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Finanças, infraestrutura e o espaço nacional: da integração produtiva à desintegração neoextrativista da nação

Resumo

A promoção de recortes espaciais competitivos ligados aos setores primários- exportadores, aqui chamados de neoextrativista, nas últimas cinco décadas tem promovido uma reestruturação do espaço nacional, gerando uma tendência à fragmentação da nação. Neste artigo, contribuímos com uma leitura crítica e atualizada do processo de fragmentação da nação, a partir da compreensão de como o Estado, a infraestrutura, as finanças e o neoextrativismo articulam-se no desenvolvimento capitalista em geral e no Brasil, revelando novas dinâmicas e estruturas de controle do território e de extração de riqueza. Os agentes ligados a estas dinâmicas e estruturas formam uma coalizão desintegradora neoextrativista que atua na manutenção e aprofundamento das atividades primário-exportadoras, reforçando as tendências de fragmentação da nação.

Palavras-chave:
Infraestrutura; Financeirização; Commodities; Desenvolvimento Nacional; Planejamento Regional; Neoextrativismo

Abstract

Over the past five decades, the promotion of competitive spatial fragments linked to the primary-export sectors, herein called neoextractivist segments, has brought about a restructuring of the national space, generating a tendency toward a fragmentation of the national space. In this article, we contribute with a critical, updated reading of this fragmentation process of the national space, from an understanding of how the State, infrastructure, finance, and Neoextractivism have been articulated in the capitalist development both in general and in Brazil, thus revealing new dynamics and structures of territorial control and wealth extraction. The agents linked to these dynamics and structures have formed a neoextractivist coalition of disintegration that acts to operate in maintaining and broadening primary-export activities, thereby reinforcing the nation’s tendency toward fragmentation.

Keywords:
Infrastructure; Financialization; Commodities; National Development; Regional Planning; Neoextractivism

1. Introdução

Sucessivas safras recordes de soja e a expansão da área cultivada (Gráfico 2), a valorização de mais de 200% das ações da mineradora Vale (VALE3)1 1 Cotação disponível em: https://www.b3.com.br/pt_br/produtos-e-servicos/negociacao/renda-variavel/empresas-listadas.htm?codigo=4170. no período entre 2020 e 2021 e os crimes ambientais de Mariana e Brumadinho revelam algumas faces da expansão do extrativismo mineral e agrícola no Brasil, catalisadas pela alta global do preço das commodities (Gráfico 1). Traço marcante das economias latino-americanas na contemporaneidade, nos referimos a este processo como neoextrativismo (Gudynas, 2009GUDYNAS, E. Diez tesis urgentes sobre el nuevo extractivismo: contextos y demandas bajo el progresismo sudamericano actual. In: SCHULDT, J.; ACOSTA, A.; BARANDIARÁN, A.; BEBBINGTON, A.; FOLCHI, M.; CEDLA - Bolivia; ALAYZA, A.; GUDYNAS, E. Extractivismo, Política y Sociedad. Quito, Ecuador: Centro Andino de Acción Popular; Centro Latinoamericano de Ecología Social. p. 187-225. 2009. [Serie Cuadernos de Capacitación].).

O conceito de neoextrativismo (Gudynas, 2009GUDYNAS, E. Diez tesis urgentes sobre el nuevo extractivismo: contextos y demandas bajo el progresismo sudamericano actual. In: SCHULDT, J.; ACOSTA, A.; BARANDIARÁN, A.; BEBBINGTON, A.; FOLCHI, M.; CEDLA - Bolivia; ALAYZA, A.; GUDYNAS, E. Extractivismo, Política y Sociedad. Quito, Ecuador: Centro Andino de Acción Popular; Centro Latinoamericano de Ecología Social. p. 187-225. 2009. [Serie Cuadernos de Capacitación].; Svampa, 2015SVAMPA, M. Commodities Consensus: Neoextractivism and Enclosure of the Commons in Latin America. South Atlantic Quarterly, v. 114, n. 1, p. 65-82, 2015. Doi: 10.1215/00382876-2831290
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) trata da dominância da acumulação baseada na exportação de recursos naturais, não renováveis, através da expansão das atividades sobre territórios inexplorados em grandes projetos primário-exportadores. A combinação entre elementos da economia primário-exportadora colonial e variadas formas de rentismo contemporâneo, com base nas mercadorias do conhecimento como patentes e marcas, na propriedade de terras e de infraestrutura compõem o quadro do neoextrativismo. Ao demandar a ininterrupta apropriação de recursos naturais (Gráfico 2), destruindo o meio ambiente e o modo de vida dos povos originários e tradicionais, o neoextrativismo intensifica conflitos fundiários e a repressão às resistências. Desse modo, o autoritarismo e a espoliação são as engrenagens para acumulação neoextrativista.

Gráfico 1
Variação de preços das commodities (1995-2023).

Gráfico 2
Taxa de crescimento da produção anual de Soja no Brasil, da demanda chinesa e da área plantada.

Neste trabalho, entendemos os processos de consolidação do neoextrativismo e da financeirização como coetâneos e mutuamente constituídos no Brasil. Um processo integrado de ajuste, adaptação e acoplamento da economia nacional à globalização neoliberal, onde sob o atual padrão de acumulação, “financeirizado”, a ação estatal e o poder dos grupos econômicos produzem uma reestruturação da geografia capitalista, intensificando as especializações produtivas (Marini, [1997] 2008MARINI, R. M. Procesos y tendencias de la globalización capitalista. In: MARINI, R. M. América Latina, dependencia, y globalización. Bogotá: CLACSO, Siglo del Hombre Editores. 292 p. [1997] 2008. [Compilador: Carlos Eduardo Martins].).

Pacheco, em sua tese a “Fragmentação da Nação” (1998PACHECO, C. A. Fragmentação da Nação. Campinas, SP: Unicamp/IE, 1998.), explorou novas dimensões da questão regional brasileira, defendendo que a partir da intensificação da globalização, nos anos 1980, novas dinâmicas na espacialidade da economia nacional entraram em curso. A interrupção do processo de desconcentração industrial, calcada na complementaridade produtiva, inaugurou um novo momento de estabelecimento de enclaves competitivos voltados à exportação, promovendo a destruição da solidariedade territorial. Constituindo uma tendência à fragmentação da nação, à “desintegração competitiva” (Araujo, 1997ARAUJO, T. B. Dinâmica Regional Brasileira: rumo à desintegração competitiva? In: OLIVEIRA, M. A. G. de. (org.). Política e Contemporaneidade no Brasil. Recife: Bagaço, 1997, p. 245-298.) do espaço nacional. A fragmentação4 4 É importante destacar que questões relacionadas aos limites e tensões do processo de formação do Estado nacional não são exclusivas do autor. As formulações sobre a condição dependente e subdesenvolvida do Brasil têm como base as reflexões sobre as particularidades e limites da formação do Estado-nação na periferia do sistema do mundo capitalista, inclusive com formulações sobre a fragmentação da nação, mas que não cabem neste artigo. aqui é entendida como a crescente desarticulação dos setores exportadores emergentes em relação às questões nacionais, principalmente sobre a formação do mercado interno e o desenvolvimento de outros setores produtivos complementares, aspectos que dão coesão ao espaço nacional.

Tomando as formulações de Pacheco (1999)PACHECO, C. A. Fragmentação da Nação. Campinas, SP: Unicamp/IE, 1998., sobre a fragmentação da nação, como fio condutor, buscamos atualizá-las a partir dos processos emergentes das relações entre Estado, infraestrutura, finanças e neoextrativismo no atual estágio do desenvolvimento capitalista em geral e, mais especificamente, no Brasil. Assim, desejamos analisar novas dinâmicas e estruturas de controle do território e de extração de riqueza que se estabelecem nestes processos. Nossa hipótese é de que os agentes ligados a estas dinâmicas e estruturas formam uma coalizão desintegradora neoextrativista, que na convergência multiescalar de interesses, atuam para o aprofundamento da “reprimarização” da economia nacional. Neste sentido, nosso artigo visa construir a trajetória de atuação desta coalizão por meio do levantamento de um conjunto de políticas, planos e legislações criados no Brasil desde 1970 até os dias atuais. O olhar a partir da trajetória geográfica e histórica nos permite perceber as transformações da coalizão, procurando caracterizar estes ciclos.

O artigo se divide em duas partes, além desta Introdução e das considerações finais: a primeira, em que propomos uma reflexão teórico-metodológica entre Estado, finanças, infraestrutura e neoextrativismo, enfatizando como estas se articulam e tensionam a unidade dos espaços nacionais; e, na segunda parte, fazemos a atualização do debate sobre fragmentação nacional a partir da periodização das coalizões desintegradoras neoextrativistas.

2. Os nexos entre Estado, finanças, infraestrutura, neoextrativismo e as ameaças à nação

A financeirização, a “neoliberalização” dos Estados, o neoextrativismo e os grandes projetos de infraestrutura são importantes dimensões da contemporaneidade capitalista que muitas vezes são abordados de forma fragmentada. Aqui vamos explorá-los como mutuamente constituídos e unificados na totalidade do desenvolvimento histórico-geográfico do capitalismo. Nosso foco é entender como esses processos articulados causam tensões nas relações que dão coesão ao espaço econômico nacional, tema central deste trabalho.

