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As vozes dos operadores de cortiços1 1 . Os autores agradecem o fomento da Wealth Inequality Initiative para a realização da pesquisa.

Resumo

Os cortiços são uma opção de moradia dos pobres no centro de São Paulo desde a década de 1870. Estudos sobre cortiços na cidade já são feitos há mais de um século, mas o grande sujeito ausente da literatura são os intermediários ou operadores de cortiços, o agente articulador de todo o esquema. O texto é construído a partir de sete entrevistas realizadas com operadores proprietários e intermediários de cortiços da região central da capital paulista. Pela análise do discurso, elencamos seis categorias analíticas: 1) Início da atividade: inserção do operador no ecossistema dos cortiços e, por vezes, transformação de imóveis em cortiços; 2) Seleção e contratos: entrada de moradores, documentos de locação e acordos; 3) Zeladoria: manutenção de cada cortiço e habitabilidade; 4) Convivência: relação cotidiana dos inquilinos com os proprietários e intermediários; 5) Valores e ganhos: custos e receitas; 6) Futuro e projetos de vida: visualização do operador sobre o futuro relacionado ao(s) cortiço(s), expansão, venda e até saída do negócio. No lugar do operador de cortiço descrito de forma genérica com atributos negativos, emergem figuras comuns, em sua maioria, pouco capitalizadas e que se esforçam para obter uma pequena ascensão social ou interromper processos de decadência.

Palavras-chave:
Cortiços; Áreas Centrais; Aluguel; Moradia; Operadores; Proprietários e Intermediários

Abstract

Tenements have been a housing option for the poor in downtown São Paulo since the 1870s. Studies on tenements in São Paulo have been conducted for more than a century, although the major subject missing from the literature has been the tenement intermediaries or operators, the articulating agent of the entire scheme. The text is based on six interviews conducted with tenement landlords and intermediaries in the central region of São Paulo. Through discourse analysis 6 analytical categories have been listed: 1) The beginning of the activity: in which the insertion of the operator into the ecosystem of the tenements is narrated, and sometimes the transformation of properties into tenements; 2) Selection and contracts: how residents move in and the rental documents and agreements; 3) Caretaking: the maintenance of each tenement, habitability; 4) Coexistence: the daily relationship between tenants and landlords and intermediaries; 5) Rates and earnings: costs and income obtained; 6) Future and life projects: how the operators visualize their future in relation to the tenement(s), expansion, sale and even leaving the business. Rather than the tenement operator being described generically, with negative attributes, common figures emerge, who are mostly poorly capitalized and who strive to obtain a slight social upward mobility or to interrupt processes of deterioration.

Keywords:
Tenements; Central Areas; Rent; Housing; Operators; Landlords and Intermediaries

Introdução: o grande ausente

No início do século 21, cerca de 596 mil pessoas, ou 5% da população do município de São Paulo, viviam nos chamados cortiços ou pensionatos (SEADE, CDHU, 2002SÃO PAULO (ESTADO). CDHU-SGPAC. Pesquisa Socioeconômica SBI-PAC. São Paulo: Seade, 2002. ). Os cortiços são habitações coletivas de aluguel, que em geral apresentam condições físicas insatisfatórias para moradia e cobram altos valores de aluguel. Constituem uma das poucas oportunidades de a população de baixa renda acessar a infraestrutura instalada da cidade, como transporte público, rede hospitalar, escolas e áreas de lazer. Existem cortiços por toda a cidade, mas eles são historicamente mais recorrentes nos bairros centrais mais populares, como Bela Vista, Bom Retiro, Liberdade e Santa Ifigênia. Apesar de o termo cortiço ser amplamente utilizado na literatura científica, o qual o empregamos neste artigo, quase todos os envolvidos no ecossistema do cortiço preferem se referir a tais locais como pensões ou pensionatos. A exceção é o movimento organizado de luta por moradia reunido sob o nome de União de Lutas dos Cortiços (ULC), que politiza o termo cortiço como forma de denúncia da precariedade de uma situação que deve ser enfrentada pelo Estado (NEUHOLD, 2016NEUHOLD, R. R. Movimentos sociais e políticas públicas: um panorama das lutas por habitação social na área central da cidade de São Paulo. Dilemas - Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 9, n. 1, p. 19-43, 2016. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/dilemas/article/view/7671.
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).

Os cortiços de São Paulo são objeto de investigação há mais de um século, sendo o estudo inaugural o conhecido levantamento dos cortiços de Santa Ifigênia, em 1893 ( CORDEIRO, 2010CORDEIRO, S. L. (Org.). Os cortiços de Santa Ifigênia: sanitarismo e urbanização (1893). 1ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial/Arquivo Público do Estado de S. Paulo, 2010.; RIBEIRO, 2015RIBEIRO, M. A. R. O engenheiro e o inquérito: as habitações operárias no Distrito de Santa Ifigênia, São Paulo, 1893. Cadernos de História da Ciência, São Paulo, v. 11, n. 2, p. 130-169, 2015. Disponível em: https://periodicos.saude.sp.gov.br/cadernos/article/view/33895. Acesso em: 01 jun. 2022.
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; BORIN, 2016 BORIN, M. F. A contribuição de Theodoro Sampaio ao relatório dos cortiços de Santa Ifigênia: saneamento e urbanismo na trajetória de um engenheiro. Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (Online), v. 14, n. 1, p. 49-57, 2016. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/risco/article/view/125755. Acesso em: 26 jul. 2021.
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). Albuquerque Lui e Cymbalista (2020)ALBUQUERQUE LUI, M. V. C. de; CYMBALISTA, R. Analytical reflection on tenement studies in the city of São Paulo. Revista Nacional de Gerenciamento de Cidades, v. 8, n. 68, 2020. Disponível em: https://www.amigosdanatureza.org.br/publicacoes/index.php. Acesso em: 12 mar. 2021.
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dividem os estudos sobre cortiços em São Paulo em três vertentes explicativas principais: a) Cortiço como denúncia - foco na descrição da precariedade, na ausência ou insuficiência de políticas públicas; b) Cortiço como potencialidade - forma de moradia que vem garantindo a presença dos mais pobres em áreas centrais, exigindo reconhecimento e requalificação; c) Cortiço como realidade - territorialidade com modos de vida específicos, que merecem ser narrados e qualificados para fazer justiça à vida e à luta de seus moradores.

Em relação a agentes sociais, o foco da literatura recai nos moradores (LAGENEST, 1962LAGENEST, H. D. B. de (Coord.). Os cortiços de São Paulo. Revista Anhembi, n. 139, jun.1962.; SIMÕES JUNIOR, 1991SIMÕES-JÚNIOR, J. G. Cortiços em São Paulo: o problema e suas alternativas. São Paulo: Pólis, 1991.; COMARÚ; ABIKO,1998COMARÚ, F. A; ABIKO, A. K. Intervenção habitacional em cortiços na cidade de São Paulo: o Mutirão Celso Garcia. Boletim técnico da Escola Politécnica da USP, 1998.; MASSARA, 1999MASSARA, V. Intervenção em cortiços na cidade de São Paulo-década de 90. 1999.; PICCINI; KOHARA,1999PICCINI, A.; KOHARA, L. T. Rendimentos obtidos na locação e sublocação de cortiços - Estudo de Caso na Área Central da Cidade de São Paulo. Boletim Técnico da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, 1999.; PINTO, 2003PINTO, N. Entre a proximidade e o distanciamento: a sociabilidade entre famílias residentes em cortiços na cidade de São Paulo. Unimontes Científica, Montes Claros, v. 5, n. 2, jul.- dez. 2003.; CYMBALISTA; MOREIRA, 2006CYMBALISTA, R.; MOREIRA, T. Política Habitacional no Brasil: a história e os atores de uma narrativa incompleta. In: ALBUQUERQUE, M. C. (Org.). Participação Popular nas Políticas Públicas. São Paulo: Instituto Pólis, 2006. p. 31-48.; GRACE COSTA et al., 2011GRACE COSTA, V. et al. Visita a cortiços em São Paulo uma experiência didática. Revista Geográfica de América Central, v. 2, jul.-dez., 2011. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/sao-paulo/panorama. Acesso em 9 set. 2020.
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; KOHARA, 2009KOHARA, L. T. Relação entre as condições da moradia e o desempenho escolar: estudo com crianças residentes em cortiços. 2009. 297 f. Tese (Doutorado em Habitat) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, University of São Paulo, São Paulo, 2009. doi 10.11606/T.16.2009.tde-10052010-155909.
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, 2012KOHARA, L. T. Cortiços: o mercado habitacional de exploração da pobreza. Carta Maior, 5 set. 2012. ; SOUZA, 2011SOUZA, T. C. S. Cortiços em São Paulo: programas/vistorias/relatos. 2011. 305 f. Dissertação (Mestrado em Habitat) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. doi 10.11606/D.16.2011.tde-12012012-151306.
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, 2018; GARCÍA, 2013GARCÍA, J. G. G. Notas sobre tipologías constructivas y sociales de cortiços en el centro de São Paulo, Brasil. Arquetipo, n. 6, p. 83-96, 2013.; KOWARICK, 2013KOWARICK, L. Cortiços: a humilhação e a subalternidade. Tempo Social, v. 25, n. 2, p. 49-77, 1 nov. 2013. ; PARIS, 2013PARIS, O. (In)visibilidade das camadas pobres na cidade pelo prisma dos cortiços paulistanos no Brasil. Confins, Revista Franco Brasileira de Geografia, n. 17, 2013. Disponível em: http://journals.openedition.org/confins/19107. Acesso em: 03 abr. 2020.
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; SIMONE, 2014SIMONE, A. S. Os cortiços na paisagem do Brás e Belenzinho, São Paulo: um estudo de caso. 2014. 267 f. Dissertação (Mestrado em Geografia Física) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014. doi 10.11606/D.8.2014.tde-27032015-153533.
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; PRADO, 2015PRADO, L. L. Housing vulnerability: analysis of the residences in cortiços in São Paulo-SP. 2015. 122 f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2015.; DE MIRANDA, 2017MIRANDA, F. V. Como sem-teto se tornaram planejadores urbanos em SP?. Anais ENANPUR, v. 17, n. 1, 2017.; DIAS, 2019DIAS, L. A. Infância e cortiço: o importante papel do espaço público. 2019. 173 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Mackenzie, São Paulo, 2019.), na ação - ou falta dela - do poder público (VERAS, 1987VERAS, M. P. B. Os impasses da crise habitacional em São Paulo ou os nômades urbanos no limiar do século XXI. Revista São Paulo em Perspectiva , n. 1. São Paulo: Fundação SEADE, abr.-jun. 1987.; SCHOR; BORIN, 1997SCHOR, S M; BORIN, M. E. S. Cortiços Adaptados e Concebidos na Cidade de São Paulo. Revista São Paulo em Perspectiva, São Paulo, vol. 11, n. 1 p. 152-159, jan-mar. 1997.; VERAS, 1994VERAS, M. Cortiços no Brás: velhas e novas formas da habitação popular na São Paulo industrial. Análise Social, Quarta Série - Habitação na cidade industrial 1870-1950, 1994, v. 29, n. 127, p. 599-629.; COMARÚ; ABIKO,1998COMARÚ, F. A; ABIKO, A. K. Intervenção habitacional em cortiços na cidade de São Paulo: o Mutirão Celso Garcia. Boletim técnico da Escola Politécnica da USP, 1998.; PICCINI; KOHARA, 1999PICCINI, A.; KOHARA, L. T. Rendimentos obtidos na locação e sublocação de cortiços - Estudo de Caso na Área Central da Cidade de São Paulo. Boletim Técnico da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, 1999.; SCHOR, 2000SCHOR, S. M. Uma reflexão sobre os cortiços de São Paulo. Revista USP, n. 46, p. 140-143, 2000.; LABHAB, 2004LABORATÓRIO DE HABITAÇÃO E ASSENTAMENTOS HUMANOS DA FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (LABHAB/FAU/USP). Levantamento e caracterização geral de imóveis encortiçados. 2004.; PICCINI, 2004PICCINI, A. Cortiços na cidade: conceito e preconceito na reestruturação do centro urbano de São Paulo. 2. ed. São Paulo: AnnaBlume, 2004.; SAMPAIO, 2007SAMPAIO, M. R. A. O cortiço paulistano entre as ciências sociais e política. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n. 44, p. 125-140, 2007.; KOHARA, 2009KOHARA, L. T. Relação entre as condições da moradia e o desempenho escolar: estudo com crianças residentes em cortiços. 2009. 297 f. Tese (Doutorado em Habitat) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, University of São Paulo, São Paulo, 2009. doi 10.11606/T.16.2009.tde-10052010-155909.
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, KOHARA, 2012KOHARA, L. T. Cortiços: o mercado habitacional de exploração da pobreza. Carta Maior, 5 set. 2012. ; KARA JOSÉ, 2013KARA JOSÉ, B. O que acontece para além dos discursos de revitalização urbana: novos atores da recuperação de edifícios no centro de São Paulo. Anais ENANPUR , v. 15, n. 1, 2013.; LOPEZ, 2010LOPES, A.; FRANÇA, E.; COSTA, K. P. Cortiços - A experiência de São Paulo. São Paulo: Prefeitura do Município de São Paulo, Secretaria Municipal de Habitação, 2010.; GATTI, 2011GATTI, S. O Projeto Nova Luz e o Programa de Cortiços no centro de São Paulo: entre processos de demolições, despejos e deslocamentos. In: II Seminário Internacional Urbicentro: morte e vida de centros urbanos, Maceió, 2011.; LÓPEZ SILVA, 2011LÓPEZ SILVA, A. A. Recuperação de cortiços na área central da cidade de São Paulo. 2011. 221 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Construção Civil e Urbana) - Escola Politécnica, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. doi 10.11606/D.3.2011.tde-24112011-165353. Acesso em: 19 mai. 2021.
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; MARTINS, 2011MARTINS, R. C. A defesa da habitação e a ofensiva aos cortiços: um aspecto sensível. In: XXVI Simpósio Nacional da Associação Nacional de História, 2011, São Paulo. Anais [...]. São Paulo: ANPUH , 2011.; CDHU SGPAC, 2002SÃO PAULO (ESTADO). CDHU-SGPAC. Relatório geral Programa de atuação em cortiços - PAC. São Paulo: CDHU/BID, 2002. Disponível em Disponível em http://www.cdhu.sp.gov.br/download/manual/RelatorioGeralProgramaCorticos.pdf . Acesso em: 2 mar. 2020.
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; DOMENICIS, 2014DOMENICIS, B. M. Os cortiços e o urbanismo sanitário da cidade de São Paulo no final do século XIX. 2014. 178 f. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de História, Pontifícia Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014.; BIANCHINI; SCHICCHI, 2013 BIANCHINI, L. H.; SCHICCHI, M.C. Cortiços no centro de São Paulo: um convite à permanência. Cuadernos de Vivienda y Urbanismo, v. 2, n. 3, 20 jun. 2013.; LUCCHESI, 2015LUCCHESI, B. M. D. Transformações urbanas e habitação no final do século XIX: proibição e permanência dos cortiços na cidade de São Paulo. In: XXIII Simpósio Nacional da Associação Nacional de História, 2015, São Paulo. Anais [...]. São Paulo: ANPUH, 2015.; PASTERNAK, 2015PASTERNAK, S. Cortiços em São Paulo: gênese, evolução e tentativas de intervenção. In: 3º Congresso Internacional da Habitação no Espaço Lusófono (CIHEL), 2015, São Paulo. Anais [...]. São Paulo: FAUUSP, 2015.; BORIN, 2016 BORIN, M. F. A contribuição de Theodoro Sampaio ao relatório dos cortiços de Santa Ifigênia: saneamento e urbanismo na trajetória de um engenheiro. Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (Online), v. 14, n. 1, p. 49-57, 2016. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/risco/article/view/125755. Acesso em: 26 jul. 2021.
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; SANTO AMORE, 2016SANTO AMORE, C. et al. É pensão, sim! Notas sobre a diversidade de precariedades habitacionais em área central. In: II UrbFavelas. Rio de Janeiro, 23-26 nov. 2016.) e mais raramente nos proprietários (TASCHNER; MAUTNER, 1982TASCHNER, S. P.; MAUTNER, Y. Habitação da Pobreza. Cadernos PRODEUR, São Paulo, FAU/USP, n. 5, 1982.; PICCINI; KOHARA, 1999PICCINI, A.; KOHARA, L. T. Rendimentos obtidos na locação e sublocação de cortiços - Estudo de Caso na Área Central da Cidade de São Paulo. Boletim Técnico da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, 1999.; KOHARA, 2012KOHARA, L. T. Cortiços: o mercado habitacional de exploração da pobreza. Carta Maior, 5 set. 2012. ; DOMINGUES, 2017DOMINGUES, C. G. Da Vila Barros ao edifício Japurá: quando o moderno bate à porta, São Paulo 1920-1950. 2017. 138 f. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017.) Em que pesem suas especificidades e seus diferentes compromissos, um elemento perpassa toda a literatura: a escassez de informações sobre o desempenho do papel de operador de cortiços, aquele que viabiliza os espaços para os inquilinos, sejam eles proprietários, sejam intermediários.

