: Boitempo , 2018. p. 13-98. [1938], p. 43; 45; 65; 77; LEFEBVRE, 1971LEFEBVRE, H. El materialismo dialéctico. Buenos Aires: La Pléyade, 1971 [1939]. [1939], p. 125-129). É necessário recorrer, portanto, a outras obras do autor para poder construir um quadro coerente e explicativo daquilo que ele compreende como natureza e o lugar que ela ocupa na teoria da produção do espaço, ainda que o foco sejam as obras publicadas entre as décadas de 1960 e 1980.

Em Nature et conquêtes sur la nature, o nono prelúdio de sua Introduction à la modernité, de 1962, Lefebvre argumenta que a noção de natureza sucumbiu ao cientificismo, ao naturalismo e ao tecnicismo. Entretanto, em sua visão, ela não se esgotou. Pensada da perspectiva da razão dialética, pode ser vista como dupla determinação (contradição): “mundo exterior” (a natureza “pura”), fundamento pré-objetivo e pré-subjetivo, e “mundo interior”, conhecimento, ação. Essa dupla determinação é dialética, uma vez que o movimento é dialético “na realidade e na consciência da realidade” (LEFEBVRE, 1969LEFEBVRE, H. Introdução à modernidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 1969 [1962]. [1962], p. 159). É a práxis, nesse sentido, que une ao mesmo tempo a natureza e o ser humano, a cultura e a natureza. Pelas mediações do trabalho, da técnica, ela se subordina ao ser humano na medida em que é criada uma “natureza humana”, humanizada e apropriada. A alienação, diante disso, e a dialética necessidade-liberdade se evidenciam. Sob o capitalismo, essa alienação ganha corpo com a separação entre o mundo humano e o mundo natural ao reforçar a dominação do ser humano sobre a natureza. É o movimento da totalidade, que a abarca, assim como ao ser humano e sua história, o devir, seus conhecimentos, ideias, ideologias; essa totalidade é aberta, conflitiva, móvel, contraditória, relacionando objetividade e subjetividade, realidade e conhecimento (id., s.d. LEFEBVRE, H. A noção de totalidade nas ciências sociais. In: LEFEBVRE, H. Materialismo dialéctico e Sociologia. Tradução: Joaquim José de Moura Ramos. Lisboa: Editorial Proença, s.d. [1955]. [1955]).

O que é importante para Lefebvre é que, tendo em vista que o poder da razão, da técnica e do trabalho amplia a dominação da natureza por uma antinatureza, o ser humano se torna cada vez mais atado a ela; essa separação total é, portanto, impossível: “é através da antiphysis, da antinatureza que o homem domina a natureza e junta-se a ela. É a partir do abstrato (sinais e formas técnicas e lógicas) que ele sai da natureza, compreende-a, domina-a e nela mergulha de novo” (LEFEBVRE, 1969LEFEBVRE, H. Introdução à modernidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 1969 [1962]. [1962], p. 169). Assim, a natureza é, por um lado, o ponto de partida do ser humano em busca de domínio e controle em uma luta constante e conflituosa; por outro, é o “dado original”, com suas particularidades e diferenças (que se manifestam na cotidianidade e na práxis pelos símbolos, culturas, artes etc.), com seu movimento criador de onde o ser humano emerge e que o trabalho, a técnica e a abstração analítica não conseguem cortar da ligação com o humano. Com efeito, “a dominação do homem sobre a natureza é, pois, criativa [...] de uma ‘natureza humana’, isto é, de uma natureza do homem, apropriado e metamorfoseado”; uma “natureza do homem e no homem”, em que se refletem as “técnicas de apropriação”, de um lado, e “a natureza ‘em si’”, do outro (id., ibid. p. 184). Por mais que os poderes humanos tentem se desvencilhar da natureza, essa separação completa não pode ocorrer. Basta olharmos, sugere Lefebvre, para a nossa vida cotidiana, na qual os dias e as horas, os meses e as estações do ano, a juventude e a velhice continuam ligados ao tempo cíclico do cotidiano. Essa forma de compreender a natureza perpassará a teorização do autor acerca da produção do espaço.

O interesse de Lefebvre pela problemática do espaço (e do tempo) remonta ao período entreguerras, quando teve contato profundo com os textos de Descartes e Kant e com a polêmica entre Clarke e Leibniz a respeito da teoria de Newton do espaço absoluto. Embora esse interesse se faça presente antes mesmo de sua produção dedicada ao tema, é somente na década de 1960 que, de fato, o espaço entra em cena no contexto das suas reflexões teóricas, constituindo-se como um elemento crucial para a compreensão de sua obra. Esse interesse resultou da construção de uma cidade nova nos Pirineus Atlânticos (Lacq-Mourenx), que Lefebvre acompanhou “in vivo, in statu nascendi” (LEFEBVRE, 1976bLEFEBVRE, H. Tiempos equívocos. Barcelona: Editorial Kairós, 1976b [1975]., p. 226; 1990 [1983]; 2000 LEFEBVRE, H. La production de l’espace. 4. ed. Paris: Antrophos, 2000 [1974].[1974]).

A proposta de Lefebvre sobre o espaço objetiva romper com o modo como esse conceito foi pensado na tradição filosófica e científica. O espaço deixa o reino da abstração pura, matemática e filosófica, e entra no reino da prática social, da práxis. Nisso, estabelece-se um ponto de ruptura com a forma comum e corriqueira de conceituar o espaço, como um dado vazio, sem conteúdo; o espaço passa a ser conceituado como um processo, resultado de um entrecruzamento de múltiplos movimentos e dinâmicas, ideologias, representações, classes, grupos e indivíduos. Trata-se, portanto, de um espaço político, uma produção social e específica a cada modo de produção. É importante destacar essa ideia de produção, e não somente a de produto, pelo fato de ser justamente um processo (produção e produto como inseparáveis) prenhe de contradições e conflitos (LEFEBVRE, 2000LEFEBVRE, H. La production de l’espace. 4. ed. Paris: Antrophos, 2000 [1974]. [1974], p. 35; 43; 47; PEREIRA, 2020PEREIRA, C. S. S. A teoria da produção do espaço e a Geografia. In: SPOSITO, E. S.; CLAUDINO, G. dos S. Teorias na Geografia: avaliação crítica do pensamento geográfico. Rio de Janeiro: Consequência, 2020. p. 107-140.). Nessa argumentação, Lefebvre sustentou que o espaço constitui “o modo de existência das relações sociais” e, em razão disso, revela contradições sociais, que são as contradições do espaço (LEFEBVRE, ibid., p. 461).

Pelo espaço, a modernidade, o capitalismo e o neocapitalismo, a vida cotidiana, o Estado e a revolução podem ser explicados. A teorização se apoia na ideia segundo a qual a dialética não mais se ligaria à temporalidade. O mundo moderno se explicaria, sobretudo, na visão desse autor, pelo espaço, pela dialética do espaço, pelas contradições do espaço: “É neste espaço dialetizado (conflitual) que se realiza a reprodução das relações de produção. É este espaço que produz a reprodução das relações de produção, introduzindo nela contradições múltiplas, vindas ou não do tempo histórico” (LEFEBVRE, 1973aLEFEBVRE, H. A reprodução das relações de produção. Porto: Escorpião, 1973a., p. 19; grifos no original). Isso significa pensar o mundo sobre novas bases - um retorno à dialética no qual a cidade, o urbano, a reprodução das relações de produção se tornam inteligíveis e, portanto, concretas, saindo da abstração. Aqui há um projeto teórico e prático, isto é, um projeto político e utópico que aponta para o futuro que pode ser sintetizado na expressão “mudar a vida” (changer la vie) (PEREIRA, 2018PEREIRA, C. S. S. Mudar a vida: da revolução urbana à revolução do espaço - o projeto de Henri Lefebvre. Geographia, Niterói, v. 20, p. 21-35, 2018.).

É no âmbito dos movimentos dialéticos pensados em novas bases que “a natureza torna-se problemática” (LEFEBVRE, 1973aLEFEBVRE, H. A reprodução das relações de produção. Porto: Escorpião, 1973a., p. 14). A natureza será um dos temas iniciais discutidos pelo autor na busca de uma decifração do processo de produção do espaço. Isso porque o espaço não é discutido segundo a tradição filosófica ocidental, como um a priori kantiano ou um absoluto newtoniano, e sim como uma chave explicativa da sociedade capitalista pelo fato de ela o produzir ao seu modo, com suas especificidades, características e contradições. Assim, não adianta falar de espaço: é necessário introduzi-lo no âmbito do conceito de produção, já que, sendo político, é produzido socialmente. E, uma vez que os “espaços são produtos”, eles partem de algum lugar: “de uma ‘matéria primeira’, a natureza” (id., 2000LEFEBVRE, H. La production de l’espace. 4. ed. Paris: Antrophos, 2000 [1974]. [1974], p. 102; grifo no original). A ideia de produção, nesse sentido, para além da esfera econômica, abarca um sentido largo, amplo, no qual desponta a diferença entre o ser humano e a natureza e, no fim, a conceituação da produção do espaço ganha relevo e envergadura.

