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“Aqui a Vale é o Estado”: neoextrativismo e autoritarismo na cidade, no campo e na floresta na região de Carajás

“Here, Vale is the State”: neoextractivism and authoritarianism in the city, the countryside and the forest in the region of Carajás

Resumo

Neste artigo, apresento formas neoextrativistas de autoritarismo na região de Carajás, no sudeste paraense, que dependem de uma extensa influência corporativa nas múltiplas escalas de governança estatal e nos múltiplos poderes do Estado. A partir de dados secundários e de pesquisa qualitativa realizada em Canaã dos Carajás, discuto a atuação da Vale no município após a instalação do Projeto Ferro Carajás S11D. Apresento essas formas contemporâneas de autoritarismo neoextrativista em três geografias distintas: cidade, campo e floresta. A primeira é baseada na produção do espaço urbano a partir dos recursos da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) e das chamadas políticas de responsabilidade social corporativa; a segunda se refere aos mecanismos de despossessão de vilas e acampamentos sem-terra na zona rural do município; e a terceira trata da operacionalização da floresta através de unidades de conservação e da legislação ambiental.

Palavras-chave:
Neoextrativismo; Mineração; Urbanização; Vale; Amazônia; Carajás; Autoritarismo; Pará

Abstract

In this article I present neo-extractivist forms of authoritarianism in the region of Carajás (southeast Pará, Brazil), which depend on extensive corporate influence on multiple scales of state governance and on multiple state powers. Based on secondary data and qualitative research carried out in Canaã dos Carajás, I discuss Vale’s operations in the municipality after the implementation of the S11D mining project. I present these contemporary forms of neo-extractivist authoritarianism in three distinct geographies: city, countryside and forest. The first is based on the production of urban space using mining royalties’ resources and the so-called “corporate social responsibility policies”; the second refers to the dispossession mechanisms of landless encampments and villages in the rural area of the municipality; and the third refers to the operationalization of the forest through conversational units and environmental legislation.

Keywords:
Neo-extractivism; Mining; Urbanization; Vale; Amazonia; Carajás; Authoritarianism; Pará

1. Introdução

Neste artigo, apresento formas neoextrativistas de autoritarismo na região de Carajás, no sudeste paraense, que dependem de uma extensa influência corporativa em múltiplas escalas de governança estatal e nos múltiplos poderes do Estado.

Após numerosas rodadas de ofensiva capitalista (assistida pelo Estado) sobre a Amazônia, que impôs uma suposta vocação extrativa para a região (em oposição às regiões industrializadas), cristalizou-se um modo de apropriação territorial e um modelo de extração de recursos que convencionou-se chamar de “Neoextrativismo” (Gudynas, 2015GUDYNAS, E. Extractivismos: ecología, economía y política de un modo de entender el desarrollo y la naturaleza. Cochabamba: CEDIB, 2015.; Svampa, 2015SVAMPA, M. Commodities consensus: Neoextractivism and enclosure of the commons in Latin America. South Atlantic Quarterly, v. 114, n. 1, p. 65-82, 2015.). Apesar da ubiquidade de outros projetos neoextrativistas na região, como madeira, hidrocarbonetos e agronegócio (Castro, 2020CASTRO, E. Socio-Environmental Conflicts in Amazonia. The Complex Fabric of Amazonia. 2020. Webinar Amazonia Now: Perspectives on a Region in Crisis, Day II, 16 a 19 nov. 2020. Organized by Portuguese Program in the Department of Modern Languages and Linguistics at Florida State University. Disponível em https://amazonialatitude.com/amazonia-now-perspectives-on-a-region-in-crisis/
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; Malheiro et al., 2021MALHEIRO, B.; PORTO-GONÇALVES, C. W.; MICHELOTTI, F. Horizontes Amazônicos. Para repensar o Brasil e o Mundo. São Paulo: Fundação Rosa Luxemburgo, Expressão Popular, 2021.), este artigo tem como foco analítico a mineração.

A partir de dados secundários e de pesquisa qualitativa realizada em Canaã dos Carajás, discuto a atuação da antiga Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) - de agora em diante denominada apenas como Vale - nesse município após a instalação do Projeto Ferro Carajás S11D. O trabalho de campo foi realizado em abril e maio de 2018 e dezembro de 2019, combinando métodos de observação participante e entrevistas semiestruturadas. Nesse período, foi possível observar transformações socioespaciais advindas tanto do incremento como do próprio declínio econômico induzidos pelo S11D, e que compreende, além de uma operação logística complexa, a maior mina a céu aberto da história da humanidade. Para que o Projeto S11D se viabilizasse, a Vale fez uso de diversas estratégias autoritárias que, longe de serem novidade na região, revelam a importância do aparato estatal no financiamento, legitimação e implementação de suas operações extrativas.

Apresento essas formas contemporâneas de autoritarismo neoextrativista em três geografias distintas: cidade, campo e floresta. A primeira é baseada na produção do espaço urbano a partir dos recursos da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM)1 1 Estabelecida pela Constituição de 1988 e instituída pela Lei n. 7.990 de 28 de dezembro de 1989, a Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM) é a contrapartida financeira paga pelas empresas mineradoras à União, aos Estados, Distrito Federal e Municípios pela utilização econômica dos recursos minerais em seus respectivos territórios. Não tem natureza jurídica de imposto, taxa ou contribuição. e das chamadas políticas de responsabilidade social corporativa.

Com o aumento abrupto de arrecadação em um município previamente agrícola e pouco dinâmico economicamente, a Vale estende sua influência através da produção da própria cidade mineradora e de suas políticas “sociais”, entendidas aqui como “faceta assistencial da dominação territorial” (Barros, 2018BARROS, J. N. A Mirada Invertida de Carajás: a Vale e a mão-de-ferro na política de terras. 2018. Tese de Doutorado, Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018., p. 185). A segunda se refere aos mecanismos de despossessão de vilas e acampamentos sem-terra na zona rural de Canaã dos Carajás. Através dos casos da Vila Racha Placa e dos acampamentos Rio Sossego e Grotão do Mutum, procuro demonstrar como a Vale utiliza seu trânsito entre esferas de governança e poderes do Estado (forças policiais, tribunais e órgãos reguladores) contra a população camponesa. A terceira trata da operacionalização da floresta através de unidades de conservação e da legislação ambiental. Apresento os casos do Parque Nacional dos Campos Ferruginosos e do Mosaico de Carajás como mecanismos de proteção da atividade extrativa, de grilagem de terras e de despossessão de comunidades agrárias.

A essa sucinta introdução segue-se uma breve seção regional geo-histórica que contextualiza a atuação da Vale em um quadro temporal mais amplo, quando a então estatal Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) era instrumento de desenvolvimento do Estado brasileiro. Esses privilégios da fase estatal são fundamentais para compreender as formas contemporâneas de autoritarismo na região, assim como as relações entre a Vale, de hoje, e outros grupos locais importantes na correlação regional de forças. Posteriormente, apresento o contexto local de Canaã dos Carajás quando da implantação do Projeto S11D, para em seguida examinar os casos localizados nas três territorialidades supracitadas.

2. A Vale, o Estado e Carajás

As caricaturas moderno-coloniais atribuídas à Amazônia nos últimos cinco séculos de colonização europeia, americana e sudestina sempre foram seguidas de tentativas de recolonização (Malheiro et al., 2021MALHEIRO, B.; PORTO-GONÇALVES, C. W.; MICHELOTTI, F. Horizontes Amazônicos. Para repensar o Brasil e o Mundo. São Paulo: Fundação Rosa Luxemburgo, Expressão Popular, 2021.). Sob comando dos militares, em particular, a exploração por múltiplos setores industriais e oligarquias regionais produziu uma obliteração cultural e ambiental sem precedentes, em geral a partir de grandes projetos capitaneados pelo Estado brasileiro em parceria com o capital nacional e internacional. Além de redefinir acessos e domínios territoriais, reconfigurar a correlação de forças regionais e imprimir novas lógicas e relações sociais em território Amazônico, esses projetos também aprofundaram a relação entre capital e Estado na Amazônia criando codependências políticas, sociais e institucionais (Monte-Mór, 2004MONTE-MÓR, R. L. Modernities in the Jungle: Extended Urbanization in the Brazilian Amazonia. 2004. Tese de Doutorado, University of California Los Angeles, 2004.).

