Acessibilidade / Reportar erro

O desmonte da estatalidade brasileira no caso da política pública de saneamento e a falácia da regionalização como vetor de desenvolvimento regional

The dismantling of the Brazilian statehood in the case of public sanitation policy and the fallacy of regionalization as a vector of regional development

Resumo

A nova normativa do saneamento básico no Brasil, Lei nº 14.026/2020, abriu caminho para um modelo mais agressivo de inserção do capital privado no chamado “negócio do saneamento”, ao alterar a forma de organização do serviço nos estados, pela imposição da regionalização em blocos de municípios, e ao modificar as regras contratuais de concessão praticadas até então com as companhias estatais de água e esgoto. Neste artigo, os autores analisam as alterações legais pelo viés da consideração preliminar de que, nesse setor, arranjos de poder multiescalares e multiníveis, visíveis ou não, suplantam os interesses locais e distorcem a realidade por meio de narrativas falaciosas. O problema de pesquisa é investigar se, de acordo com o novo marco, água e saneamento são considerados direitos humanos fundamentais ou simples serviços regulados, questionando a regionalização adotada como instrumento de promoção de desenvolvimento regional ou como mero pretexto para a privatização do setor. A opção metodológica abrange análises de tipo conjuntural, histórica, crítica e comparativa da realidade nacional, para verificar, ao fim e ao cabo, que a Lei promove grave mudança na correlação de forças econômicas públicas e privadas no setor de saneamento, no âmbito dos estados federados, com impacto conceitual no papel do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), responsável pela modelagem do processo, que, sem problematização das consequências, como risco de aumento da tarifa, falta de acesso aos serviços pelas camadas mais vulneráveis da população e privatização ilegal de um monopólio natural em sua essência, se transforma de banco de fomento em leiloeiro facilitador da venda.

Palavras-chave:
Saneamento Básico; Privatização; Desenvolvimento Regional; BNDES

Abstract

The latest Brazilian Basic Sanitation Act, Federal Low No. 14.026/2020, paved the way for a more aggressive model of inserting private capital into the so-called “sanitation market” by altering the way in which the service is organized within the federal states; by imposing the regionalization according to blocks of municipalities; and by modifying the contractual concession rules practiced until then with State-level water and sewage companies. In this essay, the authors analyze those legal modifications departing from the premise that, in this sector, multi-scale and multi-level power arrangements, visible or not, supplant local interests and distort reality through fallacious narratives. The research problem is to investigate whether, according to the new framework, water and sanitation are considered basic human rights or simply regulated services, questioning whether the model of regionalization serves as an instrument to promote regional development or as a pretext for the sector’s privatization. The methodological option covers conjunctural, historical, critical and comparative analysis of the national reality, in order to confirm that the recent Act promotes a grave change in the correlation of public and private economic forces in the sanitation sector, within the scope of the federated states and the role of the Brazilian National Development Bank (BNDES), responsible for modeling those deals, which risks mutating itself from a development bank into an auctioneer that facilitates sales, so long as it does not question potential consequences of these deals, such as the risk of tariff increases, restriction of access to services by the most vulnerable strata of the population and illegal privatization of a natural monopoly in its essence.

Keywords:
Basic Sanitation; Privatization; Regional Development; BNDES

Introdução

Em março de 2020, quando o mundo e o Brasil estavam aturdidos com o surgimento devastador da pandemia de Covid-19, o Congresso Nacional brasileiro aprovou a Lei nº 14.026/20 (BRASIL, 2020BRASIL. Lei nº 14.026/2020, de 15 de julho de 2020. Atualiza o marco legal do saneamento básico e altera a Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000, para atribuir à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) competência para editar normas de referência sobre o serviço de saneamento, a Lei nº 10.768, de 19 de novembro de 2003, para alterar o nome e as atribuições do cargo de Especialista em Recursos Hídricos, a Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, para vedar a prestação por contrato de programa dos serviços públicos de que trata o art. 175 da Constituição Federal, a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, para aprimorar as condições estruturais do saneamento básico no País, a Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, para tratar dos prazos para a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos, a Lei nº 13.089, de 12 de janeiro de 2015 (Estatuto da Metrópole), para estender seu âmbito de aplicação às microrregiões, e a Lei nº 13.529, de 4 de dezembro de 2017, para autorizar a União a participar de fundo com a finalidade exclusiva de financiar serviços técnicos especializados. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 15 jul. 2020.), que passou a vigorar a partir de julho daquele mesmo ano. Conhecida como o novo marco legal do saneamento básico no Brasil, essa norma alterou a regulação do setor, então disciplinado pela Lei nº 11.445/07, de Diretrizes Nacionais para o Saneamento Básico (LDNSB) (BRASIL, 2007BRASIL. Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico; cria o Comitê Interministerial de Saneamento Básico; altera as Leis nos 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 8.666, de 21 de junho de 1993, e 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; e revoga a Lei nº 6.528, de 11 de maio de 1978. (Redação pela Lei nº 14.026, de 2020). Diário Oficial da União , Brasília, DF, 8 jan. 2017. Retificado em 11 jan. 2017.). Embora a nova Lei mencione objetivos aparentemente importantes, como reforço da segurança jurídica, aumento de transparência, de eficiência e de efetividade na prestação dos serviços, além de incremento das condições para ampliar a participação privada, por meio de projetos em escala, para aperfeiçoar a oferta, o texto legal, na verdade, se orienta prioritariamente pelo paradigma do aumento da competitividade no setor e, em função disso, abriu caminho para a inserção do capital privado no chamado “negócio do saneamento”. Entre as alterações legais, houve mudança no modo de organização espacial do serviço de saneamento nos estados federados, em decorrência da imposição do formato de regionalização e das mudanças nas regras contratuais. Nesse contexto, o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) foi escolhido como o órgão responsável por coordenar os modelos de regionalização e da abertura, mediante leilão, do setor ao capital privado, fatos que revelam o firme propósito do governo de promover amplo processo de privatização do setor.

Este artigo traz questionamentos acerca das alterações realizadas ao tempo em que coloca no centro da discussão duas visões dicotômicas. São elas: (i) a compreensão da água e do saneamento como serviços regulados, mas também como direitos humanos fundamentais dos quais o Estado brasileiro não pode abrir mão; (ii) a regionalização como motor do desenvolvimento regional ou como justificativa astuciosa dos lobbies de plantão para anestesiar o debate em torno do intento de privatização (e seus desdobramentos). O setor de saneamento é atravessado por arranjos de poder multiescalares e multiníveis, consideradas a contextualização e a interlocução de múltiplos fatores, efeitos e níveis de análise, que suplantam os interesses locais, nomeadamente no cenário atual de pressão internacional por reformas em setores públicos estratégicos. Os grandes interesses empresariais globais usam os países periféricos para garantir retorno financeiro ao grande mercado global e suas corporações, no entanto, a narrativa geral é de que esses serviços serão melhorados, com garantia efetiva da necessária universalização e do acesso pleno aos direitos, pela abertura de concorrência pública para novos contratos, o que resultaria em tarifas mais módicas, entre outras benesses.

Os argumentos devem ser vistos com desconfiança, a começar pelo fato de que a provisão de água e esgoto faz parte dos chamados “monopólios naturais”, que não comportam ampla competição nem concorrência quando da concessão feita pelo poder público. Em geral, os setores passíveis de regulação são os que oferecem algum tipo de utilidade pública, como os de infraestrutura; contudo, há aí setores nos quais se constata a necessidade de monopólio em face do tipo de operação, do tempo e do alto investimento da empresa, que precisa trabalhar em economia de escala - entre estes, encontra-se o setor de água e saneamento. A ocorrência de monopólio natural é considerada falha de mercado e, nesses casos, a regulação agirá para coibir abusos de poder por cobranças indevidas, por má qualidade do serviço ou pela falta de universalização do acesso.

Outra alteração que deve ser monitorada e muitas vezes denunciada diz respeito às novas regras das contratações, que praticamente anulam o papel das Companhias Estaduais de Água e Esgoto, únicas que, por sua condição de estatal - empresa que não tem o lucro como finalidade precípua -, conseguem garantir a universalização do acesso para os rincões menos desenvolvidos de cada estado. As novidades incluem simplificação de ritos contratuais, adoção obrigatória, pelos estados federados segundo Lei estadual, de planos regionais de saneamento, elaborados fora do estado interessado e em atropelo à figura dos municípios, que não podem projetar planos municipais, assim como imposição da adoção do formato de regionalização por agrupamento de municípios, de modo a fracionar os riscos de inviabilidade financeira dos negócios. Esses e outros aspectos, se bem analisados, trazem, em vez de conforto, riscos à população, no curto, no médio e no longo prazo.

Para conduzir o estudo, os autores optaram por análises de tipo conjuntural, histórica, crítica e comparativa da realidade nacional, no âmbito da questão proposta. São utilizadas técnicas de leituras doutrinárias, legais e jurisprudenciais, dados oficiais nacionais e internacionais, como mapas e relatórios, bem como a participação em campo dos subscritores na realização de debates, assembleias online e outros eventos virtuais, além de audiências públicas, debates internos e checagem da veracidade das informações. Buscou-se garantir, desse modo, constante diálogo com os entes públicos e a sociedade civil envolvidos, como governos, assembleias legislativas, sindicatos, associações e outros. O processo resulta em análises e aferições acerca da estrutura regulatória atual, considerando o conjunto normativo estabelecido e os riscos pressupostos, permeados de alertas sobre os potenciais problemas quanto à garantia de direitos sociais e à capacidade estatal de condução, assim como os riscos ao processo de desenvolvimento nacional, com redução das desigualdades regionais, como manda a Constituição Federal (BRASIL, 1988BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente da República, [2016]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 20 jun. 2021.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
), no artigo 170, § 3º, inciso II, que inclui o desenvolvimento como objetivo e princípio fundamental da República Federativa do Brasil, de caráter obrigatório.