A financeirização contemporânea tem sua gênese nos anos 1970, com a crise de superacumulação de capital nos países centrais (Lapavitsas, 2005 LAPAVITSAS, C. Financialised capitalism: crisis and financial expropriation. Historical Materialism, v. 17, p. 114-148. 2009. Doi: 10.1163/156920609X436153
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; Paulani, 2013PAULANI, L. Acumulação sistêmica, poupança externa e rentismo: observações sobre o caso brasileiro. Estudos Avançados, São Paulo, v. 27, n. 77, 2013.). Ela pode ser definida como a dominância da lógica financeira sobre a economia, que penetra na vida social (Lapavitsas, 2005 LAPAVITSAS, C. Financialised capitalism: crisis and financial expropriation. Historical Materialism, v. 17, p. 114-148. 2009. Doi: 10.1163/156920609X436153
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) e na produção do espaço (Harvey, 2013HARVEY, D. Os limites do capital. Tradução de Magda Lopes . São Paulo: Boitempo. 2013.). Um capitalismo que tem o rentismo como centro de sua estratégia de extração de riqueza (Paulani, 2013PAULANI, L. Acumulação sistêmica, poupança externa e rentismo: observações sobre o caso brasileiro. Estudos Avançados, São Paulo, v. 27, n. 77, 2013.), ao invés da organização da produção para obtenção dos lucros do trabalho. Assim, a imposição da lógica financeira rentista altera as relações de produção e promove uma reestruturação corporativa.

A crise de sobreacumulação, supracitada, é resultado da exacerbação das contradições do capital sob o regime fordista-keynesiano: no acirramento do conflito capital-trabalho, na queda da taxa de lucro e na limitação à circulação dos capitais. Tal regime, nos países centrais, tinha o planejamento econômico e do espaço urbano e regional, a provisão de infraestrutura econômica e social como fundamentais, para homogeneizar as condições de produção, visando a consolidação do espaço econômico nacional e a atenuação dos conflitos capital-trabalho. A crise desse regime aparece como crise do Estado, assim, a redução deste se impõe como única saída, decretada pelo ideário neoliberal naquele momento, que hoje se complexifica em formas articuladas de gestão público privadas (Brenner, 2004BRENNER, N. New State Spaces: Urban Governance and the Rescaling of Statehood. Oxford University Press, 2004. Doi: 10.1093/acprof:oso/9780199270057.001.0001. [Collection: Oxford Scholarship Online].
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). A “neoliberalização” é siamesa da financeirização ao abrir novas oportunidades de acumulação para os capitais excedentes dos países centrais, sob a forma de empréstimos, de investimentos externos diretos (IED) e de aquisições de estatais, principalmente após os anos 1980. Trata-se de um reescalonamento do Estado, ou seja, não é a sua redução, mas a sustentação mais direta às atividades corporativas, na passagem de um planejamento integral para um de recortes específicos do espaço nacional para promover a conectividade e a competitividade global e inseri-los nas cadeias globais de valor (Brenner, 2004BRENNER, N. New State Spaces: Urban Governance and the Rescaling of Statehood. Oxford University Press, 2004. Doi: 10.1093/acprof:oso/9780199270057.001.0001. [Collection: Oxford Scholarship Online].
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).

As finanças, como sistema nervoso do capitalismo (Harvey, 2013HARVEY, D. Os limites do capital. Tradução de Magda Lopes . São Paulo: Boitempo. 2013.), alocam capital em locais mais atrativos, abertos pela “neoliberalização”, para a exploração do trabalho e da natureza. Sendo, então, a “neoliberalização” financeira, propagada desde os centros hegemônicos pelos órgãos multilaterais como Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional, a catalisadora de uma nova rodada de divisão internacional do trabalho, reforçando as especializações produtivas (Marini, [1997] 2008MARINI, R. M. Procesos y tendencias de la globalización capitalista. In: MARINI, R. M. América Latina, dependencia, y globalización. Bogotá: CLACSO, Siglo del Hombre Editores. 292 p. [1997] 2008. [Compilador: Carlos Eduardo Martins].). Aos países da periferia do sistema mundo capitalista, resta, novamente, a exportação de bens primários, agora no contexto do neoextrativismo, como forma de inserção na economia global. Um novo momento dominado por grandes grupos econômicos, “financeirizados” e extraindo variadas formas de renda, ao longo das cadeias produtivas, através de patentes, de marcas, de produtos financeiros, da gestão da infraestrutura, de ativos imobiliários, das dívidas familiares, entre outros. Um extrativismo ampliado para além dos setores econômicos extrativistas (Mezzadra; Neilson, 2017MEZZADRA, S.; NEILSON, B. On the Mutiple frontiers of extraction: excavating contemporary capitalism. Cultural Studies, v. 31, n. 2-3, p. 185-204. 2017.). Desse modo, a financeirização, através de uma nova arquitetura de exploração, extrai renda localmente e concentra nos centros financeiros globais, reproduzindo a hierarquia global (Marini, [1997] 2008MARINI, R. M. Procesos y tendencias de la globalización capitalista. In: MARINI, R. M. América Latina, dependencia, y globalización. Bogotá: CLACSO, Siglo del Hombre Editores. 292 p. [1997] 2008. [Compilador: Carlos Eduardo Martins].; Paulani, 2021PAULANI, L. Dependency 4.0: Theoretical Considerations and the Brazilian Case. Latin American Perspectives, v. 49, n. 2, p. 24-38. 2021.).

O fluxo de mercadorias, pessoas e capital intensificado na globalização financeira, por meio da reestruturação produtiva, demanda crescente conectividade, ocasionando uma revolução logística (Danyluk, 2018DANYLUK, M. Capital’s logistical fix: Accumulation, globalization, and the survival of capitalism. Environment and Planning D: Society and Space, v. 36, n. 4, p. 630-647, 2018.), com a combinação de avanços nos meios de transporte e nas Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC’s). A logística se materializa em grandes projetos de infraestrutura sob a gestão corporativa neoliberal. Há locais onde a logística coloca-se como poder (Danyluk, 2018DANYLUK, M. Capital’s logistical fix: Accumulation, globalization, and the survival of capitalism. Environment and Planning D: Society and Space, v. 36, n. 4, p. 630-647, 2018.; Cowen, 2014COWEN, D. The Deadly Life of Logistics: Mapping Violence in Global Trade. University of Minnesota Press. International Political Sociology Book Award, International Studies Association. 2014.), com operações de controle e gestão de dados, e do trabalho nas cadeias produtivas, para garantir a previsibilidade demandada pelos imperativos financeiros e suas estratégias de acumulação de capital. Dentro desta perspectiva, a logística cumpre o papel de dilatar o poder do capital de explorar a força de trabalho e de se apropriar de recursos naturais em territórios ao longo das cadeias globais de valor (Danyluk, 2018DANYLUK, M. Capital’s logistical fix: Accumulation, globalization, and the survival of capitalism. Environment and Planning D: Society and Space, v. 36, n. 4, p. 630-647, 2018.), produzindo novos territórios de controle corporativo que ameaçam a soberania nacional (Cowen, 2014COWEN, D. The Deadly Life of Logistics: Mapping Violence in Global Trade. University of Minnesota Press. International Political Sociology Book Award, International Studies Association. 2014.).

A produção do espaço capitalista, além de sustentar a produção e a circulação do valor, expandindo geograficamente as relações capitalistas - como estamos destacando até aqui - é, também, a transformação do espaço em si em mercadoria. Ou seja, uma dupla função do espaço no capitalismo como meio de produção e como segmento capitalista. Seguindo Harvey (2013HARVEY, D. Os limites do capital. Tradução de Magda Lopes . São Paulo: Boitempo. 2013.), destacamos o capital fixo como fulcral desta dupla dimensão do espaço.

De forma sintética, o capital fixo é uma parte da riqueza total, fixada sob uma determinada forma por múltiplos ciclos do capital. Como capital produtivo, ele pode tomar a forma de instrumentos de produção, fixos ou não ao solo, dentro da unidade produtiva, de um capitalista individual ou fora, como condição geral de produção. Na cadeia produtiva de grãos, por exemplo, estes capitais fixos são silos, portos, colheitadeiras, drones etc. A produção do capital fixo de grande escala em determinadas configurações espaciais transforma, produz e hierarquiza territórios e é, também, parte constituinte do próprio desenvolvimento capitalista e de suas contradições.

