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“A gente está no centro deles”: mineração e produção de desastres1 1 O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior — Brasil (Capes) — Código de Financiamento 001, contando também com apoio das agências de fomento Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) .

Resumo

O artigo recorre à história do Mingú, bairro situado no centro das atividades de uma longeva empresa de mineração, em Nova Lima, Minas Gerais, para discutir a inter-relação entre a produção dos desastres ao longo do tempo e a formação de um grupo sócio-espacial. A narrativa é informada por fragmentos do cotidiano, buscando evidenciar tendências e conjuntos de processos mais amplos, indo além da singularidade do contexto apresentado. Assim, são analisados três momentos da história do Mingú, revelando a continuidade entre extrativismo e neoextrativismo e a noção de que os desastres não se restringem a eventos naturais, isolados no tempo e no espaço. Nesse processo histórico, a constituição do grupo é entendida pela forma como suas práticas cotidianas se inserem num contexto instável, permeado pela expropriação e pela dificuldade de consciência sócio-espacial e autonomia.

Palavras-chave:
Mineração; Desastre; Neoextrativismo; Grupo Sócio-espacial; Navegação Social; Expropriação; Nova Lima

Abstract

This article draws on the history of Mingú, a neighborhood located at the center of the activities of a long-standing mining company in Nova Lima, Minas Gerais, Brazil, and discusses the interrelation of the production of disasters over time with the formation of a socio-spatial group. The narrative is informed by fragments of everyday life that seek to highlight trends and patterns of broader processes, and which resonate beyond the singularity of the particular context presented. Three phases in the history of Mingú are analyzed, revealing the continuity between extractivism and neoextractivism and the notion that disasters are not restricted to natural events, isolated in time and space. In this historical process, the constitution of the group is understood by the way its everyday practices take place within an unstable context, permeated by expropriation and by the difficulty of socio-spatial consciousness and autonomy.

Keywords:
Mining; Disaster; Neoextractivism; Social-spatial Group; Social Navigation; Expropriation; Nova Lima

Introdução

“A gente era morador da mina também. Querendo ou não, a gente morava dentro da mineração”. Como explicou José, uma rua separava as casas na parte baixa do Mingú, bairro em Nova Lima (MG), da área industrial da Mina de Morro Velho. Ele relatou a ausência de cercas nesse lugar, onde brincava com os amigos que eram seus vizinhos, na década de 1980, e era como uma extensão do próprio quintal. As crianças, sabendo do perigo, entravam com “respeito” na área, pegavam frutas, exploravam curiosas os objetos usados no trabalho na mina, desde mangueiras de incêndio até as caixas contendo explosivos. Não entravam na mina por medo, escutavam os relatos de quem trabalhava no subsolo dizendo que era um labirinto escuro, onde era fácil de se perder e cair em buracos. Em casa, a mina também se fazia presente. Era possível sentir a casa vibrar a cada explosão debaixo da terra. Ao longo do dia, escutava-se cada apito das trocas de turno no trabalho, não havia necessidade sequer de consultar o relógio. “A gente sempre foi muito ligado à mineração, querendo ou não”.

Figura 1
Desenho esquemático do perfil da localização do Mingú, com as transformações do bairro ao longo dos períodos analisados.

Percorrendo o bairro, chegamos ao topo do morro, onde um trecho estreito de mata separa o Mingú de duas extensas barragens, acompanhadas de uma indústria operando a pleno vapor no beneficiamento do ouro vindo de outras minas de cidades vizinhas. O Mingú, localizado numa encosta, teve a maioria das residências construídas pela mineradora, que até hoje detém a propriedade de vários imóveis no bairro (e na cidade). São aproximadamente mil moradores, a maior parte é de baixa renda e se autodeclarou como sendo parda.2 2 Com base nos dados do Censo brasileiro de 2010 realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). https://censo2010.ibge.gov.br/sinopseporsetores/. Acesso em: 26 out. 2023. Mesmo após a desativação da Mina de Morro Velho, na virada do século XX para o XXI, a mineração ainda é parte da vida dos moradores, como era no momento descrito por José. Embora a presença física da mineração seja o que há de mais visível no território, na interação com o cotidiano, são afetadas diversas esferas da vida coletiva, muito além da extração do recurso mineral.

Essa onipresença da mineração, no bairro e na cidade, é frequentemente justificada como uma espécie de destino manifesto — uma crença de que a presença do mineral no subsolo é uma vocação econômica da região que conduz ao imperativo capitalista extrativista — ignorando a constituição histórica das relações sócio-espaciais imbricadas com a atividade minerária no local (Machado Aráoz, 2020MACHADO ARÁOZ, H. Mineração, genealogia do desastre: O extrativismo na América Latina como origem da modernidade. São Paulo: Elefante, 2020. 324 p.; Lefebvre, 1976LEFEBVRE, H. A re-produção das relações de produção. Porto: Publicações Escorpião, 1976.). Por extrativismo, entendemos a modalidade de acumulação que tem início com a colonização europeia, e se baseia na extração de grandes volumes de recursos naturais, pouco processados e com a finalidade de exportação (Acosta, 2016ACOSTA, A. Extrativismo e neoextrativismo: Duas faces da mesma maldição. In: DILGER, G.; LANG, M.; FILHO, J. P. (eds.). Descolonizar o imaginário: Debates sobre o pós-extrativismo e alternativas ao desenvolvimento. Tradução: Igor Ojeda. São Paulo: Fundação Rosa Luxemburgo, 2016. p. 46-85.). O neoextrativismo pode ser considerado uma versão contemporânea desses processos, marcada pela crescente escala dos empreendimentos, pela constante expansão de suas fronteiras sobre territórios antes considerados improdutivos e por efeitos-derrame — impactos que deixam de ser meramente físicos e locais e passam a se sentir em diferentes esferas e escalas da vida social e ambiental (Gudynas, 2016GUDYNAS, E. Extractivismos en América del Sur: conceptos y sus efectos derrame. In: ZHOURI, A.; BOLADOS, P.; CASTRO, E. (eds.). Mineração na América do Sul: Neoextrativismo e Lutas Territoriais. São Paulo: Annablume, 2016. p. 24-46.). A intenção deste artigo é discutir as relações sócio-espaciais no Mingú, cotejando-as com a continuidade entre extrativismo e neoextrativismo (Acosta, 2016ACOSTA, A. Extrativismo e neoextrativismo: Duas faces da mesma maldição. In: DILGER, G.; LANG, M.; FILHO, J. P. (eds.). Descolonizar o imaginário: Debates sobre o pós-extrativismo e alternativas ao desenvolvimento. Tradução: Igor Ojeda. São Paulo: Fundação Rosa Luxemburgo, 2016. p. 46-85.), tendo a produção dos desastres como ponto de partida.