1. Água e saneamento: entre a regulação do serviço e a garantia do direito humano

Historicamente, o setor de saneamento não tem sido priorizado como política própria de Estado no Brasil; em vez disso, vem sendo submetido a uma lógica setorizada, atrelada e dependente de normatização e regulação pelo setor elétrico, em face do uso do potencial das águas para a produção hidroenergética. Em outras palavras, água depende de energia. Importante destacar que a energia foi inserida como elemento no Código de Águas de 1934 (BRASIL, 1934 BRASIL. Lei nº 24.643, de 10 de julho de 1934. Decreta o Codigo de Aguas. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 20 jul. 1934. ), reformulado em 1939, especialmente pela formação do Conselho Nacional de Águas e Energia (LORENZO, 2002LORENZO, H. C. de. O setor elétrico brasileiro: passado e futuro. Perspectivas, São Paulo, 24-25, p. 147-170, 2002.). Assim, o saneamento, considerado setor de elevado investimento, em virtude da baixa percepção pública e social no Brasil de sua essencialidade, foi relegado a um tratamento normativo assistemático, com investimentos emergenciais e pontuais diante de questões urgentes, como a epidemia de cólera e outras (MURTHA; CASTRO; HELLER, 2015 MURTHA, N. A; CASTRO, J. E; HELLER, L. Uma perspectiva histórica das primeiras políticas públicas de saneamento e de recursos hídricos no Brasil. Ambiente e Sociedade, São Paulo, v. XVIII, n. 3, p. 193-210, jul-set. 2015.; HELLER, 2018HELLER, L. (org.). Saneamento como política pública: um olhar a partir dos desafios do SUS. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2018.).

Esse cenário começou a ser alterado com o surgimento do Plano Nacional de Saneamento (Planasa), em 1970, que estimulou a criação das Companhias Estaduais de Saneamento Básico (Cesbs), de acordo com as metas da política habitacional nacional nas quais estavam alocados os serviços de água e saneamento em geral. Esse Plano instituiu o financiamento de investimento e manutenção composto de tarifas cobradas diretamente pelo serviço de água e saneamento; subsídios cruzados entre os setores (água e esgoto) e por localidade; subsídios públicos; financiamento público por meio de fundo específico e diversificado (HELLER, 2018HELLER, L. (org.). Saneamento como política pública: um olhar a partir dos desafios do SUS. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2018.; SMIDERLE, 2020SMIDERLE, J. J. Planasa e o novo marco legal do saneamento: semelhanças, diferenças e aprendizado. Rio de Janeiro: FGV: Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), 22 out. 2020. Disponível em: https://blogdoibre.fgv.br/posts/planasa-e-o-novo-marco-legal-do-saneamento-semelhancas-diferencas-e-aprendizado. Acesso em: 24 maio 2021.
https://blogdoibre.fgv.br/posts/planasa-...
), constituindo-se na primeira forma de regionalização do saneamento realizada no Brasil. Contudo, nele persistia a lógica setorizada do setor habitacional, com tratamento normativo e de prestação regionalizada estadual exercido por agências/órgãos subnacionais, estaduais e municipais.

A Constituição de 1988 (BRASIL, 1988BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente da República, [2016]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 20 jun. 2021.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
) alterou profundamente a visão fragmentada do setor de saneamento, bem como sua concepção como política pública de Estado, ao concentrar a titularidade da água na União e nos estados e do saneamento nos municípios, devendo a primeira instituir diretrizes para o saneamento básico e para um Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (art. 21, XIX-XX). Na sequência, para regulamentar o art. 21, XIX, da Constituição (BRASIL, 1988BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente da República, [2016]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 20 jun. 2021.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
), foi publicada a Lei nº 9.433/1997 (BRASIL, 1997BRASIL. Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997. Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamenta o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal, e altera o art. 1º da Lei nº 8.001, de 13 de março de 1990, que modificou a Lei nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 9 jan. 1997.), que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Singreh), buscando conciliar os múltiplos usos da água, a exemplo do setor de energia elétrica e do setor industrial.

Entretanto, somente em 5 de janeiro de 2007, com a publicação da Lei nº 11.445/07 (BRASIL, 2007BRASIL. Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico; cria o Comitê Interministerial de Saneamento Básico; altera as Leis nos 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 8.666, de 21 de junho de 1993, e 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; e revoga a Lei nº 6.528, de 11 de maio de 1978. (Redação pela Lei nº 14.026, de 2020). Diário Oficial da União , Brasília, DF, 8 jan. 2017. Retificado em 11 jan. 2017.), foi regulamentado o art. 21, XX, da Constituição (BRASIL, 1988BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente da República, [2016]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 20 jun. 2021.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
), ao estabelecer as diretrizes nacionais do saneamento básico e criar a Política Nacional de Saneamento Básico (PNSB), também chamada de marco legal do saneamento, que sistematizou o saneamento e seu tratamento como política pública de estado no país. Como resultado, foi criado, por meio do Decreto n° 8.141/13 (BRASIL, 2013aBRASIL. Decreto nº 8.141, de 20 de novembro de 2013. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 21 nov. 2013[a].), o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), que consistiu no planejamento integrado do setor considerando quatro componentes: (i) abastecimento de água potável; (ii) esgotamento sanitário; (iii) coleta de lixo e manejo de resíduos sólidos e (iv) drenagem e manejo das águas pluviais urbanas. A prestação desses serviços continuava com as Cesbs, realizada por meio de pactuação entre as companhias estaduais e os municípios.

No que tange à regulação, foi adotado o modelo das agências reguladoras setoriais, entre as quais energia (Lei nº 9.427/1996) (BRASIL, 1996BRASIL. Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996. Institui a Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, disciplina o regime das concessões de serviços públicos de energia elétrica e dá outras providências. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 27 dez. 1996. Republicado em 28 set. 1998.) e água (Lei nº 9.984/2000) (BRASIL, 2000BRASIL. Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000. Dispõe sobre a criação da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), entidade federal de implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos, integrante do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Singreh) e responsável pela instituição de normas de referência para a regulação dos serviços públicos de saneamento básico. (Redação dada pela Lei nº 14.026, de 2020). Diário Oficial da União , Brasília, DF, 18 jul. 2000.), enquanto o saneamento continuou regulado pelas agências subnacionais, estaduais ou locais. Isso se deu em função da Constituição de 1988 (BRASIL, 1988BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente da República, [2016]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 20 jun. 2021.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
), tendo em vista o cenário internacional de agencificação - ou regulação por agências -, bem como as alterações administrativas ocorridas na década de 1990, no cenário nacional de reforma do Estado brasileiro, que, entre itens como redução do tamanho do Estado e demarcação do seu papel regulador, levaram a uma massiva privatização. A criação da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) significou relevante mudança da tradição setorizada entre setores interdependentes da água, visto que a Política Nacional de Recursos Hídricos seria articulada com órgãos e entidades públicas e privadas integrantes do Singreh, apontando para a necessidade de parceria entre o setor de água e o setor elétrico, especialmente nas deliberações adotadas em momentos de crise, a exemplo do processo de verificação do nível dos reservatórios e da segurança de barragens.

No Brasil, existe uma crise hídrica latente e potencial que não se restringe ao setor elétrico ou ao uso industrial: ela afeta o acesso à água pela população mais vulnerável. É fato que a Constituição de 1988 (BRASIL, 1988BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente da República, [2016]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 20 jun. 2021.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
) não estabeleceu expressamente a água e o saneamento (incluídos aí coleta e tratamento de esgoto) como direitos humanos,1 1 Encontra-se em tramitação no Congresso Nacional a PEC nº 4/2018, que reconhece o direito à água potável como direito fundamental. Aprovada pelo Senado em 31 de março de 2021, ela ainda está aguardando a deliberação da Câmara dos Deputados. entretanto, em 2010, o acesso à água foi reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) como tal. Assim, a LDNSB foi dotada de dispositivos que associam o acesso à água a parâmetros de direito humano social universal em face dos objetivos da política setorial, que mencionam a diminuição das desigualdades regionais por intermédio de medidas de saúde pública e de criação de emprego e renda, na compreensão do desenvolvimento regional como meio de inclusão social por gestão socialmente justa das atividades do setor.

Nesse sentido, é certo que os marcos legais nacionais aqui citados precisavam ser aprimorados. Conforme argumenta Britto (2019BRITTO, A. L. N. de P. Água e esgoto: uma privatização selvagem. Outras Palavras, 2019. Disponível em: https://outraspalavras.net/cidadesemtranse/agua-e-esgoto-uma-privatizacao-selvagem/. Acesso em: 27 jul. 2021.
https://outraspalavras.net/cidadesemtran...
), seria necessário: (i) considerar o direito humano à água e ao saneamento como princípios; (ii) assegurar um volume mínimo de água àqueles que não possuem capacidade de pagamento; e (iii) estabelecer instrumentos que reforcem o controle social, o planejamento e a capacidade técnica dos gestores públicos. O país deveria, pois, ampliar a proteção das pessoas mediante esse marco regulatório e o diálogo entre os setores e segmentos envolvidos.

Porém, o que se viu em julho de 2020 foi a atípica e rápida aprovação pelo Congresso Nacional da Lei nº 14.026/20 (BRASIL, 2020BRASIL. Lei nº 14.026/2020, de 15 de julho de 2020. Atualiza o marco legal do saneamento básico e altera a Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000, para atribuir à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) competência para editar normas de referência sobre o serviço de saneamento, a Lei nº 10.768, de 19 de novembro de 2003, para alterar o nome e as atribuições do cargo de Especialista em Recursos Hídricos, a Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, para vedar a prestação por contrato de programa dos serviços públicos de que trata o art. 175 da Constituição Federal, a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, para aprimorar as condições estruturais do saneamento básico no País, a Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, para tratar dos prazos para a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos, a Lei nº 13.089, de 12 de janeiro de 2015 (Estatuto da Metrópole), para estender seu âmbito de aplicação às microrregiões, e a Lei nº 13.529, de 4 de dezembro de 2017, para autorizar a União a participar de fundo com a finalidade exclusiva de financiar serviços técnicos especializados. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 15 jul. 2020.), que desfigurou a Lei nº 11.445/07, bem como diversas outras leis. Foi instituída nova racionalidade, aproveitando-se da catástrofe pandêmica, para desmantelar o marco legal anterior e impor agendas importantes, com alto impacto no cotidiano do planejamento urbano e rural. Importa destacar que, entre as alterações efetivadas por essa lei, foi determinada a regulação do setor de saneamento pela ANA, agência federal, fato que causa perplexidade pelo enorme impacto sobre estados e municípios, que, além da titularidade do serviço e da expertise histórica, conhecem as necessidades locais e não participaram da elaboração nem da aprovação dessa norma.