Harvey (2013HARVEY, D. Os limites do capital. Tradução de Magda Lopes . São Paulo: Boitempo. 2013.), em sua tese dos ajustes espaciais, afirma que no contexto das crises de sobreacumulação de capital ocorre o deslocamento do capital excedente, que, sem espaço de alocação no circuito primário, a indústria, desloca-se para o circuito secundário, que é a produção do espaço. Assim, o capital fixo absorve o capital sobreacumulado nas crises, contornando-a no tempo e no espaço, nos ajustes espaciais, produzindo novas configurações espaciais e integrando o espaço à dinâmica geral do capital. Estes ajustes ocorrem com notável papel do Estado, que decide quais as configurações espaciais serão desenvolvidas e fazendo emergir conflitos entre coalizões em torno de determinada ordenação espacial, uma via de desenvolvimento espacial. A desarticulação de interesses e os conflitos socioespaciais que, em última instância, podem gerar tensões na unidade do espaço econômico nacional e deste modo na espacialidade do Estado (Brenner, 2011BRENNER, N. New State Spaces: Urban Governance and the Rescaling of Statehood. Oxford University Press, 2004. Doi: 10.1093/acprof:oso/9780199270057.001.0001. [Collection: Oxford Scholarship Online].
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). Situação explicitada no contexto do planejamento neoliberal fragmentado e competitivo, onde as formas de provisão da infraestrutura, também, se transformam, com o avanço da privatização da infraestrutura. Sob a lógica financeira, criam-se novos produtos, para fazer a riqueza fixada nestas infraestruturas circular, através de novas formas de propriedade (Andreucci et al, 2017ANDREUCCI, D.; LAMARCA, M. G.; WEDEKIND, J.; SWYNGEDOUW, E. “Value Grabbing”: A Political Ecology of Rent. Capitalism Nature Socialism, v. 28, n. 3, p. 28-47, 2017.). A infraestrutura, então, passa a ser produzida, projetada e concebida como um ativo financeiro (O’neill, 2019O’NEILL, P. The financialization of urban infrastructure: A framework of analysis. Urban Studies, v. 56, n. 7, p. 1.304-1.325. 2019. ), que deve performar de uma determinada forma no tempo e no espaço, para atender as expectativas rentistas, reforçando a lógica de espaços fragmentados.

O desenvolvimento histórico-geográfico do capitalismo, a partir do exposto até aqui, articula a transformação da infraestrutura e o processo de especialização produtiva, sob a lógica financeira e em torno da (re)produção de vias de desenvolvimento espaciais específicas. Ou seja, as finanças demandam espaços controlados e segmentados para a operação de suas estruturas de extração de riqueza. Estas estruturas extrativas financeiras engendram uma coalizão de agentes localizados em múltiplas escalas, do local ao global, seja na produção e circulação do valor, nas cadeias produtivas, como na transformação da própria infraestrutura em ativo, fazendo emergir processos concorrentes e combinados de conectividade e fragmentação dos espaços econômicos nacionais.

3. Periodização da trajetória da desintegração da nação

No escopo deste artigo, não cabe explorar os múltiplos recortes temáticos e temporais possíveis para investigar as relações imbricadas entre Estado, finanças, infraestrutura e neoextrativismo. Com o objetivo de evidenciar a trajetória da coalizão de agentes em torno do neoextrativismo no Brasil, nos concentramos nos pontos específicos dos últimos anos da ditadura, em 1979, até o fim do governo do presidente Jair Bolsonaro, em 2022.

3.1 O ajuste exportador

A tese de Pacheco (1998PACHECO, C. A. Fragmentação da Nação. Campinas, SP: Unicamp/IE, 1998.) dedica-se a compreender a diferenciação econômica do território nacional no pós-1980, lançando a hipótese de que: com a globalização ocorre a alteração da lógica de integração produtiva inter-regional para uma lógica de promoção de setores exportadores competitivos, que produziria a tendência à fragmentação da nação, processo que delineamos a partir da dinâmica geral do capitalismo global, no item anterior. A fragmentação, no entendimento do autor, é a reversão do processo de crescimento complementar entre regiões, com acréscimo de capacidade produtiva que gera a coesão socio-territorial, construindo a unidade nacional. Ou seja, nos anos 1980

[...] já estavam em curso processos cujos determinantes já não se atinham mais à constituição do mercado interno e à montagem de uma estrutura produtiva integrada, marcados por fortes nexos de complementaridade inter-regional (Pacheco, 1998PACHECO, C. A. Fragmentação da Nação. Campinas, SP: Unicamp/IE, 1998., p. 17).

Portanto, para o autor as tensões entre integração e fragmentação caracterizam o desenvolvimento nacional.

No início da industrialização, o espaço nacional era constituído por um “arquipélago” de economias regionais, herança dos enclaves primário-exportadores coloniais, com uma ligação física e econômica precária entre as regiões. Assim, o período de 1930 a 1950 foi de integração mercantil, através da provisão de infraestrutura que ampliasse o comércio inter-regional, dissolvendo o “arquipélago”. Mas tal integração é, na verdade, a formação de um mercado consumidor para a produção industrial paulista, destruindo capitais regionais numa dominação mercantil (Pacheco, 1998PACHECO, C. A. Fragmentação da Nação. Campinas, SP: Unicamp/IE, 1998.).

De 1960 até meados de 1970, inicia-se a integração produtiva. No bojo de políticas de incentivo à desconcentração industrial, de processos de reestruturação produtiva e de ampliação das deseconomias de aglomeração, como congestionamentos, altos custos da terra e dos conflitos capital-trabalho, a indústria passa a sair da região metropolitana paulista em direção ao interior do Estado e para outras regiões do país. É o momento de transferência de capital produtivo, num ciclo de divisão técnica e social do trabalho. Apesar da queda da participação de São Paulo na indústria, é um momento de transformação do poder de polarização de São Paulo em relação à economia nacional. Na nova divisão social do trabalho, São Paulo centraliza as atividades do terciário avançado e do setor financeiro. Uma nova etapa de dominação não mais mercantil, mas efetivamente capitalista, sustentada em relações de produção. Uma desconcentração concentrada (Lencioni, 1991LENCIONI, S. Reestruturação Urbano-Industrial: centralização do capital e desconcentração da metrópole de São Paulo, a indústria têxtil. 1991. Tese (Doutorado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1991. Doi: 10.11606/T.8.1991.tde-05052023-114026.
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), com o centro de decisão e os setores estratégicos em São Paulo e com setores intensivos em mão de obra e na exploração da natureza em outras regiões.

Com o II Plano Nacional de Desenvolvimento: 1975-1979 (II PND), lançado na ditadura durante o governo de Ernesto Geisel e ainda com ênfase na desconcentração industrial e na integração produtiva, inicia-se um novo momento. Focando no desenvolvimento de bens intermediários, o plano atua no fortalecimento de polos de desenvolvimento, na expansão das fronteiras do agronegócio e da mineração, principalmente, na região amazônica, como parte da estratégia de “desconcentração industrial”.

Nos anos 1980, com o aumento da taxa de juros norte-americana, eclode a crise das dívidas dos países latino-americanos. O choque da dívida impõe a coação da austeridade fiscal e o equilíbrio da balança comercial, marcando a inserção passiva do país na financeirização global (Paulani, 2013PAULANI, L. Acumulação sistêmica, poupança externa e rentismo: observações sobre o caso brasileiro. Estudos Avançados, São Paulo, v. 27, n. 77, 2013.). Neste sentido, os setores primário-exportadores passam a ser os mais fomentados para gerar as divisas necessárias para o equilíbrio da balança comercial.

A crise do setor de bens de consumo duráveis com a recessão e o poder histórico das frações de capital nacionais, principalmente, os latifundiários, também, favorece o ajuste exportador (Pacheco, 1999), que catalisa o desenvolvimento dos setores exportadores competitivos em combinação à desaceleração da integração produtiva. Nessa direção, o setor logístico ganha proeminência com as demandas de escoamento da produção e melhoria da conexão junto às cadeias globais de valor. Desse modo, como aponta Paulani (2013PAULANI, L. Acumulação sistêmica, poupança externa e rentismo: observações sobre o caso brasileiro. Estudos Avançados, São Paulo, v. 27, n. 77, 2013.), a financeirização passiva, causada pelo choque monetário, seria o gatilho do ajuste exportador que desencadeia a fragmentação nacional, tratada por Pacheco. Desse modo, entendemos que as proposições do autor se alinham aos nexos que apontamos entre a financeirização, a “neoliberalização”, a especialização produtiva e a infraestrutura. Nexos que se materializam em alianças entre agentes em torno de determinadas vias espaciais de desenvolvimento, neste caso, interessadas no aprofundamento do ajuste exportador, que tensiona a unidade do espaço nacional.