A pouca densidade de conhecimento sobre os operadores traz consequências sobre a interpretação desse tipo de moradia, uma vez que o que explica o surgimento de um cortiço é a existência de um potencial operador (proprietário ou intermediário). A simples oferta de um imóvel no mercado não leva à formação de um cortiço, afinal, muitos imóveis não se tornam cortiços. Do mesmo modo, a existência de potenciais inquilinos por si só não é suficiente para o negócio, pois se não há oferta de cômodos para atender essa demanda não se forma um cortiço.

O operador casa a demanda por moradia com a disponibilização de cômodos. É esse o sujeito social que identifica o imóvel com potencial para ser encortiçado, fazendo nele as adaptações necessárias; define preços e condições da moradia, em acordos verbais na quase totalidade das vezes; parametriza sanções para o caso do não cumprimento de acordos; estabelece os regimes de uso dos espaços compartilhados; medeia disputas; faz reparos emergenciais quando as condições físicas inviabilizam a ocupação; paga as contas de consumo e rateia seus custos. É quem detém a visão empresarial e estratégica da exploração do imóvel. É uma posição de muito trabalho e também de poder sobre a comunidade moradora. Longe de ser tranquila, é exercida em meio a tensão e conflitos.

Nas fontes históricas essa figura é muito fugaz. O operador de cortiço aparece quando exerce o papel de proprietário, em documentos administrativos, solicitando aprovação de plantas, alterações e ampliações em seus imóveis, isenção de taxas ou exigindo investimentos públicos. É o caso de Carlos Gilardi, proprietário de uma série de imóveis em Santa Ifigênia, que a família manteve por décadas, no final do século XIX, ou da família Neves, proprietária de uma série de cortiços no Glicério há cerca de um século (BORIN, 2020 BORIN, M. F. et al. Experiências da urbanização na Santa Ifigênia e Liberdade: (des)caminhos da modernização de São Paulo nos bairros centrais (1886-1923). Campinas: Universidade de Campinas, 2020.), ou de Francisco Barros nas diversas solicitações de autorização de edificações na Vila Barros, maior cortiço da cidade, na Bela Vista (DOMINGUES, 2017DOMINGUES, C. G. Da Vila Barros ao edifício Japurá: quando o moderno bate à porta, São Paulo 1920-1950. 2017. 138 f. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017.). Trabalhos como o de Cordeiro (2010)CORDEIRO, S. L. (Org.). Os cortiços de Santa Ifigênia: sanitarismo e urbanização (1893). 1ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial/Arquivo Público do Estado de S. Paulo, 2010., Ribeiro, 2015RIBEIRO, M. A. R. O engenheiro e o inquérito: as habitações operárias no Distrito de Santa Ifigênia, São Paulo, 1893. Cadernos de História da Ciência, São Paulo, v. 11, n. 2, p. 130-169, 2015. Disponível em: https://periodicos.saude.sp.gov.br/cadernos/article/view/33895. Acesso em: 01 jun. 2022.
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e Borin (2016 BORIN, M. F. A contribuição de Theodoro Sampaio ao relatório dos cortiços de Santa Ifigênia: saneamento e urbanismo na trajetória de um engenheiro. Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (Online), v. 14, n. 1, p. 49-57, 2016. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/risco/article/view/125755. Acesso em: 26 jul. 2021.
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) investigam a relação entre proprietários de cortiços e o poder público, vista do “outro lado do balcão”, isto é, o do Estado, com foco nas estratégias públicas de intervenção em busca de atribuir maior salubridade ao território. Nessas fontes, o dono do cortiço tende a se comportar como um proprietário urbano rentista típico, buscando obter a maior rentabilidade possível de seus investimentos imobiliários e escapar de multas e sanções. Já seu papel na micropolítica do cortiço, como senhorio, não é revelado pela documentação administrativa.

Chegam até nós, também, depoimentos esparsos de moradores de cortiços que mencionam os operadores. Conhecemos apenas o primeiro nome de Graziela, que era a provável proprietária e gestora, nos anos 1920, do maior cortiço no morro do Pari, na rua das Olarias, que, “além de simplesmente alugar os cômodos, também os administrava e zelava pelos costumes exercendo verdadeiro papel de polícia. Morava no centro do terreno em enorme casarão” (LUCCI apud LEMOS, 1985LEMOS, C. A. C. Alvenaria Burguesa. São Paulo: Nobel,1985., p. 43). Na mesma época, também no Pari, o cortiço de Ferrucio Marchetti era de padrão melhor, as casas possuíam quarto, sala e cozinha, mas o banho e a latrina eram compartilhados pelas trinta casas. Os moradores tinham suas próprias tampas de vaso sanitário, de madeira, que levavam consigo ao ir ao banheiro. No cortiço dos Marchetti, havia também vida comunitária, com um forno de alvenaria coletivo, usado em festas (LUCCI apud LEMOS, 1985LEMOS, C. A. C. Alvenaria Burguesa. São Paulo: Nobel,1985., p. 95). Entre a precariedade e a sociabilidade comunitária, apenas os moradores falam nessas fontes históricas, não os operadores.

Enquanto as fontes históricas permitem alguma individuação dos operadores de cortiços, as fontes secundárias investiram bem mais na construção do operador como categoria coletiva - peça da máquina de produção de injustiças que é o cortiço.

A primeira característica que aparece nos estudos é a exploração: “Os intermediários estabelecem uma relação de superioridade em relação aos subinquilinos, que nem sempre é justa e igualitária” (PICCINI; KOHARA, 1999PICCINI, A.; KOHARA, L. T. Rendimentos obtidos na locação e sublocação de cortiços - Estudo de Caso na Área Central da Cidade de São Paulo. Boletim Técnico da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, 1999., p. 5) além de outros autores estarem na mesmo sintonia tais como: ARAÚJO; PEREIRA, 2008 ARAÚJO, L. O. G. de; PEREIRA, M. dos S. . A vida nos cortiços: o cômodo e o incômodo panorama do atendimento habitacional no centro de Santos. Relatos. Conselho Internacional de Bem Estar América Latina e Caribe. 2008. Disponível em: https://www.cibs.cbciss.org/relatos.html. Acesso em: 12 mar. 2021.
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; KOWARICK, 2013KOWARICK, L. Cortiços: a humilhação e a subalternidade. Tempo Social, v. 25, n. 2, p. 49-77, 1 nov. 2013. ; MICHELETTI et al., 2009MICHELETTI, F. A. B. O. et al. As Manifestações da Pobreza em Cortiços da Região Central de Santos. Serviço Social em Revista, Londrina, v. 11, n. 2, jan.-jun 2009.; SOUZA, 2011SOUZA, T. C. S. Cortiços em São Paulo: programas/vistorias/relatos. 2011. 305 f. Dissertação (Mestrado em Habitat) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. doi 10.11606/D.16.2011.tde-12012012-151306.
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; “Os moradores são explorados pelos sublocadores ou intermediários, tendo que pagar altos preços de aluguel em relação a pouca metragem quadrada e as péssimas condições de insalubridade” (SOUZA, 2011SOUZA, T. C. S. Cortiços em São Paulo: programas/vistorias/relatos. 2011. 305 f. Dissertação (Mestrado em Habitat) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. doi 10.11606/D.16.2011.tde-12012012-151306.
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, p. 1); “Os exploradores também retiram ganhos sobre as taxas de água e luz” (KOHARA, 2009KOHARA, L. T. Relação entre as condições da moradia e o desempenho escolar: estudo com crianças residentes em cortiços. 2009. 297 f. Tese (Doutorado em Habitat) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, University of São Paulo, São Paulo, 2009. doi 10.11606/T.16.2009.tde-10052010-155909.
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, p. 63).