No caso da região de Carajás, no sudeste paraense, a instituição central na condução de grandes projetos a partir dos anos 1960 foi a, então estatal, CVRD, não apenas na mineração, mas também no planejamento regional, na urbanização e nos projetos de energia e logística (Figura 1). Apesar do histórico regional minerador - entre corridas por diamante nas décadas de 1940 e 1950 (Velho, 2009VELHO, O. G. Frentes de expansão e estrutura agrária: estudo do processo de penetração numa área da Transamazônica. Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2009 [1972]. Disponível em: http://books.scielo.org/id/zjf4z. Doi: 10.7476/9788599662915
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[1972]) e surtos garimpeiros (Costa, 1993COSTA, F. A. Nem tudo no ouro reluz: considerações para uma economia política da garimpagem na fronteira amazônica. In: MATHIS, A. Consequências da garimpagem no âmbito social e ambiental na Amazônia. Belém: Fase-Bunststift-Katalyse, p. 10-20, 1993.) - a expansão dos grandes projetos de mineração tiveram um peso incomparável no conjunto social. A mineração atraiu massas de migrantes, redefiniu a organização e o equipamento do território, e reorganizou as estruturas de poder historicamente marcadas pelas oligarquias rurais da castanha-do-pará (Emmi, 1988EMMI, M. F. A oligarquia do Tocantins e o domínio dos castanhais. Belém: NAEA/UFPA, 1998.). De forma significativa, essa estrutura oligárquica do século XX definiu um regime de propriedade de terras que influencia nas coalizões contemporâneas entre a Vale e proprietários de terras rurais, fundamentais para o domínio territorial da mineração.

Figura 1
Concessões minerais na região de estudo.

A palavra “Carajás”, que anteriormente designava apenas seus habitantes seculares e suas cadeias de montanhas, passou a designar uma série de projetos extrativos e logísticos (Mina de Carajás, Núcleo Urbano de Carajás, Estrada de Ferro Carajás, Projeto Ferro Carajás, Projeto Grande Carajás, Aeroporto de Carajás), além de novos municípios. Afinal, a CVRD foi também fundamental no processo de fragmentação e emancipação de novos municípios no sudeste paraense, e para a reconfiguração do poder do Estado na escala regional e municipal (Palheta da Silva, 2013PALHETA DA SILVA, J. M. Território e mineração em Carajás. Belém: GAPTA/UFPA, 2013.). Apenas entre os anos de 1988 e 1994, cinco municípios foram criados por meio da divisão do que, anteriormente, era o município de Marabá: Parauapebas, Curionópolis, Água Azul do Norte, Eldorado dos Carajás e Canaã dos Carajás, que abrigam diversos projetos mineradores de natureza e escala muito distintas. Essa fragmentação municipal possibilitou mecanismos novos e mais complexos de controle, ou seja, novos aparatos públicos e novos representantes produzindo novos arranjos legais e institucionais para novos centros urbanos. A nova estrutura criou “municípios com graus diferenciados de subordinação às decisões e ações da empresa Vale” (Palheta da Silva, 2013PALHETA DA SILVA, J. M. Território e mineração em Carajás. Belém: GAPTA/UFPA, 2013., p. 53).

O caso mais emblemático ainda é de Parauapebas, município que abriga grande parte da Floresta Nacional de Carajás (Flona) e é amplamente estudado no contexto das “boom towns” amazônicas (Godfrey, 1990GODFREY, B. J. Boom Towns of the Amazon. Geographical Review, v. 80, n. 2, p. 103-117, 1990.). Seu centro urbano - localizado logo no portão de saída da Flona (Figura 2) - se formou nos anos 1970 a partir do movimento de pessoas em busca de melhores condições de vida e de oportunidades de emprego. O influxo migratório foi tão intenso que uma cidade emergiu no “pé da serra”. Nesse caso, a atividade mineradora conduzida pela CVRD induziu a formação de uma cidade inteira, que de 1983 a 1991 cresceu de 1,3 mil para 53 mil pessoas e hoje possui mais de 200 mil habitantes (Coelho; Cota, 1997COELHO, M. C.; COTA, R. G. (org.). Dez Anos da Estrada de Ferro Carajás. Belém: UFPA-NAEA, 1997.). E ainda assim, mesmo após o crescimento da cidade para além dos domínios estritos da mineradora, os mesmos mecanismos de controle ainda existem.

Figura 2
A Mina de Carajás e o centro urbano de Parauapebas.

Na minha chegada a região, por exemplo, pousei no aeroporto de Carajás (localizado dentro da Flona) e dirigi em direção ao portão de saída. Na cancela, um guarda pediu minha identidade e, muito ríspido, me fez confirmar meus dados pessoais e perguntou-me repetidamente o motivo da minha visita, como se desejasse que eu me contradissesse. Naquele momento fiquei um pouco incrédulo, mas depois confirmei a informação: qualquer indivíduo que entra ou sai dos domínios da Flona Carajás (unidade de conservação que não apenas abriga a infraestrutura mineradora da Vale, mas é por ela controlada) precisa apresentar sua identidade e qualquer outra informação que os guardas julgarem relevante naquele momento - o que pode incluir eventuais revistas de veículos.2 2 Para Maria Célia Coelho (1997, p. 70), “medida de discutível legalidade”. Isso significa que qualquer pessoa que entre no sítio da Gol, compre uma passagem aérea e desembarque no Aeroporto de Carajás terá seus dados coletados pela gestão da Flona (ou seja, pela Vale) já na porta de saída. Não apenas o sentimento imediato é de estar dentro de uma propriedade privada, mas é entendimento comum na região de que a Flona pertence à Vale e é frequentemente referida como “área da Vale” - percepção amplificada pela logomarca da empresa que estampa o portão de entrada (Figura 3).

Figura 3
Portão de Entrada da Floresta Nacional de Carajás.

Com esse pequeno detalhe etnográfico, desejo apenas chamar a atenção para as formas através das quais a Vale e o Estado se “embaçam” - projetadas em um domínio territorial específico, influenciando determinadas “representações do espaço” (Lefebvre, 1991LEFEBVRE, H. The Production of Space. Oxford: Blackwell, 1991.) e desempenhando papeis práticos e simbólicos na vida cotidiana. Portanto, ainda que saibamos da centralidade do Estado na acumulação sob o neoliberalismo (Harvey, 2005HARVEY, D. A brief history of neoliberalism. Oxford University Press: USA, 2005.); ainda que saibamos da importância teórica dos “espaços de Estado” nesse processo (Brenner, 2004BRENNER, N. New state spaces: Urban governance and the rescaling of statehood. Oxford: Oxford University Press, 2004.); e ainda que saibamos da influência de empresas neoextrativistas através do Estado em territórios mineradores (Gudynas, 2015GUDYNAS, E. Extractivismos: ecología, economía y política de un modo de entender el desarrollo y la naturaleza. Cochabamba: CEDIB, 2015.), é difícil sobrestimar o peso da Vale no espaço e na vida cotidiana em Carajás através do aparato estatal. Trata-se do quinto maior grupo minerador do planeta, que anteriormente era instrumento de desenvolvimento do Estado brasileiro, cujos projetos extrativos e logísticos induziram a formação de cidades inteiras, e cujo papel na produção do espaço urbano e regional ao longo de cinco décadas é indissociável da história da Amazônia Oriental.