Seguindo Marx nos Manuscritos de 1844 e em O Capital (MARX, 2004MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo , 2004.; 2013MARX, K. O Capital. Livro I. São Paulo: Boitempo , 2013.), Lefebvre se apoiou no conceito de trabalho como uma mediação, o que deixou muitas marcas e consequências para sua concepção de natureza e, portanto, de espaço. Em sua investigação sobre a sociologia de Marx, ele enfatizou:

Pelo trabalho o ser humano domina a natureza e se apropria parcialmente dela. O trabalho não pertence a natureza. Ele chega a ser “contra a natureza” em dois sentidos; enquanto labor, existe esforço e disciplina - modifica a natureza em torno do homem e dentro do homem. O trabalho torna-se uma necessidade. Os sentidos são cultivados e apurados pelo trabalho. As necessidades mudam e são cultivadas, porque o trabalho as modifica, apresentando-lhes novos bens. Assim o homem emerge da natureza, sem poder separar dela. O prazer reconcilia o homem com seu fundamento, a natureza (LEFEBVRE, 1968LEFEBVRE, H. Sociologia de Marx. São Paulo: Forense, 1968., p. 28).

Para Marx (2013MARX, K. O Capital. Livro I. São Paulo: Boitempo , 2013., p. 255), “o trabalho é, antes de tudo, um processo entre o homem e a natureza, processo este em que o homem, por sua própria ação, medeia, regula e controla seu metabolismo com a natureza”. Nesse sentido, “agindo sobre a natureza externa e modificando-a por meio desse movimento, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza” (id., ibid.). Em seus Manuscritos econômico-filosóficos, Marx desenvolveu a ideia de que a natureza é a fonte da objetividade primeira, ou seja, é dela que o ser humano vem, e a ela está atado. Daí que “o homem vive da natureza significa: a natureza é o seu corpo, com o qual ele tem que ficar num processo contínuo para não morrer” (MARX, 2004MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo , 2004., p. 84; grifos no original). Por isso que “a vida física e mental do homem está interconectada com a natureza [e] não tem outro sentido senão que a natureza está interconectada consigo mesma, pois o homem é uma parte da natureza” (id., ibid.). Os trabalhos de Foster (2005FOSTER, J. B. A ecologia de Marx: materialismo e natureza. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005 [2000]. [2000]) e Saito (2021SAITO, K. O ecossocialismo em Karl Marx: capitalismo, natureza e crítica inacabada à economia política. São Paulo: Boitempo , 2021.) mostraram a importância das considerações marxianas em relação à natureza, ampliando consideravelmente as análises de Marx em torno da “fratura metabólica” que estaria no cerne da relação entre sociedade e natureza no capitalismo. Lefebvre também era muito atento aos enunciados marxianos.

Com base nessa relação mais ampla entre ser humano e natureza, na qual um não se compreende sem o outro e em que ambos formam uma “unidade dialética, quer dizer, conflitiva” (LEFEBVRE, 1983LEFEBVRE, H. La presencia y la ausencia: contribución a la teoría de las representaciones. Ciudad de México: Fondo de Cultura Económica, 1983 [1980]. [1980], p. 183), Lefebvre buscou o desenvolvimento de uma teoria unitária da produção do espaço, que ligasse o físico, o mental e o social. Ele chamou esse “conhecimento” de “espacio-logia” ou “espaço-análise” (id., 1976bLEFEBVRE, H. Tiempos equívocos. Barcelona: Editorial Kairós, 1976b [1975]., p. 252; 2000 LEFEBVRE, H. La production de l’espace. 4. ed. Paris: Antrophos, 2000 [1974].[1974], p. 465; 2015LEFEBVRE, H. O mundial e o planetário. Cidades, v. 12, n. 21, p. 441-455, 2015., p. 441). O espaço, nesse sentido, é fruto do trabalho humano, na medida em que este transforma a natureza e a si próprio ao mesmo tempo. Porém, o espaço-produto, isto é, produzido socialmente, incorpora a natureza como força produtiva, e é por meio delas e das relações de produção que o espaço se torna uma questão central, deslocando e subordinando a natureza a um plano secundário (id., 2000 LEFEBVRE, H. La production de l’espace. 4. ed. Paris: Antrophos, 2000 [1974].[1974], p. 100). Ainda assim, “a natureza, mesmo descartada, quebrada, localizada, permanece o fundamento último, irredutivelmente, e alhures mal definível como tal: como absoluto no seio e no fundo do relativo” (id., ibid., p. 267).

Essa subordinação, destruição ou até morte na natureza dizem respeito a um afastamento contínuo, problemático e contraditório do “espaço-natureza”. Tem-se aí um processo histórico no qual, pela interferência direta do ser humano por meio das forças produtivas e das relações de produção e de reprodução, o espaço-natural, a terra, o ar, o solo, a matéria e a energia são incorporados no espaço social na medida em que o ser humano produz o mundo e a si próprio. Essa produção está envolta de ideologias, práticas, representações, conflitos, contradições. Trata-se, com efeito, de uma autoprodução, uma vez que a transformação da realidade do mundo pelo ser humano também o transforma; é uma “autoprodução do ser humano” (LEFEBVRE, 2016LEFEBVRE, H. Produção e re-produção. Espaço e Economia, n. 8, 2016 [1986]. Disponível em: http://journals.openedition.org/espacoeconomia/2185. Acesso em: 13 jul. 2021.
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[1986], p. 2). A natureza, nesse processo, entra no plano das representações e da ideologia, torna-se um recurso econômico, uma mercadoria, e entra no circuito do capital, em que o valor de troca se sobrepõe progressivamente ao valor de uso.

Uma das implicações da proposição de Lefebvre de que “o espaço (social) é um produto social” (LEFEBVRE, 2000LEFEBVRE, H. La production de l’espace. 4. ed. Paris: Antrophos, 2000 [1974]. [1974], p. 39; grifos no original) se verifica no âmbito da questão da natureza. Na passagem a seguir, longa, mas ao mesmo tempo fundamental, ele evidencia, ao menos momentaneamente, o modo como a natureza está em relação ao espaço.

O espaço-natureza (físico) se distancia. Irreversivelmente. Com certeza, ele foi e permanece terreno comum de início: a origem, o original do processo social, talvez a base de toda “originalidade”. Com certeza, ele não desaparece pura e simplesmente da cena. Fundo do quadro, cenário e mais que cenário, ele persiste e cada detalhe, cada objeto da natureza se valoriza tornando-se símbolo (o menor animal, a árvore, a erva etc.). Fonte e recurso, a natureza obseda, como a infância e a espontaneidade, através do filtro da memória. Quem não quer protegê-la, salvá-la? Reencontrar o autêntico? Quem quer destruí-la? Ninguém. Porém, tudo conspira para prejudicá-la. O espaço-natureza se distancia: horizonte afastado, para os que se voltam. Ele escapa ao pensamento. O que é a Natureza? Como reaprendê-la antes da intervenção, antes da presença dos homens e de seus instrumentos devastadores? A natureza, esse mito poderoso, se transforma em ficção, em utopia negativa: ela não é mais que a matéria-prima sobre a qual operam as forças produtivas de sociedades diversas para produzir seu espaço. Resistente, decerto, e infinita em profundidade, mas vencida, no curso da evacuação, da destruição... (LEFEBVRE, 2000LEFEBVRE, H. La production de l’espace. 4. ed. Paris: Antrophos, 2000 [1974]. [1974], p. 39-40).

A natureza é a base, o ponto de partida, lugar de origem e de criação, o dado original e primário para a produção do espaço. “A matéria primeira da produção do espaço não é, como para os objetos particulares, um material particular: é a natureza ela mesma, transformada em produto” (LEFEBVRE, 2000LEFEBVRE, H. La production de l’espace. 4. ed. Paris: Antrophos, 2000 [1974]. [1974], p. 146; grifos no original). Portanto, o espaço é histórico, tem uma história, e, no curso dela, a relação do ser humano com a natureza se transforma. Lefebvre aborda essas transformações de modo relacional, mostrando como sua proposição teórica implica a necessidade de uma demonstração, que o leva a abordar, em vários momentos, exemplos históricos de onde se operacionaliza a sua tríade das práticas espaciais, representações do espaço e espaços de representação e do percebido, o concebido e o vivido. No entanto, se, por um lado, a natureza torna-se problemática e, no curso do capitalismo e da modernidade, tende a desaparecer e ser destruída, por outro, ela retorna com certa centralidade no âmbito do pensamento moderno e da sociedade capitalista. Estamos diante de uma compreensão da natureza que não enfoca somente sua perspectiva de desaparição, de destruição, mas também de sobrevivência e até mesmo de produção e reprodução. Por isso ela resiste, apesar de ser vencida; contudo, uma vez que o ser humano não consegue dela se separar em absoluto, permanece envolto nesse “corpo inorgânico”, para usar os termos de Marx (2004MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo , 2004.), já que os elementos, coisas e objetos presentes na produção do espaço e a ele relacionados são, também, naturais.

As ideias de “primeira natureza” e “segunda natureza” fazem, portanto, menção a esse processo de transformação de uma natureza dada, original, em uma social, humana, por meio do trabalho. Estas “duas expressões”, a “primeira natureza” e a “segunda natureza”, que Marx abordou em sua juventude, causaram grande impacto em Lefebvre, conforme ele revelou em uma entrevista no início dos anos 1980LEFEBVRE, H. Henri Lefebvre: uma vida dedicada a pensar e teorizar sobre a luta de classes. Entrevista com Bruno Bernardi. Rio de Janeiro. Encontros com a Civilização Brasileira, n. 21, v. 3, p. 87-108, 1980 [1979]. (LEFEBVRE, 1990LEFEBVRE, H. Entrevista: conversa com Henri Lefebvre. Tradução: Manuel Rolando Berríos. Espaço e Debates, n. 30, p. 61-69, 1990 [1983]. [1983], p. 68). O que faz parte da “segunda natureza”? O que a constitui? Não são perguntas tão fáceis de responder. Esse conceito abarca uma miríade de objetos e obras produzidos socialmente que caracterizam o mundo humano. A “segunda natureza” pode ser entendida como tudo aquilo que é produto do trabalho humano, evidentemente com vários elementos da “primeira natureza”. A “segunda natureza”, Lefebvre afirmou, “conserva alguns traços da primeira, mais adquirida e produzida como tal” (LEFEBVRE, 1983LEFEBVRE, H. La presencia y la ausencia: contribución a la teoría de las representaciones. Ciudad de México: Fondo de Cultura Económica, 1983 [1980]. [1980], p. 41).