A segunda característica é a função de controle. “Quando há um escândalo qualquer, má conduta notória de uma mulher [...] ou algazarra armada frequentemente por um bêbado ou valentão, é o ‘encarregado’ do cortiço que toma as necessárias providências: em geral, a expulsão sumária” (LAGENEST, 1962LAGENEST, H. D. B. de (Coord.). Os cortiços de São Paulo. Revista Anhembi, n. 139, jun.1962., p. 15).

O terceiro atributo é a agressividade: “É agressivo, tem medo de que fechem o cortiço, pois perderia o emprego” (KOWARICK, 2013KOWARICK, L. Cortiços: a humilhação e a subalternidade. Tempo Social, v. 25, n. 2, p. 49-77, 1 nov. 2013. , p. 57); “Os moradores, além de sofrerem com as precariedades da moradia, sofrem também com a violência imposta pelos proprietários ou intermediários” (KOHARA; PICCINI, 1999PICCINI, A.; KOHARA, L. T. Rendimentos obtidos na locação e sublocação de cortiços - Estudo de Caso na Área Central da Cidade de São Paulo. Boletim Técnico da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, 1999., p. 2); “A intermediária era nomeada ‘a dona da chave’, e era a única moradora estável do lugar - mulher de temperamento difícil e que se apresentava como proprietária e líder do cortiço” (MICHELETTI et al., 2009MICHELETTI, F. A. B. O. et al. As Manifestações da Pobreza em Cortiços da Região Central de Santos. Serviço Social em Revista, Londrina, v. 11, n. 2, jan.-jun 2009., p. 2).

O quarto atributo é seu aspecto fugidio: “São pessoas físicas ou jurídicas difíceis de serem identificadas e, em certos casos, são mesmo ausentes nos relatos de moradores” (SANTO AMORE, 2016SANTO AMORE, C. et al. É pensão, sim! Notas sobre a diversidade de precariedades habitacionais em área central. In: II UrbFavelas. Rio de Janeiro, 23-26 nov. 2016., p. 22); “Esses exploradores conscientes da sua atividade ilícita, em geral, se identificam por apelidos ou nomes genéricos. É comum não darem recibo de pagamento do aluguel aos moradores, e quando dão os assinam de forma ilegível ou com nome incompleto” (KOHARA, 2009KOHARA, L. T. Relação entre as condições da moradia e o desempenho escolar: estudo com crianças residentes em cortiços. 2009. 297 f. Tese (Doutorado em Habitat) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, University of São Paulo, São Paulo, 2009. doi 10.11606/T.16.2009.tde-10052010-155909.
https://doi.org/10.11606/T.16.2009.tde-1...
, p. 63).

Os estudos que trazem entrevistas e depoimentos dos próprios moradores reiteram e ilustram abusos, autoritarismos, opressões, vigilâncias, ameaças, apropriações de bens e assédios de gênero:

[...] Qualquer barulho, um pouquinho que a gente faça, ele corta a luz e a gente fica uns dois dias aqui na maior penúria [...] Se alguém fica devendo, eles entram no quarto e levam rádio e televisão [...] Eles vem aqui sempre na hora que os homens não estão e ficam fazendo ameaças. (SIMÕES JUNIOR, 1991SIMÕES-JÚNIOR, J. G. Cortiços em São Paulo: o problema e suas alternativas. São Paulo: Pólis, 1991., p. 29-31)

O proprietário ele falou que não vai reformar, ele não dá assistência nenhuma pra ninguém. Ele quer chegar o dia do pagamento, ele quer receber [...] e a responsável da casa não coloca chuveiro, e não quer colocar também, quer colocar só pra ela, e aí fica nessa situação [...] às vezes a dona do cortiço não deixa a gente ter liberdade. Se entra um amigo e a gente quer fazer uma festinha, ela implica, quer cobrar água e luz separado porque às vezes os amigos vem aqui. (ARAÚJO; PEREIRA, 2008 ARAÚJO, L. O. G. de; PEREIRA, M. dos S. . A vida nos cortiços: o cômodo e o incômodo panorama do atendimento habitacional no centro de Santos. Relatos. Conselho Internacional de Bem Estar América Latina e Caribe. 2008. Disponível em: https://www.cibs.cbciss.org/relatos.html. Acesso em: 12 mar. 2021.
https://www.cibs.cbciss.org/relatos.html...
, p. 10)

Assim, prevalece na literatura a condenação dos operadores, sejam eles proprietários ou intermediários. O lugar intelectual de onde se analisam os operadores pouco mudou desde citado estudo inaugural sobre cortiços em São Paulo, o levantamento de Santa Ifigênia, em 1893: “Medidas de rigor devem ser tomadas para conter a exploração gananciosa dos que constroem sem consciência e dos que locam e sublocam prédios sem atenção às leis da moral e à vida de seus inquilinos” (São Paulo, 1893, apud KOWARICK; ANT, 1994, p. 77).

Pouca ênfase é dada à qualificação e ao detalhamento das atividades de gestão realizadas pelos operadores, como demonstra excepcionalmente Kowarick (2009, p. 57): “Faz os serviços de cobrança, tem a função de manter a ordem, escolhe os inquilinos, pelos quais é responsável perante a proprietária do imóvel”. Lagenest (1962LAGENEST, H. D. B. de (Coord.). Os cortiços de São Paulo. Revista Anhembi, n. 139, jun.1962., p. 15) detalha um pouco mais:

Esta personagem, o “encarregado”, é a peça central do cortiço. Contratado pelo dono da casa, é ele que recebe mensalmente o aluguel, que decide da aceitação ou recusa de um possível inquilino, que determina o preço do aluguel, que mantém a ordem e faz de polícia, quando necessário. Pode explorar seus inquilinos, como pode também ajudá-los. Habitualmente os explora sem misericórdia, dizendo que “é ordem do patrão”.

O arranjo social do cortiço fornece abundante material empírico para fundamentar essas análises, e a denúncia da superexploração dos cortiços será sempre necessária. Por outro lado, sustentamos aqui que é possível problematizar mais a fundo essa figura tão central nas relações de cortiço: Quem é? De onde vem? Como assumiu essa posição? Como consegue se legitimar perante inquilinos e proprietário? Como dá conta dos desafios de uma gestão cotidiana tão complexa? O que deseja para seus filhos? O fato é que, em mais de um século de estudos sobre cortiços em São Paulo, é quase impossível encontrar depoimentos em primeira pessoa dessas figuras.

Este texto opera nessa lacuna. Resulta de entrevistas qualitativas, em forma narrativa com sete operadores de cortiços em bairros centrais e visitas aos imóveis por eles administrados, entre dezembro de 2020 e agosto de 2021. Dá centralidade ao operador do cortiço como sujeito - até onde conhecemos, pela primeira vez - e busca entender o mundo onde esses agentes existem, seus dilemas, desafios, até mesmo sonhos e orgulhos.

A construção da confiança com os operadores de cortiços foi o elemento fundamental que permitiu a obtenção das entrevistas aqui sistematizadas. Em nenhum momento, o objetivo foi desconfiar da veracidade das informações ou fazer um julgamento moral das ações dos operadores. Em coerência com a metodologia adotada, este artigo traz, de forma direta, o discurso dos operadores, seu olhar e sua visão de mundo. Complementar tais depoimentos com o olhar dos moradores dos cortiços poderia oferecer um quadro mais complexo e matizado da vida nos cortiços, mas isso ultrapassa os objetivos deste texto.

Evidenciando os operadores

A expectativa inicial era encontrar dificuldades para acessar os operadores de cortiços, dada a prevalência de descrições na literatura que os caracterizam como figuras arredias. Mas não foi o que aconteceu: aproximações focadas e respeitosas resultaram em acesso relativamente fácil aos operadores. Os contatos deram-se por “bola de neve”: dois deles eram do círculo de conhecidos de um dos autores; o terceiro era amigo do primeiro entrevistado; o quarto foi visitado pela pesquisa de campo do projeto Compartilha do fundo FICA, associado a esta pesquisa; o quinto era conhecido de um antigo morador de cortiço e indicou o nome para os autores; o último estava ligado a uma pesquisa para uma ONG parceira, na Bela Vista. Além do acesso aos operadores, tivemos ampla abertura aos cortiços. As sete entrevistas foram realizadas entre dezembro de 2020 e julho de 2021. A seguir, elencamos os participantes do trabalho:

  1. Júlio,2 2 . Nomes fictícios. 71 anos, descendente de japoneses, de origem pobre, com sete irmãos, natural de Itapira - interior de São Paulo. Veio para a capital sem renda nenhuma na década de 1970. Escolaridade até o ensino fundamental. Pai de três filhos, viúvo, proprietário de dois cortiços na Barra Funda, região central de São Paulo, os quais adquiriu na década de 1980. Começou a alugar na década de 1990, sendo morador da casa da frente de um dos dois cortiços.

  2. Haroldo, 62 anos, nascido no Japão. Veio com dois anos para o Brasil, para uma colônia agrícola japonesa na região de Ribeirão Preto. De origem pobre, com cinco irmãos, chegou à capital sem renda nenhuma na década de 1980. Escolaridade até o ensino médio, casado, proprietário de um cortiço na República, região central de São Paulo, adquirido em 2005.

  3. Aparecida, 49 anos, natural de Araci, interior da Bahia, 219 km de Salvador. De origem pobre, com 15 irmãos, veio para a capital com o marido com pouco dinheiro na década de 1990. Mãe de quatro filhos, casada, escolaridade até o ensino médio. Intermediária, locatária e operadora de um cortiço na Barra Funda, região central da capital paulista, desde 2020. Foi locatária por dez anos na pensão de Júlio; depois, passou por outros lugares, antes de alugar o cortiço dela.

  4. Joseane, 50 anos, natural do interior da Paraíba. De origem pobre, veio para a capital com o marido com pouco dinheiro na década de 1990. Mãe de um filho, separada, escolaridade até o ensino médio. Intermediária e operadora de um cortiço no Bom Retiro, região central da capital paulista, desde 2016.

  5. Marcelo, 55 anos, natural do interior da Paraíba. De origem pobre, veio para São Paulo sozinho, com 19 anos, em 1987. Casado, pai de dois filhos, escolaridade até a 5ª série do ensino fundamental (atual 6º ano). Locatário e operador de três cortiços na Liberdade, região central da capital paulista, desde 2011.

  6. Jocasta, 45 anos, natural de Sabinópolis, Minas Gerais. De origem pobre, veio para São Paulo com sua mãe aos três anos de idade. Separada, mãe de três filhos, escolaridade até o ensino médio. Locatária e operadora de um cortiço na Bela Vista, região central da capital paulista, desde 2019.

  7. Adamastor, 60 anos, natural da capital de São Paulo. De origem de classe média, casado, pai de um filho. Escolaridade ensino superior. Proprietário de um cortiço desde de 2009, na Bela Vista, dono de uma construtora e de outros imóveis em bairros nobres da capital. Morador do bairro de classe média alta Higienópolis. Não é estritamente um operador de cortiço, pois possui uma intermediária, contudo a entrevista mostra que a relação não é de simples terceirização de funções, mas de um acompanhamento bastante próximo da operação, permitindo conhecer melhor o ecossistema e mostrando que há muita complexidade por trás das aparentemente resolvidas categorias de “proprietário” e “operador”.

Mapa 1
Localização dos cortiços por operador

As entrevistas permitem construir um olhar original em relação ao que a literatura já consolidou sobre cortiços. Agrupamos os depoimentos em seis categorias: 1) Início da atividade: inserção do operador no ecossistema dos cortiços e, por vezes, a própria transformação de imóveis em cortiços; 2) Seleção e contratos: entrada de moradores e documentos de locação, acordos; 3) Zeladoria: manutenção de cada cortiço e habitabilidade; 4) Convivência: relação cotidiana entre os inquilinos, proprietários e intermediários; 5) Valores e ganhos: custos e receitas; 6) Futuro e projetos de vida: visualização do operador sobre o futuro relacionado ao(s) cortiço(s), expansão e venda.