Desastre é um conceito em constante disputa, com possibilidade de diferentes interpretações populares, institucionais e acadêmicas diretamente relacionadas com as ações de prevenção, resposta e reparação (Quarantelli, 1985 QUARANTELLI, E. L. What is disaster? The need for clarification in definition and conceptualization in research. In: SOWDER, B. (Ed.). Disasters and Mental Health Selected Contemporary Perspectives. Washington D.C.: U.S. Government Printing Office, 1985. p. 41-73.; Oliver-Smith, 2019b [1999]OLIVER-SMITH, A. What is a disaster?: Anthropological Perspectives on a Persistent Question [1999]. In: OLIVER-SMITH, A.; HOFFMAN, S. M. (eds.). The Angry Earth. New York: Routledge , 2019b. p. 29-44.; Valencio, 2016VALENCIO, N. Elementos constitutivos de um desastre catastrófico: os problemas científicos por detrás dos contextos críticos. Ciência e Cultura, v. 68, n. 3, p. 41-45, set. 2016.). Nosso objetivo é contestar as concepções de desastres como eventos naturais, singulares, esporádicos e isolados no tempo e no espaço. Ao trazermos desastres, no plural, iremos analisá-los como produção, entendendo que: (1) não são fenômenos exclusivamente naturais e dependem da interação dialética de transformação entre sociedade e natureza (O’Keefe et al., 1976O’KEEFE, P.; WESTGATE, K.; WISNER, B. Taking the naturalness out of natural disasters. Nature, v. 260, n. 5552, p. 566-567, 1976.; BARRIOS, 2017BARRIOS, R. E. What does catastrophe reveal for whom? The anthropology of crisis and disasters at the onset of the anthropocene. Annual Review of Anthropology, v. 46, p. 151-166, 2017.); (2) sua temporalidade vai além de eventos críticos, abarcando processos anteriores e determinando processos futuros (Hewitt, 1983HEWITT, K. The idea of calamity in a technocratic age. In: HEWITT, K. (ed.). Interpretations of calamity from the viewpoint of human ecology. Boston: Allen & Unwin, 1983. p. 3-32.; Oliver-Smith, 2019b [1999]OLIVER-SMITH, A. What is a disaster?: Anthropological Perspectives on a Persistent Question [1999]. In: OLIVER-SMITH, A.; HOFFMAN, S. M. (eds.). The Angry Earth. New York: Routledge , 2019b. p. 29-44.); (3) não são sempre imprevisíveis pois se relacionam com processos históricos, sociais, políticos e econômicos em que o desenvolvimento, emprego de tecnologias e regulação das atividades são condicionados pela extração de mais-valor (Quarantelli, 1985 QUARANTELLI, E. L. What is disaster? The need for clarification in definition and conceptualization in research. In: SOWDER, B. (Ed.). Disasters and Mental Health Selected Contemporary Perspectives. Washington D.C.: U.S. Government Printing Office, 1985. p. 41-73.; Oliver-Smith, 2019b [1999]OLIVER-SMITH, A. What is a disaster?: Anthropological Perspectives on a Persistent Question [1999]. In: OLIVER-SMITH, A.; HOFFMAN, S. M. (eds.). The Angry Earth. New York: Routledge , 2019b. p. 29-44.; Zhouri, 2019ZHOURI, A. Desregulação ambiental e desastres da mineração no Brasil: uma perspectiva da Ecologia Política. In: CASTRO, E. M. R. DE; CARMO, E. DO (eds.). Dossiê desastres e crimes da mineração em Barcarena, Mariana e Brumadinho. Belém: NAEA Editora, 2019. p. 43-52.); (4) associam-se a dinâmicas de expropriação e heteronomia relacionadas aos grupos atingidos (Kirsch, 2001KIRSCH, S. Lost Worlds: Environmental Disaster, “Culture Loss”, and the Law. Current Anthropology, v. 42, n. 2, p. 167-178, 2001.; Zhouri; Oliveira, 2010ZHOURI, A.; OLIVEIRA, R. Quando o lugar resiste ao espaço: colonialidade, modernidade e processos de territorialização. In: ZHOURI, A.; LASCHEFSKI, K. (Eds.). Desenvolvimento e conflitos ambientais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010. p. 439-462.).

Dentre os autores que tratam do aspecto processual dos desastres (abordagem que se convencionou como teoria dos desastres ou da vulnerabilidade) é comum encontrarmos tanto construção (Quarantelli, 1985 QUARANTELLI, E. L. What is disaster? The need for clarification in definition and conceptualization in research. In: SOWDER, B. (Ed.). Disasters and Mental Health Selected Contemporary Perspectives. Washington D.C.: U.S. Government Printing Office, 1985. p. 41-73.; Bankoff, 2004BANKOFF, G. In the eye of the storm: The social construction of the forces of nature and the climatic and seismic construction of God in the Philippines. Journal of Southeast Asian Studies, v. 35, n. 1, p. 91-111, fev. 2004.) quanto produção (Tierney, 2014TIERNEY, K. J. The social roots of risk: producing disasters, promoting resilience. Stanford, California: Stanford business books, 2014.; Valencio et al., 2004VALENCIO, N. et al. A produção social do desastre: dimensões territoriais e político-institucionais da vulnerabilidade das cidades brasileiras frente às chuvas. Revista Teoria & Pesquisa, v. 44-45, p. 67-114, 1 jan. 2004.; Oliver-Smith, 2019a [1999]OLIVER-SMITH, A. Peru’s five-hundred-year earthquake: vulnerability in historical context [1999]. In: OLIVER-SMITH, A.; HOFFMAN, S. M. (eds.). The Angry Earth. New York: Routledge, 2019a. p. 29-44.) dos desastres nas descrições. Como ponderam Sun e Faas (2018SUN, L.; FAAS, A. J. Social production of disasters and disaster social constructs: An exercise in disambiguation and reframing. Disaster Prevention and Management: An International Journal, v. 27, n. 5, p. 623-635, 2018.), embora sejam com frequência adotados de forma indistinta, a diferenciação entre os dois conceitos nos ajuda a apontar o tipo de processo que é enfatizado. De acordo com os autores, no caso de desastre como construção social são usualmente abordadas dinâmicas de significação subjetiva, enquanto desastre como produção social evidencia o vínculo com o contexto histórico. Nossa opção pelo termo produção remete à produção (social) do espaço (social) proposta por Henri Lefebvre (1991LEFEBVRE, H. The Production of Space. Oxford & Cambridge: Blackwell, 1991. 454 p.), que busca elucidar as práticas sociais que se desdobram na relação com o espaço (ao mesmo tempo em que o transformam, são transformadas/determinadas por ele) (Misoczky et al., 2019MISOCZKY, M. C.; OLIVEIRA, C. M. DE; FLORES, R. K. Henri Lefebvre - marxista e humanista: traços de sua apropriação no planejamento urbano e nos estudos organizacionais. In: SARAIVA, L. A. S.; ENOQUE, A. G. (eds.). Cidades e Estudos Organizacionais: Um Debate Necessário. Ituiutaba: Barlavento, 2019. p. 381-421.).

Para além das práticas corporativas empreendidas pelas mineradoras que são determinantes na produção do espaço (e dos desastres), interessa destacar os modos de vida cotidianos que são forjados em inter-relação com a produção dos desastres no contexto da mineração. Para isso recorremos à formação do grupo sócio-espacial do Mingú. Rejeitando abordagens que tratam grupos sociais e espaço como categorias estanques e isoladas umas das outras, um grupo sócio-espacial, de acordo com Silke Kapp (2021KAPP, S. Grupos sócio-espaciais [2018]. In: KAPP, S.; BALTAZAR, A. (eds.). Moradia e outras margens. Volume 1. Belo Horizonte: MOM, 2021. p. 151-170.), implica a relação dialética entre sociedade e espaço: trata-se de um grupo que se constitui na medida em que produz um espaço e vice-versa. Para a leitura da formação do grupo, partimos da proposta de navegação social de Henrik Vigh (2009VIGH, H. Motion squared: A second look at the concept of social navigation. Anthropological Theory, v. 9, n. 4, p. 419-438, dez. 2009.; 2010VIGH, H. Youth Mobilisation as Social Navigation. Reflections on the concept of dubriagem. Cadernos de Estudos Africanos, n. 18/19, p. 140-164, jun. 2010.), que opera no sentido de entender a forma como se navega (socialmente) num ambiente (social) em movimento.

Segundo o autor (Vigh, 2009VIGH, H. Motion squared: A second look at the concept of social navigation. Anthropological Theory, v. 9, n. 4, p. 419-438, dez. 2009.; 2010VIGH, H. Youth Mobilisation as Social Navigation. Reflections on the concept of dubriagem. Cadernos de Estudos Africanos, n. 18/19, p. 140-164, jun. 2010.), a navegação social busca elucidar as transformações de um dado grupo em interação com um ambiente instável, articulando o movimento de temporalidade dupla entre o que é socialmente imediato (o contexto) e socialmente imaginado (objetivos e prospecções). Em outras palavras, numa situação difícil ou instável, as pessoas agem conforme percebem as determinações externas e se orientam de acordo com a imaginação e o planejamento que o contexto possibilita — tentando se desvencilhar das limitações impostas. Contudo, a navegação social não enfatiza a dialética sociedade-espaço (Souza, 2013SOUZA, M. L. DE. Os conceitos fundamentais da pesquisa sócio-espacial. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013.) nem diferencia consciências de classe contingente e necessária (Mészáros, 1993MÉSZÁROS, I. Consciência de classe necessária e consciência de classe contingente [1971]. In: MÉSZÁROS, I. Filosofia, ideologia e ciência social: ensaios de negação e afirmação. São Paulo: Ensaio, 1993, pp. 75-119.). Enquanto a consciência de classe contingente relaciona-se aos aspectos parciais das contradições e objetivos imediatos, a consciência de classe necessária inter-relaciona tais contradições e objetivos ao contexto sócio-histórico, vislumbrando a possibilidade de transformação das relações de produção. Numa atualização, a navegação sócio-espacial é formulada aqui para nos ajudar a perceber se nos processos de formação do grupo do Mingú há indícios de consciência histórica da produção do espaço articulando o imediato e o imaginado na direção da superação do que é meramente contingente, buscando o necessário para a transformação sócio-espacial.

