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Deslocamento para trabalho e diferenciais salariais na Região Metropolitana de São Paulo

Commuting to work and wage differentials in the São Paulo Metropolitan Region

Resumo

O objetivo deste estudo é investigar o diferencial salarial associado à pendularidade na Região Metropolitana de São Paulo com base nos dados do Censo Demográfico de 2010. O foco é averiguar a existência de prêmio salarial para trabalhadores cujos municípios de residência e atividades laborais são distintos, utilizando como controle características individuais, ocupacionais e do município de residência, vis-à-vis trabalhadores que não pendulam e desconsiderando trabalhadores cujos deslocamentos são circunscritos a um mesmo município. Para alcançar esse objetivo, foram usados modelos quantílicos e hierárquicos. Os principais resultados revelam a importância da raça, da instrução e da posição na ocupação para explicar os rendimentos dos trabalhadores ao longo das distribuições de salário de homens e de mulheres. As evidências empíricas sugerem, ainda, uma relação positiva entre deslocamento pendular e rendimento-hora no trabalho principal dos trabalhadores de ambos os sexos. Diferenciais de custo de vida municipais também foram associados com os rendimentos de trabalhadores.

Palavras-chave:
Movimento Pendular; Prêmio Salarial; Modelo Quantílico; Modelo Hierárquico; Região Metropolitana de São Paulo

Abstract

The objective of this study is to investigate wage differentials due to commuting in RMSP using data from the 2010 Brazilian Demographic Census. The main focus is to verify the existence of wage premiums for workers whose municipalities of residence and work are distinct, controlling for individual, occupational and household characteristics, vis-a-vis workers who live and work at the same municipality, disregarding workers whose displacements are limited to the same municipality. We used quantile and hierarchical models. The main results reveal the importance of race, educational level and employment position as determinants of workers’ earnings along the wage distributions of men and women. Moreover, we observed positive earning premiums for workers who commuted between different municipalities for both sexes. Finally, differences of costs of living in municipalities were associated with workers’ wage.

Keywords:
Commuting; Wage Differentials; Quantile Models; Hierarchical Models; Metropolitan Region of São Paulo

Introdução

Diversos fatores corroboram a recorrência da desigualdade salarial e da mobilidade pendular para trabalho entre municípios de residência e trabalho diferentes na agenda de pesquisa de economistas e planejadores urbanos. Em primeiro lugar, ambas têm impactos diretos e indiretos sobre o bem-estar da sociedade, o que mostra, portanto, a pertinência do estudo de questões como distribuição de renda, educação, formação profissional, emprego, transportes, bem como de políticas públicas nesses âmbitos. Seguindo essa agenda, abordagens distintas buscam explicar os diferenciais de salário, relacionados à dotação de capital humano dos indivíduos com maiores habilidades, produtividade e renda (LANGONI, 1973LANGONI, C. Distribuição da renda e desenvolvimento econômico do Brasil: uma reafirmação. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Economia da FGV, 1973.). Uma segunda frente de estudos sugere que os diferenciais salariais existentes no mercado de trabalho são devidos à segmentação que lhe é característica; assume-se com relação a isso que esses diferenciais são oriundos de diferenças na estrutura produtiva, tecnológica e de desenvolvimento das regiões, de modo que os diferenciais de rendimento não seriam totalmente explicados por diferenciais de habilidades (BARROS et al., 2007BARROS, R.; CARVALHO, M.; FRANCO, S.; MENDONÇA, R. A queda recente da desigualdade de renda no Brasil. Rio de Janeiro: IPEA, 2007. (Texto para discussão, n. 1258).). Um terceiro grupo de autores argumenta que a desigualdade salarial está relacionada aos diferenciais compensatórios, cujo pressuposto fundamental é de que a variabilidade dos salários está associada aos variados custos de vida e às amenidades intrínsecas às regiões, de maneira a compensá-los (BERGER; BLOMQUIST; PETER, 2007BERGER, M. C.; BLOMQUIST, G. L.; PETER, K. S. Compensating differentials in emerging labor and housing markets: Estimates of quality of life in Russian cities. Journal of Urban Economics, v. 63, n. 1, p. 25-55, 2007.; ALBOUY, 2008ALBOUY, D. Are big cities really bad places to live? Improving quality-of-life estimates across cities. Cambridge, MA: NBER, 2008. (Working paper, n. 14.472).).

De acordo com essas abordagens, os efeitos dos centros urbanos nos rendimentos dos trabalhadores têm chamado atenção de pesquisadores de economia regional. É objeto de diversos estudos a existência de retornos salariais crescentes nos centros urbanos, em parte em função do custo de vida mais elevado decorrente do habitar em grandes cidades e sua consequente compensação nos rendimentos, em parte, ainda, da maior atração de trabalhadores qualificados (FONTES; SIMÕES; HERMETO, 2010FONTES, G.; SIMÕES, R.; HERMETO, A. Urban attributes and wage disparities in Brazil: a multilevel hierarchical model. Regional Studies , v. 44, p. 595-607, 2010. ; ANDERSSON; KLAESSON; LARSSON, 2013ANDERSSON, M.; KLAESSON, J.; LARSSON, J. The sources of the urban wage premium by worker skills: Spatial sorting or agglomeration economies? Papers in Regional Science, v. 93, n. 4, p. 727-748, 2013. ).

A respeito dos diferenciais salariais no Brasil, muitos estudos centraram-se no impacto regional do diferencial de rendimentos (SAVEDOFF, 1991SAVEDOFF, W. Wage dynamics in urban Brazil: evidence of regional segmentation or national markets. Revista de econometria, v. 11, n. 2, p. 161-184, 1991. ; AZZONI; SERVO, 2002AZZONI, C.; SERVO, L. Education, cost of living and regional wage inequality in Brazil. Papers in Regional Science , v. 81, n. 2, p. 157-175, 2002.). A relação entre salários e características produtivas dos trabalhadores também é fonte de interesse de diversos estudos, enquanto outras investigações voltam seu foco para os diferenciais salariais oriundos de discriminação, especialmente por sexo e raça (CARVALHO, NÉRI; SILVA, 2006CARVALHO, A.; NÉRI, M.; SILVA, D. Diferenciais de salários por raça e gênero no Brasil: Aplicação dos procedimentos de Oaxaca e Heckman em pesquisas amostrais complexas. Ensaios Econômicos da EPGE, n. 638, 2006. ). Outra parte da literatura dedica-se à relação entre diferenciais de salários e características dos postos de trabalho, com argumentos ligados à segmentação do mercado de trabalho em associação com a presença de carteira de trabalho assinada e sindicalização e com o setor de atividade (MENEZES-FILHO; MENDES; ALMEIDA, 2004MENEZES-FILHO, N.; MENDES, M.; ALMEIDA, E. O diferencial de salários formal: informal - segmentação ou viés de seleção? Revista Brasileira de Economia , v. 58, n. 2, p. 235-248, 2004. ; MACHADO; HERMETO, ANTIGO, 2008MACHADO, A.; HERMETO, A.; ANTIGO, M. Evolução do diferencial de rendimentos entre setor formal e informal no Brasil: o papel das características não observadas. Revista de Economia Contemporânea, v. 12, n. 2, p. 355-388, 2008. ).