É à máquina, inicialmente, a que Lefebvre se refere ao falar da “segunda natureza”. Ela “evoca com vigor a segunda natureza produzida pela prática social, mundo humano colocado sobre o cosmo material”. E continua sua argumentação, semelhante à de La Production de l’espace (LEFEBVRE, 2000LEFEBVRE, H. La production de l’espace. 4. ed. Paris: Antrophos, 2000 [1974]. [1974], p. 85-86): “A natureza não trabalha; obra e cria ‘espontaneamente’. O mesmo sucede com a segunda natureza, que não tem nada a ver com o problema da ‘natureza humana’ dos filósofos”. Daí que “o enigma se desloca e a problemática se transfere da natureza inicial (ameaçada pela destruição das técnicas) para a segunda natureza, a cidade, o urbano, os computadores, os robôs, o espaço produzido etc.” (id., 1983 LEFEBVRE, H. La presencia y la ausencia: contribución a la teoría de las representaciones. Ciudad de México: Fondo de Cultura Económica, 1983 [1980].[1980], p. 41).

A cidade, nesse sentido, talvez seja o exemplo mais emblemático da “segunda natureza”. Lefebvre (2000LEFEBVRE, H. La production de l’espace. 4. ed. Paris: Antrophos, 2000 [1974]. [1974], p. 398) é preciso nesse ponto, e afirma: “Natureza segunda, espaço produzido, a cidade igualmente guardou (no curso de sua mesma explosão) alguns traços da natureza, notadamente a importância do uso”. A produção e a organização da cidade não são inteligíveis quando se desconsidera esse pano de fundo - a “primeira natureza” -, que, em suma, é a base das reflexões e da práxis, que é a relação ser humano e natureza.

Em uma de suas reflexões mais estimulantes sobre a natureza, Lefebvre (2008cLEFEBVRE, H. Espaço e política. Belo Horizonte: Ed. da UFMG, 2008c [1973]. [1973]) problematiza e confronta a crítica de direita e a crítica de esquerda, tão comum em diversos textos seus. A natureza teria deixado de ser um símbolo poético, negligenciado a um segundo plano da reflexão e da crítica, vista ainda como uma matéria de conhecimento e de técnicas por uma ideologia. A crítica de direita reflete sobre ela como uma questão de “beleza desaparecida das paisagens, sobre a pureza e a inocência da natureza, que se distancia”, em uma espécie de anacronismo atualizado que leva a uma “grande nostalgia passadista” de uma “lamentação de uma natureza perdida”, enquanto a crítica de esquerda “tenta ver as consequências da devastação da natureza, dessa destruição”, considerada por Lefebvre como “autodestruição da natureza no e pelo ‘homem’, que emerge da natureza, que nasce dela e se volta contra ela para exterminá-la” (id., ibid., p. 65-66).

Aqui se observa uma das ideias de Lefebvre a respeito da natureza que vai de encontro frontalmente com a forma como a reflexão estava posta no debate público. A politização da natureza se torna central no debate sobre o espaço no âmbito do modo de produção capitalista. Para além de “um resíduo, algo que aparecia aqui ou ali, escapando à ação racionalmente conduzida” (LEFEBVRE, 2008cLEFEBVRE, H. Espaço e política. Belo Horizonte: Ed. da UFMG, 2008c [1973]. [1973], p. 65), dirá o autor:

Ora, sabe-se também que a natureza é formada, modelada, transformada. Que, em larga medida, ela é um produto da ação, que a própria face da Terra, isto é, a paisagem, é obra humana. Hoje a natureza ainda é considerada, de acordo com uma certa ideologia, como simples matéria de conhecimento e como objeto de técnicas. Ela é dominada, controlada. Na medida em que é dominada e controlada, ela mesma se distancia. Ora, de repente se percebe que ao ser controlada ela é devastada, ameaçada de aniquilamento, ameaçando ao mesmo tempo a espécie humana, ainda ligada à natureza, de se ver arrastada para o aniquilamento. Daí a necessidade de uma estratégia. Eis a natureza politizada.

Não surpreende que esse debate apareça em Lefebvre, haja vista sua visão crítica sobre o mundo moderno e o capitalismo após a Segunda Guerra Mundial. O que surpreende é que essa reflexão tenha sido negligenciada por muito tempo por parte de seus intérpretes e comentadores. Smith (2020SMITH, N. Desarrollo desigual. Naturaleza, capital y la producción del espacio. Madrid: Traficantes de Sueños , 2020.) o criticou por entender que, ao argumentar que a natureza avançaria para a morte, o filósofo francês estaria mantendo intacto um pensamento tradicional em relação à natureza. Assim, o espaço continuaria vivo, e a natureza seria um elemento passivo, fechado para mudanças, morto: “A política da natureza é para Lefebvre a política da derrota miserável”, escreveu Smith (ibid., p. 246). Entretanto, ele deixou escapar a ênfase estratégica que Lefebvre conferiu ao sugerir “a natureza politizada”, que, em larga medida, é “um produto da ação”, concentrando sua crítica apenas em uma concepção de “natureza externa” e desconsiderando a totalidade aberta e dialética. A “natureza politizada” enfatiza a necessidade da estratégia política. Daí a compreensão equivocada de Smith - ou, no mínimo, incompleta - do papel e do lugar da natureza na teoria de Lefebvre. Isso pode ser reforçado, ainda, tanto pela crítica à concepção de natureza pura de Feuerbach, encontrada em Le Matérialisme dialectique (LEFEBVRE, 1971LEFEBVRE, H. El materialismo dialéctico. Buenos Aires: La Pléyade, 1971 [1939]. [1939]) e lembrada por Schmidt (1983SCHMIDT, A. El concepto de naturaleza en Marx. 4. ed. Ciudad de México: Siglo XXI, 1983 [1962]. [1962], p. 60-61, nota 30)6 6 Schmidt (1983, p. 60-61) escreveu: “Não só a natureza, como afirma com razão Lefebvre, é sempre algo já trabalhado pelo homem, mas que, também, os domínios naturais ainda não incorporados à produção humana - a selva virgem ou o atol do Pacífico de que fala Lefebvre - só se podem visualizar e conceber sob as categorias da natureza já apropriada”. , como pelo fato de que o próprio Lefebvre criticou Jean-Paul Sartre por este não dar um lugar à natureza em sua filosofia, o que resultava em considerá-la inerte, morta (LEFEBVRE, 1967LEFEBVRE, H. Metafilosofia: prolegômenos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 1967., p. 137-139). Parece ficar claro a esta altura, como pontuou Pereira (2020PEREIRA, C. S. S. A teoria da produção do espaço e a Geografia. In: SPOSITO, E. S.; CLAUDINO, G. dos S. Teorias na Geografia: avaliação crítica do pensamento geográfico. Rio de Janeiro: Consequência, 2020. p. 107-140., p. 126), que, “embora tenha se concentrado no espaço, [Lefebvre] não foi negligente em relação à natureza”, e que, portanto, uma leitura como a realizada por Neil Smith é, no mínimo, “questionável e um tanto parcial da problemática espaço e natureza em Lefebvre”7 7 . Sugiro a leitura de Napoletano et al. (2022c), que desenvolve de forma mais elaborada uma análise crítica da interpretação de Lefebvre feita por Neil Smith em relação ao conceito de natureza. .

Espaço e natureza estão relacionados e associados pela mediação do trabalho e da produção social, compreendida, portanto, em sentido largo, não apenas econômico estrito. Lefebvre se apoia amplamente na “fórmula trinitária” de Marx: terra, capital e trabalho. É por meio das relações contraditórias entre esses três termos que se pode explicar a produção do espaço: a terra seria o elemento referente à “Mãe Natureza”; o capital, o “Senhor, o Capital”; e o trabalho, “Os trabalhadores”. A terra envolve a agricultura, o solo, o subsolo e seus recursos, além do sobressolo, do Estado-nação, que é ligado a um território, e à estratégia política (LEFEBVRE, 2000LEFEBVRE, H. La production de l’espace. 4. ed. Paris: Antrophos, 2000 [1974]. [1974], p. 374-375). Nesse processo, na relação dialética e contraditória entre esses três termos, revela-se o papel destrutivo do capitalismo e do espaço abstrato por ele produzido (LEFEBVRE, 2000LEFEBVRE, H. La production de l’espace. 4. ed. Paris: Antrophos, 2000 [1974]. [1974], p. 375-376).