2. As alterações trazidas pela Lei nº 14.026/20

Como anteriormente mencionado, o marco brasileiro do saneamento, que antecedeu a Lei nº 14.026/20 (BRASIL, 2020BRASIL. Lei nº 14.026/2020, de 15 de julho de 2020. Atualiza o marco legal do saneamento básico e altera a Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000, para atribuir à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) competência para editar normas de referência sobre o serviço de saneamento, a Lei nº 10.768, de 19 de novembro de 2003, para alterar o nome e as atribuições do cargo de Especialista em Recursos Hídricos, a Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, para vedar a prestação por contrato de programa dos serviços públicos de que trata o art. 175 da Constituição Federal, a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, para aprimorar as condições estruturais do saneamento básico no País, a Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, para tratar dos prazos para a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos, a Lei nº 13.089, de 12 de janeiro de 2015 (Estatuto da Metrópole), para estender seu âmbito de aplicação às microrregiões, e a Lei nº 13.529, de 4 de dezembro de 2017, para autorizar a União a participar de fundo com a finalidade exclusiva de financiar serviços técnicos especializados. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 15 jul. 2020.), necessitava de alterações. Para tanto, cogitavam-se várias possibilidades de reutilização dos mecanismos adotados pelos planos anteriores, com alterações legislativas pontuais direcionadas à inserção das questões apontadas no tópico precedente. A correção dos problemas poderia implicar basicamente: (i) fiscalização e punição dos entes com relação aos fundos públicos de investimento no saneamento; (ii) obrigatoriedade de retenção total do produto e reinvestimento integral das Cesbs nos serviços de saneamento; (iii) limitação quanto à distribuição de lucros e dividendos; e/ou (iv) alteração do formato das Cesbs, de sociedade de economia mista para empresa pública, com participação da União, do estado e do município.

Essas alterações basilares resultariam de amplo debate nacional e participação municipal e estadual. Em suma, ter-se-ia, além da universalização efetiva do saneamento, com seus desdobramentos sanitários (saúde e vida digna) e de produtividade (imprescindibilidade da água e do esgotamento para todos os setores produtivos, rural e urbano), a efetiva promoção do desenvolvimento regional e nacional, diante da interdependência do acesso ao saneamento como desenvolvimento (SARTI; ULTREMARE, 2018 SARTI, F.; ULTREMARE, F . Padrão de investimento e a estratégia financeira das grandes empresas regionais do setor de Água e Esgto (AE) no Brasil. In: HELLER, L . (org.). Saneamento como política pública: um olhar a partir dos desafios do SUS. Rio de Janeiro: Fiocruz , 2018. p. 105-132.). Entretanto, esses debates foram surpreendidos pela celeridade da aprovação da Lei nº 14.026/20 (BRASIL, 2020BRASIL. Lei nº 14.026/2020, de 15 de julho de 2020. Atualiza o marco legal do saneamento básico e altera a Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000, para atribuir à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) competência para editar normas de referência sobre o serviço de saneamento, a Lei nº 10.768, de 19 de novembro de 2003, para alterar o nome e as atribuições do cargo de Especialista em Recursos Hídricos, a Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, para vedar a prestação por contrato de programa dos serviços públicos de que trata o art. 175 da Constituição Federal, a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, para aprimorar as condições estruturais do saneamento básico no País, a Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, para tratar dos prazos para a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos, a Lei nº 13.089, de 12 de janeiro de 2015 (Estatuto da Metrópole), para estender seu âmbito de aplicação às microrregiões, e a Lei nº 13.529, de 4 de dezembro de 2017, para autorizar a União a participar de fundo com a finalidade exclusiva de financiar serviços técnicos especializados. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 15 jul. 2020.), ocorrida em momento excepcional e sem consulta pública ampliada, com mudanças profundas na racionalidade normativa anterior, nos aspectos relativos à prestação, financiamento e regulação do serviço.

Nessa perspectiva, a Lei nº 14.026/20 (BRASIL, 2020BRASIL. Lei nº 14.026/2020, de 15 de julho de 2020. Atualiza o marco legal do saneamento básico e altera a Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000, para atribuir à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) competência para editar normas de referência sobre o serviço de saneamento, a Lei nº 10.768, de 19 de novembro de 2003, para alterar o nome e as atribuições do cargo de Especialista em Recursos Hídricos, a Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, para vedar a prestação por contrato de programa dos serviços públicos de que trata o art. 175 da Constituição Federal, a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, para aprimorar as condições estruturais do saneamento básico no País, a Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, para tratar dos prazos para a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos, a Lei nº 13.089, de 12 de janeiro de 2015 (Estatuto da Metrópole), para estender seu âmbito de aplicação às microrregiões, e a Lei nº 13.529, de 4 de dezembro de 2017, para autorizar a União a participar de fundo com a finalidade exclusiva de financiar serviços técnicos especializados. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 15 jul. 2020.), em vez de aproveitar as experiências anteriores, objetivou enfraquecê-las e/ou eliminá-las. Podem ser elencadas as seguintes alterações: (i) mudança profunda das atribuições da ANA, incluindo o saneamento em sua competência, como condição preliminar essencial para as mudanças posteriores; (ii) imposição, aos estados, do formato de “regionalização” por blocos de municípios integrados ao sistema de águas e saneamento, estipulando prazos e punições da parte da União contra os estados, regra excessiva, que desvirtua o princípio federativo da autogestão de estados e municípios; (iii) extinção dos chamados “contratos de programa”, celebrados com as companhias estaduais de água e esgoto, em regime preferencial, passando a exigir abertura de processo licitatório; (iv) eliminação do “subsídio cruzado”, que incorporava o princípio da solidariedade entre municípios superavitários e deficitários do sistema de água e esgoto dentro do mesmo estado, pontos que serão abordados a seguir.

Importante mencionar que essa transformação toda está diretamente relacionada ao modelo privatista proposto, em face do qual os serviços de saneamento migram das empresas públicas para a iniciativa privada. Assim, esse “novo marco do saneamento” representa o reavivamento de um processo emblemático de desconstrução do Estado brasileiro que ataca especificamente os serviços públicos, em setores de relevância estratégica. Dessa forma, a Lei de saneamento desinstrumentaliza as companhias estaduais de água e esgoto, base de sustentação dessa política no país, sabendo-se que a Lei de 2007 já previa a abertura do capital das companhias estatais, preservando, todavia, tanto o contrato de programa como o subsídio cruzado, elementos fundamentais para a concretização do direito social e humano ao saneamento e à água, bem como ao desenvolvimento.

2.1 Mudanças quanto à estrutura regulatória e ampliação dos poderes da ANA

Pela nova lei, a ANA passou a abranger setor de saneamento básico, com o acréscimo da difícil missão de promover a articulação entre os três planos da política de saneamento, quais sejam: o Plano Nacional de Saneamento Básico, o Plano Nacional de Resíduos Sólidos e o Plano Nacional de Recursos Hídricos. A ANA tem competência, ainda, para delegar os serviços de fiscalização de uso dos recursos hídricos e de operação de reservatórios, mediante convênio ou instrumento correlato, a outros órgãos e entidades da administração pública federal, estadual e do Distrito Federal.

As atribuições de competência da ANA foram seriamente ampliadas e complexificadas. Em síntese, pela nova lei, é competência da Agência: (i) fixar normas de referência para a regulação dos serviços públicos de saneamento básico, seus titulares e entidades reguladoras e fiscalizadoras, com padrões de qualidade e eficiência na prestação, para a manutenção e operação dos sistemas de saneamento básico, assim como para a regulação tarifária dos serviços, em parâmetros como o equilíbrio econômico-financeiro e a universalização do acesso; (ii) padronizar os instrumentos negociais de prestação de serviços públicos de saneamento básico, pelo estabelecimento de metas de qualidade, eficiência e ampliação da cobertura dos serviços e universalização destes; (iii) fixar critérios para a contabilidade regulatória e o sistema de avaliação do cumprimento dos objetivos de ampliação dos serviços, estipulando conteúdo mínimo para a prestação universalizada e para a sustentabilidade econômico-financeira dos serviços públicos no setor de saneamento básico, entre outras.

As novas atribuições da ANA abrangem a fixação de parâmetros de negociação, estrutura tarifária e sustentabilidade econômico-financeira, essenciais para a própria higidez e universalização do saneamento básico em face do modelo privatista. Assim, é razoável admitir que a concretização dessas atribuições deveria ser anterior à execução das metas impostas aos outros órgãos e entes públicos, como estados e municípios; entretanto, este representa um dos graves problemas da Lei nº 14.026/20 (BRASIL, 2020BRASIL. Lei nº 14.026/2020, de 15 de julho de 2020. Atualiza o marco legal do saneamento básico e altera a Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000, para atribuir à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) competência para editar normas de referência sobre o serviço de saneamento, a Lei nº 10.768, de 19 de novembro de 2003, para alterar o nome e as atribuições do cargo de Especialista em Recursos Hídricos, a Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, para vedar a prestação por contrato de programa dos serviços públicos de que trata o art. 175 da Constituição Federal, a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, para aprimorar as condições estruturais do saneamento básico no País, a Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, para tratar dos prazos para a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos, a Lei nº 13.089, de 12 de janeiro de 2015 (Estatuto da Metrópole), para estender seu âmbito de aplicação às microrregiões, e a Lei nº 13.529, de 4 de dezembro de 2017, para autorizar a União a participar de fundo com a finalidade exclusiva de financiar serviços técnicos especializados. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 15 jul. 2020.), que, no intento de concretizar rapidamente o propósito de atrair o competidor privado, atraindo mais concorrência, acabou gerando dificuldades com a ordem dos prazos. Estabeleceram-se: (i) um ano para a regionalização pelos estados; (ii) dois anos para o cumprimento de medidas preliminares pela ANA; (iii) cento e oitenta dias para a adesão dos municípios à prestação regionalizada; (iv) noventa dias para a adesão dos órgãos reguladores locais às normas de referência. Aos que não aderirem, nos termos da lei, não haverá transferência de recursos federais.

Observe-se que os prazos foram subvertidos em razão dos efeitos de cada ato, posto que a regionalização, após a vedação de celebração e/ou renovação dos contratos de programa, consiste na imediata privatização dos serviços. Ocorre que foi concedido prazo inferior para a implementação de medidas que possibilitam a transferência dos serviços à iniciativa privada e prazo bem mais alargado para o exercício das complexas novas funções regulatórias, equação que pode desandar na restrição do acesso ao direito humano à água, como será detalhado adiante. A ANA ainda não foi estruturada e, por conseguinte, não exerce suas novas competências, uma vez que nem mesmo realizou o concurso público previsto para os 239 novos cargos, “imprescindíveis para a consecução das novas funções da agência”, conforme declarado pela então presidente da Agência em evento sobre a temática (ANA, 2020ANA. Agência Nacional de Águas. Webinar ANA - O novo marco legal do saneamento. 3 jul. 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Lamzmo2_1SQ&list=PLdDOTUuInCuzz4MwUVxy3dcZkUckrQocb&index=2. Acesso em: 3 jul. 2020.
https://www.youtube.com/watch?v=Lamzmo2_...
).