Nas próximas seções, são mobilizadas narrativas de três personagens fictícios, um deles o José, já mencionado acima, que condensam e incorporam as falas e histórias de diferentes moradores do Mingú entrevistados, além de dados obtidos por meio de pesquisas em fontes históricas.3 3 A pesquisa que deu origem a esse artigo foi feita durante o mestrado no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). As entrevistas foram realizadas com moradores do bairro entre 2022 e 2023. Quanto às fontes históricas, diante da dificuldade de consultar o acervo que consideramos mais relevante para o tema (documentos da Saint John d’El Rey Mining Company que se encontram na Benson Latin American Collection, The University of Texas, em Austin), optamos pela consulta a fontes secundárias que analisaram os documentos como Libby (1984) e Triner (2004), além do acervo digital da Biblioteca Nacional, principalmente a Hemeroteca. Elas estão distribuídas ao longo de três períodos e evidenciam as continuidades entre extrativismo e neoextrativismo à medida que os desastres se expandem do ambiente da mina para a vizinhança e se aprofundam nas dinâmicas de expropriação — os meios de produção são retirados do trabalhador, inclusive a terra, afastando-o gradativamente da autonomia para reprodução da vida (Svampa, 2015SVAMPA, M. Commodities consensus: Neoextractivism and enclosure of the commons in Latin America. South Atlantic Quarterly, v. 114, n. 1, p. 65-82, 2015.; Fraser, 2020 [2016] FRASER, N. Contradições entre capital e cuidado. Princípios: Revista de Filosofia (UFRN), v. 27, n. 53, p. 261-288, [2016] 2020.; Federici, 2022FEDERICI, S. Acumulação primitiva, globalização e reprodução. In: FEDERICI, S. Reencantando o mundo: feminismo e a política dos comuns. Coletivo Sycorax. São Paulo: Elefante, 2022. pp. 46-61.). Ainda que os relatos dos moradores sejam fragmentos, trazem percepções da totalidade dos processos engendrados pela mineração em territórios que possuem vastas reservas minerais. Embora este artigo traga autores e conceitos da literatura atual sobre mineração do macro ao micro (global, latino-americano, brasileiro e especificamente em Minas Gerais, Nova Lima, Mingú) não há nenhum intuito de esgotar a complexidade do tema e as diversas nuances da interação do cotidiano sócio-espacial com o que Gudynas (2016GUDYNAS, E. Extractivismos en América del Sur: conceptos y sus efectos derrame. In: ZHOURI, A.; BOLADOS, P.; CASTRO, E. (eds.). Mineração na América do Sul: Neoextrativismo e Lutas Territoriais. São Paulo: Annablume, 2016. p. 24-46.) chama de extrativismos. Este artigo traz a literatura de forma dialógica para descrever a formação do grupo sócio-espacial que se constituiu no bairro e que constituiu o bairro ao longo do tempo.

Esquemas gráficos são adotados de forma complementar, demonstrando visualmente os processos nos espaços do bairro. Ou seja, as figuras não ilustram trechos específicos do texto, mas fazem parte do encadeamento da narrativa.

1. No fundo da terra

Sebastião foi o primeiro de sua família a deixar a roça para trabalhar na mina. Com a expansão cafeeira, famílias como a de Sebastião (pequenos proprietários de terras, antes donos de pequenas minas, agora dedicados ao mercado agrícola) venderam a mão de obra escravizada e reduziram a escala das plantações para que a própria família lidasse com o cultivo. Sem a intenção de permanecer no povoado, Sebastião se instalou numa pensão. Decidiu trabalhar na Mina de Morro Velho para receber um salário, mas nos momentos de trabalho mais intenso na roça, deixava a mina para ajudar a família. Em Morro Velho, por conta da jornada reduzida se comparada às outras (de oito horas diárias), assumiu o trabalho de broqueiro, separando o minério aproveitável das demais rochas. Seus colegas no serviço eram em sua maioria escravizados e mesmo os alforriados continuavam trabalhando na mina, provavelmente a única alternativa viável de trabalho na região. Outros homens recém-chegados da roça, como Sebastião, mantinham a rotina de retornar aos seus cultivos nas épocas da colheita e da semeadura, e por isso eram infrequentes na mina. Sua insubordinação foi motivo de queixas nos relatórios da companhia, que, insatisfeita com essa inconstância, ofereceu a eles moradia, com um aluguel reduzido, para que pudessem se manter no povoado. Dessa forma, Sebastião, que já estava convencido de que sua origem rural era uma “massa atrasada”, deixou a roça para ser exclusivamente trabalhador assalariado (Libby, 1984LIBBY, D. C. Trabalho escravo e capital estrangeiro no Brasil: O caso de Morro Velho. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1984. 158 p.; Grossi, 1981GROSSI, Y. Mina de Morro Velho: a extração do homem. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. 265 p.).

A casa em que Sebastião foi morar fica no vale do Córrego do Cardoso, onde se instalou a Mina de Morro Velho ainda no século XVIII. O curso d’água se localiza ao sul da Serra do Curral, que divide atualmente as cidades de Belo Horizonte e Nova Lima. A ocupação colonial que deu origem a Nova Lima, teve início no entorno da exploração do ouro de aluvião e de catas superficiais. A princípio, a própria lavra da Mina de Morro Velho era superficial, limitada pela tecnologia disponível à época. Com a compra da mina por uma companhia inglesa em 1834 — a Saint John d’El Rey Mining Company -, no marco de abertura do mercado brasileiro ao capital estrangeiro durante o Império, a extração do ouro no local se intensificou e conheceu seu apogeu (Grossi, 1981GROSSI, Y. Mina de Morro Velho: a extração do homem. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. 265 p.; Lima, 1901LIMA, A. Um município de ouro: memória histórica. Revista do Arquivo Público Mineiro. Belo Horizonte: Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1901. v. 6. p. 319-364.).

Figura 2
Desenho esquemático do perfil do Mingú, no início da ocupação do bairro.

Antes de adquirir a Mina de Morro Velho, a companhia operou uma mina na cidade de São João del Rei, empreendimento que foi interrompido por conta de problemas técnicos e infiltração de água nas galerias (Grossi, 1981GROSSI, Y. Mina de Morro Velho: a extração do homem. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. 265 p.). Essa experiência foi crucial para a estruturação da extração do ouro em Nova Lima, assumindo o estágio tecnológico e organizacional que é descrito por Gudynas (2015GUDYNAS, E. Extractivismos: Ecología, economía y política de un modo de entender el desarrollo y la naturaleza. Cochabamba: CEDIB/CLAES, 2015. 453 p.) como a segunda geração de extrativismo. Nessa geração foram incorporados equipamentos próprios da revolução industrial, como máquinas a vapor, motores de combustão interna e explosivos, notadamente a dinamite, que foi crucial para a ampliação das atividades na Mina de Morro Velho, e para a mineração no geral (Grossi, 1981GROSSI, Y. Mina de Morro Velho: a extração do homem. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. 265 p.), sempre tendo como principal interesse a extração de mais-valor e não a proteção do trabalhador.

O primeiro século das atividades da Companhia St. John foi marcado pelo emprego massivo de trabalho escravo. Ainda que a historiografia hegemônica defenda (seja nos países do Norte ou no Brasil) que a escravidão seria incompatível com a acumulação capitalista e a industrialização, Douglas Cole Libby (1984LIBBY, D. C. Trabalho escravo e capital estrangeiro no Brasil: O caso de Morro Velho. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1984. 158 p.) demonstrou que a exploração dos trabalhadores escravizados fornecia à companhia uma taxa de mais-valor vantajosa em relação ao trabalho “livre”, pois os escravizados já haviam sido disciplinados e organizados de modo a garantir o fluxo produtivo sem interrupções significativas. Sua análise, feita a partir dos relatórios anuais da St. John, conclui que, ao longo dos anos, a acumulação de capital pela companhia dependeu da exploração racional (e capitalista) da mão de obra escravizada. Inclusive, no desenvolvimento da empresa, a organização racional do trabalho (com o controle do ritmo de produção e a “utilização estudada da mão de obra”) parece ter sido mais importante do que a própria implantação de mudanças tecnológicas.

Na transição para o trabalho assalariado, como Libby (1984LIBBY, D. C. Trabalho escravo e capital estrangeiro no Brasil: O caso de Morro Velho. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1984. 158 p.) descreve, a companhia enfrentou a escassez de mão de obra por diversos momentos. No processo de abolição da escravidão, primeiro na Inglaterra (cujas leis se aplicavam à St. John) e depois no Brasil, a proibição do comércio transatlântico de escravizados foi um marco. A primeira tentativa nesse sentido foi a Lei Feijó de 1831, que pretendia impedir a comercialização. Essa restrição só entrou realmente em vigor com a Lei Eusébio de Queirós de 1850, que criminalizava o comércio de escravizados, considerado então como pirataria, e impunha sanções sobre a importação.