A situação de uma “transgressão da natureza”, fruto “do Ocidente”, permitiu a generalização da violência e a produção do mundial, o que sugere, segundo Lefebvre (2000LEFEBVRE, H. La production de l’espace. 4. ed. Paris: Antrophos, 2000 [1974]. [1974]), a produção de um novo espaço. “O espaço como lugar de produção, como produto e produção é, ao mesmo tempo, a arma e o signo dessa luta”, dessa tentativa de “transgressão da natureza”, que é uma “agressão permanente contra a vida”. Complementa o filósofo: “Indo até o fundo, mas como recuar, essa tarefa titânica obriga hoje a produzir, a criar outra coisa que a natureza; a natureza segunda, outra e nova. Portanto, a produzir o espaço, este do urbano, ao mesmo tempo como produto e como obra, no sentido onde a arte foi obra” (id., ibid., p. 130). Esse desafio está posto, e no próximo item será explorado o modo pelo qual a problemática da natureza é atravessada pela autogestão e pela revolução do espaço.

2. “Revolução do espaço”, autogestão e natureza

Associada a uma concepção de natureza que não se dissocia do ser humano, na qual a produção do espaço se posiciona enquanto problemática central do século XX, a obra de Lefebvre vai sugerir que a modificação das relações entre sociedade e natureza dependerá de uma tarefa nada fácil: trata-se de pensar a revolução.

A concepção de revolução em Lefebvre é importante para compreender sua concepção de espaço social e, mais amplamente, de produção do espaço (PEREIRA, 2018PEREIRA, C. S. S. Mudar a vida: da revolução urbana à revolução do espaço - o projeto de Henri Lefebvre. Geographia, Niterói, v. 20, p. 21-35, 2018.; 2023). Mas, até que ponto essa concepção de revolução e de “revolução do espaço”, mais diretamente, tem a ver com a ideia de natureza? Como o conceito de natureza e a relação dialética entre ser humano e natureza se acomodam na perspectiva de uma “revolução do espaço”? Essas questões são amplas e merecem estudos mais aprofundados; delinearemos aqui alguns aspectos que nos parecem importantes para alargar o escopo do debate sobre a natureza e o espaço em Lefebvre.

O filósofo francês sustentou em diversos escritos que o espaço do neocapitalismo, da modernidade, precisaria ser criticado, e para isso seria necessária a construção de uma teoria sobre a produção do espaço (LEFEBVRE, 1976aLEFEBVRE, H. L’Espace: produit social et valeur d’usage. La Nouvelle Revue Socialiste, Paris, n. 18, p. 11-20, 1976a.; 1976bLEFEBVRE, H. Tiempos equívocos. Barcelona: Editorial Kairós, 1976b [1975]. [1975]; 2000 LEFEBVRE, H. La production de l’espace. 4. ed. Paris: Antrophos, 2000 [1974].[1974]; 2008cLEFEBVRE, H. Espaço e política. Belo Horizonte: Ed. da UFMG, 2008c [1973].; 2015LEFEBVRE, H. O mundial e o planetário. Cidades, v. 12, n. 21, p. 441-455, 2015.). Essa teoria, dentre as mais variadas concatenações, sugere que desde meados do século XX as contradições não mais se expressavam no espaço; agora, as contradições do espaço seriam fundamentais. Mas, para quê? Para a construção de um projeto de sociedade, para “mudar a vida” (changer la vie!).

No contexto do modo de produção capitalista, a dinâmica das contradições do espaço, e não mais contradições no espaço, assume a centralidade do questionamento de Lefebvre no que diz respeito à explicação das contradições sociais, haja vista que no século XX um novo espaço surgiu, a escala planetária, resultado de uma nova sociedade e de um novo modo de produção (LEFEBVRE, 1976aLEFEBVRE, H. L’Espace: produit social et valeur d’usage. La Nouvelle Revue Socialiste, Paris, n. 18, p. 11-20, 1976a., p. 228; 1976bLEFEBVRE, H. Tiempos equívocos. Barcelona: Editorial Kairós, 1976b [1975].; 2015LEFEBVRE, H. O mundial e o planetário. Cidades, v. 12, n. 21, p. 441-455, 2015.).

As contradições do espaço apontam para a elaboração de uma teoria e de uma prática que não se contentem apenas em descrever as coisas, nem mesmo em criar um discurso sobre o espaço. É a necessidade de compreender o modo como o espaço é produzido, de que forma as relações sociais se manifestam, sujeito e objeto, abstrato e concreto, corpo e mente, que urge, então, uma utopia (concreta) e a necessidade de uma práxis: produzir um novo espaço, que Lefebvre (2000LEFEBVRE, H. La production de l’espace. 4. ed. Paris: Antrophos, 2000 [1974]. [1974]) chamou de “espaço diferencial”.

A tese central de La Production de l’espace (relação entre modo de produção e espaço) reforça o caráter histórico do espaço. Ora, uma vez produzido, uma vez criado com base na “matéria primeira”, o espaço pode, portanto, ser transformado. Ele é dinâmico, e não estático (LEFEBVRE, 1976aLEFEBVRE, H. L’Espace: produit social et valeur d’usage. La Nouvelle Revue Socialiste, Paris, n. 18, p. 11-20, 1976a., p. 243); é, por conseguinte, um processo (LEFEBVRE, 2000LEFEBVRE, H. La production de l’espace. 4. ed. Paris: Antrophos, 2000 [1974]. [1974]), ou seja, movimento dialético. Está no horizonte, então, a necessidade de uma transformação do espaço ancorada em um novo modo de produção que redefina as relações sociais e as relações entre os seres humanos e a natureza. É aqui que se encontra o ponto de ligação entre o que Lefebvre chama de “revolução do espaço” e a autogestão.

Participante ativo dos debates políticos no século XX, como parte do corpo intelectual do Partido Comunista Francês (PCF) e, após sua saída, em 1958, ele tornou-se, também, um crítico do marxismo oficial e do modo como este ficou engessado, abandonando a preocupação de criar, de fato, uma sociedade diferente da capitalista (LEFEBVRE, 1976aLEFEBVRE, H. L’Espace: produit social et valeur d’usage. La Nouvelle Revue Socialiste, Paris, n. 18, p. 11-20, 1976a., 2000). O socialismo de Estado, de acordo com Lefebvre, não foi capaz de produzir um novo espaço; na verdade, a lógica da ideologia do crescimento (quantitativo) permaneceu como baliza, deixando o desenvolvimento (qualitativo) em segundo plano. Para ele, tanto no âmbito dos países capitalistas como no dos socialistas, o Estado emergia à escala mundial, dando origem ao que chamou de “modo de produção estatista” (LEFEBVRE, 2000LEFEBVRE, H. La production de l’espace. 4. ed. Paris: Antrophos, 2000 [1974]. [1974]; 2012). Era necessário, portanto, enfrentar o poder político do Estado que se expressava cada vez mais amplamente na escala mundial, assim como o poder do capital; isso só seria possível por meio do pensamento utópico e com uma práxis revolucionária. À pergunta “Qual a relação dessa teoria do espaço com o movimento revolucionário tal qual existe?” (LEFEBVRE, 2000LEFEBVRE, H. La production de l’espace. 4. ed. Paris: Antrophos, 2000 [1974]. [1974], p. 482; 2015LEFEBVRE, H. O mundial e o planetário. Cidades, v. 12, n. 21, p. 441-455, 2015., p. 452), ele responde:

[...] uma revolução que não produz um espaço novo não vai até o limite de si própria; ela fracassa; ela não muda a vida; ela só modifica superestruturas ideológicas, instituições, aparelhos políticos. Uma transformação revolucionária se verifica pela capacidade criadora de obras na vida cotidiana, na linguagem, no espaço, um não acompanhando, necessariamente, o outro, igualmente. (LEFEBVRE, 2000LEFEBVRE, H. La production de l’espace. 4. ed. Paris: Antrophos, 2000 [1974]. [1974], p. 66).

Foi em meio às revoltas estudantis de maio de 1968 na França que Lefebvre conseguiu observar mais claramente o papel dos trabalhadores no que se refere à produção do espaço. Além da greve geral, naquele mês os trabalhadores (não apenas das fábricas) ocuparam o espaço, “a ocupação pela classe trabalhadora de seu espaço, o que era um fenômeno novo” (LEFEBVRE, 2012LEFEBVRE, H. El Estado Moderno. Geopolítica(s). v. 3, n. 1, 137-149, 2012., p. 149; 1976bLEFEBVRE, H. Tiempos equívocos. Barcelona: Editorial Kairós, 1976b [1975]., p. 103-104). Aqui, Lefebvre observa que “o mundo moderno apresenta um fenômeno profundamente novo, a extensão da luta de classes ao espaço” (LEFEBVRE, 1976bLEFEBVRE, H. Tiempos equívocos. Barcelona: Editorial Kairós, 1976b [1975]., p. 104), e é nessa observação que podemos assentar a ideia de que, se a luta de classes não pode ser mais pensada sem o espaço e este, por sua vez, sendo um espaço político, era necessário pensar em estratégias nas quais um novo espaço poderia ser produzido. Por isso, é fundamental entender que a proposta de Lefebvre é um projeto, um projeto político, teórico e prático que se ancora em uma problemática do espaço real e concreta (PEREIRA, 2018PEREIRA, C. S. S. Mudar a vida: da revolução urbana à revolução do espaço - o projeto de Henri Lefebvre. Geographia, Niterói, v. 20, p. 21-35, 2018.).