Início da atividade

Com algumas variáveis, a literatura explica o surgimento dos cortiços pelo aumento da dinâmica econômica, do crescimento da cidade e da população precária e de baixa renda.

O cortiço desponta e expande-se em decorrência de uma nova relação de exploração, na qual o trabalhador precisa adquirir, com o salário que aufere, os meios de vida para sobreviver [...] na medida em que a economia baseia seu processo de extração de excedentes na pauperização de trabalhadores e ao mesmo tempo precisa manter a unidade familiar operária a fim de explorá-la e garantir sua continuidade, o cortiço [...] aparece como a forma mais viável para o capitalismo nascente reproduzir a classe trabalhadora, a baixos custos. (KOWARICK; ANT, 1994, p.74)

Ainda que explique o fenômeno em uma escala ampla, tal narrativa tem também limites: o cortiço, como ser inanimado, não tem capacidade de se autoinventar, alguém precisa promovê-lo. O crescimento da cidade e da população de baixa renda, sem capacidade de inserção no mercado formal de moradia, pode resultar em diferentes formas de moradia precária, e se surgem cortiços é porque existem sujeitos com capacidade de agência para fazê-lo. Ou seja, faz sentido endereçar quais agentes operam em um cortiço que “desponta”, “expande-se”, “aparece”.

Júlio (proprietário) juntou dinheiro trabalhando numa lavanderia que abriu com os irmãos e obteve lucro na compra e revenda de duas casas na Zona Norte de São Paulo, uma na Cachoeirinha e outra no bairro do Limão, ambas na Zona Norte. Após essas negociações, comprou dois imóveis na Barra Funda no final da década de 1980, e os transformou em cortiços no início da década de 1990, empreendimento que entendeu como menos arriscado do que abrir uma loja:

Quando eu tinha a lavanderia eu aprendi com os portugueses [...] O português entrava lá o quarto antigo era grande e o que ele fazia uma divisória aqui e ali e fazia um quarto, outro quarto, supondo que ele pagava [de aluguel] 2 mil reais ou 3 mil reais [...] e dava pra tirar 6 mil reais o ganho é 3 mil reais, só que ele gastava, colocava uma divisória de madeira e trabalhava em cima dessa casa. Pegava outra casa e fazia outra pensão, e ganhava mais 3 mil reais, e ia assim. Eu comecei a perceber isso, na década de 1970 [...] através dos portugueses que tinham pensões, que eu vi, que tive essa sabedoria, porque tinha medo de abrir loja. O que eu vou fazer? Pelo menos o aluguel é seguro. Se eu fizer uma kitnet hoje um peão não paga R$ 1.300, R$ 1.400 [...] alugar um quartinho com um banheiro é pra ele dormir, fazer um cafezinho, comida de final de semana, é mais fácil e mais barato. E vou fazer o que na casa da Vitorino? [rua Vitorino Carmilo] Vou fazer uma pensão. [...] Foi quando o Collor3 3 . Júlio faz referência ao confisco das cadernetas de poupança pelo governo Collor de Mello, em março de 1990. Fonte: https://www.infomoney.com.br/mercados/plano-collor-o-confisco-da-poupanca-que-derrubou-a-bolsa-em-mais-de-40-em-dois-dias. prendeu o dinheiro do povo. Eu fiquei com aquele complexo, fiquei duro, não tinha dinheiro pra ir na feira [...].

O que fui fazendo, eu não tinha noção ainda, daí eu fiz dois quartos grandes embaixo. Pensei, vou fazer diferente, eu fecho aqui e faço quartos maior e menor que alugo mais barato, na outra parede vou fazer uma kitnet e lá no fundo vou fazer outra kitnet, chamei pedreiro e aí fui pegando gosto pelas coisas. (Júlio, depoimento em 18 de dezembro de 2020)

Haroldo (proprietário) trabalhou como garçom de restaurantes de luxo, e perdeu quase tudo após uma tuberculose. Com o valor da cota de um consórcio de carro, adquiriu um imóvel de um mutuário endividado da Caixa Econômica Federal por um valor abaixo do mercado, assumindo as dívidas do imóvel:

Era uma única opção que eu tinha, fazer pensão. Porque era o que tinha, não tinha nada, doente, desempregado e só tinha o consórcio. Comecei a reformar aqui, só nisso na época gastei 12 mil reais [...] Dividi a sala, os quartos, dividi em dois porque era muito grande, montei mais um banheiro, casa antiga. (Haroldo, depoimento em 28 de janeiro de 2021)

Aparecida (intermediária ou locadora que subloca) vivia em cortiços. Sem capital próprio, encontrou na posição de intermediária chance de não pagar mais o aluguel e juntar dinheiro para comprar o imóvel. Relata o início da atividade como uma oportunidade:

Surgiu essa pensão, e minha filha falou: - Vamos tentar, dando certo saímos do aluguel. Daí não pago o aluguel, tomo conta da pensão e tiro um dinheirinho. Juntei um dinheirinho, eu e minha filha, e achamos essa pensão. Eu aluguei com meu sobrinho, que tinha ficado viúvo com duas crianças pequenas, eu pra ajudar ele, eu o chamei. Ele que conhecia o dono dessa casa, que é lá da Bahia também [...] Era toda bagunçada, o piso era de cimento, e quem cuidava era amigo do dono e ficou aqui por uns 10 anos, e não pagava aluguel e destruiu tudo. Antes da gente entrar, o dono tirou 18 caçambas de entulho daqui de dentro. Tudo bem feio. Tivemos que arrumar telhado, colocar forro, e coloquei piso, portas novas, o dono deu e nós entramos com mão de obra: meu marido é pedreiro. Compramos vasos pros banheiros, que estava bem feio. (Aparecida, depoimento em 9 de fevereiro de 2021)

Joseane (intermediária) relata a chegada na casa como moradora em 2005, assumindo o papel de representante dos proprietários no cortiço em 2016:

Vim como moradora, tinha uma outra pessoa como responsável. Ela saiu e eu fiquei. A maioria dos moradores são bolivianos e paraguaios, e só tinha eu de brasileira na época, e os donos acharam melhor deixar comigo, mais fácil pra entender, muitos nem falam português [...] Mudou bastante coisa, mais responsabilidade. Antes de passar pro proprietário, tudo vem pra mim. (Joseane, depoimento em 2 de fevereiro de 2021)

Marcelo (locador que subloca) morou por muitos anos em cortiços, num deles conheceu sua esposa. Após anos trabalhando em portaria de prédios, viu a oportunidade de ter um negócio e, com isso, obter o valor para pagar uma moradia melhor. Ele aluga três casas na Liberdade, sublocando os quartos:

Porque morava em pensão e já tinha noção de como era, o dono de lá [da pensão na Santa Cecília que morava e onde conheceu a esposa] me chamou pra trabalhar com pintura e depois que saí do apartamento e peguei o gosto, e aí eu pensei: - Eu vou alugar uma casa e com a pensão vou ganhar minha moradia. E deu certo. Não tinha formação para procurar um emprego, e [não queria] voltar para portaria de prédio de novo, e fui pegando o gosto. (Marcelo, depoimento em 5 de abril de 2021)

Jocasta (locadora que subloca) morou por muitos anos em cortiços, e com a saída dos locatários assumiu o imóvel alugando alguns quartos para complementar a renda.

Tinha uma pessoa que alugava aqui. Mudei para essa casa, [...] e morei no primeiro quarto, quem alugou pra mim foi um casal que morava no quarto que meu filho mora hoje. Era uma pensão. E ele falou que ia embora [...] Aí o dono falou pra mim pegar tudo, daí peguei tudo. (Jocasta, depoimento em 6 de julho de 2021)

Adamastor (proprietário) adquiriu quatro imóveis de um mesmo terreno para criar um cortiço, visando diversificar seus investimentos. Ao contrário dos demais, o negócio foi planejado:

Esse é um tipo de locação coletiva, sendo uma extensão da atividade. Porque é sempre muito caro, um apartamento custa x, uma casa dessa pra você fazer vários quartos sai muito caro. [...] Comprei para expandir o empreendedorismo, para aumentar a quantidade de locação. Eu defini que seria algo para viver após minha aposentadoria e investir nisso em imóveis, ter um rendimento, um negócio. (Adamastor, depoimento em 2 de agosto de 2021)

Sem experiência em administrar o dia a dia do cortiço, Adamastor contratou uma pessoa que era moradora de uma das antigas casas do terreno para ser sua representante (intermediária):

Tenho uma empresa, dou assistência, se precisa de manutenção, envio um funcionário lá para arrumar, e a Madalena (intermediária), ela mora lá, ela ajuda a pegar os aluguéis, ela mora numa casa boa lá, eu dou um desconto pra ela. Praticamente ela recebe os aluguéis, faz uma assessoria lá, de fato como se ela fosse uma zeladora, fazemos uma parceria. (Adamastor, depoimento em 2 de agosto de 2021)

Com essas entrevistas e os excertos destacados aqui, podemos definir quatro categorias de operadores: 1) Proprietário direto (Júlio e Haroldo) - possui o imóvel, assume suas responsabilidades com ônus e bônus e atua diretamente com os moradores; 2) Proprietário indireto (Adamastor) - possui o imóvel como investimento, assume suas responsabilidades com ônus e bônus e atua com os moradores por meio de um representante (intermediário), mas permanece bastante próximo da gestão cotidiana; 3) Intermediário (Joseane) - atua como uma espécie de zelador, não paga aluguel e faz parcerias com os proprietários; 4) Sublocador (Marcelo, Aparecida e Jocasta) - aluga o imóvel e subloca diretamente aos inquilinos, tem relação contratual com o proprietário e paga o aluguel, independentemente de sublocá-lo.

Identificamos, também, quatro movimentos diferentes que criam o papel social do operador. O primeiro deles é o de resposta pragmática a uma situação de crise, em que a pessoa se vê sem renda, mas com um imóvel para explorar. É o caso de Júlio, que começou a investir em imóveis, e com o confisco da poupança na época do governo Collor, viu no investimento em cortiço uma alternativa de renda, bem como de Haroldo, que após perder seu emprego comprou um imóvel de um mutuário endividado da Caixa Econômica Federal.

O segundo movimento, o de Marcelo, Aparecida e Jocasta, é a estruturação de um negócio de sublocação, aproveitando-se que o valor do aluguel de cômodos por metro quadrado é maior do que o de aluguel de imóveis inteiros. Essa posição requer capital para alugar e adaptar os imóveis e legitimidade para assinar um contrato de aluguel. Marcelo informa a preferência por um trabalho por conta própria, em vez do árduo trabalho como porteiro de prédios. Jocasta não tinha o plano de ter um cortiço, mas com a saída do sublocatário, surgiu essa oportunidade. Nos três casos, a experiência prévia de viver em cortiços como inquilino foi decisiva, constituiu um repertório que permitiu assumir o papel de gestor.

O terceiro movimento, o de Joseane, é uma oportunidade percebida na passagem de inquilina a intermediária ou a representante moradora perante os proprietários. É o status mais precário, não requer capital móvel nem imóvel, mas uma posição de confiança em relação ao proprietário.

Vemos que esses três movimentos são semelhantes ao estudo sobre cortiços realizado no início da década de 1980, no qual, no cortiço da periferia, o operador e o inquilino são da mesma camada social, sendo o operador aquele que conseguiu ter um imóvel com muito sacrifício (TASCHNER; MAUTNER, 1982TASCHNER, S. P.; MAUTNER, Y. Habitação da Pobreza. Cadernos PRODEUR, São Paulo, FAU/USP, n. 5, 1982.).

O quarto movimento, o de Adamastor, compreende o cortiço como uma possibilidade de diversificar os negócios, como investimento a longo prazo, mais uma categoria de imóveis dentro da sua carteira de investimentos, tendo de contratar uma intermediária para tocar o dia a dia.

Adamastor é exceção no grupo por sua origem social mais privilegiada. Os demais entrevistados moraram, em momentos anteriores da vida, em cortiços, inclusive os atuais proprietários Júlio e Haroldo. Eles têm origem pobre e migrante. Consideram a atividade de alugar cômodos como um negócio rentável e de baixo risco, dentro de um horizonte de possibilidades econômicas reduzidas, exigindo pouco (ou nenhum) capital e formação profissional de baixa qualificação. No lugar das narrativas de exploração, aparecem a necessidade, o senso de oportunidade imobiliária e o significativo trabalho obrigatório para estruturar um negócio complexo como um cortiço.