Para garantir a continuidade do trabalho na mina, a companhia iniciou um processo de adaptação, já na década de 1840, driblando as restrições anunciadas por meio do aluguel de escravizados de proprietários de minas de diferentes portes que haviam falido na região. Esse foi o caso da Mina de Cata Branca (localizada onde hoje é Itabirito), operada por outra empresa inglesa, que encerrou suas atividades em 1844 após um desabamento nas galerias da mina, que vitimou dezenas de pessoas, em sua maioria negros (Santos Pires, 1890SANTOS PIRES, A. O. dos. Cata-Branca. In: OZZORI, M. (Ed.). Almanack administrativo, mercantil, industrial, scientifico e litterario do Município de Ouro Preto. Belo Horizonte: Mazza, 1890. p. 137-141.). Os escravizados, então, migraram para os domínios da St. John sob um contrato que acordava sua libertação após quinze anos de serviço na empresa. O contrato não foi cumprido e provocou um intenso debate entre os abolicionistas nos jornais da época (Libby, 1984LIBBY, D. C. Trabalho escravo e capital estrangeiro no Brasil: O caso de Morro Velho. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1984. 158 p.).

Libby (1984LIBBY, D. C. Trabalho escravo e capital estrangeiro no Brasil: O caso de Morro Velho. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1984. 158 p.) especula que os trabalhadores assalariados, ditos livres, eram, em sua maioria, homens que viviam nas áreas rurais no entorno da região da mina naquele momento, como é o caso de Sebastião. Outro contingente de trabalhadores assalariados eram os negros alforriados (cuja liberdade muitas vezes era concedida como prêmio), mas a princípio sua proporção era pequena diante daqueles vindos das áreas rurais. Libby identifica que os trabalhadores assalariados, como Sebastião quando ainda compartilhava o trabalho no campo, “ainda não são operários em termos modernos, pois não são totalmente destituídos de seus meios de produção — em particular a terra — e, portanto, representam figuras transicionais na evolução do operariado brasileiro” (Libby, 1984LIBBY, D. C. Trabalho escravo e capital estrangeiro no Brasil: O caso de Morro Velho. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1984. 158 p., p. 102). Contudo, o processo de proletarização empreendido pela St. John afetou diretamente assalariados como Sebastião, quando ofereceu moradia como atrativo para sua fixação na cidade. A moradia era alugada e somava-se a isso o custo da expropriação pela perda da propriedade rural e da produção agropecuária, que originalmente além de ter o excedente comercializado, supria as necessidades da família. Os escravizados, por outro lado, possivelmente encontravam-se expropriados dos meios de produção e reprodução de suas vidas desde gerações. É importante considerar que tal movimento, de acumulação por meio da expropriação, considerada a princípio como a acumulação primitiva, é recorrente na história do desenvolvimento do modo de produção capitalista, seja no centro ou na periferia (Federici, 2022FEDERICI, S. Acumulação primitiva, globalização e reprodução. In: FEDERICI, S. Reencantando o mundo: feminismo e a política dos comuns. Coletivo Sycorax. São Paulo: Elefante, 2022. pp. 46-61.). A contínua violência da retirada dos meios de produção e reprodução (meios de vida) não é diferente no caso da Morro Velho.

A propriedade da terra pela mineradora, ao longo do tempo, assumiu uma importância que vai além da retenção para exploração futura (justificativa bastante difundida para o fato de as terras no município serem historicamente concentradas nas mãos da mineradora): a expansão de seus domínios sobre o solo foi fundamental para fixar a força de trabalho que garante sua operação no século XX. A compra de terras ganhou força com a Constituição da República de 1891, que tornou a propriedade do subsolo indistinta da propriedade do solo, ao mesmo tempo que a jazida deixou de ser considerada propriedade estatal. Até meados do século XX, ocorreu com maior intensidade a aquisição de terras pela companhia — incluindo a compra de propriedades com as reservas de ferro no território do município que, mais tarde, a partir da segunda metade do século XX, passaram a ser exploradas por outras empresas (Pires, 2003PIRES, C. T. P. Evolução do processo de ocupação urbana do município de Nova Lima: um enfoque sobre a estrutura fundiária e a produção de loteamentos. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2003.).

No caso do Mingú, um dos primeiros registros sobre o bairro sinaliza a aquisição das terras por parte da companhia mineradora ainda no mesmo ano da compra da propriedade da Mina de Morro Velho (1834). A St. John teria adquirido a parte de um dos sócios proprietários da fazenda e fez movimentações até 1898 para que fosse possível comprar por completo o espólio do outro sócio. Ao todo, foram quatro gerações até a companhia tornar-se proprietária por completo — com posse “mansa e pacífica” do Morro do Bonfim ou Mingú, como aponta o registro feito pela companhia na data de conclusão da compra (Triner, 2004TRINER, G. D. Property Rights, Kinship Groups, and Business Partnership in Nineteenth and Twentieth Century Brazil: The Case of the St. John d’El Rey Mining Company, 1834-1960. Business and Economic History online, v. 2, 2004.). O bairro também se insere na transição para o trabalho assalariado: conforme contam os moradores, em seus primórdios, viviam ali também trabalhadores chineses — outra tentativa da companhia para substituir o trabalho escravo foi o incentivo à imigração.

Um relato notório do século XIX sobre Morro Velho foi escrito pelo viajante inglês Richard Burton (2001 [1869] BURTON, R. Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho. Brasília: Senado Federal, [1869] 2001. 530 p.). Exaltou o empreendimento de seus conterrâneos no Brasil operando a St. John, considerou-a uma das poucas empresas mineradoras “bem-sucedidas” aqui, e afirmou com veemência a ausência de desastres na mina. Mesmo quando ocorriam, suas causas seriam por pura “desonestidade” dos fabricantes de peças empregadas no maquinário. Foi capaz de escrever um epitáfio para aqueles que, por suposta falta de sorte, foram vítimas das condições precárias de trabalho: “Aqui jaz João Ninguém; morreu na mina; Como morreu, ninguém de fato ensina”. Burton ignorou a frequência com que, anos antes de seu relato, aconteceram desabamentos e incêndios nas galerias da mina (Grossi, 1981GROSSI, Y. Mina de Morro Velho: a extração do homem. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. 265 p.; Libby, 1984LIBBY, D. C. Trabalho escravo e capital estrangeiro no Brasil: O caso de Morro Velho. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1984. 158 p.).

No dia 10 de novembro de 1886, Sebastião recusou-se a entrar na mina. Viu no alto do Morro do Cruzeiro, uma mulher pequena gritar aos mineiros que não entrassem. Outros colegas também pareciam ter visto, mas descrentes daquele fantasma, prosseguiram. Mais tarde, naquele dia, desprendeu-se do teto de uma galeria da Mina de Morro Velho uma porção de rocha enorme que arrastou o maquinário e a sustentação de madeira que mantinha as galerias. Os trabalhadores no fundo da mina foram soterrados ou confinados, enquanto alguns feridos nas partes mais próximas à superfície da mina foram socorridos pelas equipes da companhia. As várias notícias que saíram pelos jornais da província e do Rio de Janeiro apresentavam contradições em suas versões, principalmente no que diz respeito ao número de mortes. A versão mais difundida foi redigida pelo ministro da Justiça da época, que, de acordo com as informações prestadas pelo juiz do município, afirmava terem ocorrido 10 mortes, além de elogiar os socorros prestados pela mineradora aos muitos feridos (As Minas..., 1886AS MINAS de Morro Velho. Jornal do Commercio (RJ), v. 64, n. 323, p. 1, 1886. Acervo da Hemeroteca Digital, Biblioteca Nacional.; Desastre..., 1886DESASTRE no Morro Velho. Diário de Notícias, v. 2, n. 526, p. 1, 1886. Acervo da Hemeroteca Digital, Biblioteca Nacional.). Os registros da empresa, analisados por Libby (1984LIBBY, D. C. Trabalho escravo e capital estrangeiro no Brasil: O caso de Morro Velho. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1984. 158 p.), no entanto, não apresentam dados sobre as perdas de vidas no desabamento.

Ainda hoje os moradores do Mingú mencionam a história, espantados com a solução adotada pela companhia para abreviar o sofrimento dos operários confinados: foi preciso desviar as águas de um córrego próximo para afogá-los, assim como foi feito, 40 anos antes, na mina de Cata Branca em Itabirito. A versão que contam faz questionar a divulgação dos jornais, passando a impressão de que haveria um número maior de vítimas. Independente da veracidade do que foi divulgado, a indignação dos moradores do Mingú com a solução adotada pelas companhias mineradoras faz alusão à consciência sobre o perigo de trabalhar na mina. A presença na Mina de Morro Velho dos negros que saíram de Cata Branca reforça tal alusão — provavelmente a memória traumática do desastre na outra mina circulou entre os trabalhadores e moradores.