Estudos internacionais buscam verificar o efeito dos deslocamentos no mercado de trabalho e na renda dos indivíduos. Por exemplo, Eliasson, Lindgren e Esterlund (2003ELIASSON, K.; LINDGREN, U.; ESTERLUND, O. Geographical labour mobility: migration or commuting? Regional Studies, v. 37, n. 8, p. 827-837, 2003. ), para a Suécia; Hazans (2004HAZANS, M. Does commuting reduce wage disparities? Growth and Change, v. 35, p. 360-390, 2004. ), nos Países Bálticos; Sorek (2009SOREK, G. Migration costs, commuting costs and intercity population sorting. Regional Science and Urban Economics, v. 66, p. 335-357, 2009. ), para outros países europeus; Van Ommeren e Fosgerau (2009)VAN OMMEREN, J.; FOSGERAU, M. Workers’ marginal costs of commuting. Journal of Urban Economics , v. 65, p. 38-47, 2009., para a Holanda; Huber (2011HUBER, P. Are commuters in the EU better educated than non-commuters but worse than migrants? Urban Studies, v. 51, n. 3, p. 509-525, 2011. ), para quinze países da União Europeia. No entanto, esse é um tema ainda pouco explorado em estudos com dados brasileiros.

Com o intuito de ampliar essa discussão para alcançar um entendimento mais efetivo do tema diferencial de rendimento no âmbito da mobilidade urbana, o principal objetivo deste estudo consiste em quantificar a relação entre mobilidade pendular e prêmio salarial entre os indivíduos residentes em municípios da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP). Para esse fim, foram utilizados dados do Censo Demográfico Brasileiro de 2010 (IBGE, 2012IBGE. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Demográfico Brasileiro de 2010. Rio de Janeiro: IBGE, 2012.), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); embora bastante defasado, ele foi tomado como referência por constituir o último recenseamento da população brasileira e, portanto, a informação mais recente disponível. A estratégia metodológica utilizada para analisar os diferenciais salariais provenientes do deslocamento pendular inicia-se com a modelagem quantílica e, posteriormente, são realizadas regressões hierárquicas, em que são considerados aspectos individuais e municipais dos trabalhadores pendulares e não pendulares.

O estudo está organizado em três seções, além desta introdução e das considerações finais. A primeira delas apresenta a revisão da literatura, em que são apresentados trabalhos sobre a mobilidade pendular e sua relação com os diferenciais salariais, ao lado de algumas evidências empíricas sobre a relação entre pendularidade e prêmio salarial apreendidas na literatura internacional. Na segunda, são expostos os modelos empíricos empregados. A terceira seção traz os resultados descritivos e dos modelos econométricos. Por fim, são tecidas considerações finais e apresentadas algumas implicações acerca dos resultados obtidos e das contribuições para o debate sobre o tema mobilidade pendular e diferencial salarial.

1. Conexões entre a mobilidade cotidiana e sua possível recompensa pecuniária: evidências recentes

Diversos trabalhos na literatura de economia urbana examinam a relação entre salários e comutação. Tradução do termo inglês commuting, comutação é o deslocamento entre os locais de residência e trabalho (BOJE; OTT; STILLER, 2010BOJE, A.; OTT, I.; STILLER, S. Development perspectives for the city of Hamburg: migration, commuting, and specialization. HWWI Policy Paper, 2010.). Entretanto, deve-se ressaltar que, apesar do grande número de estudos a respeito da relação entre custos de deslocamento ao trabalho e salários, não há muitas evidências empíricas diretas sobre qual seria a direção do efeito causal (MULALIC; VAN OMMEREN; PILEGAARD, 2014MULALIC, I; VAN OMMEREN, J.; PILEGAARD, N. Wages and commuting: Quasi-natural experiments’ evidence from firms that relocate. The Economic Journal, v. 124, n. 579, p. 1086-1105, 2014.).

De forma geral, maiores distâncias de deslocamento de casa para o trabalho são associadas a maiores remunerações (VAN OMMEREN; VAN DEN; GORTER, 2000VAN OMMEREN, J; VAN DEN, G.; GORTER, S. Estimating the marginal willingness to pay for commuting. Journal of Regional Science , v. 40, n. 3, p. 541-563, 2000. ; MANNING, 2003MANNING, A. The real thin theory: monopsony in modern labour markets. Labour Economics, v. 10, n. 2, p. 105-131, 2003. ; VAN OMMEREN; FOSGERAU, 2009; SANDOW; WESTIN, 2010SANDOW, E.; WESTIN, K. The persevering commuter - Duration of long-distance commuting. Transportation Research Part A: Policy and Practice , v. 44, n. 6, p. 433-445, 2010.; MULALIC; VAN OMMEREN; PILEGAARD, 2014MULALIC, I; VAN OMMEREN, J.; PILEGAARD, N. Wages and commuting: Quasi-natural experiments’ evidence from firms that relocate. The Economic Journal, v. 124, n. 579, p. 1086-1105, 2014.). Há evidências de um diferencial de compensação explícito pago pelos empregadores aos trabalhadores com longos tempos de viagem para o trabalho (ZAX, 1991ZAX, J. Compensation for commutes in labor and housing markets. Journal of Urban Economics , v. 30, p. 92-107, 1991.; VAN OMMEREN; VAN DEN; GORTER, 2000VAN OMMEREN, J; VAN DEN, G.; GORTER, S. Estimating the marginal willingness to pay for commuting. Journal of Regional Science , v. 40, n. 3, p. 541-563, 2000. ). Além disso, trabalhadores altamente qualificados apresentam maior propensão a terem salários elevados e trajetos mais longos (ZAX, 1991ZAX, J. Compensation for commutes in labor and housing markets. Journal of Urban Economics , v. 30, p. 92-107, 1991.; MANNING, 2003MANNING, A. The real thin theory: monopsony in modern labour markets. Labour Economics, v. 10, n. 2, p. 105-131, 2003. ).

Todavia, essa relação não é tão direta: ela varia regionalmente, com comportamento próximo de um “U” ao contrário, em que os mais ricos realizam menos deslocamentos, pois residem em áreas centrais, mais dinâmicas, com concentração de postos de trabalho, enquanto as residências da população de baixa renda estariam concentradas em áreas irregulares ou nas periferias (PERO; MIHESSEN, 2013PERO, V.; MIHESSEN, V. Mobilidade urbana e pobreza no Rio de Janeiro. Econômica, v. 15, n. 2, 2013.). Nesse contexto, os altos preços da terra nas áreas próximas às concentrações de emprego impediriam os trabalhadores de baixa renda de morar perto do trabalho (PEREIRA; SCHWANEN, 2013PEREIRA, R. H. M.; SCHWANEN, T. Tempo de deslocamento casa-trabalho no Brasil (1992-2009): diferenças entre regiões metropolitanas, níveis de renda e sexo. Rio de Janeiro: IPEA , 2013. (Texto para discussão, n. 1813).).

Trabalhadores com longos percursos de deslocamento podem negociar salários mais altos porque os custos de oportunidade de ficar com a empresa são menores do que aqueles para outros trabalhadores. Por conseguinte, uma parcela fixa de seus custos de deslocamento será reembolsada por meio de salários mais altos (VAN OMMEREN; RIETVELD, 2007VAN OMMEREN, J.; RIETVELD, P. The commuting time paradox. Journal of Urban Economics , v. 58, n.3, p. 437-454, 2007. ). No entanto, a compensação salarial pode não ocorrer quando esses trabalhadores com deslocamentos longos são totalmente compensados no mercado imobiliário por preços mais baixos da habitação (ZENOU, 2009ZENOU, Y. Urban labor economics. Cambridge: Cambridge University Press, 2009.).