3.2 Fernando Henrique Cardoso (FHC) e os Eixos de Integração: planos de desenvolvimento como planos plurianuais

Do fim do regime militar, no processo de redemocratização, até os anos 1990, tem-se um período conturbado, de sucessivas crises econômicas, que demonstram a incapacidade do setor primário-exportador de se estabelecer como centro dinâmico da economia. Sua baixa capacidade de transbordamento dos ganhos de produtividade, de gerar encadeamentos produtivos, sua alta exposição à volatilidade cambial e a demanda externa, fazem o setor débil na condução do conjunto da economia (Paulani, 2013PAULANI, L. Acumulação sistêmica, poupança externa e rentismo: observações sobre o caso brasileiro. Estudos Avançados, São Paulo, v. 27, n. 77, 2013.). Além disso, Pacheco (1999)PACHECO, C. A. Fragmentação da Nação. Campinas, SP: Unicamp/IE, 1998. aponta um “conflito exportador”, onde os produtores rurais passam a mudar suas culturas para as commodities, deixando de produzir alimentos para o mercado interno, gerando uma inflação de oferta de alimentos e agravando a fome no país. Explicitando como a exacerbação do interesse neoextrativista que não passa pelo nacional, aspecto central da fragmentação da nação.

Figura 1
Corredores logísticos estratégicos de exportação5 5 Apesar de o mapa ser de 2017, trazendo corredores ainda em implantação, grande parte deles são previstos desde 1996 nos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento (ENIDs), à exceção do Eixo Salvador, elaborado no decorrer do governo da presidenta Dilma Rousseff (2010-2016).

Eleito em 1989, o governo Collor [Fernando Collor de Mello - 1990-1992] foi o responsável por iniciar a liberalização econômica e a abertura comercial do país. Mas, é no governo de Fernando Henrique Cardoso [1993-2003] que a implantação da agenda neoliberal toma força. Eleito, em 1993, com o apelo do Plano Real, FHC, com discurso de crise fiscal e de falência do Estado, amplia a abertura econômica, desenvolve um extenso programa de privatizações e executa a reestruturação do Estado e do setor financeiro com objetivo de estimular a escala de atuação do setor na economia brasileira.

Orientado pela busca da estabilização da moeda, com aumento dos juros e a liberalização dos fluxos financeiros, o governo FHC foi um período de inserção ativa e subordinada do país na financeirização mundial (Paulani, 2013PAULANI, L. Acumulação sistêmica, poupança externa e rentismo: observações sobre o caso brasileiro. Estudos Avançados, São Paulo, v. 27, n. 77, 2013.), que acelera a desindustrialização nacional. A reestruturação do setor financeiro, consolidada na nova bolsa de valores, cria produtos financeiros como forma de impulsionar a constituição de um sistema de crédito privado de longo prazo (Royer, 2009ROYER, L. O. Financeirização da política habitacional: limites e perspectivas. 2009. Tese (Doutorado em Habitat) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.), que vá substituir o Estado nessa função. Combinada a um extenso programa de privatização executado com financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), expropria do povo brasileiro as grandes estatais do setor de comunicação, energia, mineração, entre outros setores chaves, estabelecendo o “mercado” como fio condutor para nortear todas as decisões, numa rodada de “neoliberalização” destrutiva do Estado brasileiro (Brandão, 2017BRANDÃO, C. A. Crise e rodadas de neoliberalização: impactos nos espaços metropolitanos e no mundo do trabalho no Brasil. Cadernos Metrópole, v. 19, n. 38, p. 45-69, jan. 2017.).

Como uma espécie de retomada do planejamento nacional, durante o primeiro mandato, propõe-se o plano “Brasil em Ação” (1996-1999), nome dado ao Plano Plurianual (PPA) do período. No mandato seguinte, o plano “Avança Brasil” (2000-2003), também o PPA do período. A novidade nestes planos foi a proposta dos “Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento” (ENIDs), estruturados em recortes específicos do território, como eixos de escoamento da produção primário-exportadora. Apesar destes planos se apresentarem como novidade, por terem o objetivo de dar competitividade aos territórios pela conectividade global (Araujo, 1997ARAUJO, T. B. Dinâmica Regional Brasileira: rumo à desintegração competitiva? In: OLIVEIRA, M. A. G. de. (org.). Política e Contemporaneidade no Brasil. Recife: Bagaço, 1997, p. 245-298.), eles possuem um alinhamento com as propostas do II PND, de expansão das fronteiras e ocupação dos “vazios” da Amazônia. Ou seja, é a “consolidação e ampliação da infraestrutura de transportes [...] visando o aproveitamento de potencialidades regionais, com abertura de novas fronteiras de desenvolvimento” (Brasil, 1996aBRASIL. Ministério do Planejamento e Orçamento. Lei 9.276, de 9 de maio de 1996. Dispõe sobre o Plano Plurianual para o período de 1996-1999 e dá outras providências. Diário Oficial da União , Brasília, DF, seção 1, 10 de maio de 1996. 1996a).

Os planos são estruturados em torno do discurso neoliberal de que o Estado é incapaz de conduzir a gestão de empresas e serviços de forma eficaz e, portanto, deve ceder espaço ao setor privado, por meio das privatizações e da Lei das Concessões (Brasil, 1995BRASIL. Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado. Ministério de Minas e Energia. Lei 9.074 de 07 de julho de 1995. Estabelece normas para outorga e prorrogações das concessões e permissões de serviços públicos e dá outras providências. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 08 de julho de 1995, p. 10125.) (Dutra; Sampaio, 2017DUTRA, J. C.; SAMPAIO, P. R. P. 20 anos de concessões em infra-estrutura no Brasil. FGV. 2017.). A entrada do setor privado na prestação de serviços e na gestão das infraestruturas, reescalona a atuação estatal no setor: da articulação produtiva inter-regional coordenada pelo Estado para políticas focais geridas pelo setor privado em territórios competitivos. Entretanto, veremos ao longo do trabalho que o neoliberalismo realmente existente no contexto brasileiro é mais retórico do que efetivo, onde a privatização de serviços, ao invés de ser a efetiva entrada do ente privado no investimento e na provisão de infraestrutura, se constitui como novas formas de apropriação do fundo público, em novos instrumentos financeiros e novas formas de propriedade (Rufino, 2021RUFINO, B. Privatização e financeirização de infraestruturas no Brasil: agentes e estratégias rentistas no pós-crise mundial de 2008. URBE - Revista Brasileira de Gestão Urbana [online], v. 13. 2021. Doi: 10.1590/2175-3369.013.e20200410.
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). Soma-se a isso, a lei de Responsabilidade Fiscal (Brasil, 2000BRASIL. Lei Complementar 101 de 04 de maio de 2000. Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 05 de maio de 2000.), como mais uma forma de coação neoliberal, criando um constrangimento orçamentário aos entes federativos que, sob a ameaça de crime de responsabilidade, se dispõem de forma competitiva em busca de investimentos (Araujo, 1997ARAUJO, T. B. Dinâmica Regional Brasileira: rumo à desintegração competitiva? In: OLIVEIRA, M. A. G. de. (org.). Política e Contemporaneidade no Brasil. Recife: Bagaço, 1997, p. 245-298.).

Para além das transformações no âmbito da provisão de infraestrutura, o governo FHC aprofundou o ajuste exportador, com a Lei Kandir (Brasil, 1996bBRASIL. Lei Complementar 87 de 13 de setembro de 1996. Dispõe sobre o imposto dos Estados e do Distrito Federal sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, e dá outras providências. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 16 de setembro de 1996. 1996b), que isenta do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) as exportações de produtos primários e semielaborados. Retoma-se, os Planos Safra, de financiamento ao agronegócio, reduzido nos anos 1980. Tem início, neste período, o aumento da demanda por commodities (Gráfico 1 e 2), que, aliado à consolidação de grupos econômicos nos setores exportadores, como as traders globais do agronegócio6 6 Archer Daniels Midland (ADM), Bunge, Cargill e Louis Dreyfus Company (ABCD). (Michelotti; Siqueira, 2019MICHELOTTI, F.; SIQUEIRA, H. Financeirização das commodities agrícolas e economia do agronegócio no Brasil: notas sobre suas implicações para o aumento dos conflitos pela terra. Semestre Economico, v. 22, n. 50, p. 87-106. 2019. Doi: 10.22395/seec.v22n50a5.
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) e a privatização da Companhia Vale do Rio Doce, fazem avançar o neoextrativismo sob novo patamar (Gudynas, 2009GUDYNAS, E. Diez tesis urgentes sobre el nuevo extractivismo: contextos y demandas bajo el progresismo sudamericano actual. In: SCHULDT, J.; ACOSTA, A.; BARANDIARÁN, A.; BEBBINGTON, A.; FOLCHI, M.; CEDLA - Bolivia; ALAYZA, A.; GUDYNAS, E. Extractivismo, Política y Sociedad. Quito, Ecuador: Centro Andino de Acción Popular; Centro Latinoamericano de Ecología Social. p. 187-225. 2009. [Serie Cuadernos de Capacitación].). Em 1995, é oficializada a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), que na atualidade conta com metade dos deputados da Câmara federal, com uma agenda autoritária de supressão das legislações ambientais, da reforma agrária e contra a fiscalização e as sanções sobre o trabalho escravo.