3. Canaã dos Carajás: “A Capital Mundial do Minério de Ferro”

Na primeira metade dos anos 1980, a área que hoje corresponde ao município de Canaã dos Carajás era ocupada por pequenos agricultores migrantes que se estabeleceram a partir dos projetos de colonização de terras. Os lotes agrícolas do projeto serviam para suprir as operações do Projeto Grande Carajás (Coelho, T. P., 2015COELHO, T. P. Projeto Grande Carajás: Trinta anos de desenvolvimento frustrado. Belém: iGuana, 2015.). Quando o município foi emancipado em 1994, sua economia ainda era majoritariamente baseada em atividades agropecuárias. Ao fim do século, Canaã tinha 10 mil habitantes e era o segundo lugar na produção estadual de leite. No final dos anos 1990, um quarto do subsolo de Canaã já estava onerado pela mineração (791 mil ha), com apenas 1 projeto de concessão de lavra (10 mil ha) (Cabral et al., 2011CABRAL, E. R.; ENRÍQUEZ, M. A. R. S.; SANTOS, D. V. Canaã dos Carajás do leite ao cobre: transformações estruturais do município após a implantação de uma grande mina. In: FERNANDES, F. R. C.; ENRÍQUEZ, M. A. R. S.; ALAMINO, R. C. J. (eds). Recursos minerais & sustentabilidade territorial: grandes minas. Rio de Janeiro: CETEM/MCTI, 2011. v.1. p. 39-68. Disponível em: Disponível em: http://mineralis.cetem.gov.br/handle/cetem/1162 . Acesso em: 12 maio 2018.
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). Hoje, existem 72 processos minerários ativos (a grande maioria é da Vale), sendo que 5 estão em regime de licenciamento, e 4 são concessões de lavra (ouro, ferro e cobre). Somando-se as áreas de pesquisa mineral, 60% do subsolo canaãnense está onerado pela mineração (Ibase, 2018IBASE. Contradições do desenvolvimento e o uso da CFEM em Canaã dos Carajás (PA). Coordenação de Maria Amélia Enríquez. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas, 2018.). O Ibase (2018IBASE. Contradições do desenvolvimento e o uso da CFEM em Canaã dos Carajás (PA). Coordenação de Maria Amélia Enríquez. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas, 2018., p. 12) estimou que a compra total de terras pela Vale S/A corresponde a 32% da área total do município. Outros 60% são áreas de “preservação” que compõem o chamado Mosaico de Carajás (controlado pela Vale e gerido pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio). Dessa forma, seja pelo solo, seja pelo subsolo, a Vale tem, em termos formais, controle quase total do território canaãnense.

Em 1997 (mesmo ano de privatização da Vale), a “descoberta” de extensas reservas minerais de cobre deu início a um novo projeto de mineração chamado Sossego, que começou a operar em 2004. Mas a conversão completa de Canaã para um município minerador veio com a construção do Projeto Ferro S11D, que empregou dezenas de milhares de pessoas. Em entrevista, um funcionário da Vale afirmou que todo o processo criou 45 mil postos de trabalho, sendo que, no pico da operação de construção havia 17 mil pessoas trabalhando simultaneamente. Nesse período, estima-se que mais de 40 mil pessoas migraram para Canaã, mais que dobrando sua população de 26 mil habitantes em 2010 (Canaã dos Carajás, 2016CANAÃ DOS CARAJÁS. Diagnóstico Socioeconômico do Município de Canaã dos Carajás, Estado do Pará. Prefeitura de Canaã dos Carajás, Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Estado do Pará, 119 p., 2016. Disponível em: Disponível em: http://www.canaadoscarajas.pa.gov.br/antigo/arquivos/semdec/DIAGNOSTICO-CANAA-Versao-Final-FEV2016.pdf . Acesso em 4 de abril de 2020.
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; Melo, 2020MELO, C. O Invisível em Movimento: Um estudo sobre o urbano e suas possibilidades no Sudeste Paraense. 2020. Tese (Doutorado em Economia), Belém, Universidade Federal do Pará, 2020.). Nesse processo, o “boom” econômico instalado fez explodir o preço dos aluguéis, os novos loteamentos residenciais, as novas construções de hotéis, bares e restaurantes, mas também as corridas de mototáxi, as filas de supermercados, bancos e, não menos importante, a arrecadação municipal via CFEM. Entusiasmados, os apresentadores dos programas de rádio locais cumprimentavam toda manhã os moradores da “capital mundial do minério de ferro”.

Entretanto, quando o complexo minerador S11D foi concluído e a mina começou a operar, estima-se que apenas 100 trabalhadores diretos (altamente qualificados) tenham permanecido trabalhando no complexo em Canaã (Cândido, 2018CÂNDIDO, L. A cidade entre utopias: o Neoliberalismo e o Comum na produção contemporânea do espaço urbano amazônico. 2018. Dissertação de Mestrado, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Pará, Belém, 2018.; Cardoso et al., 2018CARDOSO, A. C. D.; CÂNDIDO, L.; MELO, A. C. Canaã dos Carajás: a laboratory study concerning the circumstances of urbanization, on the global periphery at the dawn of the 21st century. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, v. 20, n. 1, p. 121-140, 2018. Doi: 10.22296/2317-1529.2018v20n1p121.
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, p. 131). Isso porque o alto nível de automatização da mina gerou, quase instantaneamente, dezenas de milhares de desempregados, não apenas na Vale e nas terceirizadas da mineração, mas com efeitos multiplicadores importantes para o restante da economia urbana. Em oposição à mineração de “terceira geração tecnológica” (Gudynas, 2015GUDYNAS, E. Extractivismos: ecología, economía y política de un modo de entender el desarrollo y la naturaleza. Cochabamba: CEDIB, 2015.) que utilizam mais mão de obra humana, o S11D - assim como a maioria das operações neoextrativistas de “quarta geração tecnológica” (Gudynas, 2015GUDYNAS, E. Extractivismos: ecología, economía y política de un modo de entender el desarrollo y la naturaleza. Cochabamba: CEDIB, 2015.) - é quase inteiramente automatizado através do comissionamento de módulos, das novas tecnologias de montagem e instalação das linhas de transmissão, das novas unidades de beneficiamento de minério, além da estrutura logística que inclui um sistema de correias transportadoras até o ramal ferroviário (duplicado e expandido) que leva o minério até o Porto Ponta da Madeira em São Luís (MA).

A descrição e análise completa do “boom” e da “queda” da economia urbana de Canaã estão além do escopo do presente artigo. É importante mencionar, entretanto, três aspectos desse processo que se relacionam a três geografias distintas (a cidade, o campo e a floresta) que serão analisadas na seção seguinte. Primeiro, a expansão da mineração no município induziu um fluxo migratório intenso que se traduziu em expansão e transformação do ambiente construído. Essa expansão, em parte, foi fundada em loteamentos periféricos e autoconstrução por parte da população migrante, mas também em parte através de obras da prefeitura (através dos “novos” recursos da CFEM via S11D) e da Vale (em particular na produção de moradia para funcionários de alto escalão) (Figura 4). Segundo, com o declínio urbano, as massas de migrantes urbanos desempregados da mineração se mobilizaram na ocupação de terras e na formação de acampamentos sem-terra, dando início a uma série de conflitos entre camponeses, Vale e Estado - esses dois últimos, empenhados na despossessão dos camponeses com formas conjuntas de autoritarismo, baseada em diversos tipos de forças policiais, tribunais e órgãos reguladores. Terceiro, todos os requisitos para a operação do S11D (incluindo a necessidade de afastar os camponeses sem-terra das imediações logísticas e extrativas da Vale) foram viabilizados por unidades de conservação que auxiliavam na extração, na espoliação e na grilagem de terras. A cada um desses três aspectos, correspondem territorialidades e formas de autoritarismo específicas que serão exploradas na próxima seção.

Figura 4
Centro Urbano de Canaã. Imagens de Satélite.

4. Autoritarismo neoextrativista na cidade, no campo e na floresta

A presente seção trás, com maiores detalhes, o material de campo do artigo a partir de processos socioespaciais na cidade, no campo e na floresta, bem como as formas de expressão de poder neoextrativista, articulado entre a Vale e os vários “braços” do Estado na região de Carajás.

4.1 Produção neoextrativista do espaço na cidade mineradora

No Brasil, uma das principais formas de controle neoextrativista do Estado está nas receitas da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM). Nesse contexto, a mineração desfruta de uma condição na qual a CFEM representa simultaneamente um custo baixo para a empresa diante dos totais de produção e receita - recordemo-nos aqui da existência da Lei Kandir (Brasil, 1996BRASIL. Lei Complementar n. 87, de 13 de setembro de 1996. Dispõe sobre o imposto dos Estados e do Distrito Federal sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, e dá outras providências. (Lei Kandir). Diário Oficial da União , Brasília, DF, 16 de novembro de 1996, p. 18261. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp87.htm.
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), de setembro de 1996, que isenta do tributo ICMS os produtos destinados à exportação - mas é muito significativa dentro do quadro fiscal das administrações municipais. Como me disse um lojista em Canaã dos Carajás, “qualquer migalha da Vale, pra gente é montanha”. A nova CFEM criada pela Lei nº 13.540 (Brasil, 2017BRASIL. Lei n. 13.540 de 18 de dezembro de 2017. Altera as leis nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989, e 8.001, de 13 de março de 1990, para dispor sobre a compensação financeira pela exploração de recursos minerais (CFEM). Diário Oficial da União , Brasília, DF. 18 de dezembro de 2017. Disponível em: https://legislacao.presidencia.gov.br/atos/?tipo=LEI№=13540&ano=2017&ato=90foXRq5EeZpWT738.
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) definiu novas alíquotas que passam a incidir sobre a receita bruta de vendas - uma das grandes mudanças, visto que até então o cálculo era realizado sobre a receita líquida. Do total, 60% destinam-se ao município minerador, 15% para o estado minerador, 15% para municípios e estados afetados pela mineração e 10% para a União. Notemos que o aumento do percentual para o município minerador implica também no aumento do poder da empresa sobre a gestão municipal.