Nesse prisma, e tendo como pano de fundo estudos internacionais, os salários aumentam com a distância em relação aos locais de emprego e aos custos de deslocamento porque as empresas precisam compensar a diferença de custo de transporte entre os empregados e os desempregados em cada local da cidade, mostrando que uma política de subsídios dos custos de deslocamento de trabalhadores pode aumentar a criação de emprego e reduzir o desemprego (ZENOU, 2009ZENOU, Y. Urban labor economics. Cambridge: Cambridge University Press, 2009.). Por exemplo, trabalhadores estadunidenses equivalentes têm salários que variam de maneira substancial entre áreas de emprego dentro de uma área metropolitana, e essa variação está positivamente correlacionada com o tempo médio de deslocamento dos trabalhadores empregados nessa zona (TIMOTHY; WHEATON, 2001TIMOTHY, D.; WHEATON, W. Intra-urban wage variation, employment location, and commuting times. Journal of Urban Economics , v. 50, n. 2, p. 338-366, 2001. ).

Entretanto, parte do custo do deslocamento ao trabalho é paga como resultado da perda de produtividade dos trabalhadores que realizam a comutação diária (GUTIÉRREZ; VAN OMMEREN, 2010GUTIÉRREZ, E.; VAN OMMEREN, J. Labour supply and commuting. Journal of Urban Economics , v. 68, p. 82-89, 2010. ). Nesse sentido, é preciso considerar o efeito da distância de comutação sobre o absentismo, uma vez que são observados menores números de dias trabalhados e horas diárias trabalhadas para trabalhadores com alta comutação.

No Brasil, o tema diferencial salarial associado ao deslocamento pendular foi explorado por meio de análises descritivas, como os estudos de Deschamps e Cintra (2008DESCHAMPS, M.; CINTRA, A. Movimento pendular para trabalho na Região Metropolitana de Curitiba: uma análise das características de quem sai e quem fica. Encontro Nacional de Estudos Populacionais, 16., 2008, Caxambu. Anais [...]. Caxambu: Abep, 2008. Tema: As desigualdades sociodemográficas e os Direitos Humanos no Brasil.), para a Região Metropolitana de Curitiba, com dados do Censo Demográfico de 2000, e Silva (2013SILVA, E. T. Estrutura urbana e mobilidade espacial nas metrópoles. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2013.), para as metrópoles brasileiras, com o aporte de dados dos censos demográficos de 1991, 2000 e 2010, assim como da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) para os anos de 2001 a 2009. Os primeiros autores observaram salários mais elevados para as pessoas que trabalhavam na capital e que residiam em outros municípios metropolitanos.

Entre os atributos individuais, a renda tem sido apontada como especialmente importante para explicar o comportamento da mobilidade para o trabalho, visto que pessoas de diferentes estratos de renda enfrentam diferentes níveis de restrição à sua mobilidade cotidiana (PEREIRA; SCHWANEN, 2013PEREIRA, R. H. M.; SCHWANEN, T. Tempo de deslocamento casa-trabalho no Brasil (1992-2009): diferenças entre regiões metropolitanas, níveis de renda e sexo. Rio de Janeiro: IPEA , 2013. (Texto para discussão, n. 1813).).

De acordo com dados das PNADs de 1992 a 2009, o tempo de deslocamento casa-trabalho da população mais pobre (1º decil de renda per capita domiciliar) é, em média, 20% maior do que o tempo dos mais ricos (10º decil da renda per capita domiciliar) nas nove maiores regiões metropolitanas brasileiras,1 1 São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba, Salvador, Fortaleza, Belém, Recife e Porto Alegre. embora tenha ocorrido piora mais acentuada desse mesmo indicador para os trabalhadores de renda média e alta (PEREIRA; SCHWANEN, 2013PEREIRA, R. H. M.; SCHWANEN, T. Tempo de deslocamento casa-trabalho no Brasil (1992-2009): diferenças entre regiões metropolitanas, níveis de renda e sexo. Rio de Janeiro: IPEA , 2013. (Texto para discussão, n. 1813).). Além disso, o peso do transporte urbano no orçamento familiar e as distâncias do deslocamento são maiores entre os 20% mais pobres (PERO; MIHESSEN, 2013PERO, V.; MIHESSEN, V. Mobilidade urbana e pobreza no Rio de Janeiro. Econômica, v. 15, n. 2, 2013.).

A diferença de tempo de deslocamento entre pobres e ricos não é homogênea entre as regiões metropolitanas brasileiras e os motivos para isso ainda não foram completamente esclarecidos pela literatura. O mais provável é que estejam relacionados não apenas à regulação e ao uso do solo - contribuindo em alguns casos para o encarecimento de áreas residenciais mais centrais e ao longo dos corredores de transporte, com a consequente expulsão da população mais pobre para áreas mais distantes (PEREIRA; SCHWANEN, 2013PEREIRA, R. H. M.; SCHWANEN, T. Tempo de deslocamento casa-trabalho no Brasil (1992-2009): diferenças entre regiões metropolitanas, níveis de renda e sexo. Rio de Janeiro: IPEA , 2013. (Texto para discussão, n. 1813).) -, mas também a uma série de mudanças ocorridas no interior das regiões metropolitanas brasileiras ao longo das últimas décadas, mais especificamente na infraestrutura e na redistribuição espacial da população e das atividades econômicas (CAMPOLINA DINIZ; CAMPOLINA, 2007CAMPOLINA DINIZ, C.; CAMPOLINA, B. A Região Metropolitana de São Paulo: reestruturação, reespacialização e novas funções. EURE (Santiago), v. 33, n. 98, p. 27-43, 2007.). Destacam-se ainda aspectos associados à habitação: o aumento no número de bairros e condomínios fechados de média e alta renda em regiões mais afastadas das cidades, o que gerou como resultado diferentes níveis de segregação espacial e de acessibilidade dos bairros às diferentes faixas de renda (PEREIRA; SCHWANEN, 2013PEREIRA, R. H. M.; SCHWANEN, T. Tempo de deslocamento casa-trabalho no Brasil (1992-2009): diferenças entre regiões metropolitanas, níveis de renda e sexo. Rio de Janeiro: IPEA , 2013. (Texto para discussão, n. 1813).).

Como bem observam Vianna e Machado (2017VIANNA, G. S. B.; MACHADO, D. C. Uma análise dos custos da mobilidade urbana no Brasil: perdas do PIB com deslocamentos. Revista Brasileira de Estudos Regionais e Urbanos , v. 11, n. 2, p. 152-172, 2017.), com o adensamento de grandes cidades surgiram várias economias de escala, mas estas vêm acompanhadas do aumento do tempo de deslocamento dos indivíduos que moram na periferia. Os autores estimam perdas significativas em termos de PIB decorrentes dos problemas de mobilidade urbana.