Adamastor encaixa-se melhor na literatura existente, mas sua operação não é do tipo “quanto pior, melhor”. Busca um retorno do capital investido, mas tem muito trabalho no acompanhamento da operação e afirma que precisa oferecer um produto de melhor qualidade que os concorrentes para não perder inquilinos.

Zeladoria

A literatura aponta com recorrência as más condições de habitabilidade e salubridade dos cortiços (ANDALAFT; BARRELLA, 2018ANDALAFT, R.; BARRELLA, W. Habitações subnormais precárias: diagnóstico do habitat humano em cortiços na cidade de Santos/SP, Brasil. Unisanta BioScience, Santos, v.7, n.1, 2018.; GRACE COSTA et al., 2011GRACE COSTA, V. et al. Visita a cortiços em São Paulo uma experiência didática. Revista Geográfica de América Central, v. 2, jul.-dez., 2011. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/sao-paulo/panorama. Acesso em 9 set. 2020.
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/sa...
; KOHARA, 2009KOHARA, L. T. Relação entre as condições da moradia e o desempenho escolar: estudo com crianças residentes em cortiços. 2009. 297 f. Tese (Doutorado em Habitat) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, University of São Paulo, São Paulo, 2009. doi 10.11606/T.16.2009.tde-10052010-155909.
https://doi.org/10.11606/T.16.2009.tde-1...
; KOHARA, 2012KOHARA, L. T. Cortiços: o mercado habitacional de exploração da pobreza. Carta Maior, 5 set. 2012. ; KOWARICK, 2013KOWARICK, L. Cortiços: a humilhação e a subalternidade. Tempo Social, v. 25, n. 2, p. 49-77, 1 nov. 2013. ; LABHAB, 2004LABORATÓRIO DE HABITAÇÃO E ASSENTAMENTOS HUMANOS DA FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (LABHAB/FAU/USP). Levantamento e caracterização geral de imóveis encortiçados. 2004.; LUCCHESI, 2015LUCCHESI, B. M. D. Transformações urbanas e habitação no final do século XIX: proibição e permanência dos cortiços na cidade de São Paulo. In: XXIII Simpósio Nacional da Associação Nacional de História, 2015, São Paulo. Anais [...]. São Paulo: ANPUH, 2015.; MICHELETTI et al., 2009MICHELETTI, F. A. B. O. et al. As Manifestações da Pobreza em Cortiços da Região Central de Santos. Serviço Social em Revista, Londrina, v. 11, n. 2, jan.-jun 2009.; PARIS, 2013PARIS, O. (In)visibilidade das camadas pobres na cidade pelo prisma dos cortiços paulistanos no Brasil. Confins, Revista Franco Brasileira de Geografia, n. 17, 2013. Disponível em: http://journals.openedition.org/confins/19107. Acesso em: 03 abr. 2020.
http://journals.openedition.org/confins/...
; PICCINI, 2004PICCINI, A. Cortiços na cidade: conceito e preconceito na reestruturação do centro urbano de São Paulo. 2. ed. São Paulo: AnnaBlume, 2004.; SANTO AMORE, 2016SANTO AMORE, C. et al. É pensão, sim! Notas sobre a diversidade de precariedades habitacionais em área central. In: II UrbFavelas. Rio de Janeiro, 23-26 nov. 2016.; SIMONE, 2014SIMONE, A. S. Os cortiços na paisagem do Brás e Belenzinho, São Paulo: um estudo de caso. 2014. 267 f. Dissertação (Mestrado em Geografia Física) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014. doi 10.11606/D.8.2014.tde-27032015-153533.
https://doi.org/10.11606/D.8.2014.tde-27...
; SCHOR; BORIN, 1997SCHOR, S M; BORIN, M. E. S. Cortiços Adaptados e Concebidos na Cidade de São Paulo. Revista São Paulo em Perspectiva, São Paulo, vol. 11, n. 1 p. 152-159, jan-mar. 1997.; SOUZA, 2011SOUZA, T. C. S. Cortiços em São Paulo: programas/vistorias/relatos. 2011. 305 f. Dissertação (Mestrado em Habitat) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. doi 10.11606/D.16.2011.tde-12012012-151306.
https://doi.org/10.11606/D.16.2011.tde-1...
; VERAS,1994VERAS, M. Cortiços no Brás: velhas e novas formas da habitação popular na São Paulo industrial. Análise Social, Quarta Série - Habitação na cidade industrial 1870-1950, 1994, v. 29, n. 127, p. 599-629.). Com isso, tende a desconsiderar dois elementos: a) a enorme diversidade interna de condições de quartos de cortiços. Até mesmo no mesmo imóvel a diversidade é grande. As condições distintas refletem-se em diferentes valores de aluguel, em um mercado altamente dinâmico em que as mudanças frequentes de moradia são a norma. Cortiços em melhores condições podem cobrar valores mais altos e taxas menores de vacância e rotatividade; b) o significativo trabalho na gestão dos imóveis pelos operadores. Os cortiços, como espaços utilizados com intensidade, exigem um enorme esforço de manutenção. Há desgaste e quebras que precisam ser equacionadas; se isso não é feito, há risco de evasão de moradores, com a consequente perda de receita.

Júlio e Haroldo, proprietários dos imóveis, afirmam que cuidam com zelo de cada quarto e dos ambientes coletivos, procurando proporcionar boas condições de habitabilidade e valorizar os imóveis. Realizam pessoalmente as manutenções corretivas e contratam serviços para intervenções maiores.

Adamastor (proprietário) adaptou os imóveis para criar seu cortiço e o está ampliando com um andar superior. Vem fazendo reformas e melhorias, para valorizar o imóvel e mantê-lo em conservado. Ele é também dono de uma empreiteira, a qual acaba sendo a prestadora de serviços de melhorias e ampliação.

Aparecida, apesar de ser locadora, conseguiu reformar a maior parte do imóvel que opera. As adaptações exigiram pouco capital, pois o proprietário forneceu o material e o serviço (colocação de piso, reforma de banheiros, troca de telhado, colocação de corrimão na escada, troca de portas dos cômodos, por exemplo) foi feito pelo marido de Joseane, que é pedreiro.

O locador Marcelo aluga três sobrados tombados, que são bem cuidados. Com a renda dos aluguéis, ele faz as manutenções elétricas, hidráulicas e prediais, garantindo condições de habitabilidade adequadas. Detalha como faz o controle dos gastos com eletricidade com sensores nos corredores e um temporizador nos chuveiros: “Luz, a gente põe sensor nos corredores e no chuveiro tem temporizador de 15 minutos pro banho, daí tem 15 minutos de água quente e se quiser tem mais 15 minutos de água fria. E só volta depois de 15 minutos a ser quente de novo”.

A locadora Jocasta está devolvendo o imóvel pela insalubridade dos quartos, ligada a infiltrações e aparecimento de mofo, e pela falta de entendimento com o proprietário:

Ele não entra em acordo sobre as melhorias na casa, ele não quer abater. Tem uma hora que ele não quis mais saber, e eu também não. [...] Pagava R$ 1.650,00, antes era R$ 1.850,00. Ele abaixou pela pandemia. Eu pedi pra ficar por R$ 1.100,00 para eu arrumar, mas ele não quer. Então, estou indo embora. (Jocasta, depoimento em 6 de julho de 2021)

O cortiço administrado pela intermediária Joseane tem as piores condições de habitabilidade, com enchentes,4 4 . No dia da entrevista com a intermediária e visita ao cortiço, choveu bastante e experimentamos o que os moradores passam com a enchente dentro do cortiço, que alaga o quintal de uso comum e a rua externa. fiação precária, infiltração de água nos quartos, problemas estruturais nos telhados. Ela informa os proprietários dos problemas, os quais só realizam as manutenções mais urgentes, postergando as intervenções estruturais. Sobre um vazamento de água em um dos quartos, ela relata: “Às vezes dá certo, às vezes, faz um paliativo com uma lona”. Sobre a parte elétrica: “Já falei com o proprietário para trocar toda fiação, mas nada ainda. Porque a fiação não suporta quando tá tudo cheio, tem que ir lá desligar e ligar o disjuntor”. Sobre a enchente:

Aqui é tudo muito velho, fiação antiga, muita rachadura, banheiros em estado deplorável. Lá embaixo, quando chove forte, alaga, com água acima da canela. Em fevereiro de 2020, quando choveu muito, os quartos de baixo todos entraram água. Subiu em torno de um metro. Muita gente mudou porque perderam móveis [...]. A parte de baixo da pensão eu não moraria por causa das chuvas. (Joseane, depoimento em 2 de fevereiro de 2021)

Em contraponto à imagem de abandono e precariedade, a narrativa dos operadores traz uma preocupação com a melhoria do edifício e a zeladoria, buscando - em uma mentalidade rentista tradicional - aumentar valores cobrados, reduzir rotatividade e vacância. Nem sempre tal preocupação resulta em melhorias efetivas; quando o proprietário é o operador, ele possui melhores condições de decidir quanto e como será reinvestido (Júlio, Haroldo e Adamastor). Quando o operador é locador, o investimento precisa retornar em curto prazo. O custo da zeladoria e das reformas entra no cálculo de pagamentos e recebimentos de aluguel (Marcelo e Aparecida). O intermediário precisa convencer os proprietários a fazer os investimentos (Joseane). A falta de entendimento sobre o abatimento no aluguel para executar as melhorias de infraestrutura faz a locadora entregar o imóvel (Jocasta).

A pequena amostragem traz uma gradação: as melhores condições e a zeladoria mais adequada acontecem quando a operação é feita pelos proprietários, pois há preocupação com investimentos estruturais, com a valorização do imóvel - os investimentos se revertem em ganhos de curto e longo prazo. Os cortiços operados por locadores têm condições intermediárias. O cortiço operado pela intermediária Joseane é o que apresenta as piores condições, refletindo uma mentalidade curto-prazista e possivelmente especulativa dos proprietários, que talvez estejam alugando o imóvel à espera de um comprador para demolição. Todos desconhecem a lei Moura5 5 . Lei Moura, n. 10.928, de 8 de janeiro de 1991, que, entre outros pontos, define o que é cortiço como unidade usada como moradia coletiva multifamiliar, apresentando, total ou parcialmente, as seguintes características: constituída por uma ou mais edificações construídas em lote urbano; subdividida em vários cômodos alugados, subalugados ou cedidos a qualquer título; várias funções exercidas no mesmo cômodo; acesso e uso comum dos espaços não edificados e instalações sanitárias; circulação e infraestrutura, no geral, precárias; e superlotação de pessoas. Disponível em: http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/lei-10928-de-08-de-janeiro-de-1991. Acesso em: 28 ago. 2022. e a possibilidade de obtenção de tarifa social nas contas de água e luz.

Convivência

A literatura traz as relações de suspeita, controle e fofocas que acontecem entre os inquilinos, associadas a situações de convivência forçada em espaços precários, com espaços e equipamentos forçosamente compartilhados. Pinto (2003)PINTO, N. Entre a proximidade e o distanciamento: a sociabilidade entre famílias residentes em cortiços na cidade de São Paulo. Unimontes Científica, Montes Claros, v. 5, n. 2, jul.- dez. 2003. traz a ressignificação do princípio da reciprocidade entre os moradores de cortiços - de algo cotidiano e banal torna-se uma moeda de troca utilizada em prol da sobrevivência. Kowarick (2013KOWARICK, L. Cortiços: a humilhação e a subalternidade. Tempo Social, v. 25, n. 2, p. 49-77, 1 nov. 2013. , p.1) apresenta o relato de Cris, moradora de um cortiço no Pari, que descreve a dificuldade da convivência: “Aqui é muito pequeno pra morar em quatro, falta privacidade; se fosse maior dava pra gente viver.[...] mas de noite, privacidade é fogo. No final de semana tem uns que tomam um gorozinho e a gente tem que se levantar para mandar parar o barulho. Quando ligam o som alto de noite, aí tenho que falar”. Simone (2014SIMONE, A. S. Os cortiços na paisagem do Brás e Belenzinho, São Paulo: um estudo de caso. 2014. 267 f. Dissertação (Mestrado em Geografia Física) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014. doi 10.11606/D.8.2014.tde-27032015-153533.
https://doi.org/10.11606/D.8.2014.tde-27...
, p. 209) narra a inexistência de laços afetivos entre os moradores bolivianos de um cortiço no Brás, onde há uma convivência limitada pela necessidade do ambiente.