Lembremos que na teoria unitária de Lefebvre o contexto do neocapitalismo seria o do domínio do “espaço abstrato”, o mundo da mercadoria em escala mundial. Esse “espaço abstrato”, do dinheiro e do Estado político, “se apoia sobre as enormes redes de bancos, de centros de compras, de grandes unidades de produção”, assim como “sobre o espaço das autopistas, dos aeródromos, das redes de informação. Neste espaço, a cidade, berço da acumulação, lugar da riqueza, sujeito da história, centro do espaço histórico explodiu” (LEFEBVRE, 2000LEFEBVRE, H. La production de l’espace. 4. ed. Paris: Antrophos, 2000 [1974]. [1974], p. 65-66; 1976bLEFEBVRE, H. Tiempos equívocos. Barcelona: Editorial Kairós, 1976b [1975]., p. 13). Esse espaço é, portanto, do poder do Estado e do capital, meio de produção e instrumento de controle das classes sociais que buscam destroçar o vivido; contudo, é cheio de contradições, e o surgimento de um “espaço diferencial”, no qual o urbano, a diferença, o direito à cidade e todos os demais direitos se apresentam como plenamente reais, passa pelo processo revolucionário que tem no uso e no valor de uso o ponto nevrálgico.

Dentre as contradições do espaço figura a questão do “meio ambiente” e, portanto, da natureza (LEFEBVRE, 1973aLEFEBVRE, H. A reprodução das relações de produção. Porto: Escorpião, 1973a., p. 19). Lefebvre argumentou que tais contradições apontam para uma solução que, em primeiro lugar, eleva a problemática do espaço ao primeiro plano, carregando as demais a ela atreladas, e, em segundo lugar, propõe a superação do modo de produção capitalista. Há, logo, claro direcionamento político em relação ao espaço, o que, por extensão, engloba o que hoje pode ser considerado uma política da natureza, expressa por uma “natureza politizada”, que tem no seu bojo a necessidade de ir além de um pensamento simplesmente ecologista em si mesmo.

Depreende-se, portanto, que, quando menciona os problemas atinentes ao meio ambiente, Lefebvre critica os ecologistas por eles não colocarem em primeiro plano os problemas do espaço, mais amplos, justamente pelo fato de incorporarem os problemas ecológicos. Ademais, isso poderia causar uma espécie de desvio “para o naturalismo, ou mesmo biologismo, que trata o espaço humano como animal” (LEFEBVRE, 1976bLEFEBVRE, H. Tiempos equívocos. Barcelona: Editorial Kairós, 1976b [1975]., p. 20). Por isso ele argumentou que o conceito de “meio ambiente” e o de ecologia seriam “equivocados”, “ambíguos”, “misturam ciência e ideologia” (LEFEBVRE, 2000LEFEBVRE, H. La production de l’espace. 4. ed. Paris: Antrophos, 2000 [1974]. [1974], p. 425; 439).

Encontramos uma reflexão semelhante em La Révolution urbaine, onde Lefebvre desenvolve a hipótese da “urbanização completa da sociedade” e da problemática urbana em escala mundial. Nessa obra, o filósofo faz duras críticas ao conceito de meio ambiente e o de natureza no modo como estavam sendo pensados. O problema do “meio ambiente”, como apresentado até então, não dava conta da problemática urbana em sua plenitude. Uma “natureza fictícia” posta pelos “espaços verdes” nas cidades, como os parques, os jardins etc., é uma simulação, uma representação da natureza, com vistas a melhorar a qualidade do espaço urbano, mas, na verdade, consistia em uma “neutralização do espaço não edificado” (LEFEBVRE, 2008bLEFEBVRE, H. A revolução urbana. Belo Horizonte: EdUFMG, 2008b [1970]., p. 33; grifos no original). Adicionalmente, para Lefebvre (ibid.), os “aspectos da problemática urbana” vão além “das imagens banalizadas do ‘meio ambiente’”. Por quê? Talvez pelo fato de a natureza da urbanização não ser levada em conta de forma adequada pelos pensadores do “meio ambiente”, uma vez que o estudo da problemática urbana precisava - e essa ideia Lefebvre vai estender, depois, para o plano do espaço - de uma abordagem unitária, não fragmentária.

Lefebvre foi crítico da ideia de “meio ambiente”, tratada por ele como um “pseudoconceito” e, como tal, responsável por legitimar a fragmentação e o recorte do fenômeno urbano em pedaços (LEFEBVRE, 2008bLEFEBVRE, H. A revolução urbana. Belo Horizonte: EdUFMG, 2008b [1970]., p. 167). O pensamento sobre o “meio ambiente” era uma forma ideologizada de tratar da problemática real, centrada no espaço, isto é, uma “crise do espaço”, que para ele se tornava nítida por meio da “urbanização generalizada”, isto é, do “ponto crítico” ou “fase crítica”. É nesse contexto, nessa periodização da história da cidade, da urbanização e depois da “história do espaço”, que “a natureza se torna problemática”. Em La Révolution urbaine, após questionar o modo como a natureza é representada no contexto da “segunda natureza” (a cidade), ele sustentou, de maneira bem clara, que, “na fase crítica, a natureza aparece no primeiro plano dos problemas. Associadas e concorrentes, a industrialização e a urbanização devastam a natureza. A água, a terra, o ar, a luz, os ‘elementos’ estão ameaçados de destruição” (id., ibid., p. 33-34; grifo no original).

Esses elementos, como novas raridades, sinalizam para os “prazos finais”, nos quais “a água e o ar estarão poluídos a tal ponto que a vida tornar-se-á difícil na Terra” (LEFEBVRE, 2008bLEFEBVRE, H. A revolução urbana. Belo Horizonte: EdUFMG, 2008b [1970]., p. 34), e são reproduzidos no espaço (urbano, notadamente) como fetiches, ilusórios, isto é, os signos da natureza se multiplicam na medida em que a natureza, ela mesma, se torna alvo de destruição pela produção do espaço abstrato em escala planetária. A natureza, com efeito, se manifesta em uma presença-ausência. Seus signos, Lefebvre recordará, se apresentam nos “espaços verdes”, na publicidade, nas representações, em um urbanismo ideológico que faz dela uma raridade, inserida nos circuitos do capital e no mundo da mercadoria.

O que hoje chamamos de “crise ecológica” ou “crise ambiental” tem, portanto, íntimas relações com a “crise do espaço”. A questão de fundo que se coloca é: como resolver o problema da natureza que é, ao mesmo tempo, um problema do espaço e da sociedade? Lefebvre tem em mente a ideia de revolução do espaço que, em um sentido bem evidente, traz no seu âmago a necessidade de produzir outro espaço, o “espaço diferencial”, também caracterizado por uma nova forma de relação com a natureza. Ora, no contexto da produção capitalista, as forças por ela geradas tem, simultaneamente, a capacidade de destruir “a saúde física dos operários urbanos e o equilíbrio dos trabalhadores com fraca qualificação”; porém há uma destruição ainda mais grave, pois “ela [a produção capitalista] perturba as trocas orgânicas entre o homem e a natureza” e, “utilizando a técnica e a organização do trabalho, exaure, ao mesmo tempo, as fontes de onde brota a riqueza: a terra e os trabalhadores” (LEFEBVRE, 1999LEFEBVRE, H. A cidade do capital. Rio de Janeiro: DP&A. 1999 [1972]. [1972], p. 145).

No horizonte do pensamento crítico e utópico de Lefebvre está, com uma “revolução do espaço”, o restabelecimento das trocas orgânicas, que, em outras palavras, é uma nova forma de relação com a natureza. O “espaço das diferenças” ou “espaço diferencial” resultaria das contradições do espaço abstrato do capitalismo e no seu bojo estaria uma relação com a natureza transformada. “Mudar a vida” é uma “palavra de ordem”, uma “aspiração e reivindicação” que têm, assim, um sentido integral, que é o de uma nova sociedade e de um novo espaço - portanto, uma nova forma de relação com a natureza baseada no uso e na apropriação, e não mais na dominação técnica e (auto)destrutiva do capital. “Mudar a vida” é uma expressão que “joga o papel de um sintoma do futuro. Anuncia uma mudança de significado, uma inflexão do tempo e do espaço: uma revolução (total)” (LEFEBVRE, 2015LEFEBVRE, H. O mundial e o planetário. Cidades, v. 12, n. 21, p. 441-455, 2015., p. 455). O conceito de apropriação, nesse bojo, assume centralidade:

O conceito de apropriação é um dos mais importantes que nos têm podido legar séculos de reflexão filosófica. A ação dos grupos humanos sobre o meio material e natural tem duas modalidades, dois atributos: a dominação e a apropriação. Deveriam ir juntas, mas frequentemente se separam. A dominação sobre a Natureza material, resultado de operações técnicas, arrasa essa Natureza permitindo às sociedades substituí-la pelos seus produtos. A apropriação não arrasa, mas transforma a Natureza - o corpo e a vida biológica, o tempo e o espaço disponibilizados - em bens humanos. A apropriação é a meta, a finalidade da vida social. Sem a apropriação, a dominação técnica sobre a Natureza tende ao absurdo, na medida em que aumenta. Sem a apropriação, pode existir crescimento econômico e técnico, mas o desenvolvimento social propriamente tal se mantém nulo (LEFEBVRE, 1973bLEFEBVRE, H. De lo rural a lo urbano. 4. ed. Barcelona: Ediciones península, 1973b., p. 164-165; grifo nosso).