Além desses estudos, que trataram do tema tendo em vista a realidade brasileira, Brito, Silva e Hermeto (2018)BRITO, D.; SILVA, M.; HERMETO, A. Mobilidade pendular na Região Metropolitana de Belo Horizonte: uma investigação dos diferenciais de rendimento do trabalho. Revista Brasileira de Estudos Regionais e Urbanos, v. 12, n. 4, p. 477-503, 2008. analisam o diferencial de rendimentos entre pendulares e não pendulares da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) amparados em microdados do Censo Demográfico de 2010, mediante o emprego de métodos de decomposição do rendimento na média e por quantil. As evidências apontam menores rendimentos para indivíduos pendulares diante dos que trabalhavam e moravam no mesmo município. Quando se observam os resultados para os diferentes quantis da distribuição de rendimentos, nota-se que indivíduos pendulares nos menores quantis apresentavam menor rendimento, o que indica que o deslocamento pendular pode estar associado à necessidade, e não a uma escolha ocupacional, enquanto nos quantis superiores de renda, pendulares obtêm maiores rendimentos. Esse resultado difere do observado em estudos internacionais - nomeadamente os realizados por Sandow e Westin (2010SANDOW, E.; WESTIN, K. The persevering commuter - Duration of long-distance commuting. Transportation Research Part A: Policy and Practice , v. 44, n. 6, p. 433-445, 2010.) para a Suécia; So, Orazem e Otto (2001SO, K. S.; ORAZEM, P. F.; OTTO, D. M. The effects of housing prices, wages, and commuting time on joint residential and job location choices. American Journal of Agricultural Economics, v. 83, n. 4, p. 1036-1048, 2001.) para os Estados Unidos; e Hazans (2004HAZANS, M. Does commuting reduce wage disparities? Growth and Change, v. 35, p. 360-390, 2004. ) para os Países Bálticos.

O presente artigo também trata da temática dos diferenciais salariais associados à mobilidade urbana, porém com uma estratégia empírica bastante diferenciada em relação aos autores citados que trataram da realidade brasileira: o estudo identifica o diferencial salarial como causa da mobilidade, isto é, como gerador do prêmio salarial, em decorrência de uma abordagem quantílica e hierárquica, e não o diferencial salarial causado pela mobilidade - reconhecido na literatura como extremamente desigual. Brito, Silva e Hermeto (2018)BRITO, D.; SILVA, M.; HERMETO, A. Mobilidade pendular na Região Metropolitana de Belo Horizonte: uma investigação dos diferenciais de rendimento do trabalho. Revista Brasileira de Estudos Regionais e Urbanos, v. 12, n. 4, p. 477-503, 2008. , por exemplo, empregam a decomposição de rendimentos para investigar efeitos sobre os diferenciais de rendimento dos indivíduos (entre 25 e 59 anos) advindos da pendularidade na RMBH, com base no Censo Demográfico de 2010.

2. Metodologia

2.1 Fonte de dados e seleção da amostra

A fonte de dados para o presente estudo é o Censo Demográfico Brasileiro de 2010 (IBGE, 2012IBGE. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Demográfico Brasileiro de 2010. Rio de Janeiro: IBGE, 2012.), publicado pelo IBGE. O Censo Demográfico abrange trabalhadores inseridos nos mercados de trabalho formal e informal, permite trabalhar com municípios e, principalmente, é bastante eficaz nos estudos de mobilidade pendular.

A amostra é composta de trabalhadores com idades de 25 a 65 anos, ocupados em jornada de trabalho de vinte ou mais horas semanais, cujo rendimento monetário no trabalho principal é positivo. Ou seja, trabalhadores não remunerados ou que trabalham na produção para o próprio consumo foram excluídos do estudo. A seleção de pessoas com jornada de trabalho acima de vinte horas semanais tem por objetivo a exclusão da maior parte dos trabalhadores temporários, que podem apresentar determinantes salariais distintos daqueles dos demais trabalhadores. Também foram excluídos os indivíduos empregados em atividades agrícolas, uma vez que os determinantes salariais desse grupo de trabalhadores com frequência são determinados por fatores climáticos. Ou seja, buscou-se maior homogeneidade da amostra. Depois de feitas essas exclusões, a amostra final totalizou 243.830 homens e 197.980 mulheres.

2.2 Variáveis utilizadas na análise empírica

A variável dependente analisada nos modelos econométricos é o logaritmo do salário-hora no trabalho principal, utilizada em diversos estudos associados ao mercado de trabalho (FONTES; SIMÕES; HERMETO, 2010FONTES, G.; SIMÕES, R.; HERMETO, A. Urban attributes and wage disparities in Brazil: a multilevel hierarchical model. Regional Studies , v. 44, p. 595-607, 2010. ; MACHADO; SCORZAFAVE, 2016MACHADO, L.; SCORZAFAVE, L. Distribuição de salários de professores e outras ocupações: uma análise para graduados em carreiras tipicamente ligadas à docência. Revista Brasileira de Economia, v. 70, n. 2, p. 203-220, 2016.).

Como descrito no Quadro 1, a variável de interesse se refere à mobilidade pendular. Define-se deslocamento pendular para trabalho como aquele realizado por uma pessoa, todos os dias, entre seus locais de residência e de trabalho, quando estes se situam em municípios distintos. Espera-se que indivíduos pendulares tenham salários maiores do que os não pendulares, uma vez que potencialmente são compensados em termos monetários pelos custos do deslocamento.

Quadro 1
Descrição da variável de interesse e de mobilidade

Outra variável de mobilidade incorporada aos modelos, e também descrita no Quadro 1, é uma dummy indicando se o indivíduo é migrante ou não. Migrantes tendem a receber salários superiores em relação aos não migrantes (BATISTA; CACCIAMALI, 2009BATISTA, N.; CACCIAMAL, M. Wage differences between men and women according to condition of migration. Revista Brasileira de Estudos de População, v. 26, n. 1, p. 97-115, 2009.). Desse modo, o sinal esperado para o coeficiente da variável dummy de migração é positivo.

Deve-se ressaltar que decisões de migrar ou de pendular podem ser enviesadas por fatores não observáveis relacionados com a autosseleção. Por exemplo, migrantes tendem a ser mais escolarizados, a ter redes sociais mais efetivas e a serem mais orientados para o mercado de trabalho do que não migrantes (BORJAS, 1996BORJAS, G. Labor Economics. New York: The McGraw-Hill Companies, 1996.), e espera-se que fatores similares sejam associados à pendularidade. Assim, a inclusão da dummy para migrante diminui o potencial viés nos resultados para a variável de pendularidade em virtude da autosseleção.

Além dessas variáveis, são inseridas nos modelos características do indivíduo e do posto de trabalho, fatores que potencialmente interferem nos rendimentos dos indivíduos, como mostra o Quadro 2.

Quadro 2
Descrição das variáveis explicativas utilizadas nos modelos

Uma variável é relacionada ao custo de deslocamento, representado pelo tempo de deslocamento diário da casa ao trabalho. Cumpre advertir que o custo do deslocamento inclui trabalhadores pendulares e não pendulares. Indivíduos, mesmo aqueles que moram e trabalham em um mesmo município, podem se deslocar por grandes distâncias. Embora o custo de deslocamento seja relacionado com a distância, o tempo de deslocamento é um indicador mais efetivo desse custo (SO; ORAZEM; OTTO, 2001SO, K. S.; ORAZEM, P. F.; OTTO, D. M. The effects of housing prices, wages, and commuting time on joint residential and job location choices. American Journal of Agricultural Economics, v. 83, n. 4, p. 1036-1048, 2001.). O uso dessa variável segue estudos empíricos citados na literatura (HAZANS, 2004HAZANS, M. Does commuting reduce wage disparities? Growth and Change, v. 35, p. 360-390, 2004. ; VAN OMMEREN; FOSGERAU, 2009VAN OMMEREN, J.; FOSGERAU, M. Workers’ marginal costs of commuting. Journal of Urban Economics , v. 65, p. 38-47, 2009.). Esperamos que o maior tempo de deslocamento esteja associado a um retorno salarial maior.