2.2 A regionalização forçada

A ideia de prestação regionalizada não é inédita no Brasil, visto que a regionalização no setor de saneamento não surgiu com a Lei nº 14.026/20 (BRASIL, 2020BRASIL. Lei nº 14.026/2020, de 15 de julho de 2020. Atualiza o marco legal do saneamento básico e altera a Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000, para atribuir à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) competência para editar normas de referência sobre o serviço de saneamento, a Lei nº 10.768, de 19 de novembro de 2003, para alterar o nome e as atribuições do cargo de Especialista em Recursos Hídricos, a Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, para vedar a prestação por contrato de programa dos serviços públicos de que trata o art. 175 da Constituição Federal, a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, para aprimorar as condições estruturais do saneamento básico no País, a Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, para tratar dos prazos para a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos, a Lei nº 13.089, de 12 de janeiro de 2015 (Estatuto da Metrópole), para estender seu âmbito de aplicação às microrregiões, e a Lei nº 13.529, de 4 de dezembro de 2017, para autorizar a União a participar de fundo com a finalidade exclusiva de financiar serviços técnicos especializados. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 15 jul. 2020.), mas com o primeiro Planasa, disciplinado em seguida pela Lei nº 11.445/07 (BRASIL, 2007BRASIL. Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico; cria o Comitê Interministerial de Saneamento Básico; altera as Leis nos 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 8.666, de 21 de junho de 1993, e 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; e revoga a Lei nº 6.528, de 11 de maio de 1978. (Redação pela Lei nº 14.026, de 2020). Diário Oficial da União , Brasília, DF, 8 jan. 2017. Retificado em 11 jan. 2017.), no propósito expresso de facilitar economia de escala, por intermédio de consórcios e correlatos (ALOCHIO, 2007ALOCHIO, L. H. A. Direito do saneamento. Campinas: Millennium, 2007., p. 71-74). Com efeito, a regionalização pública consorciada e colaborativa entre entes públicos está na Lei de 2007, conforme o estabelecido no art. 241 da Constituição de 1988 (BRASIL, 1988BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente da República, [2016]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 20 jun. 2021.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
), que efetivou a regionalização facultativa direcionada à gestão e à prestação públicas dos serviços, por meio de consórcios e convênios públicos, com ganho de economia de escala.

A Lei nº 14.026/20 (BRASIL, 2020BRASIL. Lei nº 14.026/2020, de 15 de julho de 2020. Atualiza o marco legal do saneamento básico e altera a Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000, para atribuir à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) competência para editar normas de referência sobre o serviço de saneamento, a Lei nº 10.768, de 19 de novembro de 2003, para alterar o nome e as atribuições do cargo de Especialista em Recursos Hídricos, a Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, para vedar a prestação por contrato de programa dos serviços públicos de que trata o art. 175 da Constituição Federal, a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, para aprimorar as condições estruturais do saneamento básico no País, a Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, para tratar dos prazos para a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos, a Lei nº 13.089, de 12 de janeiro de 2015 (Estatuto da Metrópole), para estender seu âmbito de aplicação às microrregiões, e a Lei nº 13.529, de 4 de dezembro de 2017, para autorizar a União a participar de fundo com a finalidade exclusiva de financiar serviços técnicos especializados. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 15 jul. 2020.), por sua vez, prevê situação diversa ao possibilitar a regionalização obrigatória, mediante a instituição de duas novas figuras de prestação regionalizada: (i) a unidade regionalizada (comumente tratada como microrregiões), a ser criada pelos estados por meio de Lei complementar, e (ii) o bloco de referência, a ser criado pela União, na hipótese de os estados não editarem a respectiva Lei complementar estadual no prazo previsto. Recorde-se que essas exigências foram condicionadas à liberação de recursos federais para a adesão da prestação regionalizada e à emissão das normas de referência.

A proposta de regionalização, que pretende garantir universalização do saneamento mediante ganho de escala, com alteração na forma de prestação do serviço e no custeio, consolida o espaço dos serviços de saneamento para o setor privado lucrativo.2 2 Diz-se privado lucrativo em contraposição à iniciativa privada sem fins lucrativos, tal como as entidades sem finalidade lucrativa comunitárias, cooperativas e paraestatais que integram o chamado terceiro setor. Nesse sentido, a Lei nº 14.026/20 (BRASIL, 2020BRASIL. Lei nº 14.026/2020, de 15 de julho de 2020. Atualiza o marco legal do saneamento básico e altera a Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000, para atribuir à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) competência para editar normas de referência sobre o serviço de saneamento, a Lei nº 10.768, de 19 de novembro de 2003, para alterar o nome e as atribuições do cargo de Especialista em Recursos Hídricos, a Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, para vedar a prestação por contrato de programa dos serviços públicos de que trata o art. 175 da Constituição Federal, a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, para aprimorar as condições estruturais do saneamento básico no País, a Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, para tratar dos prazos para a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos, a Lei nº 13.089, de 12 de janeiro de 2015 (Estatuto da Metrópole), para estender seu âmbito de aplicação às microrregiões, e a Lei nº 13.529, de 4 de dezembro de 2017, para autorizar a União a participar de fundo com a finalidade exclusiva de financiar serviços técnicos especializados. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 15 jul. 2020.) veda a preferência na contratação para empresas públicas prestadoras dos serviços de água e saneamento, assim como proíbe a renovação e a celebração dos contratos de programa, que, em geral, independem de licitação e têm validade por prazo considerável, com cláusula de renovação automática (DI PIETRO, 2014DI PIETRO, S. Z. Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2014.).

A vedação dos contratos de programa tem como objetivo forçar a realização de licitações, sem dar preferência às empresas públicas e deixando-as fragilizadas, especialmente em razão da atual situação de crise econômico-financeira-sanitária decorrente da pandemia de Covid-19. Ademais, o setor privado contará com vultosos aportes de financiamento por parte do BNDES, medida que não será estendida às empresas públicas e certamente provocará diferenças nas bases competitivas, sabendo-se que os valores oriundos dessa instituição pública consistem em recursos públicos ressarcidos pelas tarifas advindas do próprio serviço de saneamento.

Importa ratificar que a titularidade dos serviços de saneamento compete aos municípios, conforme o art. 30, V, da Constituição Federal (BRASIL, 1988BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente da República, [2016]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 20 jun. 2021.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
), a quem cabe “organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local”. Conforme decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Direta de Inconstitucionalidade de nº 1.842/RJ (BRASIL, 2013bBRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.842. Rio de Janeiro. Ação direta de inconstitucionalidade. Instituição de região metropolitana e competência para saneamento básico. Rqete.: Partido Democrático Trabalhista (PDT). Intdo.: Governador do estado do Rio de Janeiro. Intdo.: Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Relatora: Min. Luiz Fux, 6 de março de 2013[b]. Lex: jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. ), que fixou essa titularidade no município, pode haver, no caso das regiões metropolitanas, compartilhamento da titularidade entre estados e municípios, desde que exercida de forma colegiada, por meio de assembleias com a participação de todos os prefeitos e do governador do estado.

O prazo de um ano concedido pela Lei nº 14.026/20 (BRASIL, 2020BRASIL. Lei nº 14.026/2020, de 15 de julho de 2020. Atualiza o marco legal do saneamento básico e altera a Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000, para atribuir à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) competência para editar normas de referência sobre o serviço de saneamento, a Lei nº 10.768, de 19 de novembro de 2003, para alterar o nome e as atribuições do cargo de Especialista em Recursos Hídricos, a Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, para vedar a prestação por contrato de programa dos serviços públicos de que trata o art. 175 da Constituição Federal, a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, para aprimorar as condições estruturais do saneamento básico no País, a Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, para tratar dos prazos para a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos, a Lei nº 13.089, de 12 de janeiro de 2015 (Estatuto da Metrópole), para estender seu âmbito de aplicação às microrregiões, e a Lei nº 13.529, de 4 de dezembro de 2017, para autorizar a União a participar de fundo com a finalidade exclusiva de financiar serviços técnicos especializados. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 15 jul. 2020.) aos estados para aprovarem suas leis complementares de regionalização contraria essa compreensão. Na verdade, os entes federativos regionais e locais, absolutamente envolvidos com o combate à pandemia e com o confronto com o governo federal nessa matéria, não tiveram tempo suficiente de maturação para engendrar debate efetivo, com oitiva ou audição social pública e interlocução efetiva, respeitadas as esferas de competência e a capacidade financeira de cada unidade. Ao fim, quase todos os estados acabaram por aderir a um modelo de regionalização elaborado por firmas, como a Fundação para Pesquisa e Desenvolvimento da Administração, Contabilidade e Economia (Fundace), situada em Ribeirão Preto, São Paulo, que padronizou as grandes linhas do procedimento, sem trabalhar o conteúdo com os técnicos estaduais e sem atentar para detalhes internos importantes, como a compatibilização entre municípios deficitários e superavitários, medida de pulverização das desigualdades. A ausência desse processo certamente resultará em disparidades entre regiões mais favorecidas e menos favorecidas.

Até o momento, esgotado o prazo legal, vinte estados federados aprovaram leis complementares, mas sete não conseguiram. O mapeamento final da regionalização do saneamento no país resta eivado de duvidosa constitucionalidade, por diversos motivos, como a mencionada e imprescindível simetria de informações entre os entes federativos envolvidos, devidamente dialogadas e aptas a gerar consensos, sem sobreposição de um ente sobre o outro. Os estados “inadimplentes” aguardam desdobramentos, sob o iminente risco de regionalização compulsória, embora a União não tenha ainda sinalizado essas medidas, por saber que, na verdade, não pode adotá-las, por vício de inconstitucionalidade.