Com o desabamento em Morro Velho, a única entrada da mina foi fechada pelas rochas e a exploração tornou-se inviável por alguns anos, de modo que a administração da companhia em Londres chegou a considerar o fechamento da empresa. Nesse período, o principal armazém na cidade, Casa Aristides, firmou um acordo de apoio financeiro à diretoria da mina — a cumplicidade entre as duas empresas se estende ao longo também do século XX. Com a decisão da matriz britânica de reabrir a mina, uma série de medidas de reconstrução e modernização da empresa foram tomadas. Assim, foram feitos dois poços verticais, perfurados na encosta do Mingú, para atingir o veio do ouro abaixo da obstrução. Esses poços deram origem ao shaft, também chamado de chafre pelos nova-limenses, que fica localizado no meio do bairro. A estrutura era responsável pela ventilação e resfriamento do interior da mina e foi um dos fatores que possibilitou a escavação até níveis bastante profundos — a Morro Velho chegou a ser a mina mais profunda do mundo, atingindo cerca de 2,5 km no subsolo. Outra entrada foi construída e os processos de beneficiamento foram modernizados. Tais mudanças foram responsáveis por modernizar a empresa de modo a incorporar as demandas de produtividade do capitalismo monopolista na entrada do século XX (Grossi, 1981GROSSI, Y. Mina de Morro Velho: a extração do homem. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. 265 p.; Ferrand, 1998FERRAND, P. O ouro em Minas Gerais. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1998. 350 p.).

O tempo alargado do desastre fica evidente na rotina de desabamentos de menor porte, incêndios e outras ocorrências que paralisavam as atividades forçosamente. Soma-se a isso o sentido produtivo que as obras de reabertura da mina assumem com o tempo. Não havia, nesse sentido, um “equilíbrio” anterior que teria sido interrompido pelo desastre, mas a instabilidade da forma como se dava a relação entre o trabalho produtivo e a natureza, a partir da apropriação dos recursos e exploração do trabalho humano orientadas para a geração de lucro (Hewitt, 1983HEWITT, K. The idea of calamity in a technocratic age. In: HEWITT, K. (ed.). Interpretations of calamity from the viewpoint of human ecology. Boston: Allen & Unwin, 1983. p. 3-32.; Oliver-Smith, 2019b [1999]OLIVER-SMITH, A. What is a disaster?: Anthropological Perspectives on a Persistent Question [1999]. In: OLIVER-SMITH, A.; HOFFMAN, S. M. (eds.). The Angry Earth. New York: Routledge , 2019b. p. 29-44.). Houve uma escolha de prosseguir as operações mesmo após um incêndio em 1867 que demonstrou a fragilidade das estruturas de madeira que sustentavam as galerias da mina — a rentabilidade da mineração na Mina de Morro Velho justificou, tanto em 1867 e 1886, a continuidade das operações em detrimento da segurança dos trabalhadores que se empenhavam em explorar o subsolo. Em 1886, por exemplo, o desabamento fez com que as extrações fossem paralisadas, mas depois de retomadas, em 1892, o desastre mostrou-se crucial para uma cadência de ações que fomentou o desenvolvimento tecnológico e econômico da companhia ao longo do século XX.

2. Do subsolo à vizinhança

Retornando à rua do relato que abre o artigo, um século depois do desastre que ocorreu em 1886, a sensação de morar ali, como contou José, era a de estar sobre uma casca de ovo. Para além da proximidade com a área industrial da mina, com a perfuração dos poços no Mingú, a escavação se estendeu no subsolo abaixo do bairro. Como diversos outros locais em Nova Lima, as casas foram construídas ali pela mineradora e, em grande parte, na década de 1980 ainda eram propriedade da empresa. A escolha de construir em local tão próximo à mina não foi mera casualidade, como vimos na discussão sobre a dependência da companhia da fixação e controle da mão de obra. A prática de recrutamento da força de trabalho no campo também é descrita na análise de Grossi (1981GROSSI, Y. Mina de Morro Velho: a extração do homem. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. 265 p.), em meados do século XX, quando a companhia ainda enviava funcionários para as zonas rurais para conseguir mão de obra para a companhia. Os mineiros chegavam em caminhões repletos de gente.

O momento a ser abordado nesta seção compreende mudanças na administração da St. John, destacando-se a venda para um grupo brasileiro em 1960, quando passa a se chamar Mineração Morro Velho S.A. Propriedades da empresa foram vendidas a mineradoras que exploram o ferro, e em 1975, a AngloAmerican se tornou a maior acionista da empresa que mantinha a Mina de Morro Velho. O período dá início ao que Gudynas (2015GUDYNAS, E. Extractivismos: Ecología, economía y política de un modo de entender el desarrollo y la naturaleza. Cochabamba: CEDIB/CLAES, 2015. 453 p.) considera como a terceira geração de extrativismo, já que a modernização na virada do século possibilitou um aumento exponencial de sua escala. O trabalho continuava árduo e permeado por riscos. Deixava no corpo, ao longo do tempo, uma herança cruel: a poeira.4 4 Nome coloquial da silicose, doença pulmonar caracterizada pelo acúmulo de partículas de sílica, que provoca uma reação no pulmão. Mesmo a mãe de José, conhecedora dos remédios feitos de ervas, afirma que contra a poeira, não tem planta que cure — a doença é como cimento no pulmão do mineiro. Sem o hábito difundido de uso (e, muitas vezes, sem a disponibilidade) de equipamentos de segurança no trabalho, os mineiros dependiam da própria consciência para proteger ao menos o nariz e a boca para evitar aspirar a poeira. Algumas ocupações no fundo da mina também eram conhecidas como bastante perigosas, como a perfuração da rocha após a detonação de explosivos. Com frequência, havia fogo-falhado — dinamites que não detonaram — e o mineiro, desavisado, acabava provocando uma explosão acidental ao perfurar a rocha.

Ainda que muitos tenham poeira no pulmão, os aposentados costumam se dizer gratos pelo tempo em que trabalharam na Morro Velho. Pequenos ganhos pessoais contrastam com a rotina extenuante na mina, que soa inclusive gloriosa quando um objetivo familiar é alcançado graças a ela. Com o salário que recebiam da companhia, puderam dar melhores condições aos filhos, que estudaram por mais tempo e, algumas vezes, concluíram até o ensino superior. Também com as economias do tempo de trabalho na mina, alguns operários compraram da Morro Velho as casas onde moravam — muitos acreditavam que poderiam se manter vivendo ali após a aposentadoria, mas foi preciso comprar o imóvel para poder permanecer.

Em outros casos, o salário apertado não alcançava o pagamento da alimentação do mês, praticamente monopolizada em Nova Lima por um armazém parceiro da mineradora, a Casa Aristides. Os gastos dos trabalhadores eram anotados em cadernetas e descontados diretamente dos salários; muitos se endividavam. A carestia, então, se tornou entre as décadas de 1930 e 1940 um problema entre os operários. Numa primeira tentativa de lidar com a questão, construíram uma cooperativa de compras que logo foi taxada pelo governo municipal e não conseguiu competir com os preços praticados pelo comércio. Em seguida, organizaram grupos de compra: compravam os suprimentos em atacados em Belo Horizonte e distribuíam entre as famílias participantes do grupo, conforme a demanda de cada uma. Logo, a iniciativa se expandiu e conseguiu com a companhia a cessão de imóveis pelos bairros para serem usados como depósitos. Isso durou até a década de 1960, quando a prefeitura, pressionada pelos comerciantes, decidiu tributar os grupos de compra, equiparando seu preço ao do comércio local (Grossi, 1981GROSSI, Y. Mina de Morro Velho: a extração do homem. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. 265 p.).

A articulação no grupo de compras buscou, portanto, satisfazer as necessidades de alimentação de forma relativamente independente, num contexto em que os operários encontravam-se já desprovidos de acesso aos meios para reprodução de suas vidas. Embora tenha significado um aprendizado em termos de organização política espontânea, não podemos deixar de apontar a apropriação da empresa da iniciativa, cedendo imóveis “pacificamente” e conseguindo apaziguar os potenciais conflitos associados à carência e outras indisposições do operariado com a empresa (Grossi, 1981GROSSI, Y. Mina de Morro Velho: a extração do homem. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. 265 p.).