A idade equivale à proxy da experiência: refere-se à idade do indivíduo em anos completos (GIUBERTI; MENEZES-FILHO, 2005GIUBERTI, A.; MENEZES-FILHO, N. Discriminação de rendimentos por gênero: uma comparação entre o Brasil e os Estados Unidos. Economia Aplicada, v. 9, n. 3, p. 369-384, 2005. ). A forma quadrática da idade foi incorporada em função de observações empíricas de que os rendimentos do trabalho não são uma função linear da idade (KASSOUF, 1994KASSOUF, A. The wage rate estimation using the Heckman procedure. Revista de Econometria, v. 14, n. 1, p. 89-107, 1994.). De acordo com essa literatura, os sinais esperados para os coeficientes de tais variáveis são, respectivamente, positivo e negativo.

A inclusão da variável referente à raça é justificada em virtude da importância da discriminação racial nos diferenciais salariais e dos fatores não observados associados a ela, evidenciada em estudos anteriores (CARVALHO; NÉRI; SILVA, 2006CARVALHO, A.; NÉRI, M.; SILVA, D. Diferenciais de salários por raça e gênero no Brasil: Aplicação dos procedimentos de Oaxaca e Heckman em pesquisas amostrais complexas. Ensaios Econômicos da EPGE, n. 638, 2006. ; MATOS; MACHADO, 2006MATOS, R.; MACHADO, A. Diferencial de rendimentos por cor e sexo no Brasil (1987-2001). Econômica, v. 8, n. 1, p. 5-27, 2006. ). Nesse sentido, espera-se sinal positivo dessa variável, corroborando as evidências de que indivíduos brancos ou amarelos apresentam salários maiores, mesmo quando controlados outros fatores.

Foram construídas dummies segundo escolaridade, diante das evidências de retorno diferenciado à educação dependendo do nível de educação formal alcançado (MINCER, 1974MINCER, J. Schooling, experience, and earnings. New York: National Bureau of Economic Research, 1974.). Essa variável funciona como proxy da qualificação e, portanto, pode estar associada a uma produtividade mais elevada do trabalho para pessoas mais escolarizadas (MENEZES-FILHO; SANTOS JÚNIOR; FERREIRA, 2005MENEZES-FILHO, N.; SANTOS JÚNIOR, E.; FERREIRA, P. Migração, seleção e diferenças regionais de renda no Brasil. Pesquisa e Planejamento Econômico, v. 35, n. 3, p. 299-332, 2005.).

A variável estado civil busca captar a influência do estado conjugal nos rendimentos individuais (OLIVEIRA; RIOS-NETO, 2006OLIVEIRA, A.; RIOS-NETO, E. Tendências da desigualdade salarial para coortes de mulheres brancas e negras no Brasil. Estudos econômicos, v. 36, n. 2, p. 205-236, 2006.; KILLEWALD; GOUGH, 2013KILLEWALD, A.; GOUGH, M. Does specialization explain marriage penalties and premiums? American Sociological Review, v. 78, n. 3, p. 477-502, 2013. ). Associações positivas entre casamento e rendimentos do trabalho são obtidas em ambos os estudos citados neste parágrafo. Desse modo, a expectativa é de sinal positivo para o coeficiente da variável, pelo menos para homens.

Similarmente, espera-se que chefes de domicílio tenham rendimentos maiores que aqueles dos demais membros nele residentes, em parte porque os rendimentos definem quem são as pessoas de referência que ali vivem. Espera-se que o cônjuge tenha menor rendimento que o chefe de domicílio, mas a relação com os demais membros do domicílio não é clara.

A distinção entre os trabalhadores sem carteira de trabalho assinada, com carteira assinada, servidores públicos estatutários ou militares, que trabalham por conta própria ou que são empregadores pretende abordar a segmentação no mercado de trabalho associada ao arranjo institucional nele identificado. Conforme apontam Coelho e Corseuil (2002COELHO, A.; CORSEUIL, C. Diferenciais salariais no Brasil: um breve panorama. In: CORSEUIL, C. (ed.). Estrutura salarial: aspectos conceituais e novos resultados para o Brasil. Rio de Janeiro: IPEA , 2002. ), além de gozar de benefícios previstos na legislação trabalhista, os trabalhadores com carteira assinada e servidores públicos ganham salários maiores do que aqueles sem carteira.

Considerando a existência de diferenciais de salário significativos entre os variados setores da atividade econômica, são criadas dummies referentes aos setores, uma vez que o prêmio salarial associado ao setor de ocupação é distinto e tende a ser relacionado com o grau de desenvolvimento tecnológico do setor (COELHO; CORSEUIL, 2002COELHO, A.; CORSEUIL, C. Diferenciais salariais no Brasil: um breve panorama. In: CORSEUIL, C. (ed.). Estrutura salarial: aspectos conceituais e novos resultados para o Brasil. Rio de Janeiro: IPEA , 2002. ; MACHADO; HERMETO; ANTIGO, 2008MACHADO, A.; HERMETO, A.; ANTIGO, M. Evolução do diferencial de rendimentos entre setor formal e informal no Brasil: o papel das características não observadas. Revista de Economia Contemporânea, v. 12, n. 2, p. 355-388, 2008. ).

Além dessas variáveis individuais, como é utilizada uma abordagem multinível como estratégia empírica, é incluído um segundo nível mais agregado nos modelos. O recorte espacial utilizado para compor o nível regional são os municípios pertencentes à RMSP. Assim, foram incluídas características dos municípios de residência dos indivíduos, como também se verifica no Quadro 2. As variáveis independentes desse nível visam controlar/capturar a heterogeneidade espacial da RMSP diante da evidência empírica de diferenciais salariais regionais no Brasil (SAVEDOFF, 1991SAVEDOFF, W. Wage dynamics in urban Brazil: evidence of regional segmentation or national markets. Revista de econometria, v. 11, n. 2, p. 161-184, 1991. ; AZZONI; SERVO, 2002AZZONI, C.; SERVO, L. Education, cost of living and regional wage inequality in Brazil. Papers in Regional Science , v. 81, n. 2, p. 157-175, 2002.; FONTES; SIMÕES; HERMETO, 2010FONTES, G.; SIMÕES, R.; HERMETO, A. Urban attributes and wage disparities in Brazil: a multilevel hierarchical model. Regional Studies , v. 44, p. 595-607, 2010. ).

Foi inserida uma dummy para a capital, a fim de captar fatores inerentes ao núcleo metropolitano e relacionados às maiores ofertas de serviço e empregos, bem como para verificar se ocupados residentes em São Paulo apresentam diferencial salarial relativo a fatores inerentes à cidade.

Para captar diferenciais salariais compensatórios associados ao custo de vida, são utilizados os valores médios de aluguéis residenciais de cada município como uma proxy do custo de vida e das amenidades urbanas. A literatura sugere que os diferenciais de qualidade de vida, especificamente as amenidades locais, são capitalizados pelos aluguéis e refletem em diferentes custos de vida (EVANS, 1990EVANS, A. The assumption of equilibrium in the analysis of migration and interregional differences: a review of some recent research. Journal of Regional Science, v. 30, n. 4, p. 515-531, 1990.).