As entrevistas com os operadores de cortiços trazem um olhar bem diferente. Todos afirmaram que têm uma ótima relação com os moradores, e que a postura deles em relação aos inquilinos faz toda a diferença. Normas que podem ser vistas como ferramentas de controle e privação de liberdade são enquadradas pelos operadores como “regras para boa convivência”, tais como: fixação do horário de 22 horas para entrada nos quartos; solicitação de não circular à toa nas áreas comuns após esse horário; proibição de visitas e de levar pessoas para dormir junto; indicação de não ouvir som alto, principalmente após às 22 horas. Júlio relata certa relação de apadrinhamento com os moradores: “Todo mundo gosta de mim demais, tem muita amizade, [...] já cheguei a emprestar dinheiro prum inquilino aí, e emprestei R$ 50, R$ 100, e depois me devolveu com o aluguel, mas é difícil ocorrer”. Ele também conta como preservar a harmonia dentro das casas: “Quando dá problema, eu já boto pra fora. Se eu colocar um cara tranqueira ele vai estragar os outros, tirar o sossego dos outros, não adianta”.

Haroldo se coloca no papel de conselheiro:

Postura, né, cara, tem que ter postura e se posicionar. São família, conversamos, eles se abrem, dialogam, tem que ver como as pessoas estão, tem que orientar as pessoas. Tenho orgulho de ter ajudado muita gente. Eu era um capeta em forma de gente, falava muito palavrão, hoje já não falo mais. Tudo através do diálogo, da conversa, não xingar os outros. (Haroldo, depoimento em 28 de janeiro de 2021)

Aparecida relata também que procura ajudar os moradores, mas faz uma interessante inversão de posições em relação à imagem costumeira do intermediário como a parte exploradora: “Eu ajudo as pessoas, mas muitos não tão nem aí, só me ferro. Minha filha fala que tenho coração mole, mas é tranquilo, todo mundo me respeita, brinca na hora que tiver que brincar, briga na hora que precisar”. Joseane relata sua função de atribuidora de limites: “Tranquilo, eles são tranquilos. Não tem problema, nos damos bem, alguns, quando passam do limite, nós chamamos atenção”.

Marcelo informou que nunca teve que expulsar ninguém e que não há brigas entre os moradores: “São pessoas boas que moram nas casas e quase não tem problema”.

Aparece a narrativa de preocupação em ter casas bem cuidadas e em fornecer locais dignos aos moradores:

[...] manter as casas organizadas e as pessoas se sentirem bem por morar aqui, porque não é dizer que tem a pensão e colocar as pessoas de qualquer jeito é só querer o dinheiro delas e não fazer a manutenção, não fazer direito nas casas. Todo mundo tem que ter dignidade de morar bem, mesmo que seja um quartinho pequeno de pensão tem que ter qualidade. (Marcelo, depoimento em 5 de abril de 2021)

Jocasta discorre que se dava bem com todos, exceto com um morador que usava drogas e criava problemas, até o dia em que foi convidado a sair do cortiço: “Daí começou a ficar abusivo. Eu fazia comida e ele tava sem dinheiro, e eu deixava ele comer à vontade. Ele não tinha dinheiro pra comida, mas aparecia louco”.

Adamastor informou ter boa relação com os inquilinos, que nunca teve que expulsar ninguém e que tem uma relação de proximidade com todos, principalmente com a intermediária. Em ocasiões específicas, oferece mais alguns dias para pagamento do aluguel, sem juros. Esse depoimento mostra que o proprietário nem sempre delega integralmente a gestão do imóvel ao intermediário, o que é uma forma de reduzir seu poder e torná-lo substituível.

Júlio, Haroldo e Joseane trazem a longa permanência dos moradores em seus cortiços como comprovação da boa convivência. Ao menos um depoimento de ex-morador confirma esse tipo de relação de apadrinhamento com Júlio:

Eu morava na pensão [do Júlio], a mulher dele me ajudou muito, os dois. Eu tenho eles como meus pais [...] Moramos uns 10 anos na pensão do japonês, conheço a família deles e eles a nossa, há muito tempo, as crianças cresceram juntas. (Aparecida, depoimento em 9 de fevereiro de 2021)

Os sete entrevistados relatam relações de companheirismo, em alguns casos de amizade entre operadores e inquilinos, apesar dos diferentes papéis, em contraponto interessante com a literatura existente, em que prevalecem os relatos de exploração, autoridade excessiva e violência. A narrativa de Jocasta, que foi inquilina do Júlio, morou no cortiço por muitos anos e lá criou seus filhos, comprova a boa relação dele com os moradores. Não se trata de descobrir qual a “verdade” das relações entre operadores e moradores, mas de apontar a complexidade dessas relações. Os operadores de cortiço entrevistados foram também inquilinos, com exceção de Adamastor.

Seleção e contratos

O mercado de cortiços é um mercado concorrencial e altamente dinâmico, que segue as mesmas lógicas de outros submercados de aluguel: imóveis em melhores condições atingem preços maiores e apresentam taxas menores de vacância. A alta rotatividade significa que há sempre quartos disponíveis, e os operadores precisam comunicar essa disponibilidade. Buscar inquilinos de forma ativa recompensa os operadores, porque dá possibilidades de selecionar melhor os moradores.

Aparecida, Joseane e Adamastor colocam placas de “alugam-se quartos” na frente do cortiço com o número de telefone e aguardam contato. Quando aparecem interessados, fazem uma entrevista, perguntam qual a profissão e, se aprovados, exigem um pagamento antecipado como um depósito. Ao serem selecionados, os moradores podem acessar a moradia. Haroldo faz a seleção pelo Facebook:

Eu coloco no market place, no aplicativo de locação de quartos e vagas no Facebook, antigamente colocava papel no poste, muitos anos atrás. Aparece pessoas mais ou menos selecionadas, não são pessoas de rua. Porque se você coloca no poste vem o que? Vem noia, drogado. Tem um monte de placa na rua, e já entrei nessas outras pensões das placas dos postes. [...] São horríveis, parecem presídio, não tem lavanderia, não tem nem ar pra respirar. (Haroldo, depoimento em 28 de janeiro de 2021)

Na visita, Haroldo realiza a entrevista, pergunta sobre renda, checa se o inquilino não usa drogas. Se aprovado, exige o pagamento antecipado do primeiro mês. Júlio não coloca placa na porta, o acesso aos cortiços geridos por ele somente se dá por meio de indicação pelos próprios moradores:

Antigamente eu ia colocando pessoas a esmo, é duro você não conhecer e trazer pessoa estranha, já teve briga, já teve uma pessoa que era ladra aqui. A gente vai apanhando, mas hoje não preciso mais disso. Não ponho placa, eu vou por indicação, os caras falam: “Tem um amigo meu que tá numa pensão bagunçada e aqui é organizado”. E eu falo, mas o cara é bom mesmo? “Cara trabalhador, é da minha terrinha, pode ficar tranquilo”. Quando é indicado eu nem preciso falar nada, porque eles mesmo se falam já sabem o sistema: “que o japonês é bonzinho, não gosta de barulho, pode fazer festa das 2 às 4 da tarde na laje, não tem problema, ele até participa, mas não faz barulho. Não tô dizendo que o meu é melhor, mas tem muita pensão bagunçada, cheia de maconheiro. Os caras mesmo falam: “vai no japonês, que lá é tranquilo”. (Júlio, depoimento em 18 de dezembro de 2020)

Assim como Júlio, Marcelo e Jocasta não colocam placas e alugam quartos apenas com indicação de atuais e ex-moradores: “Não ponho placa, é tudo de boca a boca, só entra por indicação, aqui não pomos placas, Indicação é mais garantia, não tem problema” (Marcelo, depoimento em 5 de abril de 2021). Percebemos a busca pela construção de grupos de moradores mais homogêneos, que facilitam a gestão dos espaços e reduzem tensões. Marcelo prefere alugar para mulheres, sendo duas das três casas exclusivas:

E começou a primeira só de mulheres, as duas primeiras ainda são só para mulheres. Elas dão menos trabalho, elas são mais compreensivas que os homens. Os homens sabem como é, começam a namorar, daí quer trazer namorada, dai um fala: “Você falou que não podia, agora tá trazendo”. As mulheres são melhores. (Marcelo, depoimento em 5 de abril de 2021)

O cortiço administrado por Joseane, no Bom Retiro, é composto, na sua maioria, por estrangeiros: “Atualmente, depende, tem mais de 10 crianças, e 28 adultos, normalmente casais, mas tem amigos, parentes também, a maioria são bolivianos e paraguaios, De brasileiro tem eu, a Mariene mais dois senhores. [...] Alguns tem oficina e costuram no quarto”. No cortiço alugado por Aparecida na Barra Funda, a maioria é trabalhador informal ou da base social do setor de serviços: “Tem um eletricista, um pedreiro, zelador, dois cabeleireiros, motorista, uma que trabalha no jogo do bicho, uma tá desempregada, mas faz os bicos dela e tem o marido da minha sobrinha que trabalha de motoboy em pizzaria e trabalha fazendo carreto”. Haroldo não aceita crianças nem casais, mas aceita homens gays:

Aqui tem muito homossexualismo, por causa do Arouche, já teve garoto de programa, mas não permito que traga gente aqui. Faz programa ok, mas vai no hotel, importante pagar meu aluguel. Não permito droga, visita, sexo aqui dentro não pode, tem que respeitar o ambiente. Já teve duas garotas de programa de luxo, mas isso não tem problema nenhum, daqui pra fora. [...] Tem um cara que mora aqui há oito anos, e o único velho é ele. [...] São separados, mas moram sozinhos, alguns têm filhos que moram fora daqui. [...] Um aqui é motorista de médico, trabalha em São Bernardo, e depois trabalha com Uber, outros trabalham com entregas de Ifood com bicicleta, outro trabalha em restaurante, outro vendedor. (Haroldo, depoimento em 28 de janeiro de 2021)

Nos cortiços operados por Marcelo, muitos são estudantes das faculdades do bairro e trabalham em escritórios. Mora somente uma pessoa por quarto: “A maioria das pessoas vem de fora de São Paulo, exemplo vem do interior de São Paulo, não vão pra hotel. Quando vem alugar os pais vem e olham”. Nos cortiços de Júlio os moradores são migrantes:

Os inquilinos que tenho aí são tudo nordestino. Eles trabalham o dia todo e querem descansar à noite. Bar abre que horas? Às 5h da manhã, então eles acordam 10 para 5. Eles têm casa na vila, mas é muito longe, e se eles forem pra lá, tem que acordar de madrugada. Um acordava às 3h30 da manhã pra tá aqui às 5h, se ele pegasse ônibus mais tarde, atrasava. Um mora sozinho, outro mora casal, outro trabalha em restaurante japonês, outro porteiro de prédio, um casal trabalha no bar, o irmão deles também trabalha lá. Os que vinham da vila chegavam exaustos aqui, porque tinha que pegar ônibus, trem e metrô, gastava muito com passagem. Aqui não, vai a pé e em 5 minutos tá lá, nem 5 minutos. Eles voltam,descansam aqui, vão trabalhar e voltam, comem lá, tem geladeira e fogão. Eles descansam muito. (Júlio, depoimento em 18 de dezembro de 2020)

Adamastor prefere moradores sem filhos, sendo alguns aposentados, profissionais liberais, funcionários de padaria e autônomos.

A gente não escolhe, mas damos prioridade para casais sem filhos. No passado já tivemos problema de casal largar filhos lá e deixar sozinho e dá problema. Os maiores que são 4, aceitamos com filho, mas normalmente damos preferência para casal. (Adamastor, depoimento em 2 de agosto de 2021)

Nos processos de seleção vemos portanto uma graduação, que se relaciona com o maior cuidado com os imóveis e com a situação de propriedade. Cortiços operados por proprietários têm processos menos públicos e selecionam moradores por indicação, enquanto aqueles mais precários e operados por intermediários tendem a anunciar na fachada a disponibilidade de quartos. Há a busca por especialização e homogeneização dos moradores, quanto mais seletivo o proprietário, maior sucesso tem nessa homogeneização.