A partir deste conjunto de políticas, que fomentam o setor primário exportador, o governo FHC aprofunda a tendência à fragmentação nacional (Pacheco, 1998PACHECO, C. A. Fragmentação da Nação. Campinas, SP: Unicamp/IE, 1998.). No setor de infraestrutura, o faz transformando-as em mercadorias nas privatizações e nas concessões, e através da mudança no planejamento dos ENIDs, para conectar os espaços regionais competitivos ao mercado global e expandir fronteiras do neoextrativismo. Portanto, apesar de certa continuidade, esse é um novo momento, marcado por uma violenta rodada de “neoliberalização”, que amplia o poder dos grupos econômicos globais de explorar a natureza, por meio de uma nova arquitetura que reúne novos elementos ao ajuste exportador dos anos 1980. Arranjo este que agrega novos instrumentos e agentes financeiros, as multinacionais, os setores extrativistas nacionais, os novos modos de planejamento e as novas formas de gestão corporativa do território e da infraestrutura. Chamaremos este novo arranjo de coalizão desintegradora neoextrativista, no sentido de evidenciar a articulação de novos e velhos interesses em torno da via de desenvolvimento calcada na exportação de commoditties.

Tal coalizão é formada de componentes internos e externos. Internamente são agentes e instituições do Estado e do poder político, frações de capital ligadas às atividades agrícolas e de mineração, latifundiários e outros setores menores das cadeias produtivas e, externamente, são gestores de fundos financeiros, proprietários do dinheiro, agências multilaterais, multinacionais das atividades neoextrativistas e do setor de infraestrutura. Presenciamos a complexificação e o aprofundamento destes vínculos e uma sinergia de interesses.

3.3 Os governos Petistas e o Neoextrativismo

A chegada do Partido dos Trabalhadores (PT) ao governo federal em 2003 - partido politicamente situado no campo progressista -, apontava para rumos distintos da destruição neoliberal executada no governo FHC, que entregou a presidência com grave crise de desemprego, corrosão da renda, fome, juros exorbitantes e enorme endividamento externo. Entretanto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no seu primeiro mandato (2003-2006), manteve a política de estabilização monetária e, com isso, a sustentação do tripé macroeconômico e austeridade fiscal, cumprindo assim as expectativas dos principais agentes econômicos nacionais e internacionais, já anunciadas na “carta aos brasileiros” publicada no período eleitoral.

Os seguintes governos petistas (2003-2016) foram acompanhados pelo boom das commodities (2006-2014) (Gráfico 1), puxado pela demanda chinesa, assim como outros governos progressistas da América Latina. Gudynas (2009GUDYNAS, E. Diez tesis urgentes sobre el nuevo extractivismo: contextos y demandas bajo el progresismo sudamericano actual. In: SCHULDT, J.; ACOSTA, A.; BARANDIARÁN, A.; BEBBINGTON, A.; FOLCHI, M.; CEDLA - Bolivia; ALAYZA, A.; GUDYNAS, E. Extractivismo, Política y Sociedad. Quito, Ecuador: Centro Andino de Acción Popular; Centro Latinoamericano de Ecología Social. p. 187-225. 2009. [Serie Cuadernos de Capacitación].) e Svampa (2015SVAMPA, M. Commodities Consensus: Neoextractivism and Enclosure of the Commons in Latin America. South Atlantic Quarterly, v. 114, n. 1, p. 65-82, 2015. Doi: 10.1215/00382876-2831290
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) destacam o caráter contraditório da relação destes governos com este boom, que serviu para financiar políticas de distribuição de renda e de provisão de serviços como uma nova agenda desenvolvimentista. Apesar de um esforço do governo de fomento à indústria de transformação, por meio de isenções tributárias e fomento à pesquisa e ao desenvolvimento, com o contexto de crise global, pós 2008, os setores primário-exportadores seguiram fortemente fomentados, principalmente na implantação de grandes projetos logístico-extrativos.

A Lei da Parceria Público Privado (PPPs) (Brasil, 2004BRASIL. Lei 11.079, 30 de dezembro de 2004. Institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 31 de dezembro de 2004, p. 6.), marco inaugural das transformações do setor de infraestrutura neste ciclo, cria novas formas de relação entre o público e o privado na provisão e na gestão da infraestrutura (Peci; Sobral, 2007PECI, A.; SOBRAL, F. A. Parcerias Público-Privadas: análise comparativa das experiências britânica e brasileira. Cadernos EBAPE.BR, v. 5, n. 2, p. 01-14. 2007.; DUTRA; Sampaio, 2017DUTRA, J. C.; SAMPAIO, P. R. P. 20 anos de concessões em infra-estrutura no Brasil. FGV. 2017.). Enquanto a concessão comum, regulamentada no governo FHC, prevê formas de concessão em que a própria exploração da infraestrutura remunera o ente privado, nas PPPs o Estado entra com um subsídio para tornar o contrato atrativo, ampliando os setores passíveis de serem concedidos. Entretanto, é só no início do segundo mandato, com o lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) (Brasil, 2007a)BRASIL. Decreto 6.025, 22 de janeiro de 2007. Institui o Programa de Aceleração do Crescimento - PAC, o seu Comitê Gestor, e dá outras providências. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 22 de janeiro de 2007. 2007a, que o setor de infraestrutura se torna a principal agenda do governo, iniciando um ciclo de grandes investimentos (Gráfico 3). O programa foi dividido em três eixos: energia, logística e infraestrutura social e urbana. No bojo da crise global de 2008, o PAC ganha um reforço de recursos e da retórica de política anticíclica (Jardim; Silva, 2015JARDIM, M. C.; SILVA, M. R. Programa de aceleração do crescimento (PAC): neodesenvolvimentismo? São Paulo: Editora Unesp. 199 p. 2015. ; Leitão, 2010LEITÃO, K. O. A dimensão territorial do Programa de Aceleração do Crescimento: um estudo sobre o PAC no Estado do Pará e o lugar que ele reserva à Amazônia no desenvolvimento do país. 2009. Tese (Doutorado em Planejamento Urbano e Regional) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. ), realizando investimentos num momento de recuo do setor privado. O programa inova em seu financiamento ao mobilizar diversas fontes para compor o seu funding, com recursos de fundos fiscais (União), parafiscais (BNDES, FGTS), recursos de estatais, dos bancos oficiais, além de recursos de Estados e municípios em contrapartidas e do setor privado.

Gráfico 3
Variação do número e valores de contratos de PPP’s e concessões de infraestruturas no Brasil

Apesar da Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR) (Brasil, 2007bBRASIL. Decreto 6.047, 22 de fevereiro de 2007. Institui a Política Nacional de Desenvolvimento Regional - PNDR e dá outras providências. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 23 de fevereiro de 2007. 2007b) ter sido lançada no mesmo dia do PAC, os projetos contemplados com recursos pouco se alinharam a este instrumento de planejamento. Calcados numa lógica de execução orçamentária, de geração de emprego e de articulação política (Leitão, 2009LEITÃO, K. O. A dimensão territorial do Programa de Aceleração do Crescimento: um estudo sobre o PAC no Estado do Pará e o lugar que ele reserva à Amazônia no desenvolvimento do país. 2009. Tese (Doutorado em Planejamento Urbano e Regional) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. ), o PAC logística e de energia foi mais uma carteira de projetos do que uma agenda articulada de desenvolvimento regional, presente no PNDR, com potencial de transbordamento dos ganhos econômicos e sociais promovidos pelas intervenções.

Espacialmente, os projetos prioritários de logística e energia do PAC estavam em regiões de atividades neoextrativistas, minerais e agrícolas (Michelotti, Siqueira, 2019MICHELOTTI, F.; SIQUEIRA, H. Financeirização das commodities agrícolas e economia do agronegócio no Brasil: notas sobre suas implicações para o aumento dos conflitos pela terra. Semestre Economico, v. 22, n. 50, p. 87-106. 2019. Doi: 10.22395/seec.v22n50a5.
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), muitos deles projetos que integravam os ENIDs, com grande peso dos corredores da região Norte (Leitão, 2010LEITÃO, K. O. A dimensão territorial do Programa de Aceleração do Crescimento: um estudo sobre o PAC no Estado do Pará e o lugar que ele reserva à Amazônia no desenvolvimento do país. 2009. Tese (Doutorado em Planejamento Urbano e Regional) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. ). Reforçando este estilo de desenvolvimento, com a promoção da inserção global de territórios competitivos por meio da provisão de infraestrutura logística como mecanismos de defesa dos choques da globalização financeira, neste caso, da crise de 2008. São grandes projetos, como: usinas hidroelétricas, novos portos e ferrovias; que tem as grandes empreiteiras nacionais - Camargo Corrêa, Odebrecht, Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão - como agentes centrais, na execução das infraestruturas e, também, na gestão dos serviços atrelados a elas, em concessões e PPP’s (Villa Hervás, 2020VILLA HERVÁS, I. La producción del espacio social en la Amazonía brasileña a través de las represas hidroeléctricas: El caso del conflicto de Belo Monte. Relaciones Internacionales, Madrid, n. 45, p. 185-204. 2020. Doi: 10.15366/relacionesinternacionales2020.45.008
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).