Em 2005, quando começaram as atividades do projeto Sossego, a renda da CFEM em Canaã era de 10,3 milhões de reais. Para 2020, a estimativa era de 349,4 milhões (Figura 5). A explosão da arrecadação é uma das expressões da magnitude do Projeto S11D no município, visto que o valor das exportações municipais atingiu 6,7 bilhões de dólares em 2020 (Ibase, 2018IBASE. Contradições do desenvolvimento e o uso da CFEM em Canaã dos Carajás (PA). Coordenação de Maria Amélia Enríquez. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas, 2018.). O PIB per capita municipal, de acordo com dados do IBGE, saiu de R$ 3,6 mil em 2002 (antes da instalação do Projeto Sossego), para R$ 48,6 mil em 2008 (pré-S11D), e com dados atualizados do último Regiões de Influência das Cidades (Regic) 2018, Canaã era o 16º PIB per capita do Brasil atingindo R$ 197,1 mil.

Figura 5
Arrecadação da CFEM em Canaã dos Carajás (em milhões de reais).

Ainda assim, os serviços públicos se deterioravam apesar do aumento significativo das receitas oriundas da CFEM que, até 2017, não havia identificação própria no orçamento de Canaã, o que levantava questões importantes sobre o destino desses recursos exorbitantes (Figura 6). No ano seguinte, o prefeito reeleito Jeová de Andrade foi afastado por 180 dias pelo Ministério Público por contratações ilegais e superfaturadas de serviços de advocacia para o município, mas retornou ao cargo depois de duas semanas por determinação do Tribunal de Justiça do Estado do Pará.

Figura 6
Exportações Municipais de Minério de Ferro (cod. 2601) e Minério de Cobre (cod. 2603) de Canaã dos Carajás.

Em 2018, com a abertura relativa dos dados da CFEM, foi possível apurar que, do total de recursos (R$ 184 milhões), 39% (R$ 75 milhões) foram despendidos sob a rubrica “urbanismo” - que em grande parte mantinha o programa Asfalta Canaã4 4 O “Asfalta Canaã” foi a grande plataforma eleitoral do atual prefeito canaãnense. Lucas Cândido (2018, p. 117) discute esse “corolário de desenvolvimento” canaãnense no qual “o progresso é medido pela quantidade de vias asfaltadas na cidade”. que assegurava a popularidade do prefeito, mas era também investido em outras obras na cidade. Bastava caminhar pela Av. Wayne Cavalcanti, a principal avenida da cidade, para ver as obras da prefeitura com a logomarca da Vale - na restruturação do canteiro central da avenida, no programa de asfaltamento ou nos prédios públicos em construção. Mas se a obra era da prefeitura, por que as placas tinham a logomarca da Vale?

Em Canaã não há dados disponíveis sobre cada um dos supostos investimentos diretos da Vale na produção do espaço urbano. Isso não quer dizer que não existam uma série de obras feitas “com dinheiro da Vale”, como me disse um gerente da empresa que gentilmente me ofereceu um tour para mostrar o que “a Vale fez por Canaã”: praça, escola, hospital, feira coberta, fórum, duplicação de avenidas, pavimentação de rodovias, além de uma antiga área de comissionamento do S11D nas bordas do centro urbano, supostamente5 5 Residentes de Canaã e representantes de movimentos sociais regionais negaram esses investimentos e afirmaram que a área do polo tecnológico foi cedida pela prefeitura de Canaã para a Vale antes da construção do complexo mineral, de modo que não seria possível que a Vale doasse uma área que não lhe pertencia para a mesma instituição que lhe cedeu a terra. doada para construção de um “polo tecnológico e empresarial”.

O único desses equipamentos sociais “da Vale” a que tive entrada e acesso foi a Casa de Cultura de Canaã (Figura 7), que conheci através do programa de rádio que ouvia quase todas as manhãs, o “Canaã Notícias”. Em certo dia, além dos informes sobre as transferências de título de eleitor e dos esclarecimentos sobre o funcionamento dos correios depois do assalto seguido de sequestro, a âncora e apresentadora Madonna anunciou a estreia de uma exposição de fotografia feminista, a abertura das inscrições para aulas de balé clássico e para quarteto de sopros. No mesmo dia fui até o local conhecer a instituição, sediada em uma casa exuberante e totalmente contrastante com seus arredores. Passei pelo acervo histórico, vi a exposição e os espaços onde são feitas as oficinas, exposições e aulas. Para além dos relatos de uma “dificuldade de atingir o público”, da falta de transporte público como obstáculo à adesão da população e da relutância dos migrantes em “participar da vida cultural de Canaã”, havia um sentimento positivo de funcionários e gestores de um horizonte favorável para “fazer cultura”. Fui também informado que 100% dos recursos que mantém a Casa de Cultura são oriundos da Lei Rouanet. (Brasil, 1991BRASIL. Restabelece princípios da Lei n° 7.505, de 2 de julho de 1986, institui o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac) e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 24 de dezembro de 1991, p. 30261. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8313cons.htm.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/le...
).

Figura 7
A Casa de Cultura de Canaã dos Carajás.

Exemplos como a Casa de Cultura fazem parte de uma política de “responsabilidade social corporativa”, que Juliana Barros (2018BARROS, J. N. A Mirada Invertida de Carajás: a Vale e a mão-de-ferro na política de terras. 2018. Tese de Doutorado, Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018., p. 185) discute como “faceta assistencial da dominação territorial” onde diversas “ações comunitárias de cunho ‘educativo’ e de ‘estímulo à organização comunitária’ [...] constituem a expansão do poder empresarial” - nesse caso, feito com dinheiro público.

De outra parte, os investimentos diretos da Vale estão na provisão de moradia para seus funcionários de alto escalão. Em contraste com loteamentos residenciais precários, ocupações urbanas e moradias improvisadas em áreas de risco, há um complexo de centenas de casas contíguas com elevado padrão de construção lançado pela Vale, em parceria com a Empreiteira Buriti e a VBI Real Estate.6 6 A “private equity real estate investment firm headquartered in São Paulo” with “equity commitments of approximately $1.1 billion”. Extraído do sítio da VBI Real Estate: http://www.vbirealestate.com/site/home. Acesso em 14 de maio de 2018. O Residencial Vale é composto de mais de 500 casas idênticas de dois andares variando em cores sóbrias, larguras de garagens, mas sempre equipadas com câmeras e sistemas de segurança (Figura 8). Nas mesmas casas estão distribuídos alguns dos escritórios da empresa. Cada bloco tem cerca de 50 casas, divididas por muros largos e altos. O “bairro da Vale”, como é popularmente conhecido, é expressão da divisão social do trabalho no espaço, característica das chamadas cidades “mono-industriais” (Costa; Monte-Mór, 1995COSTA, H. S. M.; MONTE-MÓR, R. L. Cidades Industriais Planejadas e a Exclusão da Força de Trabalho. ENA - Encontro Nacional da ANPUR. 6., Brasília, 1995. Anais... Anpur: Brasília, 1995. p. 420-430. Disponível em: https://anpur.org.br/anais-do-vi-encontro/
https://anpur.org.br/anais-do-vi-encontr...
) geralmente reféns de uma única empresa ou empreendimento.

Figura 8
Residencial Vale

Na perspectiva de muitos residentes, não era claro o que era “obra da prefeitura” e o que era “obra da Vale”. A própria CFEM era às vezes percebida como uma espécie de “dádiva” da Vale pelas atividades que realiza no município, enquanto sua “conversão” era atribuída à administração municipal. De forma mais crítica, representantes de sindicatos urbanos manifestaram seu descontentamento com a condição de “reféns da Vale na cidade”. Relataram dificuldades cotidianas de negociação com empresas e com a prefeitura que frequentemente se referia à Vale para justificar qualquer tipo de decisão - atraso de pagamentos, rompimento de contratos, demissões e contratações. A Vale era uma espécie de “motivo de força maior” na vida cotidiana, operando como argumento universal para qualquer negociação. Uma representante do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Educação Pública do Estado do Pará (Sintepp) disse que “Tudo que é feito pela Vale é feito com dinheiro público [...] As duas escolas construídas pela Vale foram através de isenção fiscal ou CFEM”.