Na mesma época, inúmeros serviços prestados como assistência social pela companhia, como a cessão de imóveis para a prefeitura construir escolas, postos de saúde e outros equipamentos, além do próprio aluguel das casas a preços simbólicos, internalizaram parte da reprodução social no regime produtivo da mineração (Pioneira..., 1956PIONEIRA a companhia de Morro Velho em assistência social: Benefícios aos trabalhadores e suas famílias, amparo a organizações beneficentes e contribuições para Institutos. Correio da Manhã, p. 8, 15 mar. 1956. Acervo da Hemeroteca Digital, Biblioteca Nacional.). Nancy Fraser sintetiza essa relação contraditória entre a exploração e a necessidade de estabilizar a reprodução social quando diz que “de um lado, a reprodução social é uma condição de possibilidade da acumulação de capital continuada; de outro, a orientação do capitalismo para a acumulação ilimitada tende a desestabilizar os próprios processos de reprodução social dos quais ele depende” (Fraser, 2020 [2016]FRASER, N. Contradições entre capital e cuidado. Princípios: Revista de Filosofia (UFRN), v. 27, n. 53, p. 261-288, [2016] 2020., p. 262-263).

Era comum que nas residências alugadas da Morro Velho, as famílias mantivessem pequenos plantios e criações de animais para tentar suprir a necessidade de alimentação. No Mingú, os vizinhos muitas vezes se organizavam para doar alimentos às pessoas necessitadas, além de realizarem encontros que giravam em torno da comida produzida em casa (desde o leitão abatido que secava no sol, até o feijão). Num exemplo que complementa as nuances contraditórias da relação entre a mineração e a reprodução social, José, uma vez, acidentado no trabalho, teve que se afastar das atividades por meses. Nesse período, passou a receber o salário da previdência acrescido de uma complementação que a companhia lhe fornecia para equiparar o auxílio durante seu adoecimento ao salário original. Todo mês, José ia até as assistentes sociais da Morro Velho para buscar esse pagamento. Depois de um tempo, ainda impossibilitado de retomar o trabalho e dependente da complementação da companhia, foi constrangido por uma das assistentes sociais, que lhe perguntou: “você tem um espaço em casa, não tem? Por que não cria uma galinha, não planta, para complementar a renda?” José, furioso, retrucou a moça e, meses depois, tendo retomado as atividades, foi demitido. Acontece que anos antes de ser demitido, em 1987, saiu de sua casa compulsoriamente, na rua próxima à mina, onde mantinha seu quintal, por conta de um deslizamento de terra.

É importante ressaltar que, embora as relações do grupo sejam fortalecidas por práticas de ajuda mútua e subsistência, a dependência da mineradora não era questionada, ainda que fosse a responsável pelo controle dos imóveis onde a ajuda se tornava possível e pelos salários que não supriam as necessidades de alimentação das famílias. No caso de José, a solução proposta pela assistente social, contraditória e perversamente, desobrigaria a mineradora do pagamento da complementação salarial por conta do acidente de trabalho, transferindo sua responsabilidade para José. O fato de José fazer ou não parte da rede de ajuda mútua, de plantar ou criar animais, ou de ter outra fonte de renda, não deveria ter relação com a reparação merecida pelo acidente nem tampouco com a remuneração de seu trabalho na mina.

Não há dúvidas de que os laços estabelecidos a partir das práticas de subsistência mantiveram circulando alguns conhecimentos relacionados às origens rurais da população na lida com plantios e criações. Contudo, do ponto de vista da navegação sócio-espacial, poderíamos considerar que a orientação dessas ações era, via de regra, voltada para contingências (para solucionar escassez de alimentação, por exemplo), mantendo o grupo suscetível aos problemas criados pela mineração. A onipresença inquestionada da mineração obliterava (e ainda oblitera) a consciência necessária para problematizar e enfrentar as contradições que geram as contingências. Um exemplo de acomodação frente a uma contingência aconteceu quando, na década de 1980, várias pessoas no bairro foram deslocadas compulsoriamente.

Foi em 26 de fevereiro de 1987 que inúmeras construções na rua José Silvestre Barbosa começaram a apresentar rachaduras profundas, que se estendiam do piso ao topo das paredes. Nesse dia, no Morro do Cruzeiro (ao lado do Mingú) eram visíveis inúmeras rochas e pedaços de terra descendo. Todos os moradores da rua, então, deixaram suas casas, quintais e criações e, durante meses, viveram em moradias provisórias cedidas pela mineradora, como as enfermarias do hospital da empresa e uma fábrica de balas. A dor em deixar aquele lugar e toda a história construída pela família foi tamanha, que por algum tempo, a família de José decidiu permanecer em casa, mesmo com a maioria dos vizinhos se ausentando. Sua decisão foi tomada também considerando que não percebiam risco evidente, pois a casa não apresentava rachaduras. Com o passar do tempo, entristecidos com a perda dos vizinhos e da convivência, se convenceram a sair de lá.

Figura 3
Desenho esquemático do perfil do Mingú, com indicação do deslocamento compulsório dos atingidos.

A princípio, a companhia mineradora saiu à imprensa para defender as causas naturais das rachaduras e do deslizamento de terra — combatendo supostos boatos que circulavam de que a causa do evento foram as atividades na mina. O assessor da empresa declarou que era um problema “mais comunitário que da Morro Velho” (Deslizamento..., 1987DESLIZAMENTO faz Morro Velho fechar sua velha mina de ouro. Jornal do Brasil, p. 12, 21 fev. 1987. Acervo da Hemeroteca Digital, Biblioteca Nacional.). A disputa em torno do motivo pelo qual teria ocorrido o desastre foi também uma forma de atribuir ou se eximir de responsabilidade sobre a reparação (Zhouri et al., 2016ZHOURI, A. et al. O desastre da Samarco e a política das afetações: classificações e ações que produzem o sofrimento social. Ciência e Cultura, v. 68, n. 3, p. 36-40, 2016.). Se tomarmos o episódio pela perspectiva da produção do desastre, há um nexo entre o que ocorreu em 1886 e 1987 que vai além da proximidade geográfica e do agente físico, nesse caso o solo, as rochas e as acomodações entre esses elementos geológicos estressados pela perfuração da mineração. Ambas as situações resultam de conjuntos de processos sócio-espaciais, políticos e econômicos, que com frequência naturalizamos. Tais processos de acumulação neoextrativista são vistos como dominação da natureza, embora devessem ser entendidos em sua relação dialética com a natureza (Barrios, 2017BARRIOS, R. E. What does catastrophe reveal for whom? The anthropology of crisis and disasters at the onset of the anthropocene. Annual Review of Anthropology, v. 46, p. 151-166, 2017.). A julgar por um argumento frequente nos debates sobre os problemas ambientais, a modernização e aplicação de métodos mais eficientes na obtenção do minério, que ocorreram, principalmente, após o desastre em 1886, conduziriam para uma redução dos danos provocados pela atividade (Robbins, 2012ROBBINS, P. Political versus Apolitical Ecologies. In: ROBBINS, P . Political Ecology: A Critical Introduction. Chichester, West Sussex; Malden, MA: Wiley Blackwell, 2012. p. 11-24.). No entanto, percebemos que o aprofundamento da mina possibilitado pelas tecnologias introduzidas expandiu a área atingida, danificando diretamente o espaço onde se constitui o grupo.

Uma greve deflagrada nesse episódio demonstrou como os operários temiam por sua segurança no subsolo — durante alguns meses eles demandaram laudos externos à companhia para que retornassem ao trabalho. Pressionada, a mineradora foi a público declarar: “Ciente de suas responsabilidades, a Morro Velho sempre garantiu a segurança de seus trabalhadores. Quem trabalha conosco sabe: para a Morro Velho, a segurança vale muito mais que o ouro” (Mineração Morro Velho S.A., 1987MINERAÇÃO MORRO VELHO S.A. Para a Morro Velho, segurança vale mais que ouro. Jornal do Brasil, p. 5, 22 mar. 1987. Acervo da Hemeroteca Digital, Biblioteca Nacional.). Declarou, além disso, que estava providenciando novas moradias para aqueles que viviam na rua desativada (como se referem a ela os moradores do bairro).

Num processo que demorou aproximadamente 10 meses, essas pessoas foram reassentadas pela companhia mineradora numa parte mais alta do Mingú. Algumas famílias optaram pela indenização em dinheiro, e com isso hoje moram em outros bairros da cidade. Uma única rua na parte alta do bairro foi destinada aos reassentamentos — dentre as vastas propriedades fundiárias da companhia. A rua, bastante inclinada, dá acesso ao ponto mais alto no bairro, onde em 1985, poucos anos antes desse processo e a menos de um quilômetro das novas casas, foi inaugurada pela mesma empresa uma planta industrial metalúrgica e de produção de ácido sulfúrico (Anglogold Ashanti, s.d.ANGLOGOLD ASHANTI. Mineração de Ouro. Home. https://www.anglogoldashanti.com.br. Acesso em: 23 jan. 2023.
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). Hoje, nesse local estão dispostas barragens de rejeitos de alta periculosidade.