Nesta conjuntura, estes grupos se reestruturaram para a criação de subsidiárias dedicadas a segmentos específicos da provisão de infraestrutura. O Fundo de Investimento do FGTS (FI-FGTS), criado, também, em 2007, mobilizou recursos do FGTS, originalmente vinculado ao financiamento de habitação e saneamento, utilizando-o para investir nos novos braços constituídos por essas empreiteiras, para consolidar um cenário de agentes privados capazes de gerir os novos contratos. Em caráter de exemplo, o FI-FGTS adquiriu, à época, fatias das empresas Odebrecht Transport, da Odebrecht Ambiental, da Rumo Logística, entre outras. Assim, articulou as novas formas de gestão privada nas PPP’s ao fomento ao desenvolvimento corporativo, aprofundando a financeirização do setor (Cardoso et al, 2019CARDOSO, A.; JAENISCH, S. Fundo público e investimentos em infraestrutura no Brasil: Uma análise da participação do FI-FGTS durante os governos Lula e Dilma (2007-2017). In: Seminário Internacional Finanças na Produção Imobiliária e de Infraestruturas: novos processos espoliativos nas cidades latino-americanas, 2019. São Paulo. Caderno de Resumos SEFIIAL. São Paulo: SEFIIAL, 2019.; Rufino, 2021RUFINO, B. Privatização e financeirização de infraestruturas no Brasil: agentes e estratégias rentistas no pós-crise mundial de 2008. URBE - Revista Brasileira de Gestão Urbana [online], v. 13. 2021. Doi: 10.1590/2175-3369.013.e20200410.
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).

Em 2010, o governo Lula, ao final do seu segundo mandato, lança o PAC 2, em meio a preparação da Copa do Mundo de Futebol de 2014 e da Olimpíada de 2016. O novo programa traz alterações de governança e da forma de contratação dos projetos, para dar celeridade aos trâmites. É criado o Regime Diferenciado de Contratação (RDC), que flexibiliza a seleção de projetos em substituição à Lei de Licitações (Brasil, 1993BRASIL. Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 22 de junho de 1993; retificado em 6 de julho de 1994.), visando sua simplificação. Nesta ocasião, também, flexibiliza-se o processo de licenciamento ambiental, alvo de muitas críticas sobre os processos de participação social nos projetos e nas análises de impacto ambiental e social.

Em 2011, assumiu a presidente Dilma Rousseff, abrindo, também, um novo momento de reestruturação do setor de infraestrutura, mantendo sua centralidade na agenda do governo. Com objetivo de ampliar as fontes de recursos, o governo cria as debêntures incentivadas (Brasil, 2011BRASIL. Lei 12.431, 24 de junho de 2011. Dispõe sobre a incidência do imposto sobre a renda nas operações que especifica; altera as Leis nº 11.478, de 29 de maio de 2007, 6.404, de 15 de dezembro de 1976, 9.430, de 27 de dezembro de 1996, 12.350, de 20 de dezembro de 2010, 11.196, de 21 de novembro de 2005, 8.248, de 23 de outubro de 1991, 9.648, de 27 de maio de 1998, 11.943, de 28 de maio de 2009, 9.808, de 20 de julho de 1999, 10.260, de 12 de julho de 2001, 11.096, de 13 de janeiro de 2005, 11.180, de 23 de setembro de 2005, 11.128, de 28 de junho de 2005, 11.909, de 4 de março de 2009, 11.371, de 28 de novembro de 2006, 12.249, de 11 de junho de 2010, 10.150, de 21 de dezembro de 2000, 10.312, de 27 de novembro de 2001, e 12.058, de 13 de outubro de 2009, e o Decreto-Lei nº 288, de 28 de fevereiro de 1967; institui o Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento de Usinas Nucleares (Renuclear); dispõe sobre medidas tributárias relacionadas ao Plano Nacional de Banda Larga; altera a legislação relativa à isenção do Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM); dispõe sobre a extinção do Fundo Nacional de Desenvolvimento; e dá outras providências. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 27 de junho de 2011. ), que são títulos de renda fixa isentos de imposto e emitidos para captar recursos destinados a projetos de infraestrutura considerados prioritários. No argumento da ortodoxia econômica, a criação de produtos financeiros lastreados em infraestrutura visa consolidar um mercado privado de crédito de longo prazo, para tornar o “mercado” protagonista, para a alocação ótima de recursos, sem a interferência deformadora do Estado. Entretanto, Stroher e outros (2022STROHER, L.; ALTAVINI, M.; YASSU, A.; KLINK, J.; CUNHA, L.F. Infraestruturas de papel: novos instrumentos de financeirização do espaço. Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. v.26, n. 2. 2022. Doi: 10.1344/sn2022.26.35245.
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) apontaram, a partir da análise do quadro geral de debêntures emitidas até 2020, a manutenção do BNDES como agente central na aquisição destes títulos, ou seja, à revelia do discurso, o Estado se mantém como principal financiador e maior tomador de risco.

Em 2011, o governo criou a Empresa de Planejamento e Logística (EPL), vinculada ao Ministério de Infraestrutura, com a função de elaborar estudos e projetos de infraestrutura logística. A EPL representa uma nova forma de pensar a infraestrutura com foco na modelagem para concessão, revelando uma maior submissão à lógica financeira na elaboração dos projetos.

Entre outros fomentos às atividades extrativas, os governos petistas ampliaram o crédito rural nos Planos Safra, mesmo no contexto de austeridade de 2014-2016. Aprovaram o novo Código Florestal em 2012, alvo de profundas críticas de ambientalistas por dar anistia ambiental e ampliar as possibilidades de desmatamento “legal”. De outro lado, Michelotti e Siqueira (2019MICHELOTTI, F.; SIQUEIRA, H. Financeirização das commodities agrícolas e economia do agronegócio no Brasil: notas sobre suas implicações para o aumento dos conflitos pela terra. Semestre Economico, v. 22, n. 50, p. 87-106. 2019. Doi: 10.22395/seec.v22n50a5.
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) destacam que com base nos contratos do período de 2007-2014, o BNDES direcionou cerca de 33,7% dos recursos para empresas ligadas ao agronegócio e à mineração.

Reeleita, Dilma assumiu em 2014 durante uma grave crise política em função da nascente operação Lava-Jato e protestos relacionados à Copa do Mundo. Em meio a este contexto, o governo reduz os investimentos e dá uma guinada para a austeridade neoliberal comandada pelo então ministro da Fazenda Joaquim Levy, o que acaba por disseminar uma crise econômica. Em 2016 se instaura um processo de impeachment que culmina na destituição de Dilma Roussef8 8 A trajetória da crise política e econômica que levaram a retirada de Dilma Roussef do poder é um processo complexo e foge aos objetivos deste trabalho para saber mais ver: BOITO JR., 2018; SINGER, 2018; PINTO et al, 2019. BOITO JR., A. Reforma e crise política no Brasil: os conflitos de classe nos governos do PT. Campinas\São Paulo, Unicamp\Unesp. ISBN: 9788526814561. 336 p. 2018. SINGER, André. O lulismo em crise: um quebra-cabeça do governo Dilma (2011-2016). São Paulo: Companhia das Letras, 2018. 392 p. PINTO, E. C. et al. A guerra de todos contra todos e a Lava Jato: a crise brasileira e a vitória do capitão Jair Bolsonaro. Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política, n. 54, p. 108-147, set.-dez. 2019. do cargo.

Em resumo, os governos do PT foram marcados por uma continuidade contraditória do fortalecimento da coalizão desintegradora neoextrativista. Paralelamente à implantação de políticas de redução das desigualdades, o governo promoveu a: I) ampliação das formas de gestão privada da infraestrutura; II) forte ciclo de investimentos na implantação de projetos de infraestrutura que impulsionaram o neoextrativismo no PAC I e II (Gráfico 3); III) e a intensificação da financeirização da infraestrutura e da economia em geral.

3.4 Golpe e a barbárie Bolsonarista: o ciclo de destruição total

Em 2016, o golpe jurídico-parlamentar empossa o vice-presidente Michel Temer, que passa a instalar uma nova rodada de “neoliberalização” (Brandão, 2017BRANDÃO, C. A. Crise e rodadas de neoliberalização: impactos nos espaços metropolitanos e no mundo do trabalho no Brasil. Cadernos Metrópole, v. 19, n. 38, p. 45-69, jan. 2017.), com a reforma trabalhista que amplia as formas de flexibilização e precarização do trabalho e a instauração do “teto de gastos” (EC 95/2016) (Brasil, 2016BRASIL. Emenda Constitucional n. 95, 15 de dezembro de 2016. Altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o novo Regime Fiscal, e dá outras providências. Diário Oficial da União , Brasília DF, 16 de dezembro de 2016, p. 2.), como política fiscal sufocante do investimento público. Além disso, amplia a participação privada no setor de infraestrutura com a criação do Programa de Parcerias de Investimento (PPI) em 2016, com o Fundo de Apoio à Estruturação de Projetos de Concessão (Fepcaixa) pela Lei 13.529/2017 (Brasil, 2017BRASIL. Lei nº 13.529, de 4 de dezembro de 2017. Dispõe sobre a participação da União em fundo de apoio à estruturação e ao desenvolvimento de projetos de concessões e parcerias público-privadas; altera a Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004, que institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada na administração pública, a Lei nº 11.578, de 26 de novembro de 2007, que dispõe sobre a transferência obrigatória de recursos financeiros para a execução pelos Estados, Distrito Federal e Municípios de ações do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), e a Lei nº 12.712, de 30 de agosto de 2012, que autoriza o Poder Executivo a criar a Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias S.A. (ABGF). Diário Oficial da União , Brasília DF, 05 de dezembro de 2017, p. 1.), que, também, reduz de R$ 20 milhões para R$ 10 milhões o valor mínimo de celebração de contratos de PPP’s, ampliando os setores passíveis de serem concedidos e os municípios que passam a acessar tal instrumento, refletindo na explosão de contratos de PPP após 2018 (Gráfico 3).