É interessante notar como essa onipresença da Vale no espaço urbano - ampliada pela presença de outros elementos, como o constante tráfego de SUVs adesivadas da mineração com a logomarca da empresa ou de suas terceirizadas por toda a cidade - penetra a vida cotidiana. Em especial, destaca-se como a forma da cidade se transforma a partir de um grande projeto minerador que reafirma sua dominância através do Estado, suas capacidades e seus recursos (em que a CFEM e a Lei Rouanet - Lei nº 8.313/1991 - são apenas dois exemplos). Ademais, para além da produção do espaço construído, essa penetração no cotidiano se dá também na experiencia vivida dos moradores, visto que, de maneira bem prática e imediata, os funcionários diretos da Vale desfrutam de uma espécie de credencial social privilegiada, que se expressa nos uniformes verde claro que circulavam em lojas, padarias, restaurantes e supermercados mais caros, mas que garante até mesmo atendimento hospitalar prioritário no município.7 7 Relato de uma residente em entrevista concedida a Lucas Cândido (2018, p. 109-110). Ou seja, através de um novo “sensório urbano” (Goonewardena, 2005 GOONEWARDENA, K. The Urban Sensorium: Space, Ideology and the Aestheticization of Politics. Antipode, v. 37, n. 1, p. 46-71, 2005.) marcado pela mineração, essas cristalizações do neoextrativismo no espaço da cidade penetram autoritariamente a vida cotidiana - em outras palavras, não é autoritário apenas nos mecanismos de extração e produção da paisagem, mas também nas dinâmicas políticas e afetivas do cotidiano, da fila do hospital ao caixa da padaria.

4.2 Despossessão e controle de territórios camponeses

Existem inúmeros exemplos de autoritarismo neoextrativista por parte do capital e do Estado em territórios camponeses no sudeste paraense, que derivam do acirramento histórico da luta pela terra (Pereira, 2015PEREIRA, A. R. Do posseiro ao sem-terra: a luta pela terra no sul e sudeste do Pará. Recife: Editora UFPE, 2015.; Malheiro, 2019MALHEIRO, B. O que Vale em Carajás? Geografias de exceção e r-existência pelos caminhos do ferro na Amazônia. 2019. Tese (Doutorado em Geografia), Universidade Federal Fluminense, 2019.; Michelotti, 2019MICHELOTTI, F. Territórios de Produção Agromineral: Relações de Poder e Novos Impasses na Luta pela Terra no Sudeste Paraense. 2019. Tese de Doutorado, Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional, IPPUR, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019.). Nesta seção, apresentarei dois casos da zona rural de Canaã.

O primeiro é o da Vila Racha Placa. Ela se iniciou como uma ocupação de posseiros em 1978. Seu Valdivino, mais conhecido como Nego Padre, é um dos fundadores. Nos anos 1980, “por causa do ‘môza’ [Mozart]”, gerente da CVRD muito querido pela prestação de pequenos favores à comunidade, “batizamos a vila Mozartnópolis”, me disse. A relação com a mineração era pacífica e amistosa. Recebiam materiais, combustíveis, além de pequenos serviços que ajudavam a vila a se desenvolver. Nos anos 1990 a relação com a empresa (agora privatizada) mudou. A Vale começou a restringir as atividades dos moradores da vila, sobretudo em sua relação com a natureza, proibindo caça, pesca e uso de alguns rios e cachoeiras. O estopim foi a placa instalada pela mineradora dentro do que consideravam ser os domínios da então Vila Mozartnópolis onde se anunciava que, para fins de preservação ambiental, naquela área era proibida a caça e a pesca. “Pegamos o machado e ‘rachamo’ ela no meio [...] Por isso que virou Vila Racha Placa”. Por 30 anos a vila autogerida e autoconstruída se organizou e se desenvolveu ao redor de suas próprias necessidades. Em 2008, a Vale decidiu comprar a vila inteira já que suas terras se sobrepunham ao do futuro complexo S11D.

No começo, a empresa fez ofertas de compra de casas que foram rejeitadas em sua maioria. É notável que os valores não refletissem a real necessidade da empresa por não serem suficientemente altos “pra fazer quem não quer vender, vender”, nos termos de Nego Padre. Entre 2008 e 2012 a empresa comprou terras de fazendas ao redor da vila, muitas das quais empregavam moradoras da vila que ficaram sem renda. Aqui é importante enfatizar a importância dos grupos de fazendeiros locais para os mecanismos de controle territorial da própria mineração, a partir de uma estrutura de terras concentrada advinda de um histórico de grilagem e controle territorial e político por partes das antigas oligarquias rurais (Emmi, 1998EMMI, M. F. A oligarquia do Tocantins e o domínio dos castanhais. Belém: NAEA/UFPA, 1998.).

As articulações contemporâneas entre fazendeiros-grileiros e mineração vão desde contratos de comodato entre fazendeiros e a Vale (Barros, 2018BARROS, J. N. A Mirada Invertida de Carajás: a Vale e a mão-de-ferro na política de terras. 2018. Tese de Doutorado, Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.), até as informações privilegiadas que se antecipam à corrida por terra imbricada à corrida por minerais (Michelotti, 2019MICHELOTTI, F. Territórios de Produção Agromineral: Relações de Poder e Novos Impasses na Luta pela Terra no Sudeste Paraense. 2019. Tese de Doutorado, Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional, IPPUR, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019.). Enquanto o primeiro assegura o controle de terras a partir das coalizões (como o caso da Vila Racha Placa exemplifica), o segundo garante que a explosão nos preços das terras, associada às “descobertas” de minerais, sejam apropriadas pelo agronegócio. Nos arredores da Vila Racha Placa, a Vale pagava valor acima dos preços de mercado para os fazendeiros - algumas das transações e documentos oficiais apresentados por Reis (2014REIS, I. O avanço da mineração na Amazônia e a resistência dos moradores da Vila Racha Placa no município de Canaã dos Carajás: uma análise à luz do processo de acumulação de capital. 2014. Trabalho de Conclusão de Curso. Faculdade de Ciências Sociais do Araguaia e Tocantins da Universidade Federal do Pará, Campus de Marabá. Marabá/Pará, 2014.) registram até o dobro do valor médio por hectare, além de dar conta da existência de terras públicas em meio ao montante “vendido” por fazendeiros e “comprados” pela Vale. Mas, além da compra direta de terras, os fazendeiros ganham também com a expansão urbana advinda da migração intensa, já que terras rurais de extensões imensas estão muito próximas da área urbana - e, como se sabe, junto com as aquisições e indenizações da mineração, a conversão de terras rurais em urbanas é de longe o negócio mais lucrativo no município.8 8 O melhor exemplo é o da Fazenda Umuarama, o maior latifúndio de Canaã dos Carajás. Cabral et al. (2011) já falavam da relevância da Umuarama dentro do quadro de terras municipal e, mais recentemente, Amaral (2021, p. 79, grifo nosso) descreveu a propriedade em seu estudo sobre a evolução da paisagem em Canaã, num contexto de expansão da fronteira mineral e agropecuária: “Trancamento com correntes nas porteiras, controle de acesso restrito aos prestadores de serviço nos acessos onde há portaria, uso de capatazes, cercas e aramados explicitam o espaço privado. Na portaria do Grupo Umuarama o acesso foi negado. Na tentativa de explorar as vias registradas e observáveis na imagem de satélite no extremo sudeste município, foram praticamente duas horas circundando de carro em estrada de terra no que parecia ser a mesma propriedade rural, sempre tendo o acesso frustrado pelas porteiras e portaria.”