Por fim, a taxa de desocupação do município é utilizada como proxy para as oportunidades de emprego. Dessa forma, sua mensuração é expressa pelo percentual de pessoas desocupadas em relação à população economicamente ativa (PEA) na semana de referência, tendo em vista que desemprego, estrutura ocupacional, oferta e demanda por emprego constituem a via que influencia os salários (MOLHO, 2002MOLHO, I. Local pay determination. Journal of Economic Surveys, v. 6, n. 2, p. 155-194, 2002.).

2.3 Estratégia econométrica

O efeito da pendularidade pode diferir por conta das idiossincrasias geográficas, pois os fluxos de pendulares variam quantitativa e qualitativamente, a depender da origem e do destino do pendular (LAMEIRA; GOLGHER, 2021LAMEIRA, V.; GOLGHER, A. Mobilidade para trabalho na Região Metropolitana de São Paulo a partir dos dados do Censo Demográfico de 2010. Revista Brasileira de Estudos Populacionais, v. 28, p. 1-27, 2021. ). Portanto, uma análise por tipo de fluxo de pendular poderia ser feita. Entretanto, jugou-se mais ilustrativo discutir diferentes tipos de pendulares por estrato de renda, uma vez que o mercado de trabalho é claramente segmentado por escolaridade e nível de renda, com a utilização dos modelos quantílicos. Além disso, parte da heterogeneidade espacial da RMSP é captada pelos modelos hierárquicos com as variáveis de segundo nível municipais. Foram, então, aplicadas as metodologias de modelos quantílicos e de modelos hierárquicos para analisar a RMSP como um todo.

Os modelos foram estimados separadamente para homens e mulheres em virtude das evidências de segregação ocupacional por gênero (BARROS et al., 2007BARROS, R.; CARVALHO, M.; FRANCO, S.; MENDONÇA, R. A queda recente da desigualdade de renda no Brasil. Rio de Janeiro: IPEA, 2007. (Texto para discussão, n. 1258).; GIUBERTI; MENEZES-FILHO, 2005GIUBERTI, A.; MENEZES-FILHO, N. Discriminação de rendimentos por gênero: uma comparação entre o Brasil e os Estados Unidos. Economia Aplicada, v. 9, n. 3, p. 369-384, 2005. ), assim como de retornos à educação distintos entre os sexos (SAVEDOFF, 1991SAVEDOFF, W. Wage dynamics in urban Brazil: evidence of regional segmentation or national markets. Revista de econometria, v. 11, n. 2, p. 161-184, 1991. ; BARROS et al., 2007BARROS, R.; CARVALHO, M.; FRANCO, S.; MENDONÇA, R. A queda recente da desigualdade de renda no Brasil. Rio de Janeiro: IPEA, 2007. (Texto para discussão, n. 1258).).

As evidências indicam que indivíduos situados em diferentes pontos da distribuição de renda geralmente recebem retornos diferentes em função de suas características produtivas (OLIVEIRA; RIOS-NETO, 2006OLIVEIRA, A.; RIOS-NETO, E. Tendências da desigualdade salarial para coortes de mulheres brancas e negras no Brasil. Estudos econômicos, v. 36, n. 2, p. 205-236, 2006.; MACHADO; HERMETO; ANTIGO, 2008MACHADO, A.; HERMETO, A.; ANTIGO, M. Evolução do diferencial de rendimentos entre setor formal e informal no Brasil: o papel das características não observadas. Revista de Economia Contemporânea, v. 12, n. 2, p. 355-388, 2008. ). Além disso, o tempo de deslocamento de trabalhadores em diferentes pontos da distribuição de renda tende a diferir. Conforme Pero e Stefanelli (2015PERO, V.; STEFANELLI, V. A questão da mobilidade urbana nas metrópoles brasileiras. Revista de Economia Contemporânea , v. 19, n. 3, p. 366-402, 2015.), trabalhadores com renda mais elevada tendem a apresentar tempos de deslocamento menores do que os trabalhadores de famílias de renda média. Por outro lado, trabalhadores menos escolarizados apresentam maiores tempos de comutação (HAZANS, 2004HAZANS, M. Does commuting reduce wage disparities? Growth and Change, v. 35, p. 360-390, 2004. ) e menores retornos associados ao tempo de deslocamento (HUBER, 2011HUBER, P. Are commuters in the EU better educated than non-commuters but worse than migrants? Urban Studies, v. 51, n. 3, p. 509-525, 2011. ). Desse modo, a abordagem quantílica garante maior robustez às análises, ao permitir verificar a relação entre tempo de comutação e prêmio salarial ao longo da distribuição de rendimentos. Foram estimadas regressões para os quantis 0,25, 0,50, 0,75 e 0,90.

A investigação sobre o comportamento de comutação envolve níveis hierárquicos de análise, que vão desde trabalhadores individuais até os aspectos regionais. A formalização dos modelos hierárquicos pressupõe um conjunto de equações para cada nível, considerando intercepto e/ou inclinação diferentes para cada uma das unidades de nível 2 (RAUDENBUSH; BRYK, 2002 RAUDENBUSH, S.; BRYK, A. Hierarchical linear models: applications and data analysis methods. 2. ed. London; New Dehli: Sage, 2002.).

A utilização desses dois modelos possibilita a análise da associação de pendularidade e diferenciais salarias de forma robusta e abrangente. Foi utilizado o pacote Stata 13 para a obtenção dos modelos econométricos.

3. Resultados

3.1 Evidências iniciais: análise descritiva

Conforme mostra a Tabela 1, o salário dos pendulares é, em média, menor do que o de não pendulares, R$ 1.866,65 contra R$ 1.871,38; porém, essa diferença não é estatisticamente significativa. Grande parte da literatura lança advertências sobre o elevado diferencial salarial existente entre homens e mulheres, razão pela qual se procedeu à análise dos salários de homens e mulheres de maneira isolada. De imediato, pode-se verificar que a média salarial dos homens é mais elevada que a das mulheres. Com relação à pendularidade, os homens que trabalhavam e moravam no mesmo município recebiam salário maior do que os que atravessavam os limites municipais para exercer suas atividades laborais. Esse fato também é observado no tocante às mulheres. Ao contrário do observado para todos os indivíduos, os resultados foram estatisticamente significativos para ambos os sexos.

Tabela 1
Rendimento médio no trabalho principal por status de pendularidade na RMSP (2010)

3.2 Regressões quantílicas

Nesta subseção, apresentamos e discutimos as estimações pelo método de regressões quantílicas para os trabalhadores ocupados da RMSP dos sexos masculino e feminino, respectivamente, nas Tabelas 2 e 3.

Tabela 2
Resultados das regressões quantílicas para homens
Tabela 3
Resultados das regressões quantílicas para mulheres

Os indivíduos pendulares do sexo masculino ganham um prêmio maior quando se encontram na parte inferior da distribuição de rendimentos, nos quantis 25º e 50º, quando o diferencial chega, respectivamente, a 4,8% e a 4% em relação aos não pendulares. Esse fator sugere que os trabalhadores menos qualificados têm um prêmio ao buscarem postos de trabalhos em municípios nos quais não residem. Entre os 75% inferiores na distribuição de rendimentos, esse diferencial é menor, de 1%, ainda que significativo. No 90º percentil, os trabalhadores do sexo masculino que exercem suas atividades em outras municipalidades recebem 10% a menos em relação ao grupo de referência, e isso é indicativo de que trabalhadores qualificados que trabalham em municípios nos quais não residem têm um prêmio salarial negativo.