Se, por um lado, dominação se refere “[à] pulverização do espaço, [à] destruição do espaço natural”, com a propriedade privada, do valor de troca, da abstração, por outro, a apropriação é relativa “[à] prioridade do uso e do valor de uso sobre a troca e o valor de troca; [à] comunidade que abre o espaço a sua utilização; [à] gestão coletiva do espaço gerado; [à] natureza transformada de uma maneira que a restitui etc.” (LEFEBVRE, 2018LEFEBVRE, H. Hacia uma arquitectura del placer. Madrid: CIS, 2018., p. 150-151). A apropriação diz respeito, pois, à práxis em direção ao sentido da obra que fundamenta a relação transformada com o corpo, o desejo, a festa, a poesia e a natureza em conflito evidente com as opressões caraterísticas da dominação técnica, burocrática e alienada do ser humano diante do mundo, de si mesmo e, por fim, da natureza.

É por essa razão que “a problemática da natureza” não passa pela reflexão sobre o “meio ambiente”, uma vez que essa expressão é, ao mesmo tempo, confusa e redutora; a problemática da natureza passa, isso sim, pela problemática do espaço, teórica e prática, posto que a apropriação da natureza, muito mais do que a dominação e a propriedade, se realiza no âmbito da produção de um novo espaço, não mais afeito à racionalidade tecnocrática e da práxis industrial, mas sim a uma nova racionalidade e a outra práxis, nesse caso, urbana.

A apropriação da natureza está em relação direta com a apropriação do espaço, no sentido de maior valorização do uso e do valor de uso. A produção do espaço diferencial tem, portanto, conexão direta com o modo como a natureza é pensada, apropriada. Busca-se ir além e superar a redução do espaço natural, transformado cada vez mais em produto e em mercadoria no contexto da reprodução das relações de produção do neocapitalismo. Com efeito, a relação sociedade-natureza deve ir muito além do que a “crítica de direita” tem proposto. Logo:

Produção de espaço, mas de que espaço? Essa pergunta, a verdadeira, a boa pergunta, a abordagem correta do problema, está gradualmente, lenta mas seguramente, mostrando-se à luz do dia. Que espaço? Aquele que destrói a natureza e se aproxima dela sem precaução? Ou o espaço que ordena toda a natureza, não só os recursos, mas todo o espaço, mas sem deixá-la em estado puro, localizando a natureza em reservas e parques? (LEFEBVRE, 2018LEFEBVRE, H. Hacia uma arquitectura del placer. Madrid: CIS, 2018., p. 186).

Os problemas detectados e analisados por Lefebvre sinalizavam, no seu pensamento, uma compreensão crítica e o restabelecimento do pensamento utópico, apontando para a autogestão. Mais do que especulativo, trata-se de um pensamento prático, que revela uma práxis, a qual busca abrir a dialética do possível-impossível como uma saída para a crise do espaço. O período crítico, da problemática urbana, do espaço, e, portanto, da natureza, revela as forças sociais e políticas que podem intervir, o período de mutação, no qual essa dialética do possível-impossível (a utopia concreta) se estabelece e coloca em jogo a possibilidade: “Ou a ação revolucionária, ou a autodestruição do mundo [...] é um assunto de revolução ou morte” (KOLAKOWSKI; LEFEBVRE, 1981 KOLAKOWSKI, L.; LEFEBVRE, H. Evolución o revolución. In: ELDERS, F. (ed.). La Filosofía y los problemas actuales. Madrid: Editorial Fundamentos, 1981 [1974], p. 214-278. [1974], p. 271-273). Para Lefebvre, o início dos anos 1970 apontava o risco de catástrofes e um conflito em escala mundial cresceria e poderia se agravar; era necessária uma alternativa “clara, precisa e brutal”: a revolução (id., ibid., p. 275-276). Era preciso uma “revolução total (material, econômica, social, política, física, cultural, erótica, etc.)”, a qual “parece perto, imanente ao presente. Em verdade, para mudar a vida, é necessário mudar o espaço” (LEFEBVRE, 2000LEFEBVRE, H. La production de l’espace. 4. ed. Paris: Antrophos, 2000 [1974]. [1974], p. 220).

A autogestão vai figurar como modo de organização social, política e econômica capaz de acomodar (não sem conflitos) a produção e a gestão do novo espaço, de um espaço socialista distinto daquele que o “socialismo de Estado” produziu. Para Lefebvre (1976aLEFEBVRE, H. L’Espace: produit social et valeur d’usage. La Nouvelle Revue Socialiste, Paris, n. 18, p. 11-20, 1976a., p. 19; 1978LEFEBVRE, H. L’Espace et L’état. In: LEFEBVRE, H. L’État. Tome IV: Les contradictions de l’Etat moderne (la dialétique et/de l’Etat). Paris: Union Générale d’Éditions, 1978. p. 259-324., p. 342), a “autogestão espacial” é uma “atividade de base” e constitui-se como “democracia direta e controle democrático, afirmação das diferenças produzidas no curso dessa luta e por essa luta”, constituindo-se, assim, como uma via, uma “luta perpétua e perenemente renascente. Uma tentativa autogerencial é algo de essencial e fundamental, pois significa o domínio das condições de existência” (LEFEBVRE, 1980LEFEBVRE, H. Henri Lefebvre: uma vida dedicada a pensar e teorizar sobre a luta de classes. Entrevista com Bruno Bernardi. Rio de Janeiro. Encontros com a Civilização Brasileira, n. 21, v. 3, p. 87-108, 1980 [1979]. [1979], p. 95). Desse modo, a produção e a gestão de um espaço correspondente a um novo modo de produção, por meio de uma “revolução do espaço”, possibilitam imaginar uma relação outra com a natureza, uma forma de ultrapassar a dominação da natureza na sua racionalidade industrial e burocrática para uma apropriação que se revela como um caminho, uma via, o possível para “mudar a vida” e produzir outro espaço - o espaço diferencial, que sinaliza para “o direito ao espaço” (LEFEBVRE, 1976aLEFEBVRE, H. L’Espace: produit social et valeur d’usage. La Nouvelle Revue Socialiste, Paris, n. 18, p. 11-20, 1976a., p. 19; 1978LEFEBVRE, H. L’Espace et L’état. In: LEFEBVRE, H. L’État. Tome IV: Les contradictions de l’Etat moderne (la dialétique et/de l’Etat). Paris: Union Générale d’Éditions, 1978. p. 259-324., p. 317), uma nova sociedade, o “homem total”. “A unidade do indivíduo e do social, a apropriação, pelo homem, da natureza e de sua própria natureza, define o homem total” (LEFEBVRE; GUTERMAN, 2018LEFEBVRE, H.; GUTERMAN, N. Introdução. In: LÊNIN, V. I. Cadernos Filosóficos Hegel. São Paulo: Boitempo , 2018. p. 13-98., p. 96; grifos no original).

A busca pelo direito à cidade, muitas vezes desconfigurado e esvaziado do seu sentido revolucionário e utópico, está necessariamente relacionado com a construção de outra urbanização e de uma vida cotidiana transformada. Vistos como projetos utópicos, esses horizontes passam, portanto, pela produção do espaço diferencial, que está ligado à reapropriação do corpo, do tempo, do desejo, do gozo, da obra, da apropriação, do uso e que tem uma centralidade na diferença. A natureza não está deslocada desse movimento.

A apropriação assume um sentido crucial em todo esse movimento, em que o uso e o valor de uso ganham proeminência contra a troca e o valor de troca. Nesse bojo, a autogestão ocupa lugar de destaque na estratégia política de esquerda herdada pelo projeto lefebvriano. O papel desempenhado pelos usadores é central, os quais, com suas práticas, podem construir e formular alternativas que são, em essência, anticapitalistas, com vistas a uma transformação do vivido. “Mudar a vida”, nesse sentido, precisa englobar a apropriação da natureza e a construção de uma nova relação sociedade-natureza pautada no “domínio das condições de existência”, este por sua vez baseado no horizonte utópico e no olhar para o futuro - isto é, no “possível-impossível” que vislumbre a modificação radical nas formas de viver na Terra.

Considerações finais

A renovação do interesse pela natureza e pela ecologia nos estudos críticos marxistas é notória. A bibliografia hoje é ampla e traduzida em várias línguas. Contudo, a contribuição de alguns autores para o debate ainda mantém um interesse um tanto marginal por parte de intérpretes do tema ambiental. Lefebvre é um deles.

Neste artigo, elaborou-se um recorte analítico buscando estabelecer como a natureza permeia os escritos de Lefebvre dedicados ao espaço, à urbanização e a cidade. Neles, é nítida a maneira como o filósofo compreende a natureza, a expõe e relaciona com suas diversas elaborações teóricas e conceituais. Um estudo mais amplo e de maior envergadura seria necessário para abarcar o modo como a natureza aparece ao longo de sua produção teórica, de sua trajetória intelectual e política.

Foi possível observar que a natureza ora é conceituada em relação à base na qual o trabalho humano se efetiva, isto é, como a “matéria primeira” em que o espaço social é produzido e reproduzido, ora é modelada e, até certo ponto, produzida pelo ser humano, pela sociedade. As duas são inseparáveis. A “matéria primeira”, entendida como tal, está atada com a produção de uma “segunda natureza”, resultado do trabalho humano que não é, de todo, pura e exclusivamente humano; seus conteúdos, suas formas e estruturas, mediadas pelo trabalho e pela técnica, são resultado da dialética ser humano-natureza. Lembrar de Neil Smith nesse momento não é casual, dado o fato de que a teorização de Lefebvre foi muito influente na formulação smithiana da “produção da natureza”8 8 Aqui é importante registrar que, embora Smith (2020) reconheça sua dívida com a produção do espaço de Lefebvre, ele busca se afastar da conceituação de natureza elaborada pelo filósofo francês. As críticas de Smith a Lefebvre foram questionadas por Napoletano, Foster e Clark (2022c), conforme informado na nota 7. .