A abordagem até aqui apresentada denuncia os riscos das falsas políticas de desenvolvimento, cujos benefícios finais acabam por se concentrar nas mãos de pequenos grupos internacionais e internos. O próprio Celso Furtado (1961FURTADO, C. Desenvolvimento e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961.; 1974FURTADO, C. O mito do desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974.), estudioso da temática do desenvolvimento com foco na questão das desigualdades regionais, nomeadamente em relação aos vieses da dependência de estruturas produtivas nacionais moldadas pelo estágio do capitalismo vigente nos países centrais, alertava que os objetivos estratégicos das políticas públicas periféricas serão sempre de natureza social ou não terão cumprido a sua finalidade. É assim com relação à água e ao saneamento, visto que, na realidade, a forma de custeio e de financiamento dessa política adotada no Brasil, pelas peculiaridades aqui mencionadas, deverá impactar severamente o cenário social e político-econômico do país.

2.3 A questão do subsídio cruzado

O tema se insere na discussão sobre o financiamento para garantir infraestruturas originárias e a manutenção dos serviços estatais essenciais, bem como a universalização do serviço por acessibilidade econômica. Em geral, os subsídios econômicos ou financeiros podem ser públicos ou privados, ambos largamente utilizados no Brasil e no mundo, em diversos setores, incluindo o setor de saneamento (BRASIL, 2019BRASIL. Conta de desenvolvimento energético: subsídios públicos ou cruzados? Boletim mensal sobre os subsídios da União. Edição 7. Brasília, DF: Secap; Ministério da Economia, abr. 2019. Disponível em: https://www.gov.br/economia/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/boletim-subsidios/arquivos/2019/boletim-cde.pdf. Acesso em: 6 jun. 2021.
https://www.gov.br/economia/pt-br/centra...
; CRUZ, K.; RAMOS, 2016CRUZ, K. A. da; RAMOS, F. S. Evidências de subsídio cruzado no setor de saneamento básico nacional e suas consequências. Nova Economia [online], v. 26, n. 2, p. 623-651, 2016. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0103-6351/2544. Acesso em: 6 jun. 2021.
https://doi.org/10.1590/0103-6351/2544...
). Os subsídios podem ser oriundos de renúncias de receitas ou de realização de despesas públicas arcados pelo contribuinte e impactam diretamente no erário, consistindo em mecanismo de política pública que visa reduzir o preço ao consumidor ou o custo do produtor (BRASIL, 2019BRASIL. Conta de desenvolvimento energético: subsídios públicos ou cruzados? Boletim mensal sobre os subsídios da União. Edição 7. Brasília, DF: Secap; Ministério da Economia, abr. 2019. Disponível em: https://www.gov.br/economia/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/boletim-subsidios/arquivos/2019/boletim-cde.pdf. Acesso em: 6 jun. 2021.
https://www.gov.br/economia/pt-br/centra...
). Por outro lado, os subsídios cruzados, do tipo privado, são arcados pelo consumidor e equivalem a um tipo de intervenção do Estado sobre os preços ao consumidor ou custos do produtor, não envolvendo valores públicos, por se tratar de “transferência de mercado realizada ao discriminar preços entre os consumidores dentro do escopo de uma mesma empresa ou agência” (BRASIL, 2019BRASIL. Conta de desenvolvimento energético: subsídios públicos ou cruzados? Boletim mensal sobre os subsídios da União. Edição 7. Brasília, DF: Secap; Ministério da Economia, abr. 2019. Disponível em: https://www.gov.br/economia/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/boletim-subsidios/arquivos/2019/boletim-cde.pdf. Acesso em: 6 jun. 2021.
https://www.gov.br/economia/pt-br/centra...
, p. 1).

Os subsídios cruzados (privados) possuem função pública redistributiva, ferramenta que auxilia o estado na redistribuição do bem-estar de um grupo de consumidores em benefício de outro. A utilização de subsídios cruzados pode se dar por determinação legal, como na hipótese dos consumidores de energia elétrica e de sistemas de irrigação, em que os produtores rurais são subsidiados pelos demais consumidores, ou por meio da prática de discriminação de preços, realizada por empresas públicas, como ocorre nas empresas de saneamento. São verificados a partir da estrutura tarifária aplicada e da análise dos balanços contábeis das empresas estaduais, podendo ocorrer, no caso do saneamento, tanto no eixo dos consumidores como no eixo do produto, ambos decorrentes da discriminação de preços entre consumidores (CRUZ, K.; RAMOS, 2016CRUZ, K. A. da; RAMOS, F. S. Evidências de subsídio cruzado no setor de saneamento básico nacional e suas consequências. Nova Economia [online], v. 26, n. 2, p. 623-651, 2016. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0103-6351/2544. Acesso em: 6 jun. 2021.
https://doi.org/10.1590/0103-6351/2544...
).

No setor de saneamento, em regra, os subsídios cruzados derivam de dois mecanismos. São eles: (i) estabelecimento de consumo mínimo, em que geralmente se paga determinado valor até 10m³ e, a partir daí, consideram-se valores progressivos conforme o consumo, ou seja, em perspectiva racional - quem consome mais tem maior capacidade econômica para custear o sistema; (ii) diferença tarifária, na qual se discriminam categorias, com faixa diferenciada de preços segundo o enquadramento - residencial (tarifa social e tarifa normal), comercial, industrial e público. Nessa ordenação, ocorre a redistribuição tanto entre consumidores como entre produtos, de modo que o sistema opera eficientemente, universalizando o serviço sem excluir consumidores de baixa renda e um dos serviços (água ou esgoto).

Na Lei anterior, havia um regime pautado no modelo solidário e redistributivo do subsídio cruzado, embutido na própria estrutura tarifária. No entanto, a partir da nova lei, isso não será mais possível. Os primeiros efeitos serão o aumento das tarifas para as comunidades mais carentes (não mais protegidas) e a incerteza sobre a tarifa social, alternativa a descartar na estrutura tarifária das companhias. Os municípios deficitários, cujos custos de operação das companhias não são cobertos única e exclusivamente pelos usuários da localidade, serão penalizados, enquanto as empresas privadas tendem a ser favorecidas nas regiões superavitárias, ficando para as companhias estaduais o dever de manter por contrato as obrigações sobre regiões que internamente não se pagam. Isso perpetua uma situação de injustiça social e não concretiza o direito humano à água.

O impacto pode representar a desestruturação das companhias estaduais de água e saneamento, posto que a prática de subsídios cruzados entre municípios somente faz sentido quando uma mesma empresa atende a diferentes áreas de concessão, abrangendo regiões deficitárias e superavitárias (CRUZ, F.; BRANCO, 2019CRUZ, F. P.; BRANCO, R. S. Estudo sobre os subsídios cruzados intermunicipais dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário no estado do Rio de Janeiro. In: SIMPÓSIO DE GESTÃO AMBIENTAL E BIODIVERSIDADE, 8., 2019, Rio de Janeiro. Anais [...]. Rio de Janeiro: UFRRJ, 2019. Disponível em: http://itr.ufrrj.br/sigabi/anais. Acesso em: 1º ago. 2021.
http://itr.ufrrj.br/sigabi/anais...
). Se a Companhia Estadual ficar apenas ou majoritariamente com a concessão de regiões economicamente deficitárias, a operação financeira e contábil da empresa logo poderá se tornar inviável, fator que atingirá programas de desenvolvimento regional e os direitos daí decorrentes.

3. O controverso papel do BNDES no processo de mudança de perfil do Estado brasileiro

É importante destacar o papel que o BNDES desempenha no contexto do novo marco do saneamento, tornando-se uma espécie de mediador entre a União e os estados, no sentido de convencê-los a concordar com o modelo da lei, propor os formatos de “negócio” e organizar os leilões dos blocos da concessão regionalizada dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário. De maneira geral, o modus operandi desse processo inclui a disponibilização de farto crédito para as empresas dispostas a arrematar lotes de saneamento nos leilões (CARRO, 2020 CARRO, R. BNDES terá dois modelos para saneamento. Valor Econômico, 10 fev. 2020. Disponível em: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2020/02/10/bndes-tera-dois-modelos-para-saneamento.ghtml. Acesso em: 15 jun. 2021.
https://valor.globo.com/brasil/noticia/2...
). O Quadro 1 detalha o conjunto de projetos coordenados por essa instituição e seu atual status.

Quadro 1
Projetos de privatização elaborados pelo BNDES

O processo de modelagem dos contratos e viabilização das negociações nos estados está sob a coordenação do Departamento de Desestatização e Estruturação de Projetos do BNDES. Há algum tempo, o Banco vinha incentivando especialmente as parcerias público-privadas (PPPs), porém, nos últimos anos, tem acelerado o passo, notadamente ante a obrigatoriedade de regionalização no prazo exíguo do novo marco. A intenção é aumentar a participação do setor privado no “negócio do saneamento”. Assim, o BNDES mantém carteira de crédito à infraestrutura específica para o saneamento.

Na verdade, antes mesmo do novo marco, vinha ocorrendo um processo silencioso de negociação. Segundo Werner e Hirt (2021 WERNER, D.; HIRT, C. Neoliberalização dos serviços públicos: o papel do BNDES no saneamento básico pós-2000. Urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, v. 13. 2021. Disponível em: https://periodicos.pucpr.br/index.php/Urbe/article/view/27583. Acesso em: 12 jun. 2021.
https://periodicos.pucpr.br/index.php/Ur...
, p. 12), o banco teria “consolidado sua atuação think tank”, ou seja, de instituição que pensa e produz conhecimento sobre temas políticos, econômicos e/ou científicos, atuando como advocacy na elaboração de modelos de negócios privados no setor de saneamento. Claro que agora as unidades federativas se encontram em situação de maior pressão diante dos dispositivos legais e da impossibilidade de renovar ou de estabelecer contratos de programa, sem contar a obrigatoriedade da licitação dos serviços de saneamento. O resultado, conforme mencionado, poderá ser o enfraquecimento das companhias públicas de saneamento e a oferta ampla de crédito público para as empresas privadas do setor, de forma que o caminho inevitável para muitos será a desestatização ou a privatização das companhias públicas (SANTANA; KUWAJIMA; SANTOS, 2020 SANTANA, A. S. de; KUWAJIMA, J. I.; SANTOS, G. R dos . Regulação e investimento no setor de saneamento no Brasil: trajetórias, desafios e incertezas. Brasília, DF: Ipea, 2020.).