Além da redução gradual de emprego nas fazendas, houve pequenas formas de embargo comercial à Vila Racha Placa, além de exigências informais aos vendedores de terras agrícolas para que vendessem também as casas que possuíam na Vila. “O acordo de venda obrigava ainda esses proprietários a destruírem esse patrimônio, tão logo fechasse o contrato de venda” (Reis, 2014REIS, I. O avanço da mineração na Amazônia e a resistência dos moradores da Vila Racha Placa no município de Canaã dos Carajás: uma análise à luz do processo de acumulação de capital. 2014. Trabalho de Conclusão de Curso. Faculdade de Ciências Sociais do Araguaia e Tocantins da Universidade Federal do Pará, Campus de Marabá. Marabá/Pará, 2014., p. 52) - por “patrimônio” entenda-se: suas próprias casas. Aos remanescentes, portanto, restava uma espécie de cenário de guerra com casas e comércios destruídos.9 9 Reis (2014, p. 57) apresenta uma sequência de fotografias feitas pela própria autora das casas demolidas compondo a paisagem da vila. A mesma estratégia é empregada em outras áreas de conflito, como é o caso do Bairro Alzira Mutran, em Marabá, atravessado pela Estrada de Ferro Carajás (Feitosa, 2013).

Ainda assim, a grande maioria dos moradores não tinha interesse em vender suas casas, momento em que outras estratégias foram colocadas em prática. Uma delas eram as ofertas sistematicamente mais baixas feitas por terceiros (Reis, 2014REIS, I. O avanço da mineração na Amazônia e a resistência dos moradores da Vila Racha Placa no município de Canaã dos Carajás: uma análise à luz do processo de acumulação de capital. 2014. Trabalho de Conclusão de Curso. Faculdade de Ciências Sociais do Araguaia e Tocantins da Universidade Federal do Pará, Campus de Marabá. Marabá/Pará, 2014.) levando alguns residentes a criar uma falsa percepção de queda ininterrupta dos preços e, eventualmente, vendendo suas casas com medo de novas quedas. Essas casas eram subsequentemente destruídas. Gradualmente, o suporte e a assistência do Estado deixaram de existir na vila: houve suspensão dos serviços básicos da prefeitura, retirada do ensino modular da escola local e desativação do posto de serviços agropecuários. No cotidiano, várias formas de pressão psicológica eram exercidas por terceiros - grupos civis e empresariais notoriamente reconhecidos local e regionalmente por práticas de extorsão - para criar confusão e desinformação: “se não aceitarem, não poderemos fazer outra proposta”; “vocês vão ficar sem nada”; “mesmo se não aceitarem, saibam que a mineração tem o direito do subsolo, tem a questão da soberania e do interesse nacional”; “estamos dando a dica pra venderem agora”; “mesmo se vocês ficarem, vocês não vão poder mais construir nada”. E apesar de tudo, “[a] gente continuou vivendo lá mais de ano com o povo da cidade achando que o Racha Placa tinha acabado”, me disse Nego Padre. Como último recurso, os “ofertantes” rememoravam aos residentes da Vila que poderia ser muito perigoso para “as filhas de vocês” a presença de milhares de homens trabalhadores da mineração - elas inclusive “poderão cair na prostituição” (Reis, 2014REIS, I. O avanço da mineração na Amazônia e a resistência dos moradores da Vila Racha Placa no município de Canaã dos Carajás: uma análise à luz do processo de acumulação de capital. 2014. Trabalho de Conclusão de Curso. Faculdade de Ciências Sociais do Araguaia e Tocantins da Universidade Federal do Pará, Campus de Marabá. Marabá/Pará, 2014., p. 53).

Assim como em outros conflitos entre as maiorias regionais e grandes projetos neoextrativistas, há muito mais de extorsão, violência e tortura psicológica do que de decisão econômica intertemporal. Fragmentados e coagidos, os residentes não conseguem encontrar formas objetivas de avaliar como vender a terra e onde alocar esse dinheiro no atropelo de uma infinidade de processos violentos, que correm em paralelo e são de difícil compreensão. É precisamente nesse sentido que atuam movimentos sociais do sudeste paraense como a CPT (Comissão Pastoral da Terra), os sindicatos rurais e a Cepasp (Centro de Educação, Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular): na reorganização de um coletivo de pessoas com uma causa comum, no restabelecimento emocional e psicológico e na assistência nos processos jurídicos e negociações. No caso da Vila Racha Placa, a atuação dos movimentos sociais de reorganização e rearticulação, com diálogo entre moradores e registro do histórico de ações e ameaças, junto ao trabalho de assessoria jurídica, levou a um acordo final que envolveu compensação financeira coletiva e garantia de grande parte das demandas individuais para a maioria dos residentes da vila. “Mas uns 30% estão até hoje esperando a justiça”, me disse Nego Padre, entre os quais há casos graves de alcoolismo e depressão. A Vila Américo Santana abriga hoje residentes da antiga Vila Racha Placa, finalmente destituída (Figura 9).

Figura 9
Localização da Vila Racha Placa.

Além da Vila Racha Placa, o autoritarismo neoextrativista também se dá nos acampamentos sem-terra formados em resposta à crise urbana em Canaã. O acampamento Rio Sossego, por exemplo, enfrenta mecanismos rígidos de vigilância e controle. O posicionamento entre duas minas da Vale e a proximidade da Estrada de Ferro Carajás (EFC) são os problemas principais. Um dos líderes do acampamento, Júnior, explica que “antigamente o problema maior eram os pistoleiros” e que hoje o repertório de violência é bem mais amplo. “No acampamento é sempre com medo. Tem ameaça, tem pancadaria [...] aqui já teve espancamento, sufocamento, vítima fatal, tudo”. “Não pode andar só”. Muitos camponeses relatam diversas formas cotidianas de assédio e humilhação praticadas por “uma das polícias da Vale”, como dizem, já que as execuções e intervenções são feitas pela Guarda Nacional (Federal), Polícia Militar (Estadual), Polícia Civil (Municipal), a Companhia de Operações Especiais de Marabá (regional) e os seguranças particulares da Vale. “A Prosegur é privada, então ela trata muito pior porque não deve, como se diz né, satisfação pra ninguém”. A guarda privada “trabalha igual milícia”, às vezes dizendo “que não são da Vale, mas são, porque eles te provocam para ser agredido”.

Assim como na Vila Racha Placa, a ofensiva no Rio Sossego também se dá através de outros dois mecanismos ligados ao Estado. O primeiro é a não provisão de serviços públicos na escala municipal: “[A] gente sabe que tem muita coisa que a prefeitura não deixa chegar no acampamento, tipo serviço de saúde, vacina, ambulância [...] educação, transporte escolar”. O segundo é através da legislação ambiental. Lediane contou que o marido foi preso nas bordas do acampamento por infringir a lei ambiental. “Ele tava pescando e chegou os guardas da Vale dizendo que era terra da Vale e que lá não podia pescar”. “Levaram ele lá pra cima pros lados do S11D falando que era pra ele assistir um vídeo ambiental. Mas prenderam ele e cobraram uma fiança de R$ 2.500,00 pra sair”. José Carlos foi solto depois do pagamento. Em entrevista, ele conta que seu caso foi julgado “no fórum que a Vale própria construiu [...]. Em Canaã, antes mesmo do nome do prefeito vem o nome da Vale na placa”. Para ele, “a Vale tem tudo nas mãos dela. Polícia, juiz, educação, saúde, estrada, inteligência, patrulha.” Sua fala me remeteu ao alerta de um ativista que conheci em Marabá logo no começo do trabalho de campo: “Tome cuidado. Aqui, a Vale é o Estado”.10 10 A advertência se referia não apenas a um componente analítico do trabalho de campo, mas também de segurança própria, tendo em vista a grande quantidade de ameaças e processos judiciais que pairam sobre pesquisadores, ativistas, jornalistas, professores, militantes, lideranças e membros de movimentos sociais.

Um segundo acampamento de Canaã dos Carajás, o Grotão do Mutum, foi também alvo de uma ação da Vale de reintegração de posse no fórum de Canaã sendo que a competência jurídica era da Vara Agrária de Marabá. Andréia Silvério dos Santos (2018aSANTOS, A. A. S. Mineração e Conflitos Fundiários no Sudeste Paraense. 2018a. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, Instituto de Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Dinâmicas Territoriais e Sociedade na Amazônia - PDTSA, 2018.) analisou o embate judicial entre as partes com riqueza de detalhes, com ênfase na (im)procedência jurídica das compras de terra por parte da Vale. A advogada analisou processos, contratos e ações possessórias em que a Vale pede reintegração de posse de áreas que nem sequer possui. A área que as 150 famílias do Grotão do Mutum ocuparam na antiga fazenda não apenas foi vendida para a Vale pelo dobro do preço referencial máximo por hectare, como também correspondia a trinta lotes de projetos de assentamento grilada pelo antigo fazendeiro e vendida à Vale (SANTOS, 2018aSANTOS, A. A. S. Mineração e Conflitos Fundiários no Sudeste Paraense. 2018a. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, Instituto de Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Dinâmicas Territoriais e Sociedade na Amazônia - PDTSA, 2018., p. 82).