A literatura é unânime em apontar a informalidade como regra nas relações de aluguel em cortiços, tendo como consequência aumentos arbitrários de preços, despejos intempestivos e violentos, ameaças e todo tipo de privação de direitos dos inquilinos. A falta de contratos gera também consequências para os operadores de cortiços, sendo portanto interessante entender o lado deles na relação. Júlio, Haroldo, Marcelo, Aparecida, Adamastor e Jocasta não fazem contratos formais de locação, mas pedem uma cópia do RG e do CPF dos moradores. Inclusive Jocasta não tem contrato formal de locação do imóvel com o proprietário. Joseane - a intermediária do cortiço em situação mais precária - informou que recentemente os proprietários começaram a fazer contratos de locação com os novos moradores.

Valores e ganhos

O valor cobrado por cômodos em cortiços é o aspecto do trabalho do operador mais bem pesquisado e documentado pela literatura. Os estudos apontam as altas taxas de lucratividade dos proprietários e intermediários, ao longo das décadas. Para o caso de São Paulo, as pesquisas de Kohara (1999PICCINI, A.; KOHARA, L. T. Rendimentos obtidos na locação e sublocação de cortiços - Estudo de Caso na Área Central da Cidade de São Paulo. Boletim Técnico da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, 1999., 2009KOHARA, L. T. Relação entre as condições da moradia e o desempenho escolar: estudo com crianças residentes em cortiços. 2009. 297 f. Tese (Doutorado em Habitat) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, University of São Paulo, São Paulo, 2009. doi 10.11606/T.16.2009.tde-10052010-155909.
https://doi.org/10.11606/T.16.2009.tde-1...
) destacam esse ponto:

Todas as pesquisas de campo e a literatura sobre os cortiços são unânimes quando descrevem a precariedade das habitações e os altos rendimentos obtidos pelos seus exploradores. [...] Os exploradores de cortiços utilizam-se de muitas artimanhas para obter o máximo de rendimento por cortiço como a coação dos moradores e a agregação de valores. [...] Apesar de existirem leis que limitam a precariedade nos cortiços, devido à falta da fiscalização pelos órgãos responsáveis, os exploradores obtêm elevados rendimentos mesmo mantendo os cortiços em péssimas condições de habitabilidade [...] a miséria dos moradores de cortiços sempre foi uma possibilidade de enriquecimento para muitos proprietários ou intermediários dessas locações. (KOHARA, 2009KOHARA, L. T. Relação entre as condições da moradia e o desempenho escolar: estudo com crianças residentes em cortiços. 2009. 297 f. Tese (Doutorado em Habitat) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, University of São Paulo, São Paulo, 2009. doi 10.11606/T.16.2009.tde-10052010-155909.
https://doi.org/10.11606/T.16.2009.tde-1...
, p. 52-64)

Em sua pesquisa, Kohara (1999PICCINI, A.; KOHARA, L. T. Rendimentos obtidos na locação e sublocação de cortiços - Estudo de Caso na Área Central da Cidade de São Paulo. Boletim Técnico da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, 1999.; 2009KOHARA, L. T. Relação entre as condições da moradia e o desempenho escolar: estudo com crianças residentes em cortiços. 2009. 297 f. Tese (Doutorado em Habitat) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, University of São Paulo, São Paulo, 2009. doi 10.11606/T.16.2009.tde-10052010-155909.
https://doi.org/10.11606/T.16.2009.tde-1...
) demonstra que os quartos dos cortiços tinham área média de 11,9 metros quadrados, sendo alugados por R$ 191,00 ou seja, R$ 13,17 o metro quadrado, que é muito superior aos preços praticados nas locações de casas unifamiliares no mesmo bairro cuja média era de R$ 7,40 por metro quadrado; o valor por metro quadrado também era maior nos cortiços que em bairros de classe média alta. Araújo e Pereira (2008 ARAÚJO, L. O. G. de; PEREIRA, M. dos S. . A vida nos cortiços: o cômodo e o incômodo panorama do atendimento habitacional no centro de Santos. Relatos. Conselho Internacional de Bem Estar América Latina e Caribe. 2008. Disponível em: https://www.cibs.cbciss.org/relatos.html. Acesso em: 12 mar. 2021.
https://www.cibs.cbciss.org/relatos.html...
, p. 10) discorrem sobre os lucros abusivos dos intermediários, como uma função extremamente lucrativa, com muitos deles conseguindo um lucro de aproximadamente 500% do valor investido. Aproveitam-se da falta de formalização quando alugam, pois dificilmente há um contrato regular de aluguel. Maricato (1996MARICATO, E. Metrópole na periferia do capitalismo: ilegalidade, desigualdade e violência. São Paulo: Hucitec, 1996., p. 22) relata abusos dos operadores nos rateios das contas de água e luz. Piccini (2004PICCINI, A. Cortiços na cidade: conceito e preconceito na reestruturação do centro urbano de São Paulo. 2. ed. São Paulo: AnnaBlume, 2004., p. 82) aponta que o lucro é fácil, mas não gera enriquecimento:

Tanto para o proprietário quanto para o intermediário não se trata de um grande lucro por meio do qual alguém possa ficar rico. Trata-se de lucro fácil, dada a ilegalidade da operação, fora das normas legais [...]. O proprietário é desconhecido e os moradores pagam diretamente o aluguel para uma imobiliária ou para um sublocatário [...]. O sublocatário cobra a mais do inquilino, com conhecimento ou não do proprietário procurando uma margem de lucro, mas sem se preocupar com a situação físico-social precária dos moradores. (PICCINI, 2004PICCINI, A. Cortiços na cidade: conceito e preconceito na reestruturação do centro urbano de São Paulo. 2. ed. São Paulo: AnnaBlume, 2004., p. 82)

Nas sete entrevistas, perguntamos sobre a composição de preços de aluguel e taxas. Os valores de locação variam conforme o tamanho dos quartos e a existência de banheiro privativo. No cortiço gerido por Joseane no Bom Retiro, os valores de locação variam de R$ 215,00 (quartos menores, sem banheiro), passando por R$ 450,00 (quartos com banheiro privativo), até chegar a R$ 600,00 (quartos maiores e com banheiro). No cortiço gerido por Aparecida na Barra Funda, os valores são mais altos, de R$ 650,00 a R$ 800,00, com banheiro privativo. No cortiço de Haroldo, na República, o aluguel varia entre R$ 550,00 e R$ 750,00, todos sem banheiro exclusivo. Marcelo aluga quartos na Liberdade, sem banheiro exclusivo, por R$ 1.000,00. No cortiço de Jocasta os quartos variam entre R$ 400,00 e R$ 700,00, todos sem banheiro. Nos cortiços da Barra Funda, de propriedade de Júlio, os quartos menores custam R$ 600 e os maiores, R$ 700,00. Casais pagam R$ 100,00 a mais. Há uma kitnet alugada por R$ 1.300,00, que possui cozinha e banheiro privativo. No segundo cortiço gerido por Júlio, os quartos menores custam R$ 700,00 e as kitnets, R$ 1.200,00. Adamastor aluga os quartos menores por R$ 800,00 e os maiores por R$ 1.000,00, e todos possuem banheiro interno.

Júlio, Haroldo, Marcelo, Aparecida, Jocasta e Adamastor oferecem wi-fi para os moradores já custeados pelo aluguel. Haroldo colocou mobília em todos os quartos, com camas e guarda-roupas; nas áreas comuns, há TV, máquina de lavar, fogão, eletrodomésticos e sofá. Marcelo aluga os quartos com cama, guarda-roupa, geladeira e escrivaninha. A cozinha tem fogão e micro-ondas e a lavanderia possui máquina de lavar. Nos outros cortiços, os quartos são alugados sem móveis e não há eletrodomésticos coletivos nas áreas comuns.

Aparecida e Joseane cobram mais R$ 70,00 de água e luz por pessoa, por meio de rateio médio mensal; Haroldo, Marcelo e Jocasta incluem água e luz em um valor único embutido no aluguel. Júlio inclui o valor desses gastos no aluguel apenas no cortiço em que ele mora; em seu outro cortiço, rateia as contas de água e de luz pela quantidade de moradores. Todos os sete entrevistados disponibilizam as contas de água e luz para os moradores.

As entrevistas permitem também identificar se a atividade gera enriquecimento. O único que vive somente da renda dos cortiços é Júlio, mas trabalha em tempo integral nessa gestão, não é um simples rentista. Mesmo assim, mora em um dos cortiços que administra. Haroldo vive da renda da locação e oferece também serviços de refeições e de lavanderia aos moradores por valores adicionais ao aluguel, em uma relação tradicional de pensionato. Aparecida, além de administrar o cortiço, é cuidadora de uma idosa, diarista e vendedora de acarajé, atividade que realiza à noite nos finais de semana na porta do cortiço. Joseane cuida do cortiço e é corretora de imóveis. Marcelo complementa a renda das locações com as vendas de uma bombonière localizada no térreo de sua casa, administrada junto com sua esposa. Jocasta é gerente de um brechó e cuidadora de idosos. A renda do cortiço ajuda a pagar o aluguel da casa.

Marcelo informa o que para ele é um limite da operação: “Penso em manter as casas assim, não vou alugar, e [ele opera três casas], porque daí teria que pagar pessoa pra tomar conta, e não sobraria nada” (depoimento em 5 de abril de 2021). Adamastor efetivamente tem ganhos significativos com a atividade (cerca de 10 salários-mínimos), mas possui outras empresas e outros imóveis.

Calculamos o rendimento bruto obtido com a exploração dos cortiços, sem descontar os custos com manutenções preventivas e corretivas. Júlio obtém um rendimento mensal médio de cerca de 10 salários-mínimos,6 6 . Salário-mínimo nacional em 2021: R$ 1.100,00. Fonte: http://www.guiatrabalhista.com.br/guia/salario_minimo.htm. alugando 8 quartos e 6 kitnets em dois imóveis. Haroldo tem um rendimento mensal entre 3 e 4 salários-mínimos, alugando 6 quartos na República. Nesses dois casos, há duas rendas sobrepostas, a do imóvel e a do trabalho de gestão.

Aparecida, com seu cortiço na barra Funda, obtém um rendimento médio mensal em torno de 5 salários-mínimos, alugando 12 quartos, sendo 5 com banheiro privativo. Marcelo, com três cortiços na Liberdade, totalizando 15 quartos, tem um rendimento mensal em torno de 3 a 4 salários-mínimos. Jocasta com um cortiço com 2 quartos tem um rendimento mensal em torno de 0,9 a 1 salário-mínimo. Adamastor, retirando o desconto do aluguel para a intermediária, possui um cortiço com 15 quartos, e tem um rendimento mensal em torno de 10 salários-mínimos.

O cálculo do rendimento de Joseane, operadora de um cortiço no Bom Retiro, com 26 quartos, sendo 15 com banheiro privativo e 11 com banheiro de uso comum, é diferente em relação aos demais entrevistados: “Eu não pago aluguel todo mês, e quando eu alugo um quarto somente no primeiro mês, eu ganho em torno de 30% do valor do aluguel inicial”. Seus ganhos, então, variam de acordo com quantidade de quartos alugados e a rotatividade dos moradores. Mas, considerando o não pagamento do aluguel e a rotatividade, sua renda fica entre 0 e 2 salários-mínimos. Já o proprietário do cortiço recebe entre 10 a 12 salários mínimos, sem o ônus do trabalho cotidiano.

Em nossa pequena amostragem, não chegamos mecanicamente à imagem do proprietário ou do operador ganancioso que enriquece às custas de seus inquilinos. O cenário é mais complexo. Essa figura mais costumeira aparece no caso do cortiço operado por Josiane. Entre os operadores, mesmo os proprietários que auferem maior renda (Júlio e Haroldo), não há sinais de riqueza. Joseane, como representante dos donos e moradora, não consegue melhorar as condições de habitabilidade e tem um rendimento baixo perante o trabalho. A necessidade de complementação de renda com outras atividades - também pouco rentáveis - é outro sinal de que a exploração desses cortiços não é altamente recompensadora. Pelo discurso dos operadores, encontramos o que pode ser descrito como um ecossistema econômico pouco capitalizado na maior parte das vezes, com pouca capacidade de produção de riqueza e poupança e intensivo em trabalho. Há a necessidade de reinvestimentos permanentes nos imóveis, que se desgastam devido ao uso excessivo.