Porém, diferentemente de uma “natureza social” no estilo smithiano, em Lefebvre o conceito de natureza é, ao mesmo tempo, relacional e aberto, no sentido de que é a base da criação e é, também, por outro lado, resultado da produção e objeto de destruição. Não há, a meu ver, indícios de que Lefebvre ignore certa externalidade da natureza imbuída dos processos físicos e biológicos, nem muito menos se feche ou se limite a esse único sentido. A natureza tem, assim, uma realidade que é externa ao ser humano e à sociedade, por um lado, mas tem, igualmente, uma realidade que é interna, no sentido de não ser possível pensar ser humano e sociedade descolados, separados e autônomos em relação a ela. A práxis dá unidade à contradição dialética. Não há dicotomia, há dialética, dialética do social com o natural. Há uma interpenetração mútua entre “primeira natureza” e “segunda natureza”, entre sociedade e natureza. A problemática da natureza é, tanto para Lefebvre como para seu legado, decorrente da relação sociedade-natureza, isto é, um âmbito socioecológico que se transforma em socioespacial. Assim, depreende-se que o legado lefebvriano a esse respeito parece distante de certas tendências atuais críticas segundo as quais a ecologia é o ópio do povo, uma vez que o tema da natureza, tratado como parte da totalidade social e da produção do espaço, é fundamental para a análise da crise contemporânea. Isso permite ajustar melhor as contribuições do autor em relação ao espaço, compreendendo o papel da natureza em sua teoria espacial. As preocupações de Lefebvre com a destruição da natureza e o chamado à ação revolucionária atestam, penso, essa visão relacional que, noutros termos, é uma visão baseada na totalidade e que vê, em última instância, a possibilidade real de autodestruição do ser humano sob o capitalismo.

Ademais, ainda que com o foco voltado sobretudo ao período em que Lefebvre elaborou a teoria da produção do espaço, entende-se que, com base no que foi exposto, existem elementos que permitem compreender pelo menos alguns aspectos que perpassam o pensamento do filósofo francês em relação à natureza e, por extensão, avaliar suas contribuições para o presente e os desafios que ele oferece. Algumas considerações, portanto, podem ser elaboradas como resultado da discussão que foi realizada.

Em primeiro lugar, gostaria de destacar que a teorização de Lefebvre sobre a produção do espaço e o papel que a natureza nela ocupa fornece um arcabouço teórico e metodológico para pensar a problemática ambiental e ecológica mais criticamente, o que pode auxiliar no modo como a sociedade contemporânea encara as relações entre ser humano e natureza e as transformações delas resultantes. A maneira como a temática ambiental e ecológica vem sendo abordada requer um tipo de interlocução que se afaste da compreensão de uma natureza puramente externa e, portanto, distante e apartada dos seres humanos. É necessário, também, evitar qualquer tipo de naturalismo que tente diluir as especificidades existentes entre o social e o natural. O pensamento dialético e crítico, nesse sentido, é um remédio ao pensamento que dissolve as mediações e contradições processuais como as ontologias planas ou os monismos neutros9 9 Ver, a esse respeito, Napoletano et al. (2022a). . O legado lefebvriano adiciona, outrossim, uma dimensão utópica fundamental que sinaliza para o horizonte, num movimento que focaliza o possível, o virtual. Somente uma compreensão dialética da relação sociedade-natureza e das implicações que as contradições do modo de produção capitalista vistos como uma totalidade podem acarretar para o futuro da humanidade permite a construção de um tipo de prática mais efetiva e não alienada ante a natureza.

Um segundo ponto decorre diretamente do primeiro. As reflexões de Lefebvre trazem à tona a necessidade de encarar a natureza como um problema político. Penso que aqui há uma das mais originais contribuições ao tema feitas por ele. Nos anos 1970, quando foi formulada, a ideia de uma “natureza politizada” era inovadora, uma vez que o debate em torno das influências do ser humano na destruição da natureza fora mobilizado em relatórios e conferências internacionais de modo acrítico. As saídas apontadas pelas diversas conferências de organizações multilaterais desde então não tocam na raiz do problema. Apesar de uma literatura marxista influente (a Escola de Frankfurt, por exemplo) já ter àquela altura alertado para as consequências do domínio da natureza pelo ser humano no capitalismo, a abordagem de Lefebvre propiciou uma compreensão mais ampla, pois o espaço socialmente produzido entrou no jogo da prática política. Penso que isso é fundamental. Assim como o espaço deixou de ser visto como neutro e não político, a natureza precisa, também, ser pensada nesses termos, já que não se trata de uma natureza abstrata e separada do ser humano, simples objeto de dominação. Esse legado é profícuo porque estimula maior engajamento político e a busca de uma práxis que leve em consideração a crítica tanto do Estado como do capital, e isso precisa ser evidenciado. O debate sobre a crise ambiental e ecológica que exclui o Estado e o capital como agentes preponderantes dos processos é um debate sem saída e sem rumo.

Os desdobramentos para uma análise crítica das questões que envolvem a Amazônia e o Cerrado brasileiros, os extrativismos na América Latina, na África e no Sul Global, em geral, são vários. A urbanização planetária e generalizada mantém nexos com a crescente transformação da natureza em mercadoria e valor de troca. O agronegócio e o chamado boom das commodities nas últimas décadas não são fenômenos isolados. A geopolítica ambiental em busca de recursos naturais baratos (água, minérios, alimentos) redefine as relações entre os Estados e fomenta a reprodução do espaço abstrato do capitalismo. Esses processos são entrelaçados e fundamentais para a reprodução e a acumulação do capital, e precisam ser assim compreendidos, dada a necessidade de análise com base na totalidade. Com efeito, pode-se argumentar que os debates sobre a política do espaço e a política da natureza fornecem uma base sólida para a problematização das questões teóricas e políticas que envolvem, por exemplo, o debate do Antropoceno e do Capitaloceno10 10 A esse respeito, ver Malm (2015) e Moore (2021). A coletânea organizada por Jason Moore (2022) é referência nesse debate. Para uma crítica às formulações de Moore, ver Saito (2017). MALM, A. O mito do Antropoceno. Piseagrama, Belo Horizonte, n. 8, p. 24-31, 2015. SAITO, K. Marx en el Antropoceno: Valor, fractura metabólica y el dualismo no-cartesiano. Marxismocrítico. Tradução: Cristián Peña Madrid, 20 nov. 2017. Disponível em: https://marxismocritico.com/2017/11/29/marx-en-el-antropoceno-valor-fractura-metabolica-y-el-dualismo-no-cartesiano/. Acesso em: 13 set. 2022. , atualmente em voga, e todos os resultados nefastos que a pandemia da Covid-19 legou para o mundo. Nesse aspecto, considero que a problematização da natureza em relação com o espaço apoiada no legado de Lefebvre abre vias estimulantes para a ecologia política, ao abordar a relação entre política do espaço e política da natureza.

Um terceiro ponto que me parece relevante na discussão aqui elaborada diz respeito à questão das classes sociais. Isso não deve ser lido de forma ortodoxa. Mesmo que seja necessário frisar a originalidade do seu pensamento ao articular com criatividade Hegel, Marx e Nietzsche em vários dos seus escritos, é preciso levar em consideração que Lefebvre foi um pensador marxista e que a luta de classes e a superação do capitalismo estavam no horizonte de sua reflexão metafilosófica. As abordagens pós-estruturalistas e pós-modernistas se distanciam da maneira como o marxismo ecológico aborda a questão ambiental e a crise ecológica. Entendo que, como tal, e de Lefebvre é possível extrair essa lição, o pensamento e a ação a respeito da natureza não podem ser desvinculados do debate das classes sociais, logo, do materialismo dialético. A luta política em relação à ecologia demanda a consideração de uma abordagem que compreenda a luta de classes, os conflitos entre grupos, entre capital e trabalho para além de indivíduos autônomos e isolados que o pensamento neoliberal insiste em incrustar nos meios de comunicação, e em boa parte da academia, e que ganha difusão mediante o papel desenvolvido pelas corporações com suas “estratégias verdes e sustentáveis”!

Assim, uma vez que o espaço é político e nele se reproduzem as relações sociais de produção e a luta de classes, não há razão para analisar a relação sociedade-natureza e a crise ambiental em outras chaves teóricas. É aqui que as ligações entre um processo autogestionário e o projeto político lefebvriano se arranjam e podem contribuir para a leitura contemporânea que, em muitos casos, se cerca de filosofias baseadas em um indivíduo e sujeito autônomos, isolados e supostamente capazes de resolverem sozinhos, ou institucionalmente, as contradições do modo de produção. É evidente que na teoria lefebvriana existe espaço para os sujeitos, e um lugar muito importante, desde que compreendidos em um movimento da totalidade aberta que é a dinâmica do mundo e que não sejam reduzidos ao subjetivismo. O corpo, o sexo, o desejo, o sonho, as emoções, a sensibilidade, todos os elementos característicos que envolvem o vivido e a reprodução, são dimensões presentes e centrais do legado lefebvriano para pensar o espaço, o cotidiano, a cidade. Porém, trata-se de indivíduos e sujeitos inseridos nos conflitos de classes. A crise ambiental e ecológica, dito isso, tem expressões desiguais segundo a lógica desigual e contraditória da produção e reprodução do espaço no âmbito da dinâmica da valorização e da acumulação do capital, com reverberações no vivido e no cotidiano de milhares de pessoas ao redor do mundo.