Mesmo sem provar a titulação da própria terra, a Vale pediu a reintegração de posse na 1ª Vara Cível da Comarca de Canaã dos Carajás. Ou seja, a empresa acionou o judiciário local em detrimento do judiciário regional para tratar da ocupação de uma terra rural que, em muitos casos, abrangiam terras públicas de lotes de projetos de assentamento de competência de órgãos federais. Após driblar a justiça e escolher o tribunal que julgaria o processo, a Vale teve o pedido concedido sem comprovação da propriedade da terra. Os camponeses recorreram à assessoria jurídica da CPT, que pediu a comprovação e entrou com um recurso para que fosse reconhecida a competência da Vara Agrária de Marabá por se tratar de conflito coletivo pela posse de área rural, mas o desembargador decidiu pela continuidade do processo na Vara Cível de Canaã (Santos, 2018aSANTOS, A. A. S. Mineração e Conflitos Fundiários no Sudeste Paraense. 2018a. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, Instituto de Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Dinâmicas Territoriais e Sociedade na Amazônia - PDTSA, 2018.). A Vale, então, requereu o reestabelecimento da reintegração argumentando que a área seria utilizada para fins de preservação ambiental - argumento que será apresentado na seção seguinte junto com outras formas de ambientalização do neoextrativismo.

4.3 Operacionalizando a Floresta: o Parque Nacional dos Ferruginosos e o Mosaico de Carajás

Em Carajás, a Vale faz uso da legislação ambiental e de unidades de conservação, ativando e desativando esses instrumentos seletivamente. No caso do acampamento Grotão do Mutum, a reintegração de posse foi finalmente realizada através da criação do Parque Nacional dos Campos Ferruginosos (Parna), unidade de conservação criada pela Vale para que o Ibama concedesse a licença para o Projeto S11D (Santos, 2018aSANTOS, A. A. S. Mineração e Conflitos Fundiários no Sudeste Paraense. 2018a. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, Instituto de Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Dinâmicas Territoriais e Sociedade na Amazônia - PDTSA, 2018., p. 21). Dos quase 80 mil hectares do parque, 75% são áreas desmembradas da Flona e 25% são áreas supostamente doadas pela empresa - dentre as quais uma parte da Fazenda São Luís, grilada pelo proprietário anterior e ocupada pelos camponeses. Ou seja, as terras públicas griladas pelo fazendeiro foram ilegalmente compradas pela Vale11 11 Este é mais um exemplo de como a articulação com fazendeiros locais é importante para as formas de controle e autoritarismo praticadas pela Vale. e, posteriormente, “doadas” de volta para o Estado para a criação de uma unidade de conservação que, em última instância, é controlada pela Vale - e que ainda serve de contrapartida ambiental para a mineração. Com a criação do parque, a Vale ganha não só a garantia da espoliação dos grupos assentados, como não arca com nenhum custo, haja vista que a responsabilidade de desapropriação na área do parque é inteiramente do ICMBio.

É importante notar, também, que os órgãos estatais responsáveis por essas cartografias, por vezes, se referem à Vale em pesquisas, estudos e processos judiciais para validação e fornecimento de dados (Barros, 2018BARROS, J. N. A Mirada Invertida de Carajás: a Vale e a mão-de-ferro na política de terras. 2018. Tese de Doutorado, Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.) - ou seja, a Vale é ao mesmo tempo juíza e combatente no que Alfredo Wagner de Almeida (1994ALMEIDA, A. W. Carajás: a guerra dos mapas. Belém: Supercores, 1994) chamou de “guerra dos mapas” em Carajás.

Além das famílias do Grotão do Mutum, outros grupos de posseiros que ocupam a área (cerca de 4 mil hectares) não podem plantar, colher, criar animais ou coletar castanhas, já que qualquer mudança na paisagem do Parque configura crime ambiental. Por outro lado, na mesma área, no mesmo parque, na mesma unidade de conservação, a lei permite a instalação de “novas linhas de transmissão e gasodutos, e de suas instalações associadas, servidões administrativas e acessos às torres” (Barros, 2018BARROS, J. N. A Mirada Invertida de Carajás: a Vale e a mão-de-ferro na política de terras. 2018. Tese de Doutorado, Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018., p. 155). Além disso, o Ibama “autoriza à empresa Vale S/A a extração de minério de ferro, usina de beneficiamento, acessos, pilhas de estéril, diques e demais estruturas auxiliares no Corpo D da Serra Sul, na Floresta Nacional de Carajás” (ICMBio, 2018 apud Ibase, 2018IBASE. Contradições do desenvolvimento e o uso da CFEM em Canaã dos Carajás (PA). Coordenação de Maria Amélia Enríquez. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas, 2018., p. 11).

O Parna não é a primeira unidade de conservação a servir de terreno e escudo para a infraestrutura mineradora. A Flona, bem como as demais unidades de conservação que compõem o Mosaico de Carajás, servem também às atividades da Vale há várias décadas. A imagem de satélite na Figura 2 ilustra com clareza essa função que a floresta tem de servir de “escudo” (Santos, 2018bSANTOS, J. L. R. Território em transe: a Floresta Nacional de Carajás. Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade, 5, 2018, Florianópolis. Anais... Florianópolis: Anppas. 2018b.; Barros, 2018BARROS, J. N. A Mirada Invertida de Carajás: a Vale e a mão-de-ferro na política de terras. 2018. Tese de Doutorado, Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.). Mas a ambientalização do neoextrativismo, mais além, permite também operações ilegais de aquisições de terra (sinalizando uma suposta segurança institucional e jurídica para especulação); transfere para o Estado os custos e as responsabilidades associadas a esses territórios; funciona como contrapartida ambiental para novos projetos neoextrativistas e marketing ambiental para a empresa; além de servir para a espoliação (seja pelo despejo, seja pela neutralização) de grupos camponeses.

5. Conclusão

Diferentes territorialidades associadas ao neoextrativismo apresentam diferentes modalidades de autoritarismo baseadas nas alianças entre corporações e Estado. A forma como essas empresas utilizam diferentes tentáculos do Estado, em múltiplas esferas de governança estatal, nos múltiplos poderes, também varia de acordo com essas territorialidades. No caso de Canaã, a Vale se aproveita dessas mesmas diferenciações espaciais e territoriais para exercer o seu domínio - seja na “produção” do ambiente sensorial percebido da cidade mineradora, seja na espoliação de camponeses sem-terra, seja no controle territorial através da floresta. Ela se aproveita do embaçamento entre Estado e empresa para jogar com essas múltiplas instâncias: Vara Agrária e Vara Cível, conflito rural ou urbano, CFEM e Lei Rouanet, polícia municipal, estadual, regional ou federal, dentre outros exemplos que foram apresentados no texto. Portanto, a crítica do neoextrativismo deve estar atenta a essas múltiplas territorialidades, seus diferentes modos de “regulação territorial” (Brenner; Schmid, 2015BRENNER, N.; SCHMID, C. Towards a new epistemology of the urban? City, v. 19, n. 2-3, p. 151-182, 2015.), bem como as distintas formas de instanciação dessas regulações.

Por um lado, o caso da Vale em Carajás parece ser, de certa maneira, “extremo”. É notável o relato de um gerente da Vale no sudeste paraense. Para ele, “[a] mineração é inevitavelmente esquizofrênica [...] Não tem mineração na Avenida Paulista, na praia de Copacabana”. Em sua visão, “grandes empreendimentos não são desejados porque quebram o status quo [então] para a presença de um grande empreendimento, você precisa institucionalizar o local”. Em lugares como Parauapebas e Canaã, continuou, “os poderes constituídos são uma ‘senhorinha’, com práticas antigas [...] que o povo vem pedir benção [...] Errando a dose a gente passa a ocupar o espaço do poder público”.

Por outro lado, esses processos não são exclusividade de Carajás. Basta pensar em cidades como Mariana ou Brumadinho e nos procedimentos de “reparação” pós-rompimento da barragem envolvendo diversas instâncias jurídicas, assessorias técnicas, consultorias de diagnóstico, sempre entremeadas pelos arranjos entre Estado e mineração, que termina por aumentar os mecanismos autoritários de controle neoextrativista ao longo do processo (Zhouri, 2018ZHOURI, A. (org.) Mineração, Violências e Resistências: Um campo aberto à produção de conhecimento no Brasil. ABA: Editorial iGuana, 2018.; Laschefski, 2020LASCHEFSKI, K. A. Rompimento de barragens em Mariana e Brumadinho (MG): Desastres como meio de acumulação por despossessão. Ambientes. v. 2, n. 1, p. 98-143. 2020.).