No que tange às mulheres, os ganhos nos percentis mais baixos também são positivos, porém menores. A partir do percentil 0,75, os valores são negativos e o prêmio é ainda menor para as mulheres situadas no percentil 90º (-13%).

Portanto, há indícios de benefícios pecuniários associados à pendularidade apenas nos quantis inferiores. Nesse sentido, verificam-se ganho salarial para aqueles com menores rendimentos e perda para aqueles com alto rendimento. Esse resultado vai ao encontro da ideia de que os trabalhadores, equivalentes em características observáveis, percebem salários que variam substancialmente entre áreas de emprego dentro de uma área metropolitana, em uma variação correlacionada com os tempos médios de viagem. Uma explicação pode estar associada ao fato de determinados trabalhadores serem recompensados pelos seus custos de deslocamento reembolsados por intermédio de salários mais altos (VAN OMMEREN; RIETVELD, 2007VAN OMMEREN, J.; RIETVELD, P. The commuting time paradox. Journal of Urban Economics , v. 58, n.3, p. 437-454, 2007. ), enquanto outros trabalhadores, com deslocamentos longos, são totalmente compensados no mercado imobiliário mediante preços mais baixos da habitação (ZENOU, 2009ZENOU, Y. Urban labor economics. Cambridge: Cambridge University Press, 2009.). Outra explicação reside na hipótese de que os trabalhadores situados no topo da distribuição de rendimentos incorreriam em maior custo de oportunidade pelo deslocamento casa-trabalho mais longo, o que, em última instância, resultaria em perda salarial. Sugere-se com isso que trabalhadores qualificados não recebem um prêmio salarial por seu deslocamento e se deslocam justamente por não terem sido absorvidos no seu local de origem, e assim têm a necessidade de se deslocar para ocupar um posto de trabalho em outro município.2 2 Além disso, sob a hipótese de que os trabalhadores são onerados pelos custos da comutação, os trabalhadores de renda baixa realizariam comutações muito pequenas, dada a insuficiência de recursos financeiros para efetuarem, diariamente, viagens longas. Agradecemos o levantamento desse ponto ao parecerista anônimo.

As estimativas encontradas exibem retornos maiores para os migrantes tanto do sexo masculino como do feminino (BATISTA; CACCIAMALI, 2009BATISTA, N.; CACCIAMAL, M. Wage differences between men and women according to condition of migration. Revista Brasileira de Estudos de População, v. 26, n. 1, p. 97-115, 2009.), sobretudo nos percentis mais elevados da distribuição de rendimentos. Conforme Borjas (1996BORJAS, G. Labor Economics. New York: The McGraw-Hill Companies, 1996.), a busca pela maximização dos rendimentos estabelece correlação positiva entre habilidade e retorno a ela, de modo que os mais qualificados acabam por migrar para regiões que remuneram melhor suas habilidades.

O retorno à idade é positivo e estatisticamente significativo para homens e mulheres, e é maior em quantis mais elevados. Idade ao quadrado teve coeficientes negativos e significativos em sua maioria. Esses resultados corroboram os achados da literatura no que concerne aos ganhos associados à experiência (GIUBERTI; MENEZES-FILHO, 2005GIUBERTI, A.; MENEZES-FILHO, N. Discriminação de rendimentos por gênero: uma comparação entre o Brasil e os Estados Unidos. Economia Aplicada, v. 9, n. 3, p. 369-384, 2005. ).

Brancos e amarelos apresentam prêmio salarial crescente ao longo da distribuição salarial em relação aos não brancos e amarelos. No caso dos homens, essa diferença pode chegar a 32%, e, para as mulheres, pode alcançar 34% no percentil 90º.

No que se refere à instrução, nota-se maior discrepância no que diz respeito aos salários de trabalhadores sem instrução ou com ensino fundamental diante dos trabalhadores com ensino superior completo (categoria de referência). Esses resultados são bem estáveis ao longo de ambas as distribuições, tanto para homens como para mulheres.

O status conjugal possui relevância relativamente aos rendimentos de homens e de mulheres (OLIVEIRA; RIOS-NETO, 2006OLIVEIRA, A.; RIOS-NETO, E. Tendências da desigualdade salarial para coortes de mulheres brancas e negras no Brasil. Estudos econômicos, v. 36, n. 2, p. 205-236, 2006.; KILLEWALD; GOUGH, 2013KILLEWALD, A.; GOUGH, M. Does specialization explain marriage penalties and premiums? American Sociological Review, v. 78, n. 3, p. 477-502, 2013. ), no entanto, são mais importantes para os primeiros, com tendência crescente nos percentis. Casados tendem a ganhar mais e solteiros menos do que desquitados, divorciados e viúvos, que é a categoria de referência.

Os resultados revelam que, para os trabalhadores chefes de domicílio, há presença de prêmio salarial para homens e para mulheres. Por sua vez, ser cônjuge pode representar perda salarial para ambos, situadas no 90º percentil. Esses resultados sugerem a recente emancipação e empoderamento femininos no lar, como trabalhadoras e provedoras.

Estar inserido no mercado de trabalho em ocupações que não exigem carteira assinada representa menor rendimento quando comparado ao dos empregadores. Esse resultado é expressivo para homens e para mulheres. O mesmo resultado foi observado para funcionários com carteira assinada, funcionários públicos e trabalhadores por conta própria na comparação com o dos empregadores.

As estimativas encontradas mostram retornos específicos por setores, na regressão de homens e também na de mulheres. O setor de construção civil denota perda salarial para homens e o contrário para mulheres, indicando uma especificidade do emprego feminino na construção civil. Na indústria, o rendimento-hora é menor para homens situados no percentil 90º, ao passo que, para mulheres, isso ocorre a partir da mediana. No setor de energia, homens e mulheres revelam perda salarial ante os indivíduos dos demais setores. Igualmente para homens e para mulheres, os trabalhadores técnicos/científicos e aqueles na administração pública, muitos em ocupações de maior prestígio, apresentaram rendimento maior do que o da categoria nos demais setores. Esses resultados reforçam o papel que as diferenças de ocupação podem ter na desigualdade de rendimentos entre os trabalhadores mais qualificados, em geral localizados na parte superior da distribuição. Neste caso, para ambos os sexos, a ocupação afeta o rendimento do trabalho de forma diferente ao longo da distribuição de renda, reforçando o seu papel em explicar a desigualdade.

3.3 Regressões hierárquicas

Como já discutido, os diferenciais salariais podem ser oriundos das características individuais e regionais. As primeiras foram inseridas nas regressões quantílicas, no entanto o diferencial salarial proveniente das características relacionadas ao município em que o indivíduo está situado não pode ser negligenciado. Nesse sentido, nesta subseção são apresentados os resultados dos modelos hierárquicos, os quais consideram, além das variáveis relacionadas ao trabalhador, aquelas pertinentes aos municípios. Os modelos quantílicos e os modelos hierárquicos foram muito robustos quanto às variáveis individuais usadas como controle nos modelos quantílicos e no primeiro nível dos modelos hierárquicos. Portanto, para evitar mostrar resultados muito similares dos dois tipos de modelo, a Tabela 4 exibe apenas os resultados referentes às variáveis pendularidade e migração no nível 1, bem como as variáveis do nível 2 do modelo hierárquico.

