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Entre Escola e Universidade: dinossauros e caderninhos por uma dramaturgia encarnada

Entre l'École et à l'Université: dinosaures et petits cahiers par un dramaturgie incarné

Resumo:

Este texto, escrito a seis mãos, insiste na não-dicotomia entre corpo e mente, ação e pensamento, objetividade e subjetividade, de modo a alcançar as férteis relações adulto-criança no âmbito da ficcionalidade. Defende o exercício da docência do teatro tanto na universidade quanto na escola, na chave de uma dramaturgia encarnada: modo de escrita e de uso do texto dramatúrgico no qual a corporalidade é central. Apresentando mais perguntas do que respostas, busca por um trabalho dramatúrgico que narra, dialoga, propõe performatividade e mudança nos mundos de vida dos discentes das Licenciaturas em Teatro, bem como os mundos de vida de seus futuros alunos, crianças e jovens brasileiros.

Palavras-chave:
Dramaturgias do Corpo; Culturas da Infância; Criação; Pedagogias do Teatro

Résumé:

Cet article, écrit à six mains, insiste sur la non-dichotomie entre le corps et l'esprit, l'action et la pensée, l'objectivité et la subjectivité, afin d'arriver aux fécondes relations entre l'adulte et l'enfant au sein de la fictionalité. Défend la pratique de l'enseignement du théâtre à l'université et à l'école, dans le cadre d'une dramaturgie incarnée: façon d'écriture et d'usage du texte dramaturgique dans lequel la corporéité est central. Présentant plus de questions que de réponses, on cherche un travail dramaturgique que raconte, converse, et propose performativité et changement dans les mondes de vie des étudiants du premier cycle de Théâtre, ainsi que les mondes de la vie de ses futurs étudiants, les enfants et les jeunes Brésiliens.

Mots-clés:
Dramaturgie du Corps; Cultures de l'Enfance; Création; Pédagogies du Théâtre

Abstract:

This six-hand written paper insists on the non-dichotomy between body and mind, action and thought, objectivity and subjectivity, in order to reach the fertile adult-child relationships within fictionality. It supports the practice of theater teaching both at the university and at school, in the key of an embodied dramaturgy: a writing mode and usage of the dramaturgical text in which corporeality is central. Presenting more questions than answering them, it searches for a dramaturgical work that narrates, dialogues, and proposes performativity and changes in the worlds-of-life of teachers in Undergraduate Theater Teachers Education as well as in the worlds-of-life of their prospective students, Brazilian children and teenagers.

Keywords:
Dramaturgies of the Body; Childhood Culture; Creation; Pedagogies of Theatre

Apresentando: seis mãos, corpos diversos e algumas dramaturgias

flor

depois de sessenta anos, minha mãe voltou para budapeste com as três filhas. estávamos passeando por uma avenida importante, quando ela parou, arrancou uma flor do canteiro, tirou a haste e soprou: a flor fez um barulho, como o de um apito, era uma brincadeira que ela fazia quando era pequena. e ficamos nós três, arregaladas, olhando minha mãe ser pequena outra vez1 1 Manteve-se o uso de minúsculas conforme original.

(Noemi Jaffe, quando nada está acontecendo, 2011JAFFE, Noemi. quando nada está acontecendo. São Paulo: Martins Fontes - Selo Martins, 2011., p. 67).

Somos três professoras-pesquisadoras brasileiras, somos três corpos atravessados por tantos outros: três corpos constituídos pelos discursos e práticas ligados ao teatro e à educação, aos sujeitos das pedagogias cênicas, foco de nossos trabalhos docentes investigativos. Somos, portanto, seis mãos que escrevem, constituímo-nos e aprendemos através de vários corpos e pretendemos algumas dramaturgias dos, nos e com os corpos em jogo; dramaturgias encarnadas, portanto. Habitamos os mundos de vida da universidade e da escola: nossos espaços e lugares de investigação.

Este artigo inicia antes mesmo do chamamento da Revista Brasileira de Estudos da Presença: tornamo-nos uma tríade de parceiras acadêmicas, de trocas de pensares e fazeres, junto ao projeto Pequenas Antropologias2 2 As três autoras atuam como pesquisadoras neste projeto, que foi contemplado com o Edital Universal CNPq-14/2014 e é coordenado pelo antropólogo Guilherme José da Silva e Sá, professor do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília. , em vigor desde 2014, no qual nos propomos problematizar as infâncias articuladas às artes e à literatura a partir de lentes antropológicas e teatrais. Contudo, aquém e além da formalização da parceria investigativa através de um projeto de pesquisa, os encontros laborais, acadêmicos e afetivos entre nós acontecem há mais de uma década, através de linhas de intersecção entre nossos trabalhos versando sobre pedagogia das artes cênicas, infâncias, jogo, brinquedo, culturas tradicionais, contação de histórias, artefatos culturais, formação de professores, entre outros temas que nos são caros.