A escolha do terreno para a construção da casa de cada família foi feita individualmente pelos atingidos, dentro dessa área delimitada previamente pela companhia. Tais terrenos têm uma área consideravelmente menor que a área de que cada família dispunha anteriormente. José lamenta a perda não só da casa antiga, “feita para durar”, mas também a perda dos quintais e dos afastamentos generosos entre as casas. Apesar de descrever a situação anterior como um local onde “a vizinhança não era tão vizinha assim”, a circulação entre as casas e o acesso às ruas paralelas era livre e as crianças podiam encontrar seus amigos, mesmo que fosse para brincar na área industrial da mina.

3. “Somos o alvo deles”

Apontando para a parte baixa e a parte alta do bairro, Luiza exclamou: “A gente está no centro deles! Somos o alvo deles. Tínhamos que ser muito bem cuidados por isso!”. Na parte baixa, a mina que operou por mais de 200 anos, e na parte alta, uma planta industrial de beneficiamento do ouro que continua em plena atividade, processando o minério de outras minas na região administradas pela transnacional AngloGold Ashanti. Em 1999, a Mineração Morro Velho S.A. passou a se chamar AngloGold e, em 2004, associou-se com a sul-africana Ashanti. Esse é o momento atual em que se encontra o Mingú — chama a atenção a consolidação de uma lógica regional das operações da mineração do ouro num período relativamente curto de tempo, se comparado com os outros dois momentos apresentados antes.

Figura 4
Desenho esquemático do perfil do Mingú no momento atual, indicando a operação da planta industrial a partir do minério vindo de outras cidades.

Como percebem os próprios moradores, o número de pessoas do bairro que trabalham na mineração reduziu e tem se distribuído entre outras empresas na região. Além disso, percebem um número significativo de aposentados e viúvas, que perderam seus maridos por conta da poeira. É comum que digam, num tom saudosista que hoje tudo está muito mudado, os vizinhos já não se encontram com frequência e dificilmente as pessoas se engajam em empreitadas coletivas. Com o passar dos anos, e com a demanda de novas habitações, às vezes motivada por situações precárias, como o caso de mulheres precisando de abrigo para se protegerem de violência doméstica, a companhia mineradora foi cedendo construções antes dedicadas a equipamentos públicos — como era o caso das lavanderias e dos banheiros. Os imóveis que abrigavam os grupos de compra no bairro também receberam moradores. Aos poucos, os espaços de encontros e cuidados coletivos foram dando lugar a moradias. Hoje, os moradores sentem falta de espaços públicos dedicados ao lazer. Um terreno ocioso da mineradora foi comprado pela prefeitura há mais de 20 anos para abrigar uma quadra de esportes ou um espaço para o lazer e entretenimento, mas nada de fato foi feito e a demanda dos moradores continua em suspenso.

Na fala de Luiza, o uso da palavra “cuidado” chama a atenção. Não só por atribuir uma capacidade humana à empresa, mas por aparentemente demandar políticas e ações sociais de cunho compensatório, remetendo às políticas empregadas pela própria empresa de maneira recorrente durante o século XX. Ao mesmo tempo em que ela reconhece que o bairro ainda enfrenta cotidianamente diversos problemas advindos das atividades da empresa mesmo após o fechamento da mina, o repertório de possibilidades parece ser restrito aos termos já existentes dessa relação. Soma-se a isso a falta de repertório para além dos problemas imediatos do cotidiano, o que entendemos com Mészáros (1993MÉSZÁROS, I. Consciência de classe necessária e consciência de classe contingente [1971]. In: MÉSZÁROS, I. Filosofia, ideologia e ciência social: ensaios de negação e afirmação. São Paulo: Ensaio, 1993, pp. 75-119.) como consciência contingente, mas não a consciência necessária para problematizar a relação com a mineradora e desencadear sua transformação. Os danos e riscos impostos pela empresa ao grupo sócio-espacial não são problematizados de fato. Apesar de elencados por Luiza, são enquadrados numa demanda de “cuidado”, ou seja, de reparação e compensação, reproduzindo o discurso paternalista de responsabilidade social da própria empresa. É frequente em Nova Lima pessoas dizerem que a mineradora é uma “mãe”.

Não se pode contar com o poder público, hoje em dia muito mais preocupado em suprir as demandas dos bairros mais ricos que proliferaram em Nova Lima desde o último quarto do século passado,5 5 As glebas de propriedade da mineradora na porção norte da cidade, na fronteira com Belo Horizonte, foram utilizadas em vários empreendimentos imobiliários de alto luxo, criando uma porção da cidade bastante conhecida pela concentração de pessoas extremamente ricas. Vide Pires (2003). e profundamente pautado pela lógica neoliberal, demandando dos moradores o “empreendimento de si”. Na ausência do poder público, a relação com a esfera privada aparece como possibilidade para garantir o cumprimento de seus direitos e, assim, condições melhores para a vida coletiva. O discurso que a mineradora mobiliza é convidativo. “Boa Vizinhança” é o título que a empresa deu a um jornal que faz a divulgação de suas ações e o lema que desponta na página sobre o “relacionamento com as comunidades” (dentro da seção de sustentabilidade) em seu website é “Estimular o desenvolvimento das pessoas é um compromisso da AngloGold Ashanti”. O processo é descrito de forma vaga: “com diálogo e cooperação é possível ir mais longe e fornecer condições para que as comunidades sejam protagonistas do seu próprio crescimento” (Anglogold Ashanti, s.dANGLOGOLD ASHANTI. Mineração de Ouro. Home. https://www.anglogoldashanti.com.br. Acesso em: 23 jan. 2023.
https://www.anglogoldashanti.com.br...
).

No caso da AngloGold Ashanti, é perceptível como as práticas de responsabilidade social foram estruturadas frequentemente pela própria empresa, às vezes mesmo sem a demanda explícita da legislação ou do poder público. Marina Welker (2009WELKER, M. A. “Corporate Security Begins in the Community”: Mining, the Corporate Social Responsibility Industry, and Environmental Advocacy in Indonesia. Cultural Anthropology, v. 24, n. 1, p. 142-179, 2009.) destaca a forma como as corporações se organizaram para garantir que a regulação dessas intervenções sócio-ambientais ficasse a cargo delas próprias. Com o surgimento da indústria de responsabilidade social, a expectativa das empresas é de que tais ações gerem dividendos, já que passam a ser mais bem vistas pela sociedade e, especialmente pelos consumidores, além de propiciar boas relações governamentais (Welker, 2009WELKER, M. A. “Corporate Security Begins in the Community”: Mining, the Corporate Social Responsibility Industry, and Environmental Advocacy in Indonesia. Cultural Anthropology, v. 24, n. 1, p. 142-179, 2009.). No caso de Nova Lima, a própria prefeitura reconhece o papel da mineradora no provimento de obras de infraestrutura (Prefeitura Municipal de Nova Lima, s.d.PREFEITURA MUNICIPAL DE NOVA LIMA. A história da cidade. https://novalima.mg.gov.br/historia-da-cidade. Acesso em: 19 jul. 2023.
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). A propaganda é central na construção do imaginário da população e está inserida no que Mirta Antonelli (2014ANTONELLI, M. A. Megaminería transnacional y invención del mundo cantera. Nueva Sociedad, n. 252, p. 72-86, ago. 2014.) descreve como as “novas palavras do poder”, usadas pelos partidários de uma suposta “mineração responsável” para legitimar e impor sua ideologia — condição para estender seus domínios, neutralizando possíveis conflitos e promovendo consensos em torno da inevitabilidade da mineração.

A participação do grupo do Mingú nos processos de compensação é feita por meio de instrumentos específicos definidos pela companhia (atividades, reuniões ou audiências públicas), seguindo os interesses da empresa. Contudo, as demandas dos moradores são raramente atendidas. Nesse sentido, a participação é apenas uma forma de chancelar as ações e políticas da empresa. Como argumentam Kapp e Baltazar (2021KAPP, S.; BALTAZAR, A. P. O paradoxo da participação [2012]. In: KAPP, S.; BALTAZAR, A. (eds.). Moradia e outras margens. Volume 1. Belo Horizonte: MOM , 2021. p. 437-458.), tais práticas funcionam na preservação de consensos (que há muito vêm sendo construídos sobre a mineração) e são mobilizadas, muitas vezes, para evitar ganhos de autonomia por parte do grupo, contrariando o ideal de tomada de decisão informada, com consciência histórica. Falta liberdade de escolha, pois as opções são dadas e não há possibilidade de criar tais opções coletivamente e recriá-las ao longo do tempo (Kapp; Baltazar, 2021KAPP, S.; BALTAZAR, A. P. O paradoxo da participação [2012]. In: KAPP, S.; BALTAZAR, A. (eds.). Moradia e outras margens. Volume 1. Belo Horizonte: MOM , 2021. p. 437-458.). As contingências, como a própria dependência da companhia e a urgência para suprir demandas básicas, tornam-se um obstáculo para a tomada da consciência de classe necessária para a transformação social (Mészáros, 1993MÉSZÁROS, I. Consciência de classe necessária e consciência de classe contingente [1971]. In: MÉSZÁROS, I. Filosofia, ideologia e ciência social: ensaios de negação e afirmação. São Paulo: Ensaio, 1993, pp. 75-119.). Não menos relevante e ainda mais concreta, é a maneira como, até hoje, a AngloGold Ashanti se mantém proprietária de extensas áreas no bairro e na região.