Nesse cenário, o BNDES, como banco público, tem sido fundamental para a desestatização progressiva do setor de saneamento no Brasil, com papel central e contraditório no processo de financeirização do saneamento por empréstimos, fundos de investimentos internacionais, abertura de capital das empresas públicas (economia mista) do setor, além da criação de um fundo público, por meio do FI-FGTS, BNDESPAR, medidas que permitem a geração de um “ambiente de negócio favorável” (WERNER; HIRT, 2021 WERNER, D.; HIRT, C. Neoliberalização dos serviços públicos: o papel do BNDES no saneamento básico pós-2000. Urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, v. 13. 2021. Disponível em: https://periodicos.pucpr.br/index.php/Urbe/article/view/27583. Acesso em: 12 jun. 2021.
https://periodicos.pucpr.br/index.php/Ur...
).

Atuando como estruturador de projeto, mediador e provedor de créditos para “sanear” o negócio do saneamento, o BNDES está sendo o grande “avalista” do processo de desconstrução da estatalidade brasileira no setor de saneamento. O discurso das autoridades do Banco e do Ministério de Desenvolvimento Regional repete à exaustão que o mercado estaria maduro e que esse investimento representa aposta concreta no desenvolvimento nacional. No entanto, quando se pensa que as ações do BNDES, em situações de crise, deveriam atuar de forma anticíclica para auxiliar na formulação das soluções para a retomada do desenvolvimento econômico, com garantias sociais, percebe-se, diante do resultado desastroso da regionalização adotada em diversos estados, em geral decorrente da separação entre regiões economicamente viáveis e outras que não interessam à iniciativa privada, a concentração da oferta em determinadas faixas geopolíticas, prejudicando seriamente a universalização do acesso e a qualidade do serviço, sem contar com a majoração das tarifas. O modelo pode não gozar da sustentabilidade prometida e augurada, como se verá adiante.

4. Sinais de que o Brasil está no contrafluxo mundial

O custo dessa alteração normativa certamente será mais abrangente do que a simples questão tarifária. No caso do custeio, o arcabouço jurídico anterior à Lei nº 14.026/2020 (BRASIL, 2020BRASIL. Lei nº 14.026/2020, de 15 de julho de 2020. Atualiza o marco legal do saneamento básico e altera a Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000, para atribuir à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) competência para editar normas de referência sobre o serviço de saneamento, a Lei nº 10.768, de 19 de novembro de 2003, para alterar o nome e as atribuições do cargo de Especialista em Recursos Hídricos, a Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, para vedar a prestação por contrato de programa dos serviços públicos de que trata o art. 175 da Constituição Federal, a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, para aprimorar as condições estruturais do saneamento básico no País, a Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, para tratar dos prazos para a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos, a Lei nº 13.089, de 12 de janeiro de 2015 (Estatuto da Metrópole), para estender seu âmbito de aplicação às microrregiões, e a Lei nº 13.529, de 4 de dezembro de 2017, para autorizar a União a participar de fundo com a finalidade exclusiva de financiar serviços técnicos especializados. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 15 jul. 2020.), desde o Planasa, era estabelecido por meio de um agregado de tarifas, subsídios cruzados e subsídios governamentais diretos, pacote que diluía os custos predominante ou exclusivamente por tarifa, conforme descrito. Nos termos da nova lei, ante a efetivação da regionalização, o custeio terá por cerne a tarifa, previsão reiterada na audiência pública realizada pelo estado da Paraíba, em 18 de maio de 2021, quando as autoridades afirmaram que “a tarifa será fundamental”. Com as alterações da nova lei, podem ser afetados tanto o usuário do serviço em sua própria sobrevivência e dignidade como o setor produtivo, em função do preço da água, insumo essencial para a indústria e a agricultura. Assim, esse resultado afetará a própria ideia de desenvolvimento regional, representando, na verdade, o seu contrário.

O contraponto da questão, como se vê em diversos países do mundo, é que os serviços de água e saneamento não se sustentam de forma eficiente somente por meio de tarifa, especialmente no que tange à universalização e à prestação com qualidade a regiões de baixa rentabilidade econômico-financeira. O jargão “água não paga água” resume a questão. Os estudos da ONU (2020ONU. Organização das Nações Unidas. Direitos humanos e a privatização dos serviços de água e esgotamento sanitário. Relatório do relator especial sobre os direitos humanos à água potável e ao esgotamento sanitário. Assembleia Geral A/75/208, 21 jul. 2020.) e de doutrinadores como Castro (2016CASTRO, J. E. Água e democracia na América Latina. Campina Grande: EDUEPB, 2016. E-book. Disponível em: https://books.scielo.org/id/tn4y9 . Acesso em: 7 maio 2021.
https://books.scielo.org/id/tn4y9...
), baseados em evidências colhidas em países de continentes diferentes, concluem que a privatização da água e do saneamento, quando relacionada ao custeio, como impôs a Lei nº 14.026/20 (BRASIL, 2020BRASIL. Lei nº 14.026/2020, de 15 de julho de 2020. Atualiza o marco legal do saneamento básico e altera a Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000, para atribuir à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) competência para editar normas de referência sobre o serviço de saneamento, a Lei nº 10.768, de 19 de novembro de 2003, para alterar o nome e as atribuições do cargo de Especialista em Recursos Hídricos, a Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, para vedar a prestação por contrato de programa dos serviços públicos de que trata o art. 175 da Constituição Federal, a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, para aprimorar as condições estruturais do saneamento básico no País, a Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, para tratar dos prazos para a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos, a Lei nº 13.089, de 12 de janeiro de 2015 (Estatuto da Metrópole), para estender seu âmbito de aplicação às microrregiões, e a Lei nº 13.529, de 4 de dezembro de 2017, para autorizar a União a participar de fundo com a finalidade exclusiva de financiar serviços técnicos especializados. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 15 jul. 2020.), resultou em um serviço ineficiente e caro, vetor da exclusão do acesso à água e ao saneamento por usuários situados em locais carentes. No Brasil, nos termos do recente marco regulatório, será negado o direito humano à água, em razão da elevada barreira econômica referente ao custo da água privatizada, com consequências sobre o desenvolvimento econômico regional e sobre a saúde da população, impossibilitando, dessa forma, a prestação de outros serviços públicos e frustrando os princípios basilares da dignidade humana e do equilíbrio ambiental.

O impacto negativo no desenvolvimento socioeconômico e na saúde pública dar-se-á, em síntese, pelos seguintes motivos: (i) a água e o saneamento estão diretamente relacionados a questões sanitárias que impactam toda a vida social (HELLER, 2018HELLER, L. (org.). Saneamento como política pública: um olhar a partir dos desafios do SUS. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2018.); (ii) como a ONU atribui ao desenvolvimento diálogo com os parâmetros do princípio da dignidade humana, redutora de desigualdades sociais, certamente um serviço ineficiente e excludente destruirá perspectivas de desenvolvimento regional; (iii) haverá impacto na capacidade produtiva da cadeia, onerada em virtude do encarecimento de insumo básico como a água; (iv) a população de baixa renda poderá ser severamente prejudicada diante da impossibilidade de acesso a outros serviços públicos e privados em função do encarecimento do preço da conta de água e saneamento, nomeadamente para o Poder Público, que precisará realocar recursos para pagamento de água e saneamento. Sem contar as localidades, que, por falta de retorno financeiro às empresas de água, poderão ficar sem o serviço, fato que representa o inverso da meta de universalização com qualidade. Desse modo, os riscos para os entes públicos, para o setor privado e para as pessoas são consideráveis e reais, podendo afetar, em um só ato, o desenvolvimento e a justiça social.3 3 Como expõe Castro (2016, p. 288), o encarecimento da água pode levar a situações extremas, como a experimentada em Uganda. Segundo esse autor: “Ainda não faz um ano desde que a água limpa tratada começou a chegar ao centro de saúde Tiriri, em Katine, no nordeste de Uganda, e o serviço foi cortado já faz dois meses porque o centro não tem dinheiro para pagar a conta de água. A Corporação Nacional de Saneamento (NWSC) desconectou o fornecimento há dois meses, dado que as autoridades de saúde não pagaram a conta de mais de 600.000 cheniles ugandenses (em torno de 560 reais)”.

Para exemplificar, a regionalização ocorrida no Rio de Janeiro, pelo modelo de privatização, revelou a ausência de licitantes para as regiões de maior demanda por infraestrutura e menor capacidade de pagamento, fato que, na prática, implicará a continuidade de exclusão hídrico-sanitária dessa região. O mesmo aconteceu em Maceió, Alagoas. Assim, os primeiros leilões, de Maceió e Rio de Janeiro, evidenciaram que a expectativa do mercado é grandiosa, mas que o investimento em saneamento por parte das empresas privadas somente acontece na medida da atratividade das regiões. No caso de Maceió, a parte leiloada foi a “cereja do bolo” do estado, a região mais rentável, por valor superavitário, porém, sem nenhum direcionamento concreto sobre onde serão investidos esses valores recebidos pela venda. No caso do Rio de Janeiro, com o leilão da Companhia Estadual de Água e Esgoto (Cedae), a região menos rentável ficou sem arrematantes.

Considerando o modelo de regionalização com base no exemplo das localidades nas quais o resultado da adoção desse formato é capaz de fornecer uma resposta segura, em contexto nacional e internacional, resta possível asseverar alguns enunciados. Primeiro, que as grandes corporações e o capital financeiro somente investirão nas regiões onde não precisem aportar ampla quantidade de recursos em infraestrutura ou quando o volume deste for o menor possível; segundo, que esses players ainda preferirão eixos nos quais exista maior quantitativo de usuários, com baixo nível de regulação, em territórios rentáveis, posto ser isso que atrai o capital financeiro. Importa relembrar que a provisão de água e esgoto abrange o formato de monopólio natural, o que impede a tão louvada concorrência.

No mesmo sentido, a experiência internacional fornece subsídios importantes para análise da questão, visto apresentar respostas à adoção do modelo privatista. O caso do Reino Unido é emblemático porque lá os sistemas de saneamento são privatizados desde 1989, gerando cerca de 57 bilhões de libras em dividendos aos acionistas até 2019. Entretanto, apesar desse expressivo volume de recursos, passados mais de trinta anos, o sistema é hoje considerado ineficiente, com elevado índice de desperdício de água e de lançamento de esgoto bruto (sem tratamento) nas tubulações pluviais.