Em 2017, é publicado o “Arco Norte: um desafio logístico”, uma publicação produzida pelo Centro de Estudos e Debates Estratégicos (Cedes) da Câmara dos Deputados, com análises sobre os obstáculos a serem vencidos para viabilizar os investimentos em infraestrutura logística para o escoamento da produção de commodities no chamado Arco Norte, que engloba todos os corredores de exportação da região Norte e Nordeste (Figura 1) tais como o avanço do RDC e a flexibilização dos licenciamentos ambientais. O documento é uma clara agenda da coalizão desintegradora neoextrativista, articulando interesses territoriais e regulatórios do agronegócio, da mineração e da privatização da infraestrutura.

Em 2018, ao final do governo Temer, foi aprovada, no BNDES, a substituição da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP)9 9 Disponível em: https://encurtador.com.br/gvCK2. , subsidiada, pela TLP (Taxa de Longo Prazo), que acompanha a Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), com o mesmo argumento de criar um mercado privado de crédito de longo prazo, retirando o BNDES, que atrapalha tal tarefa. O que é falacioso na realidade de um país com taxas de juros exorbitantes, que inviabilizam o crédito ao setor produtivo e à provisão de infraestrutura, travando-os. Deixando de praticar a TJLP, o banco reduz seu papel de financiador e amplia seu papel como estruturador de projetos de concessão e privatização, fazendo modelagens financeiras e concedendo crédito para a aquisição do patrimônio público, reforçando o processo de financeirização da infraestrutura.

No setor de infraestrutura, foi lançado em 2018 o Plano Nacional de Logística 2025 (PNL), elaborado pela Empresa de Planejamento e Logística (EPL). O PNL 2025 é um plano nacional de infraestrutura multimodal, articulando os planos ferroviário, rodoviário, aeroviário e portuário.

Em 2018, Jair Bolsonaro é eleito com discurso autoritário, com amplo apoio do setor financeiro, dos grandes veículos de imprensa e dos setores neoextrativistas. Além, é claro, de toda ordem de criminosos vinculados ao neoextrativismo, como grileiros, garimpeiros e madeireiros. Logo ao início do governo, o representante direto do setor financeiro, ministro da Fazenda Paulo Guedes, implantou um amplo programa de privatização, que avança, principalmente, sobre os ativos da Petrobras e da Eletrobrás.

O governo Bolsonaro ilustra bem o tensionamento apontado por Tavares (1999TAVARES, M. C. Império, Território e Dinheiro. In: FIORI, J. L. (org.). Estados e Moedas. Editora Vozes: Rio de Janeiro, 1999. p. 449-489) entre o regime político e a acumulação centrada na propriedade fundiária no Brasil. Para a autora, nos momentos de bloqueio à livre apropriação de terras como meio de acumulação, ou seja, no bloqueio das fugas para frente da economia brasileira, o regime político tende ao autoritarismo. O autoritarismo no governo Bolsonaro possui, ao menos, dois eixos articulados: o fomento ao avanço da fronteira agrícola pela apropriação de novas terras e a promoção do armamento civil.

Bolsonaro, além fazer o discurso de defesa da destruição ambiental em prol da atividade econômica, incentivou a expansão da fronteira agrícola, destruindo os mecanismos de proteção ambiental e social, suprimindo a fiscalização,10 10 Bolsonaro neutraliza o papel do Ibama na aplicação de multas ambientais. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/04/11/politica/1555009346_229285.html; Atos do governo Bolsonaro deve anular até R$16 bilhões em multas ambientais. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/meio-ambiente/ultimas-noticias/redacao/2022/09/20/ibama-multa-ambiental-eduardo-bim-governo-bolsonaro-notificacao-por-edital.htm. através do aparelhamento de órgãos como Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e, assim, fomentando a apropriação privada de terras, com desmatamentos e grilagens.11 11 Bolsonaro tentou aprovar, sem sucesso, uma nova lei de regularização fundiária em áreas da União através de autodeclaração, projeto que foi criticado por consolidar a grilagem, principalmente na Amazônia Legal. Disponível em: https://www.andes.org.br/conteudos/noticia/camara-aprova-pL-da-grilagem-e-texto-vai-ao-senado1. Combinado ao incentivo institucional, por meio da retirada da fiscalização, Bolsonaro insufla o conflito fundiário por meio da promoção do armamento civil, ao criar brechas facilitando o processo de licenciamento de armas para Caçador, Atirador desportivo e Colecionador (CACs). Como resultado, o número portes de armas cresce 473,6%, de 2019 a 2022, segundo dados do Anuário de Segurança Pública (Fobrasep, 2022FOBRASEP. FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022. Ano 16. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/anuario-brasileiro-seguranca-publica/. 2022
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), que, também, se desdobrou na explosão de clubes de tiro, com grande relevância para áreas de conflitos, com um discurso de defesa da propriedade, o que termina por fomentar a formação de agromilícias.12 12 Clubes de tiro cercam indígenas e municiam agromilícias na Amazônia. Disponível em: https://www.intercept.com.br/2022/11/16/clubes-de-tiro-cercam-indigenas-e-municiam-agromilicias-na-amazonia/; Governo Bolsonaro liberou em média 619 novas armas por dia para CACs; 47% dos registros foram em 2022. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2023/01/19/governo-bolsonaro-liberou-em-media-619-novas-armas-por-dia-para-cacs-47percent-dos-registros-foram-em-2022.ghtml.

Para além destes eixos, proferiu, diariamente, discursos de rompimento da ordem democrática e de destruição das instituições de Estado e de seus adversários políticos. Bolsonaro, como representante do neoextrativismo, impôs sua agenda ao resto do país, refletida, também, na ampliação da bancada legislativa do “Boi, Bala e Bíblia”. Por este caminho, Bolsonaro parece ter aberto novas possibilidades de fuga para frente da economia brasileira, “passando a boiada”13 13 Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/05/22/ministro-do-meio-ambiente-defende-passar-a-boiada-e-mudar-regramento-e-simplificar-normas.ghtml do neoextrativismo, na continuidade da acumulação centrada na terra através dos dois eixos supracitados, principal atividade das frações de capital nacionais, sócias menores na coalizão desintegradora neoextrativista.

Sob o comando do então ministro da Infraestrutura Tarcísio de Freitas, é lançado em 2022 o PNL 2035 (EPL, 2021aEPL. EMPRESA DE PLANEJAMENTO E LOGÍSTICA E MINISTÉRIO DE INFRAESTRUTURA. Relatório Executivo PNL 2025. 2021a. Disponível em: https://portal.epl.gov.br/plano-nacional-de-logistica-pnl. Acessado em: mar. 2022.
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), como revisão prevista do PNL 2025 (EPL, 2018EPL. EMPRESA DE PLANEJAMENTO E LOGÍSTICA E MINISTÉRIO DE INFRAESTRUTURA. Relatório Executivo PNL 2035. 2021b. Disponível em: https://portal.epl.gov.br/plano-nacional-de-logistica-2035. Acessado em: fev. 2021.
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). Ambos os planos trazem pontos positivos de avanços institucionais, como maior interlocução entre as pastas para a gestão e consecução dos objetivos, mas ao se tornar o único planejamento territorial em escala nacional, com foco na movimentação de cargas, tendo como foco de análise gargalos existentes e pesquisas origem-destino, ele tende a reforçar as tendências do desenvolvimento desigual ao invés de atenuá-las. À revelia da diversidade de cenários apresentada no PNL 2035, podemos verificar essa tendência nas listas de projetos prioritários de cada cenário, dominadas por projetos vinculados aos enclaves extrativistas. O viés técnico assentado em modelagens matemáticas, presente no plano, tendem a ocultar essas dimensões.