Figura 5
Mingú e a mineração vistos de cima.

Coincidem com esse momento vários processos de flexibilização da legislação ambiental relacionados com os desastres em curso nas Bacias dos Rios Doce e Paraopeba, com o rompimento das barragens de mineração de Fundão (2015) e da Mina Córrego do Feijão (2019) — não só os desastres decorrem desses processos, como ocorre uma aceleração do desmonte da legislação nos pós-desastres (Zhouri, 2019ZHOURI, A. Desregulação ambiental e desastres da mineração no Brasil: uma perspectiva da Ecologia Política. In: CASTRO, E. M. R. DE; CARMO, E. DO (eds.). Dossiê desastres e crimes da mineração em Barcarena, Mariana e Brumadinho. Belém: NAEA Editora, 2019. p. 43-52.; Laschefski, 2020 LASCHEFSKI, K. A. Rompimento de barragens em Mariana e Brumadinho (MG): Desastres como meio de acumulação por despossessão. AMBIENTES: Revista de Geografia e Ecologia Política, v. 2, n. 1, p. 98, 22 jun. 2020.). Como questões de fundo, pouco evidentes no debate público sobre o tema, Andréa Zhouri (2019)ZHOURI, A. Desregulação ambiental e desastres da mineração no Brasil: uma perspectiva da Ecologia Política. In: CASTRO, E. M. R. DE; CARMO, E. DO (eds.). Dossiê desastres e crimes da mineração em Barcarena, Mariana e Brumadinho. Belém: NAEA Editora, 2019. p. 43-52. identifica formas de controle das corporações sobre os processos de regulamentação, fiscalização, participação da sociedade e até da própria determinação de quem são os atingidos. A AngloGold tem participação política significativa, principalmente se considerarmos ações como a cessão de imóveis para o poder público e financiamento de programas sócio-culturais, que nada mais são do que renúncia fiscal sob a chancela da “responsabilidade social”. Tal prestígio é extremamente vantajoso para encobrir as estratégias neoextrativistas engendradas pela empresa que contribuem com a produção dos desastres.

A tensão crescente com o risco de rompimento de barragens, após o ocorrido em Mariana e Brumadinho na última década, coloca em questão a previsibilidade dos desastres. Os moradores do Mingú convivem com a proximidade da barragem da AngloGold e problemas que vão desde o risco de rompimento e os testes das sirenes de alerta, até o recorrente afogamento de pessoas e animais no rejeito e a possível contaminação do solo, das águas e das pessoas com arsênico. A situação do bairro demonstra que a ausência do evento crítico (como o rompimento de barragem) não significa que a produção do desastre não se faça presente no cotidiano — ao contrário, o terror causado pelo risco e a ocorrência de problemas corriqueiros já afetam a formação do grupo sócio-espacial de forma dramática.

4. Considerações finais

Procuramos destacar, ao longo do texto, a produção do desastre como um aspecto da continuidade entre o extrativismo e o neoextrativismo. É o que fica evidente no nexo desde o desabamento da mina em 1886 até a insegurança com a barragem hoje em dia. Se sob o extrativismo, a destruição acontecia diretamente no interior do local de extração, sob a lógica neoextrativista, bairros inteiros, cujos moradores nem sequer trabalham na mineração, passam a ser alvo dos danos.

No caso do Mingú, a propriedade da terra parece assumir um papel central na vinculação dos extrativismos com a expropriação, o que é visto a partir da forma como a companhia mineradora a mobiliza no controle da produção do espaço do seu entorno — seja fixando os trabalhadores e os disciplinando para o trabalho no subsolo, seja tentando reparar os danos causados pelo deslizamento de terra. A expropriação é uma constante nas narrativas. Aparece no âmbito material, como ocorre com Sebastião, que acaba perdendo as possibilidades de subsistência na área rural por ser convencido pela mineradora a morar ao lado da mina para garantir a exclusividade de seu trabalho. Nas esferas imateriais da vida coletiva a expropriação aparece com a desagregação do grupo, quando a empresa toma dos moradores espaços que tinha cedido para atividades coletivas.

Mesmo que a produção dos desastres e as formas de expropriação perpassem os períodos e a todo momento se inter-relacionem com a formação do grupo sócio-espacial, impondo determinações, percebe-se que há uma dificuldade de consciência desses processos. Mesmo que Luiza entenda que estar no “centro deles” é determinante para o grupo, mantém a crença de que a companhia é capaz de prover mudanças para melhor, caso pressionada. A partir da navegação sócio-espacial pelas três narrativas, da forma como cada uma lida no seu contexto de instabilidade produzida pela mineração, podemos supor que Luiza tenta articular o que é imediato, um conjunto de contingências impostas pela mineração, com o que entende que é concretamente possível fazer a respeito. A pista que a navegação oferece é de que o conjunto dos processos não é de fato problematizado. Seja pela difusão de ideologias (como a de que o trabalho na mina representa um “avanço” frente ao “atraso” da roça, ou de que as empresas se empenham em práticas de responsabilidade social por benevolência), pela desmobilização de associações coletivas, pela compartimentação e codificação da informação, ou mesmo pela urgência de uma solução, a consciência histórica das contradições nos processos sócio-espaciais e as possibilidades de autonomia tendem a ser obliteradas.

Pensando com Mészáros (1993MÉSZÁROS, I. Consciência de classe necessária e consciência de classe contingente [1971]. In: MÉSZÁROS, I. Filosofia, ideologia e ciência social: ensaios de negação e afirmação. São Paulo: Ensaio, 1993, pp. 75-119.), entendemos a necessidade de um deslocamento da consciência contingente para a consciência necessária para a transformação sócio-espacial, o que no caso da onipresença da mineração passa por descortinar e desnaturalizar as dinâmicas extrativistas a partir da compreensão dos desastres como produção. Mas como pode se dar o deslocamento de uma abordagem crítica abstrata (acadêmica) para a tomada de consciência pelos grupos sócio-espaciais? E como expandir os horizontes instáveis da navegação dos grupos sócio-espaciais historicamente fragilizados?

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  • 1
    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior — Brasil (Capes) — Código de Financiamento 001, contando também com apoio das agências de fomento Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) .
  • 2
    Com base nos dados do Censo brasileiro de 2010 realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). https://censo2010.ibge.gov.br/sinopseporsetores/. Acesso em: 26 out. 2023.
  • 3
    A pesquisa que deu origem a esse artigo foi feita durante o mestrado no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). As entrevistas foram realizadas com moradores do bairro entre 2022 e 2023. Quanto às fontes históricas, diante da dificuldade de consultar o acervo que consideramos mais relevante para o tema (documentos da Saint John d’El Rey Mining Company que se encontram na Benson Latin American Collection, The University of Texas, em Austin), optamos pela consulta a fontes secundárias que analisaram os documentos como Libby (1984)LIBBY, D. C. Trabalho escravo e capital estrangeiro no Brasil: O caso de Morro Velho. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1984. 158 p. e Triner (2004)TRINER, G. D. Property Rights, Kinship Groups, and Business Partnership in Nineteenth and Twentieth Century Brazil: The Case of the St. John d’El Rey Mining Company, 1834-1960. Business and Economic History online, v. 2, 2004., além do acervo digital da Biblioteca Nacional, principalmente a Hemeroteca.
  • 4
    Nome coloquial da silicose, doença pulmonar caracterizada pelo acúmulo de partículas de sílica, que provoca uma reação no pulmão.
  • 5
    As glebas de propriedade da mineradora na porção norte da cidade, na fronteira com Belo Horizonte, foram utilizadas em vários empreendimentos imobiliários de alto luxo, criando uma porção da cidade bastante conhecida pela concentração de pessoas extremamente ricas. Vide Pires (2003)PIRES, C. T. P. Evolução do processo de ocupação urbana do município de Nova Lima: um enfoque sobre a estrutura fundiária e a produção de loteamentos. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2003..

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    15 Maio 2023
  • Aceito
    10 Jul 2023
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