Com efeito, são os “usadores” que, no campo dos movimentos sociais, fornecem saídas (ainda que limitadas) para questionar e oferecer alternativas contra o modo de produção existente. Nessa via, as ideias de Lefebvre podem ser estimulantes para os próprios movimentos sociais que pautam a crise ecológica, como o ecofeminismo, os debates em torno do racismo ambiental, da justiça ambiental e climática e até mesmo a proposta do ecossocialismo, a despeito de os temas do feminismo, de gênero e de raça não terem sido diretamente objetos da reflexão de Lefebvre11 11 As contribuições de Lefebvre para os temas do feminismo e do racismo ainda precisam ser exploradas. Contento-me em mencionar o diálogo crítico que Aladro (2021) realiza entre a teoria lefebvriana do espaço social e a teoria da reprodução social do feminismo marxista. Ainda em relação ao feminismo e Lefebvre, mas em outra chave teórica que não a marxista, ver Silva e Ornat (2022). No tocante à utilização da potencialidade da teoria espacial de Lefebvre para a análise da identidade racial e do urbanismo, ver McCann (1999). ALADRO, A. As mulheres em Lefebvre: para uma releitura do espaço urbano a partir dos feminismos marxistas. Plural, v. 28, n. 2, p. 47-65, 2021. SILVA, J. M.; ORNAT, M. J. Diálogos entre Henri Lefebvre e as perspectivas feministas: o espaço diferencial como possibilidade. Revista da Anpege, v. 18, p. 334-356, 2022. McCANN, E. Race, protest, and public space: contextualizing Lefebvre in the US city. Antipode, v. 31, n. 2, p. 163-84, 1999. . O ponto central é que o debate sobre a luta e o conflito de classes, aliado à ideia de revolução e contra o capital e o Estado, constituem pontos nevrálgicos do projeto político teórico e prático do filósofo e podem ser levados para o debate ecológico.

Com base no exposto, parece claro que a natureza tem destaque na teoria da produção do espaço, reverberando na forma como a política do espaço e a política da natureza são conduzidas no contexto do modo de produção capitalista. Dessa maneira, somente uma alternativa utópica que leve em conta uma apropriação do espaço, do tempo, da natureza, isto é, que se proponha “mudar a vida”, pode furar a bolha ideológica que sustenta os atuais discursos em torno da problemática ambiental que silenciam sobre o capitalismo, o Estado, as forças produtivas e as técnicas e, assim, tentam aprisionar e exaurir as forças de resistências que questionam as contradições e o funcionamento do capitalismo na busca de outro mundo possível.

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  • WALLIS, V. As respostas capitalista e socialista à crise ecológica. Crítica Marxista , n. 29, p. 57-74, 2009.
  • 1
    Agradeço a Sinara Gomes, Jean Legroux e Alejandro Morcuende pela leitura das primeiras versões deste texto, bem como por suas contribuições, ideias e sugestões. Igualmente, agradeço aos dois pareceristas anônimos da RBEUR pelas sugestões e contribuições. Também sou grato à Universidade de Pernambuco (UPE), campus Petrolina, sobretudo ao Colegiado de Geografia, que me ofereceu o ambiente propício para a escrita deste artigo durante o período em que fui professor da instituição. Agradeço, ainda, ao Programa de Pós-graduação em Geografia (PROPGEO), da Universidade Estadual do Ceará (Uece), pelo apoio financeiro para a tradução do texto aqui apresentado. Todas as ideias são de minha inteira responsabilidade.
  • 2
    Considero que Marques (2019) elabora uma boa síntese das perspectivas teórico-metodológicas para os estudos referentes à relação entre natureza e sociedade. MARQUES, M. I. Natureza e sociedade. In: CARLOS, A. F. A.; CRUZ, R. de C. O. (org.). A necessidade da geografia. São Paulo: Contexto, 2019. p. 175-190.
  • 3
    As traduções das passagens de todos os textos estrangeiros são de minha inteira responsabilidade. Optei pelo uso diretamente em português visando dar fluidez à leitura.
  • 4
    É importante lembrar, também, que um conjunto de edições especiais de periódicos foi dedicado ao pensamento de Lefebvre, tais como Rue Descartes (2009), Urban (2011), L’Homme et la Société (2012), Territórios (2013) e O dossiê Henri Lefebvre e a problemática urbana na GEOUSP (SIMONI-SANTOS, CARLOS, ALVES, 2019). RUE Descartes. Droit de cité. Paris, n. 63, v. 1, 2009. URBAN. Espectos de Henri Lefebvre, Madrid, n. 2, 2011. L’HOMME ET LA SOCIETÈ. Henri Lefebvre: le pensée devenue monde. Paris, n. 185-186, 2012. TERRITÓRIOS. La vigencia de Henri Lefebvre en la investigación socio-territorial, n. 29, 2013. SIMONI-SANTOS, C.; CARLOS, A. F. A.; ALVES, G. da A. O dossiê Henri Lefebvre e a problemática urbana na GEOUSP. GEOUSP Espaço e Tempo, v. 23, n. 3, p. 453-457, 2019.
  • 5
    Revista científica fundada por James O’Connor (1930-2017), influente teórico marxista da questão ecológica.
  • 6
    Schmidt (1983SCHMIDT, A. El concepto de naturaleza en Marx. 4. ed. Ciudad de México: Siglo XXI, 1983 [1962]., p. 60-61) escreveu: “Não só a natureza, como afirma com razão Lefebvre, é sempre algo já trabalhado pelo homem, mas que, também, os domínios naturais ainda não incorporados à produção humana - a selva virgem ou o atol do Pacífico de que fala Lefebvre - só se podem visualizar e conceber sob as categorias da natureza já apropriada”.
  • 7
    . Sugiro a leitura de Napoletano et al. (2022c) NAPOLETANO, B.; CLARK, B.; FOSTER, J. B.. Antinomies of space and nature or an open totality? Neil Smith and Henri Lefebvre on nature and society. Human Geography, v. 15, n. 3, p. 245-258, 2022c., que desenvolve de forma mais elaborada uma análise crítica da interpretação de Lefebvre feita por Neil Smith em relação ao conceito de natureza.
  • 8
    Aqui é importante registrar que, embora Smith (2020)SMITH, N. Desarrollo desigual. Naturaleza, capital y la producción del espacio. Madrid: Traficantes de Sueños , 2020. reconheça sua dívida com a produção do espaço de Lefebvre, ele busca se afastar da conceituação de natureza elaborada pelo filósofo francês. As críticas de Smith a Lefebvre foram questionadas por Napoletano, Foster e Clark (2022c) NAPOLETANO, B.; CLARK, B.; FOSTER, J. B.. Antinomies of space and nature or an open totality? Neil Smith and Henri Lefebvre on nature and society. Human Geography, v. 15, n. 3, p. 245-258, 2022c., conforme informado na nota 7.
  • 9
    Ver, a esse respeito, Napoletano et al. (2022a) NAPOLETANO, B.; CLARK, B.; FOSTER, J. B.; URQUIJO, P. Sostenibilidad y Revolución Metabólica em la Obras de Henri Lefebvre. LAGJS/Ensayo/DS, n. 98, p. 1-24, 2022a. .
  • 10
    A esse respeito, ver Malm (2015) e Moore (2021)MOORE, J. Sem pensar no Antropoceno: Homem e Natureza no Capitaloceno. Diálogo Global, International Sociological Association, v. 11, n. 3, p. 36-37, 2021.. A coletânea organizada por Jason Moore (2022)MOORE, J. (org). Antropoceno ou Capitaloceno? Natureza, história e a crise do capitalismo. São Paulo: Elefante, 2022. é referência nesse debate. Para uma crítica às formulações de Moore, ver Saito (2017). MALM, A. O mito do Antropoceno. Piseagrama, Belo Horizonte, n. 8, p. 24-31, 2015. SAITO, K. Marx en el Antropoceno: Valor, fractura metabólica y el dualismo no-cartesiano. Marxismocrítico. Tradução: Cristián Peña Madrid, 20 nov. 2017. Disponível em: https://marxismocritico.com/2017/11/29/marx-en-el-antropoceno-valor-fractura-metabolica-y-el-dualismo-no-cartesiano/. Acesso em: 13 set. 2022.
  • 11
    As contribuições de Lefebvre para os temas do feminismo e do racismo ainda precisam ser exploradas. Contento-me em mencionar o diálogo crítico que Aladro (2021) realiza entre a teoria lefebvriana do espaço social e a teoria da reprodução social do feminismo marxista. Ainda em relação ao feminismo e Lefebvre, mas em outra chave teórica que não a marxista, ver Silva e Ornat (2022). No tocante à utilização da potencialidade da teoria espacial de Lefebvre para a análise da identidade racial e do urbanismo, ver McCann (1999). ALADRO, A. As mulheres em Lefebvre: para uma releitura do espaço urbano a partir dos feminismos marxistas. Plural, v. 28, n. 2, p. 47-65, 2021. SILVA, J. M.; ORNAT, M. J. Diálogos entre Henri Lefebvre e as perspectivas feministas: o espaço diferencial como possibilidade. Revista da Anpege, v. 18, p. 334-356, 2022. McCANN, E. Race, protest, and public space: contextualizing Lefebvre in the US city. Antipode, v. 31, n. 2, p. 163-84, 1999.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    17 Out 2022
  • Aceito
    22 Jun 2023
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