Tabela 4
Resultados do modelo hierárquico de determinação de rendimentos dos ocupados na RMSP (2010)

Inicialmente, nota-se a relevância dos fatores municipais na determinação do salário-hora dos homens, pois o coeficiente aleatório do modelo nulo é estatisticamente significativo, assim como a variância entre as unidades do nível municipal nas regressões de homens e de mulheres. Com a inclusão das demais características produtivas e demográficas dos trabalhadores, nota-se queda da variância total dos salários de 0,054 para 0,003 para os homens e de 0,045 para 0,003 para as mulheres, o que representa redução de cerca de 94% e 93%, respectivamente, na comparação do modelo nulo com o modelo completo.

Outro destaque dos resultados é o retorno positivo do deslocamento pendular, cujos coeficientes possuem magnitudes maiores perante os obtidos nas regressões quantílicas. Esse resultado, contudo, pode estar associado ao controle da variabilidade oriunda dos municípios, ao permitir que o intercepto varie conforme o município de residência do indivíduo, característica dos modelos hierárquicos. A variabilidade do salário é inerente a peculiaridades do mercado de trabalho local de cada município integrante da RMSP. De maneira idêntica, indivíduos migrantes recebem rendimento por hora superior aos não migrantes, corroborando os achados dos modelos quantílicos anteriores, porém seus coeficientes são superiores em magnitude diante dos observados nas regressões quantílicas. Ou seja, ambas as metodologias mostraram resultados similares e robustos.

No que se refere às variáveis municipais, verifica-se que, para homens, a dummy para a capital não mostrou significância estatística. Entretanto, mulheres moradoras nessa mesma cidade paulista auferiam salário-hora superior às residentes nos demais municípios da RMSP. Tais resultados sugerem uma estratificação espacial diferenciada entre os sexos. Além disso, municípios com valores mais elevados de aluguel apresentam trabalhadores com maiores remunerações para ambos os sexos. Esse resultado denota a possível presença de diferenciais salariais compensatórios associados ao custo de vida (EVANS, 1990EVANS, A. The assumption of equilibrium in the analysis of migration and interregional differences: a review of some recent research. Journal of Regional Science, v. 30, n. 4, p. 515-531, 1990.). De maneira geral, os resultados mostram a importância das características individuais e relacionadas ao mercado de trabalho, assim como a influência do custo de vida nos salários masculinos e femininos.

Considerações finais

Analisamos neste artigo os rendimentos do trabalho de indivíduos pendulares ou não pendulares na RMSP ancorados em informações do Censo Demográfico Brasileiro de 2010 (IBGE, 2012IBGE. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Demográfico Brasileiro de 2010. Rio de Janeiro: IBGE, 2012.). Os resultados apresentados mostram disparidades nos rendimentos entre grupos definidos pela condição de deslocamento pendular. Nota-se, com base em regressões quantílicas, que trabalhadores pendulares de ambos os sexos recebem mais do que aqueles que não pendulam na parte inferior da distribuição de rendimentos. Os diferenciais salariais em relação à pendularidade tendem a ser menores em percentis mais altos da distribuição de rendimentos. No 90º percentil, a diferença de rendimentos entre indivíduos pendulares em face daqueles não pendulares é estimada em cerca de -10% e -13%, respectivamente, para homens e mulheres, indicando perda para aqueles com alto rendimento.

Portanto, há indícios da existência de prêmio salarial para a pendularidade para indivíduos com características observáveis similares entre os trabalhadores, para ambos os sexos. Uma explicação pode estar associada ao fato de que determinados trabalhadores são compensados pelos seus custos de deslocamento mediante salários mais altos (VAN OMMEREN; RIETVELD, 2007VAN OMMEREN, J.; RIETVELD, P. The commuting time paradox. Journal of Urban Economics , v. 58, n.3, p. 437-454, 2007. ), além de serem compensados no mercado imobiliário por meio de preços mais baixos da habitação (ZENOU, 2009ZENOU, Y. Urban labor economics. Cambridge: Cambridge University Press, 2009.). Para trabalhadores situados no topo da distribuição de rendimentos, haveria maior custo de oportunidade em razão do deslocamento casa-trabalho mais longo. Esse fato sugere que trabalhadores qualificados não recebem um prêmio salarial por seu deslocamento, mas, ao contrário, podem ter de se deslocar justamente por não haverem sido absorvidos no local de origem, e assim se verifica a necessidade de se deslocar para ocupar um posto de trabalho.

Com relação à migração, as estimativas encontradas exibem retornos maiores para os migrantes tanto do sexo masculino como do feminino, sobretudo nos percentis mais elevados da distribuição de rendimentos. Conforme Borjas (1996BORJAS, G. Labor Economics. New York: The McGraw-Hill Companies, 1996.), a busca pela maximização dos rendimentos determina uma correlação positiva entre habilidade e retorno a ela, de maneira que os mais qualificados migram para regiões que remuneram melhor suas habilidades.

No que se refere às variáveis municipais, nota-se a importância do custo de vida nos diferenciais de salário, pois municípios com valores mais elevados de aluguel apresentam trabalhadores com maiores remunerações para ambos os sexos. Esse resultado denota a possível presença de diferenciais salariais compensatórios associados ao custo de vida (EVANS, 1990EVANS, A. The assumption of equilibrium in the analysis of migration and interregional differences: a review of some recent research. Journal of Regional Science, v. 30, n. 4, p. 515-531, 1990.).

Em áreas urbanas da dimensão da RMSP, a mobilidade urbana impacta decisivamente a qualidade de vida de seus habitantes. Indivíduos que comutam por longas distâncias têm em geral piores níveis de saúde e de bem-estar, menor tempo de lazer e níveis de estresse mais elevados (ROBERTS; HODGSON; DOLAN, 2011ROBERTS, J.; HODGSON, R.; DOLAN, P. It’s driving her mad: Gender differences in the effects of commuting on psychological health. Journal of Health Economics, v. 30, p. 1064-1076, 2011.). Os resultados empíricos dos modelos quantílicos deste artigo mostraram que os indivíduos localizados nos estratos mais baixos da distribuição de rendimentos são compensados por salários maiores.

A comutação diária é inevitável em virtude das diferenças entre as distribuições espaciais de residências e postos de trabalho (FROST; LINNEKER; SPENCER, 1998FROST, M.; LINNEKER, B.; SPENCE, N. Excess or wasteful commuting in a selection of British cities. Transportation Research Part A: Policy and Practice, v. 32, n. 7, p. 529-538, 1998. ). Além disso, existem trade-offs entre comutar por distâncias maiores e poder ter custos de moradia mais baixos (BRUECKNER, 2011BRUECKNER, J. Lectures on urban economics. London: MIT Press, 2011. ). Os resultados deste artigo revelam em parte esse trade-off ao pautar-se nos resultados dos modelos hierárquicos, uma vez que indivíduos que viviam em municípios com maior custo de vida eram recompensados por maiores salários.

Referências

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    Além disso, sob a hipótese de que os trabalhadores são onerados pelos custos da comutação, os trabalhadores de renda baixa realizariam comutações muito pequenas, dada a insuficiência de recursos financeiros para efetuarem, diariamente, viagens longas. Agradecemos o levantamento desse ponto ao parecerista anônimo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    14 Jul 2021
  • Aceito
    29 Jul 2022
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