A exceção é a operação de Adamastor, que já possuía uma renda alta antes da aquisição do cortiço. Ele mantém essa atividade e apresenta outros investimentos.

Futuro e projetos de vida

A operação de cortiços é, por um lado, um trabalho que não pressupõe formação especializada ou qualificação técnica, permitindo que profissionais de baixa educação formal se insiram no mercado de trabalho. Por outro, exige experiência prática e alta capacidade de resolução de problemas. É um trabalho intensivo e conflitivo, do qual não se extrai prestígio. Na pequena amostragem deste texto, não parece ser altamente rentável. Um dos fatores a ser investigado são os projetos de vida dos operadores, para si e para seus filhos. Possivelmente, os operadores aceitem um presente de trabalho penoso, tendo em vista atingir um futuro melhor, com um olhar para a trajetória intergeracional das famílias - exceto Adamastor que investia em imóveis e outras empresas, tendo estabelecido investir na aquisição de um cortiço para diversificar seus negócios.

No momento da entrevista, Haroldo estava vendendo o seu cortiço para sair de São Paulo e morar em Santa Catarina:

Estou com 62 anos, desde os 15 anos trabalhando, você cansa. Quero vender tudo e ir pra lá, para Santa Catarina. Minha mulher já está lá. [...] A gente quer ir pra Blumenau, sair da praia, mas lá em Santa Catarina mesmo, comprar um terreno, fazer duas casas embaixo e colocar pra alugar e morar em cima e ficar vivendo de renda. Vende aqui, vende lá em Itapema [uma casa que a família possui] e faz um empreendimento rápido de construção. (Haroldo, depoimento em 28 de janeiro 2021)

Joseane está cansada de ser intermediária e já pensou em deixar a função, mas ainda não conseguiu, oscilando entre falas negativas - “Às vezes me estresso, dá vontade de ir embora e sair” - e sentimentos positivos - “Eu gosto daqui da pensão, por mim, eu arrumaria tudo, mas não é meu, eu gosto do bairro, tudo perto, metrô perto. Só não mudei pra longe por isso também, pegar condução todo dia”.

Aparecida, apesar de administrar o cortiço e ter mais dois empregos, não pensa em parar de trabalhar, pois deseja juntar dinheiro para comprar o imóvel:

Eu penso depois que terminar de reformar tudo direitinho, [ainda está em reforma] eu penso em guardar um dinheirinho pra eu comprar isso daqui. Porque o dono já me falou se ele for vender, eu tô na frente. Falei: - Só se você vender a prestação. Ele falou: - Nós faz qualquer coisa. [...] Se eu conseguir arrumar aqui, porque não vou parar de trabalhar, porque não consigo ficar parada. Eu trabalhando, meu marido trabalhando, minhas filhas trabalhando, a gente se vira, acho que dá pra gente guardar um dinheiro pra comprar essa casa. Meu plano é comprar essa casa, não sei como [...] Continuar com a pensão, aqui é lugar bom, tudo perto, uma época aqui era bem ruim, agora tá cheio de prédio, bares chiques, com um povo estranho, não é povão. (Aparecida, depoimento em 9 de fevereiro de 2021)

Marcelo gostaria de comprar um imóvel e deixar de ser inquilino, mas não tem perspectivas: “Eu quero ter minha casa, mas não tenho renda pra isso, nem no centro, nem no bairro, tudo muito caro”. Júlio gostaria de fazer um serviço diferenciado para aumentar a rentabilidade, mas se desanima pela idade:

Hoje as coisas mudaram muito, eu ia fazer uma pensão diferenciada. Mas não sei se vou ter mais tempo para isso. O que ia fazer? Ia colocar um quarto com 2 camas de solteiro, 1 geladeira e alugar para estudante. Ia cobrar R$ 800,00 por cabeça o kitnet. Ia faturar num quarto R$ 1.600,00 R$ 1.700,00. O que ia fazer diferenciado? Eu ia lavar a roupa deles, de cama e deles, porque eu já tive lavanderia, sei lavar e passar. Tava pensando, mas decidi não fazer porque lavar roupa dá trabalho, estou muito velho. (Júlio, depoimento em 18 de dezembro de 2020)

Jocasta, em decorrência da falta de acordo para melhorias no imóvel, está devolvendo-o ao proprietário e terminando o cortiço. Irá morar numa ocupação no próprio bairro e pretende, futuramente, mudar o foco e ter um hostel com atendimento diferenciado: “Quero fazer um hostel para pessoas maduras, tipo assim, uma mulher vem e recebe o café da manhã no quarto, usa computador. Ter o meu brechó no hostel”.

Júlio pretende deixar os dois cortiços como herança para os três filhos e possui uma perspectiva mais estratégica de investimentos:

Jamais vou vender, vou deixar pros meus filhos. Mas não pra se acomodarem, já é caminho andado, mas tem que conseguir mais coisas, aqui te deixa mais tranquilo. Supor que aqui te der 10 mil, vai sobrar tanto pra casa, isso guarda pra você, junta e compra outra, faz um negócio, o que quiser. Sempre falei pro meu filho, comprar pode, mas vender nunca, porque isso aqui sempre vai ser uma renda pra você. Invista no que ganhar, cada um tem que saber se virar. Hoje pra ganhar dinheiro, você tem que comprar imóvel na planta, vai se sacrificar, mas quando tiver pronto, já vale R$ 100.000,00 a mais, daqui a três anos. Dinheiro chama dinheiro. (Júlio, depoimento em 18 de dezembro de 2020)

Adamastor, o investidor, pretende deixar o cortiço para a mulher e o filho e, se possível, adquirir mais cortiços e ter um ganho em escala:

Comprar mais casas e terrenos, para fazer mais quartos. [...] se tiver grana e algo que vale a pena, investir também. Tem muita gente grande comprando e pulverizando com quartinhos em padrão na região, com 40, 50 quartos, e ele cobra menos, porque ele ganha em escala, daí fica difícil competir. [...] Este negócio ficará pra ele e pra minha mulher, que é mais nova. É uma atividade que eu escolhi porque é uma atividade mais fácil de gerir. Você tem uma pensão que te rende um aluguel é mais fácil de gerir do que uma empresa que é algo técnico. A pensão é algo simples de tocar. Esse que foi meu pensamento, é fácil de gerir por outras pessoas. Não tem grandes problemas. (Adamastor, depoimento em 2 de agosto de 2021)

Percebemos pelos relatos que há um reconhecimento do mercado imobiliário como fonte de construção de patrimônio, ainda que limitado. Os intermediadores desejam ser proprietários, mas veem desafios e dificuldades para guardar dinheiro. Os proprietários enxergam os imóveis como segurança para si e para os filhos, ou em perspectiva de venda para aposentadoria (Haroldo) ou para sucessão (Júlio e Adamastor), mas nenhum deles construiu grande patrimônio. Adamastor, sempre o caso excepcional, já entrou no mercado com grande capacidade de investimento.

Conclusão

A pobreza e a precariedade urbana podem assumir diversos formatos, como favelas, periferias autoconstruídas, ocupações, entre outros. O cortiço é uma dessas alternativas, mas ele só pode acontecer na presença de um operador. O operador - como proprietário, intermediário ou locatário-sublocador - é não somente o agente que recebe as rendas do cortiço, mas também aquele que assume o trabalho e os riscos da operação. Por essa função estratégica, merece ser estudado. A despeito disso, é notável a escassez de informações sobre operadores, em mais de um século de estudos sobre cortiços em São Paulo.

No lugar de estudos empíricos que personifiquem os operadores, a literatura deu preferência à sua descrição como categoria, quase sempre sendo revestida de atributos negativos, vinculados, por exemplo, à espoliação, à especulação, a ameaças, a abusos de poder, a certo caráter fugidio. Aqui o movimento foi outro: compreender os mundos em que os operadores existem e os mundos por eles criados. Sem cotejar os depoimentos com as visões dos moradores sobre os mesmos temas, ou com uma etnografia mais aprofundada nos cortiços, não há como averiguar a veracidade dos depoimentos. Ainda assim, é possível entrever nas narrativas dos operadores um conjunto de estratégias, apostas, desejos, sonhos e orgulhos. Não temos o objetivo - nem interesse - de contradizer a literatura anterior, mas a pequena amostragem estudada revela que é possível construir esses sujeitos de forma mais complexa do que a que foi feita até agora.

Encontramos nas entrevistas com Júlio, Haroldo, Marcelo, Aparecida, Joseane e Jocasta operadores exercendo uma atividade trabalhosa, da qual se extrai pouco prestígio e pouca renda, que não permite enriquecimento - no máximo, um limitado bem-estar ou a interrupção de um processo de decadência social. Trata-se de pessoas que precisam desempenhar múltiplas atividades econômicas para sobreviver, pouco capitalizadas. Já a entrevista com Adamastor mostra algo distinto, um investidor mais profissional e de racionalidade capitalista, com outras opções econômicas, que construiu um negócio de locação de quartos pequenos, mais bem enquadrado na figura do rentista e que é bem descrito pela geopolítica da cidade em que o proprietário vive em bairro nobre e explora a moradia de bairro pobre. Ainda assim, é um empreendedor que coloca a mão na massa e gere seu negócio com atenção cotidiana. Nos discursos observamos racionalidades distintas do “quanto pior melhor”: operadores em busca por inquilinos mais estáveis e confiáveis, disposição para a qualificação de seus imóveis.

Os depoimentos nos permitem entrever territórios e relações específicas, uma economia de franja, pouco capitalizada, muito informal e marginal, com papéis fluidos e sobrepostos, como aqueles estudados por Cymbalista (2020)CYMBALISTA, R. Moradia popular, ocupações e propriedade no centro de São Paulo: a trajetória de uma família e de um edifício/Low income housing, squatting and property in downtown São Paulo: the trajectory of a family and a building. Revista de Direito da Cidade, v. 12, n. 4, p. 2685-2703, dez. 2020. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/. Acesso em: 26 jul. 2021.
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. Ao mesmo tempo, revelam sujeitos comuns que precisam tirar o melhor das reduzidas oportunidades que a vida lhes oferece, a fim de dar conta dos muitos desafios que essa mesma realidade lhes impõe. Após essa incursão empírica e a sujeitificação dos operadores, é difícil retornarmos à categoria dos operadores de cortiços enxergando-os simplesmente como o polo perverso do binômio explorador-vítima.

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  • 1
    . Os autores agradecem o fomento da Wealth Inequality Initiative para a realização da pesquisa.
  • 2
    . Nomes fictícios.
  • 3
    . Júlio faz referência ao confisco das cadernetas de poupança pelo governo Collor de Mello, em março de 1990. Fonte: https://www.infomoney.com.br/mercados/plano-collor-o-confisco-da-poupanca-que-derrubou-a-bolsa-em-mais-de-40-em-dois-dias.
  • 4
    . No dia da entrevista com a intermediária e visita ao cortiço, choveu bastante e experimentamos o que os moradores passam com a enchente dentro do cortiço, que alaga o quintal de uso comum e a rua externa.
  • 5
    . Lei Moura, n. 10.928, de 8 de janeiro de 1991SÃO PAULO (MUNICÍPIO). Decreto nº 33.189, de 17 de maio de 1993. Regulamenta a Lei nº 10.928, de 8 de janeiro de 1991, revoga o decreto nº 30.731, de 12 de dezembro de 1991 e dá outras providências. 1993., que, entre outros pontos, define o que é cortiço como unidade usada como moradia coletiva multifamiliar, apresentando, total ou parcialmente, as seguintes características: constituída por uma ou mais edificações construídas em lote urbano; subdividida em vários cômodos alugados, subalugados ou cedidos a qualquer título; várias funções exercidas no mesmo cômodo; acesso e uso comum dos espaços não edificados e instalações sanitárias; circulação e infraestrutura, no geral, precárias; e superlotação de pessoas. Disponível em: http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/lei-10928-de-08-de-janeiro-de-1991. Acesso em: 28 ago. 2022.
  • 6
    . Salário-mínimo nacional em 2021: R$ 1.100,00. Fonte: http://www.guiatrabalhista.com.br/guia/salario_minimo.htm.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    10 Ago 2021
  • Aceito
    11 Jul 2022
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