As perdas chegam a 3 bilhões de litro por dia - só em 2019 as empresas de saneamento inglesas despejaram esgoto sem tratamento em média 200 mil vezes ao dia diretamente nos rios (LAVILLE; McINTYRE, 2020 LAVILLE, S.; McINTYRE, N. Exclusive: water firms discharged raw sewage into England’s rivers 200,000 times in 2019. The Guardian , July 1st, 2020. Disponível em: https://www.theguardian.com/environment/2020/jul/01/water-firms-raw-sewage-england-rivers. Acesso em: 4 ago. 2021.
https://www.theguardian.com/environment/...
; LAVILLE, 2020aLAVILLE, S. Parts of England could run out of water within 20 years, warn MPs. The Guardian, July 10, 2020a. Disponível em: https://www.theguardian.com/environment/2020/jul/10/parts-of-england-could-run-out-of-water-within-20-years-warn-mps. Acesso em: 30 jul. 2021.
https://www.theguardian.com/environment/...
; 2020bLAVILLE, S. England’s privatised water firms paid £57bn in dividends since 1991. The Guardian , July 1st, 2020b. Disponível em: https://www.theguardian.com/environment/2020/jul/01/england-privatised-water-firms-dividends-shareholders. Acesso em: 20 jul. 2021.
https://www.theguardian.com/environment/...
). Os parlamentares britânicos lamentaram em relatório a ineficiência dos serviços de saneamento, a despeito de serem privatizados há tanto tempo, havendo hoje um quadro de não investimento na expansão e na melhoria do sistema. Segundo Laville (2020bLAVILLE, S. England’s privatised water firms paid £57bn in dividends since 1991. The Guardian , July 1st, 2020b. Disponível em: https://www.theguardian.com/environment/2020/jul/01/england-privatised-water-firms-dividends-shareholders. Acesso em: 20 jul. 2021.
https://www.theguardian.com/environment/...
), a empresa escocesa de água investiu 35% mais no setor do que as empresas privadas; mesmo assim, para piorar, no prazo de mais vinte anos, algumas cidades britânicas ficarão sem água.

Nesse panorama, voltam à pauta as medidas de reestatização dos serviços de água e esgoto, em virtude principalmente de problemas reincidentes, entre eles os serviços inflacionados, ineficientes e com investimentos insuficientes. Segundo o relatório do Transnational Institute (TNI), elaborado por Kishimoto e Petit (2017KISHIMOTO, S.; PETIT, J. Reclaiming Public Services: How cities and citizens are turning back privatization. TNI: Amsterdam; Paris, 2017.), constante da Figura 1, os motivos para a reestatização (ou remunicipalização) de serviços de água e esgoto pelo mundo, como referem os citados autores, envolvem o fato de as empresas não seguirem valores públicos e empregarem exclusivamente a lógica de mercado em suas atividades; além do mais, em muitos casos, elas não entregaram a qualidade que se esperava.

Figura 1
Diagnóstico do movimento de reestatização do setor de saneamento pelo mundo

Esse relatório mostra que serviços gerenciados por operadores públicos são, na sua maioria, mais focados em fatores como qualidade, acesso universal e acessibilidade econômica. Além disso, a opção por expressivos aportes de inovação tecnológica é mais comum nos agentes públicos do que nos operadores privados, sendo também evidenciado que as empresas públicas valorizam objetivos sociais e ambientais, nos quais se incluem as mudanças climáticas, enquanto as corporações privadas não revelam essa preocupação, fatores relevantes na atualidade.

Por outro lado, restou evidente que as empresas privadas manifestam maior interesse em fornecer os serviços para os locais mais lucrativos e que o serviço privado diminuiu a transparência e a responsividade no sistema. Diante dessas respostas, o relatório em questão aponta para a necessidade de se voltar a democratizar os serviços públicos, por meio da participação de trabalhadores e usuários e de maior controle por funcionários e cidadãos eleitos, vertentes diminuídas com as empresas privadas. Esse conjunto de efeitos revela também as falhas sociais das políticas de austeridade, fato que, novamente, aponta para a exigência de adoção de políticas públicas desenvolvimentistas na área de água e saneamento.

Isso corrobora as constatações apresentadas na pesquisa de Santos (2020SANTOS, A. D. dos. Private means better? What happens when a Brazilian municipality changes to a private water and sanitation operator. 2020. Dissertação (Mestrado) - Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas, São Paulo, 2020.), que apontam maiores aumentos de tarifa nos quatro primeiros anos após o início de um operador privado em um município, quando comparado a um município similar com operador público. Além disso, esse autor atesta incerteza quanto a mudanças significativas no saneamento, especialmente na coleta e tratamento do esgoto, o que atinge as metas de cobertura e de universalidade do acesso, assim como a boa qualidade dos serviços, que passam a ser mais caros para o usuário.

Considerações finais

As análises realizadas permitem concluir que, embora a regionalização possa ser adotada como instrumento de desenvolvimento e esteja prevista no ordenamento jurídico brasileiro há algum tempo, ela deveria ocorrer de maneira planejada e técnica, em projeções ambientais, econômicas, sociais e humanas. A medida imposta pela Lei nº 14.026/20 (BRASIL, 2020BRASIL. Lei nº 14.026/2020, de 15 de julho de 2020. Atualiza o marco legal do saneamento básico e altera a Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000, para atribuir à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) competência para editar normas de referência sobre o serviço de saneamento, a Lei nº 10.768, de 19 de novembro de 2003, para alterar o nome e as atribuições do cargo de Especialista em Recursos Hídricos, a Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, para vedar a prestação por contrato de programa dos serviços públicos de que trata o art. 175 da Constituição Federal, a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, para aprimorar as condições estruturais do saneamento básico no País, a Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, para tratar dos prazos para a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos, a Lei nº 13.089, de 12 de janeiro de 2015 (Estatuto da Metrópole), para estender seu âmbito de aplicação às microrregiões, e a Lei nº 13.529, de 4 de dezembro de 2017, para autorizar a União a participar de fundo com a finalidade exclusiva de financiar serviços técnicos especializados. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 15 jul. 2020.) não pode estar ao serviço, quase exclusivo, de uma mudança na correlação de forças econômicas públicas e privadas no setor de saneamento, agora visto como setor de negócios.

Da forma como o diploma legal federal trata o assunto, impondo aos estados a regionalização por intermédio de suas assembleias legislativas, sob pena de execução de cima para baixo de um modelo inconstitucional de intervenção entre os entes federativos, saltam aos olhos os múltiplos problemas do modelo. Como dito, a Lei ultrapassou os limites de atuação ao se sobrepor à norma constitucional, além de atropelar etapas, ao exigir de outros entes federativos medidas que demandam a tomada de posição de instâncias anteriores, como a estruturação da ANA. Esse conjunto de fatores prenuncia um formato anacrônico de desestatização, compelido de maneira forçada e sem discussão, sobre setor vital para a vida humana, para a convivência social e para a preservação de ecossistemas. Como está posta, a condução do processo não foi republicana e padece de sério déficit democrático, visto que feriu princípios federativos e de participação social, presentes de forma implícita e explícita no texto da Constituição (BRASIL, 1988BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente da República, [2016]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 20 jun. 2021.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
), assim como em todo o ordenamento jurídico pátrio.

No que tange à temática do desenvolvimento, como direito e como política, preterido nesse processo nada dialético, as lições dos desenvolvimentistas ajudam a compreender os limites de um processo de modernização austero e autoritário, travestido falaciosamente de projeto de desenvolvimento regional, apresentado de fora para dentro, no contexto de interesses não aclarados, uniformemente padronizados, em desrespeito às peculiaridades de cada estado e região. A obra furtadiana, por exemplo, é inteiramente marcada pelo caráter dúplice e complementar da teoria do desenvolvimento (como prognóstico) acoplada e em diálogo com a teoria do subdesenvolvimento (como diagnóstico), interlocução que emite repetidos avisos de perigo para medidas econômicas autoritárias, desprovidas de objetividade e de previsibilidade científica, que se munem de axiomas falsos, para ludibriar os agentes que a ela deveriam se opor. Sem falar que chama atenção a atuação do BNDES nesse processo, ente estatal que avaliza o processo de privatização do setor de saneamento, desconsiderando os prejuízos futuros ao erário e o comprometimento de direitos sociais.

Diante das análises empreendidas neste estudo, fica evidente que o modelo determinado pela Lei não apresenta nenhuma garantia de efetiva universalização dos serviços e/ou do fortalecimento da estrutura regulatória apta a conter os arroubos do poder econômico. Muito pelo contrário, tudo leva a crer que haverá retrocesso nos direitos humanos à água e ao desenvolvimento, assim como perda de qualidade nos serviços regulados e, futuramente, o retorno tardio à estatização. Por outro lado, como dito, não se pode olvidar que o setor de saneamento constitui monopólio natural, fato que, por sua própria natureza, implica concorrência reduzida e/ou inexistente, suplantando a aclamada lógica da competitividade atribuída pelos formuladores das políticas ao setor. Adicionalmente, nada assegura que a concorrência beneficie a universalização do serviço, uma vez que a Lei poderá ter-se resumido ao único e sub-reptício propósito de alterar o quadro de correlação de forças econômicas e sociais, com enorme prejuízo para a sociedade brasileira, principalmente para seus entes mais vulneráveis.