Sabemos também que esses processos não são exclusividade da mineração, mas se estendem a uma gama mais ampla de atividades neoextrativistas, como o próprio agronegócio - que em sua articulação com a mineração tem sido entendido como “agro-minero-negócio” (Michelotti, 2019MICHELOTTI, F. Territórios de Produção Agromineral: Relações de Poder e Novos Impasses na Luta pela Terra no Sudeste Paraense. 2019. Tese de Doutorado, Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional, IPPUR, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019.). Transformações socioespaciais induzidas por medidas autoritárias estão cada vez mais ligadas a esta conjunção de forças que, lembremo-nos, incorpora aquela que é, de longe, a maior bancada do Congresso Nacional. Juntos, mineração e agronegócio, têm feito uso de tecnologias cada vez mais avançadas (e ambientalmente nocivas), em cadeias de valor cada vez mais globalizadas, empregando cada vez menos trabalho humano, mas utilizando “velhas” estratégias - dos contratos de comodato à utilização do boi para ocupar terra, já que gado não pede indenização e se desloca com mais facilidade do que famílias e comunidades inteiras. Seu crescimento tem sido associado à apropriação da riqueza regional através da renda da terra (sobretudo pela convergência com a corrida por minerais) e não há sinais de reversão desse quadro. Segundo a Superintendência Regional do Sul do Pará do Incra (SR-27 regional de Marabá), a existência de mineração faz com que uma região seja considerada como “baixa prioridade” para aquisição de terras para reforma agrária, uma vez que os preços da terra se tornam proibitivos para o órgão fundiário (Santos, 2018aSANTOS, A. A. S. Mineração e Conflitos Fundiários no Sudeste Paraense. 2018a. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, Instituto de Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Dinâmicas Territoriais e Sociedade na Amazônia - PDTSA, 2018.; Michelotti, 2019MICHELOTTI, F. Territórios de Produção Agromineral: Relações de Poder e Novos Impasses na Luta pela Terra no Sudeste Paraense. 2019. Tese de Doutorado, Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional, IPPUR, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019.).

Tornam-se necessários, portanto, estudos críticos que trabalhem territorialidades distintas, que não apenas desvendem os arranjos entre esferas de governança, poderes do Estado e escalas territoriais, mas que deem conta das relações entre as várias formas contemporâneas de neoextrativismo e suas complementaridades.

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  • ZHOURI, A. (org.) Mineração, Violências e Resistências: Um campo aberto à produção de conhecimento no Brasil. ABA: Editorial iGuana, 2018.
  • 1
    Estabelecida pela Constituição de 1988 e instituída pela Lei n. 7.990 de 28 de dezembro de 1989, a Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM) é a contrapartida financeira paga pelas empresas mineradoras à União, aos Estados, Distrito Federal e Municípios pela utilização econômica dos recursos minerais em seus respectivos territórios. Não tem natureza jurídica de imposto, taxa ou contribuição.
  • 2
    Para Maria Célia Coelho (1997COELHO, M. C.; COTA, R. G. (org.). Dez Anos da Estrada de Ferro Carajás. Belém: UFPA-NAEA, 1997., p. 70), “medida de discutível legalidade”.
  • 3
  • 4
    O “Asfalta Canaã” foi a grande plataforma eleitoral do atual prefeito canaãnense. Lucas Cândido (2018CÂNDIDO, L. A cidade entre utopias: o Neoliberalismo e o Comum na produção contemporânea do espaço urbano amazônico. 2018. Dissertação de Mestrado, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Pará, Belém, 2018., p. 117) discute esse “corolário de desenvolvimento” canaãnense no qual “o progresso é medido pela quantidade de vias asfaltadas na cidade”.
  • 5
    Residentes de Canaã e representantes de movimentos sociais regionais negaram esses investimentos e afirmaram que a área do polo tecnológico foi cedida pela prefeitura de Canaã para a Vale antes da construção do complexo mineral, de modo que não seria possível que a Vale doasse uma área que não lhe pertencia para a mesma instituição que lhe cedeu a terra.
  • 6
    A “private equity real estate investment firm headquartered in São Paulo” with “equity commitments of approximately $1.1 billion”. Extraído do sítio da VBI Real Estate: http://www.vbirealestate.com/site/home. Acesso em 14 de maio de 2018.
  • 7
    Relato de uma residente em entrevista concedida a Lucas Cândido (2018CÂNDIDO, L. A cidade entre utopias: o Neoliberalismo e o Comum na produção contemporânea do espaço urbano amazônico. 2018. Dissertação de Mestrado, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Pará, Belém, 2018., p. 109-110).
  • 8
    O melhor exemplo é o da Fazenda Umuarama, o maior latifúndio de Canaã dos Carajás. Cabral et al. (2011)CABRAL, E. R.; ENRÍQUEZ, M. A. R. S.; SANTOS, D. V. Canaã dos Carajás do leite ao cobre: transformações estruturais do município após a implantação de uma grande mina. In: FERNANDES, F. R. C.; ENRÍQUEZ, M. A. R. S.; ALAMINO, R. C. J. (eds). Recursos minerais & sustentabilidade territorial: grandes minas. Rio de Janeiro: CETEM/MCTI, 2011. v.1. p. 39-68. Disponível em: Disponível em: http://mineralis.cetem.gov.br/handle/cetem/1162 . Acesso em: 12 maio 2018.
    http://mineralis.cetem.gov.br/handle/cet...
    já falavam da relevância da Umuarama dentro do quadro de terras municipal e, mais recentemente, Amaral (2021AMARAL, A. V. As paisagens de Canaã dos Carajás (PA) - análise e evolução da paisagem na fronteira agropecuária e minerária. 2021. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Geografia Física, Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021. Doi: 10.11606/D.8.2021.tde-01062021-203126
    https://doi.org/10.11606/D.8.2021.tde-01...
    , p. 79, grifo nosso) descreveu a propriedade em seu estudo sobre a evolução da paisagem em Canaã, num contexto de expansão da fronteira mineral e agropecuária: “Trancamento com correntes nas porteiras, controle de acesso restrito aos prestadores de serviço nos acessos onde há portaria, uso de capatazes, cercas e aramados explicitam o espaço privado. Na portaria do Grupo Umuarama o acesso foi negado. Na tentativa de explorar as vias registradas e observáveis na imagem de satélite no extremo sudeste município, foram praticamente duas horas circundando de carro em estrada de terra no que parecia ser a mesma propriedade rural, sempre tendo o acesso frustrado pelas porteiras e portaria.”
  • 9
    Reis (2014REIS, I. O avanço da mineração na Amazônia e a resistência dos moradores da Vila Racha Placa no município de Canaã dos Carajás: uma análise à luz do processo de acumulação de capital. 2014. Trabalho de Conclusão de Curso. Faculdade de Ciências Sociais do Araguaia e Tocantins da Universidade Federal do Pará, Campus de Marabá. Marabá/Pará, 2014., p. 57) apresenta uma sequência de fotografias feitas pela própria autora das casas demolidas compondo a paisagem da vila. A mesma estratégia é empregada em outras áreas de conflito, como é o caso do Bairro Alzira Mutran, em Marabá, atravessado pela Estrada de Ferro Carajás (Feitosa, 2013FEITOSA, E. Duplicação da Estrada de Ferro Carajás e Impactos Sociais: O Caso do Bairro Alzira Mutran. 2013. Trabalho de Conclusão de Curso. Bacharel em Ciências Sociais. Faculdade de Ciências Sociais do Araguaia Tocantins. Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), Marabá, 2013.).
  • 10
    A advertência se referia não apenas a um componente analítico do trabalho de campo, mas também de segurança própria, tendo em vista a grande quantidade de ameaças e processos judiciais que pairam sobre pesquisadores, ativistas, jornalistas, professores, militantes, lideranças e membros de movimentos sociais.
  • 11
    Este é mais um exemplo de como a articulação com fazendeiros locais é importante para as formas de controle e autoritarismo praticadas pela Vale.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    16 Jun 2023
  • Aceito
    26 Set 2023
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