Apesar da diminuição brutal de recursos investidos no setor, desde o Governo Temer, Tarcísio de Freitas avança com alguns projetos,14 14 Como último capítulo do governo Bolsonaro no setor de infraestrutura, foi criada em outubro de 2022 a Infra S.A., a partir da fusão das empresas públicas de engenharia Valec, especializada no transporte ferroviário, e da EPL. sendo as principais a concessão de aeroportos regionais de porte médio e uma contrapartida da prorrogação antecipada do contrato de concessão da Estrada de Ferro Vitória a Minas que viabilizou a construção do trecho 1 da Ferrovia de Integração do Centro Oeste,15 15 Disponível em: https://www.gov.br/antt/pt-br/assuntos/ultimas-noticias/primeira-remessa-de-trilhos-chega-na-ferrovia-de-integracao-centro-oeste-fico. e a licitação de um trecho da ferrovia Norte-Sul. Além destes, o governo Bolsonaro deu sequência à transposição do São Francisco, o asfaltamento da BR-163, todas obras e projetos de governos petistas. A Ferrogrão (eixo Tapajós, Figura 1), que era um dos projetos de maior interesse do ministério, não saiu do papel.

Em 2021, por meio da Lei Complementar nº 179 de 24 de fevereiro de 2021 (Brasil, 2021BRASIL. Lei Complementar nº 179 de 24/02/2021. Presidência da República, Secretaria-Geral, Subchefia para Assuntos Jurídicos. Define os objetivos do Banco Central do Brasil e dispõe sobre sua autonomia e sobre a nomeação e a exoneração de seu Presidente e de seus Diretores; e altera artigo da Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964. Diário Oficial da União , Brasília DF, nº 37, de 25 de fevereiro de 2021.), institui-se a “autonomia” do Banco Central, que retira da prerrogativa do presidente eleito o direito de definir a política monetária, deslocando o poder de decisão sobre tal política para um conselho não eleito, que conduz tal política visando a manutenção de mecanismos de concentração de riqueza pela punção do fundo público, agravando a dívida pelos altos juros ao mesmo tempo em que exige mecanismos de garantia de superávits para pagamento das mesmas, principalmente, pela austeridade fiscal, através do bloqueio de outras vias de gasto público e de gestão da política monetária, tornando o governo refém da fração financeiro-rentista do capital.

Em suma, o período que se iniciou no golpe de 2016 e foi até o fim do governo Bolsonaro é patente: I) pelo seu caráter autoritário e antidemocrático, que revela um novo patamar do poder da coalizão desintegradora neoextrativista; II) pela supressão da fiscalização ambiental e pela flexibilização de leis ambientais, trabalhistas e de terras; III) pelo novo arranjo da provisão de infraestrutura, com novos instrumentos e com a volta da elaboração de um plano nacional, os PNL; IV) pela consolidação da hegemonia financeira do Banco Central “autônomo”.

4. Considerações finais

A partir da ideia de uma coalizão desintegradora neoextrativista que, a partir dos anos 1990, aglutina os interesses de frações nacionais do neoextrativismo, de grupos econômicos globais do setor, agentes financeiros e agentes privados e públicos ligados a infraestrutura, analisamos a trajetória das transformações da economia nacional das últimas cinco décadas, sintetizada no Quadro 1. Em nosso entendimento, a análise da trajetória das mudanças e da consolidação desta coalizão, a complexificação e o aprofundamento dos vínculos e da sinergia de interesses dos componentes internos e externos da coalizão e de como esta agiu para o aprofundamento do caráter primário exportador da economia nacional, revelou a combinação de velhas e novas dimensões do processo de fragmentação nacional.

Quadro 1
Síntese das transformações da coalizão desintegradora neoextrativista

Percebemos na trajetória analisada a continuidade da fragmentação na forma elaborada por Pacheco (1998PACHECO, C. A. Fragmentação da Nação. Campinas, SP: Unicamp/IE, 1998.), relacionada as políticas macroeconômicas de austeridade, de inserção competitiva global de territórios e a abertura de fronteiras da exploração pela ocupação de “vazios”, principalmente na Região Norte, pelo II PND, de 1979, até o PNL 2035, de 2022. Ou seja, a distribuição da infraestrutura, combinada a concessão de crédito e outras políticas setoriais no período analisado reforçou as vias espaciais de desenvolvimento neoextrativistas. Entretanto, as novas dimensões da fragmentação da nação, que gostaríamos de destacar, estão relacionadas ao imbricamento entre Estado, finanças e infraestrutura. Apesar da continuidade no padrão de distribuição, a infraestrutura, no contexto da “neoliberalização” financeira, passa a ser concebida e projetada em formas fragmentadas de planejamento em espaços competitivos, para concessão e para PPP’s em grandes projetos e com a centralidade da modelagem financeira e de project finance. Uma nova arquitetura institucional com a EPL no planejamento e o BNDES no suporte a modelagem, o Fepcaixa conta com recursos para subsidiar os estudos para entes federativos, que resulta em novas formas de planejamento calcadas na lógica financeira.

A revelia do discurso neoliberal, a entrada do setor privado se apoia menos no financiamento de novas infraestruturas e mais em novas formas de apropriação do fundo público (Rufino, 2021RUFINO, B. Privatização e financeirização de infraestruturas no Brasil: agentes e estratégias rentistas no pós-crise mundial de 2008. URBE - Revista Brasileira de Gestão Urbana [online], v. 13. 2021. Doi: 10.1590/2175-3369.013.e20200410.
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), seja na disseminação de fundos garantidores, nos subsídios nas PPP ou em recursos do FI-FGTS para ampliação do capital de corporações do setor. Tudo isso passa pela criação de novas formas de propriedades nas concessões, PPP, debêntures incentivadas etc. Portanto, o avanço da “neoliberalização” financeira, tanto no nível macroeconômico, nas políticas de abertura econômica e de austeridade fiscal, como no microeconômico, na privatização, na intensa centralização de capitais e nas novas formas de planejamento, aprofundam as especializações produtivas. A multiplicação de formas de propriedades ao longo das cadeias produtivas - seja nas multinacionais do setor, através de marcas e patentes, seja na propriedade de infraestruturas -, constituem estruturas para que a riqueza seja extraída localmente, sob a forma de renda, e distribuídas nos centros financeiros, rompendo a possibilidade de absorção local do excedente, reforçando um extrativismo corporativo via infraestrutura e produtos financeiros.

Intensivos em capital e organizados sob novas formas de propriedades, no mercado financeiro, os grandes projetos neoextrativistas, devem operar sob determinada estratégia, no tempo e no espaço, tanto para garantir a continuidade dos fluxos, como para garantir os ganhos projetados nos contratos de concessões de infraestrutura. Assim, com a multiplicação de propriedades, controladas pela coalizão desintegradora neoextrativista, emerge a logística como duplo poder do capital, como controle sobre as cadeias produtivas e sobre as infraestruturas em si (Danyluk, 2018DANYLUK, M. Capital’s logistical fix: Accumulation, globalization, and the survival of capitalism. Environment and Planning D: Society and Space, v. 36, n. 4, p. 630-647, 2018.; Cowen, 2014COWEN, D. The Deadly Life of Logistics: Mapping Violence in Global Trade. University of Minnesota Press. International Political Sociology Book Award, International Studies Association. 2014.), um poder sobre o território, a natureza e o trabalho, neste caso, para se apropriar livremente de novas terras em busca da criação de monopólios territoriais, para ampliação das possibilidades de extração de rendas.

A coalizão neoextrativista, em última instância, pleiteia a liberdade e a autonomia do complexo produtivo e do próprio território, contra qualquer regulação e contra os interesses do restante da nação, reforçando seu caráter antidemocrático e autoritário. A liberdade e a autonomia deste complexo produtivo, não permite qualquer tipo de regulação estatal sobre o meio ambiente, o trabalho e a terra. A coalizão, agora, ancorada numa aliança de interesses financeiros e extrativos multiescalares traz novas dimensões à fragmentação da nação.

Portanto, destacamos como novidade, no processo de desintegração, a infraestrutura como condição geral de produção na sua distribuição espacial desigual, incrementando o capital fixo dos enclaves neoextrativistas, e como produto, através do avanço da financeirização do setor que se sustenta nos ganhos do neoextrativismo, gerando uma confluência de interesses que buscamos sintetizar na ideia de coalizão desintegradora neoextrativista.

Neste sentido, quisemos enfatizar que o neoextrativismo, como via de desenvolvimento sustentada na exploração de recursos naturais com pouco ou nenhum processo de transformação que gere encadeamentos e integração produtiva, é incapaz de dar dinamismo à economia, frágil e exposta ao sabor da ciranda financeira, sequestra o futuro nacional até onde o ciclo de demanda for ou até esgotar as possibilidades de crescimento por esta via, neste caso o limite ambiental e da vida. Nesta perspectiva, “constitui mais um capítulo da mesma história de subordinação e heteronomia” (Paulani, 2013PAULANI, L. Acumulação sistêmica, poupança externa e rentismo: observações sobre o caso brasileiro. Estudos Avançados, São Paulo, v. 27, n. 77, 2013., p. 255).

No avanço da fragmentação nacional a quem vai interessar a redução das desigualdades regionais e urbanas? Como ficará a coalizão desintegradora neoextrativista neste novo governo Lula? É passível de desarticulação?

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    15 Maio 2023
  • Aceito
    23 Ago 2023
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