Referências

  • ALOCHIO, L. H. A. Direito do saneamento Campinas: Millennium, 2007.
  • ANA. Agência Nacional de Águas. Webinar ANA - O novo marco legal do saneamento. 3 jul. 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Lamzmo2_1SQ&list=PLdDOTUuInCuzz4MwUVxy3dcZkUckrQocb&index=2 Acesso em: 3 jul. 2020.
    » https://www.youtube.com/watch?v=Lamzmo2_1SQ&list=PLdDOTUuInCuzz4MwUVxy3dcZkUckrQocb&index=2
  • BRASIL. Lei nº 24.643, de 10 de julho de 1934. Decreta o Codigo de Aguas. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 20 jul. 1934.
  • BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Brasília, DF: Presidente da República, [2016]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em: 20 jun. 2021.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
  • BRASIL. Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996. Institui a Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, disciplina o regime das concessões de serviços públicos de energia elétrica e dá outras providências. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 27 dez. 1996. Republicado em 28 set. 1998.
  • BRASIL. Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997. Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamenta o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal, e altera o art. 1º da Lei nº 8.001, de 13 de março de 1990, que modificou a Lei nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 9 jan. 1997.
  • BRASIL. Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000. Dispõe sobre a criação da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), entidade federal de implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos, integrante do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Singreh) e responsável pela instituição de normas de referência para a regulação dos serviços públicos de saneamento básico. (Redação dada pela Lei nº 14.026, de 2020). Diário Oficial da União , Brasília, DF, 18 jul. 2000.
  • BRASIL. Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico; cria o Comitê Interministerial de Saneamento Básico; altera as Leis nos 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 8.666, de 21 de junho de 1993, e 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; e revoga a Lei nº 6.528, de 11 de maio de 1978. (Redação pela Lei nº 14.026, de 2020). Diário Oficial da União , Brasília, DF, 8 jan. 2017. Retificado em 11 jan. 2017.
  • BRASIL. Decreto nº 8.141, de 20 de novembro de 2013. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 21 nov. 2013[a].
  • BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.842 Rio de Janeiro. Ação direta de inconstitucionalidade. Instituição de região metropolitana e competência para saneamento básico. Rqete.: Partido Democrático Trabalhista (PDT). Intdo.: Governador do estado do Rio de Janeiro. Intdo.: Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Relatora: Min. Luiz Fux, 6 de março de 2013[b]. Lex: jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
  • BRASIL. Conta de desenvolvimento energético: subsídios públicos ou cruzados? Boletim mensal sobre os subsídios da União Edição 7. Brasília, DF: Secap; Ministério da Economia, abr. 2019. Disponível em: https://www.gov.br/economia/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/boletim-subsidios/arquivos/2019/boletim-cde.pdf Acesso em: 6 jun. 2021.
    » https://www.gov.br/economia/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/boletim-subsidios/arquivos/2019/boletim-cde.pdf
  • BRASIL. Lei nº 14.026/2020, de 15 de julho de 2020. Atualiza o marco legal do saneamento básico e altera a Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000, para atribuir à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) competência para editar normas de referência sobre o serviço de saneamento, a Lei nº 10.768, de 19 de novembro de 2003, para alterar o nome e as atribuições do cargo de Especialista em Recursos Hídricos, a Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, para vedar a prestação por contrato de programa dos serviços públicos de que trata o art. 175 da Constituição Federal, a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, para aprimorar as condições estruturais do saneamento básico no País, a Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, para tratar dos prazos para a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos, a Lei nº 13.089, de 12 de janeiro de 2015 (Estatuto da Metrópole), para estender seu âmbito de aplicação às microrregiões, e a Lei nº 13.529, de 4 de dezembro de 2017, para autorizar a União a participar de fundo com a finalidade exclusiva de financiar serviços técnicos especializados. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 15 jul. 2020.
  • BRITTO, A. L. N. de P. Água e esgoto: uma privatização selvagem. Outras Palavras, 2019. Disponível em: https://outraspalavras.net/cidadesemtranse/agua-e-esgoto-uma-privatizacao-selvagem/ Acesso em: 27 jul. 2021.
    » https://outraspalavras.net/cidadesemtranse/agua-e-esgoto-uma-privatizacao-selvagem/
  • CARRO, R. BNDES terá dois modelos para saneamento. Valor Econômico, 10 fev. 2020. Disponível em: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2020/02/10/bndes-tera-dois-modelos-para-saneamento.ghtml Acesso em: 15 jun. 2021.
    » https://valor.globo.com/brasil/noticia/2020/02/10/bndes-tera-dois-modelos-para-saneamento.ghtml
  • CASTRO, J. E. Água e democracia na América Latina Campina Grande: EDUEPB, 2016. E-book. Disponível em: https://books.scielo.org/id/tn4y9 Acesso em: 7 maio 2021.
    » https://books.scielo.org/id/tn4y9
  • CRUZ, F. P.; BRANCO, R. S. Estudo sobre os subsídios cruzados intermunicipais dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário no estado do Rio de Janeiro. In: SIMPÓSIO DE GESTÃO AMBIENTAL E BIODIVERSIDADE, 8., 2019, Rio de Janeiro. Anais [...] Rio de Janeiro: UFRRJ, 2019. Disponível em: http://itr.ufrrj.br/sigabi/anais Acesso em: 1º ago. 2021.
    » http://itr.ufrrj.br/sigabi/anais
  • CRUZ, K. A. da; RAMOS, F. S. Evidências de subsídio cruzado no setor de saneamento básico nacional e suas consequências. Nova Economia [online], v. 26, n. 2, p. 623-651, 2016. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0103-6351/2544. Acesso em: 6 jun. 2021.
    » https://doi.org/10.1590/0103-6351/2544
  • DI PIETRO, S. Z. Direito Administrativo Rio de Janeiro: Forense, 2014.
  • ELIAS, J. Privatizar é ideal? 884 serviços caros e ruins foram reestatizados no mundo. Universo Online (UOL) São Paulo. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2019/03/07/tni-884-reestatizacoes-mundo.htm Acesso em: 21 ago. 2021.
    » https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2019/03/07/tni-884-reestatizacoes-mundo.htm
  • FURTADO, C. Desenvolvimento e subdesenvolvimento Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961.
  • FURTADO, C. O mito do desenvolvimento econômico Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974.
  • HELLER, L. (org.). Saneamento como política pública: um olhar a partir dos desafios do SUS. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2018.
  • KISHIMOTO, S.; PETIT, J. Reclaiming Public Services: How cities and citizens are turning back privatization. TNI: Amsterdam; Paris, 2017.
  • LAVILLE, S. Parts of England could run out of water within 20 years, warn MPs. The Guardian, July 10, 2020a. Disponível em: https://www.theguardian.com/environment/2020/jul/10/parts-of-england-could-run-out-of-water-within-20-years-warn-mps Acesso em: 30 jul. 2021.
    » https://www.theguardian.com/environment/2020/jul/10/parts-of-england-could-run-out-of-water-within-20-years-warn-mps
  • LAVILLE, S. England’s privatised water firms paid £57bn in dividends since 1991. The Guardian , July 1st, 2020b. Disponível em: https://www.theguardian.com/environment/2020/jul/01/england-privatised-water-firms-dividends-shareholders Acesso em: 20 jul. 2021.
    » https://www.theguardian.com/environment/2020/jul/01/england-privatised-water-firms-dividends-shareholders
  • LAVILLE, S.; McINTYRE, N. Exclusive: water firms discharged raw sewage into England’s rivers 200,000 times in 2019. The Guardian , July 1st, 2020. Disponível em: https://www.theguardian.com/environment/2020/jul/01/water-firms-raw-sewage-england-rivers Acesso em: 4 ago. 2021.
    » https://www.theguardian.com/environment/2020/jul/01/water-firms-raw-sewage-england-rivers
  • LORENZO, H. C. de. O setor elétrico brasileiro: passado e futuro. Perspectivas, São Paulo, 24-25, p. 147-170, 2002.
  • MURTHA, N. A; CASTRO, J. E; HELLER, L. Uma perspectiva histórica das primeiras políticas públicas de saneamento e de recursos hídricos no Brasil. Ambiente e Sociedade, São Paulo, v. XVIII, n. 3, p. 193-210, jul-set. 2015.
  • ONU. Organização das Nações Unidas. Direitos humanos e a privatização dos serviços de água e esgotamento sanitário. Relatório do relator especial sobre os direitos humanos à água potável e ao esgotamento sanitário Assembleia Geral A/75/208, 21 jul. 2020.
  • SANTANA, A. S. de; KUWAJIMA, J. I.; SANTOS, G. R dos . Regulação e investimento no setor de saneamento no Brasil: trajetórias, desafios e incertezas. Brasília, DF: Ipea, 2020.
  • SANTOS, A. D. dos. Private means better? What happens when a Brazilian municipality changes to a private water and sanitation operator 2020. Dissertação (Mestrado) - Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas, São Paulo, 2020.
  • SARTI, F.; ULTREMARE, F . Padrão de investimento e a estratégia financeira das grandes empresas regionais do setor de Água e Esgto (AE) no Brasil. In: HELLER, L . (org.). Saneamento como política pública: um olhar a partir dos desafios do SUS. Rio de Janeiro: Fiocruz , 2018. p. 105-132.
  • SMIDERLE, J. J. Planasa e o novo marco legal do saneamento: semelhanças, diferenças e aprendizado. Rio de Janeiro: FGV: Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), 22 out. 2020. Disponível em: https://blogdoibre.fgv.br/posts/planasa-e-o-novo-marco-legal-do-saneamento-semelhancas-diferencas-e-aprendizado Acesso em: 24 maio 2021.
    » https://blogdoibre.fgv.br/posts/planasa-e-o-novo-marco-legal-do-saneamento-semelhancas-diferencas-e-aprendizado
  • WERNER, D.; HIRT, C. Neoliberalização dos serviços públicos: o papel do BNDES no saneamento básico pós-2000. Urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, v. 13. 2021. Disponível em: https://periodicos.pucpr.br/index.php/Urbe/article/view/27583 Acesso em: 12 jun. 2021.
    » https://periodicos.pucpr.br/index.php/Urbe/article/view/27583
  • 1
    Encontra-se em tramitação no Congresso Nacional a PEC nº 4/2018, que reconhece o direito à água potável como direito fundamental. Aprovada pelo Senado em 31 de março de 2021, ela ainda está aguardando a deliberação da Câmara dos Deputados.
  • 2
    Diz-se privado lucrativo em contraposição à iniciativa privada sem fins lucrativos, tal como as entidades sem finalidade lucrativa comunitárias, cooperativas e paraestatais que integram o chamado terceiro setor.
  • 3
    Como expõe Castro (2016CASTRO, J. E. Água e democracia na América Latina. Campina Grande: EDUEPB, 2016. E-book. Disponível em: https://books.scielo.org/id/tn4y9 . Acesso em: 7 maio 2021.
    https://books.scielo.org/id/tn4y9...
    , p. 288), o encarecimento da água pode levar a situações extremas, como a experimentada em Uganda. Segundo esse autor: “Ainda não faz um ano desde que a água limpa tratada começou a chegar ao centro de saúde Tiriri, em Katine, no nordeste de Uganda, e o serviço foi cortado já faz dois meses porque o centro não tem dinheiro para pagar a conta de água. A Corporação Nacional de Saneamento (NWSC) desconectou o fornecimento há dois meses, dado que as autoridades de saúde não pagaram a conta de mais de 600.000 cheniles ugandenses (em torno de 560 reais)”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    21 Ago 2021
  • Aceito
    14 Abr 2022
Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional - ANPUR FAU Cidade Universitária, Rua do Lago, 876, CEP: 05508-080, São Paulo, SP - Brasil, Tel: (31) 3409-7157 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@anpur.org.br