Estabelecida a parceria, temos como mote construir elos, laços, atos de significação em nossas docências, unindo, por meio de discussão e debate compartilhado, as Licenciaturas em Teatro de três universidades brasileiras, ao longo de um tempo dilatado. Por tempo dilatado compreendemos uma temporalidade vivida ao longo de muitos anos: portanto sem pressa, sem afobações, sem conexão direta com prazos cronológicos estrito senso, mas com foco no convívio e nas possibilidades de troca. Um tempo que, não cronológico estrito senso, remete a outras durações.

Vamos nos referir a dramaturgias como um modo de trabalhar com crianças e jovens heterodoxo, híbrido, fenomênico e indiviso, cujo cerne é a não dicotomia entre textualidade e corporalidade, ou seja, conectamos em narrativas experienciadas por meio dos fazeres mesmo: das experiências corporais, jogos e brincadeiras, inventividade no uso de objetos do cotidiano e extracotidianos. Enfim, trata-se de uma dramaturgia que surge a partir de um verdadeiro work-in-progress (Cohen, 1998COHEN, Renato. Work in Progress na Cena Contemporânea. São Paulo: Perspectiva, 1998.) no qual a experiência vivida em jogos e convivialidade materializa o que Machado (2004MACHADO, Marina Marcondes. Cacos de Infância / teatro da solidão compartilhada. São Paulo: FAPESP/Annablume, 2004.; 2015MACHADO, Marina Marcondes. Dramaturgias múltiplas e as culturas da infância e juventude: criação nos modos de aprender e ensinar na Licenciatura em Teatro da UFMG. Textos FCC, São Paulo, v. 47, p. 11-25, 2015.) nomeou como roteiros de improviso, revelados por possíveis textos, partituras corporais, storyboards e imagens.

Evocamos, assim, a dramaturgia em sua relação direta com o corpo e com a performatividade. Crianças, jovens, alunos, professores, são todos performers que, nesse processo, investigam a potência dramatúrgica de seus corpos em suas relações com o mundo. Como diz Fabião (2008FABIÃO, Eleonora. Performance e Teatro: poéticas e políticas da cena contemporânea. Revista Sala Preta, São Paulo, v. 8, p. 235-246, 2008. , p. 238): "[...] se o performer evidencia o corpo é para tornar evidente o corpo-mundo".

No que tange a nossas conceituações de corpo, salientamos que o corpo aqui não será jamais compreendido a partir de uma dicotomia cartesiana entre corpo e alma, entre pensamentos e sensações, entre raciocinar e agir. Corpo compreende a inteireza, o sujeito em suas mais complexas relações com e no mundo, em interação, envolvido em processos concomitantes e indeléveis de fazer, pensar, sentir, agir e ser: no corpo e não com o corpo. A máxima de que não possuímos um corpo e sim de que somos um corpo (sempre em relação com o mundo e com os outros, constituindo-nos nessas relações com a alteridade, a diferença, a similitude, o conhecido e o desconhecido), guia nosso olhar.

Sofia (2013SOFIA, Gabriele. Le Acrobazie dello Spettatore - Dal teatro alla neuroscenza e ritorno. Roma: Bulzoni, 2013.) pondera acerca da relação intrínseca entre ação e percepção, sobre a necessidade de, nos estudos atuais sobre a relação teatral, superar essa contraposição que as colocaria, a percepção e a ação, em polos corpóreo-mentais distintos. Assim, nos diz esse autor que, entre o sensório e o motor, existem sistemas complexos, incindíveis, emergentes e seletivos:

Se, de fato, há uma conexão direta entre percepção e ação (intuição que será corroborada alguns anos depois [da enaction] com a descoberta dos mecanismos dos neurônios-espelho, cada percepção nossa do mundo é ao mesmo tempo uma ação sobre o mundo mesmo. O mundo do percebido não é, portanto, um mundo pré-determinado e sim um mundo que se modifica em relação às nossas ações3 3 Tradução do original italiano realizada pelas autoras. (Sofia, 2013SOFIA, Gabriele. Le Acrobazie dello Spettatore - Dal teatro alla neuroscenza e ritorno. Roma: Bulzoni, 2013., p. 40).

Afirmamos, a partir de Sofia (2013SOFIA, Gabriele. Le Acrobazie dello Spettatore - Dal teatro alla neuroscenza e ritorno. Roma: Bulzoni, 2013.), que a interação dos sujeitos com o mundo é a própria ação dos sujeitos no mundo.

Cumpre notar que conhecimento incorporado (incorporated knowledge) - conceito utilizado por Hastrup (1994HASTRUP, Kirsten. Anthropological knowledge incorporated: discussion. In: HASTRUP, Kirsten; HERVIK, Peter (Org.). Social Experience and Anthropological Knowledge. London: Routledge, 1994. P. 168-180.), trata da "natureza corpórea do conhecimento". Para ela, modelos culturais são incorporados, tanto no sentido de que são internalizados nas práticas corporais diárias quanto no sentido de que sãos expressos (externalizados) mais em ações do que em palavras. Seja na tessitura textual bem como nas experiências práticas que a suscitam e amparam, estamos em consonância com esses teóricos e suas proposições sobre corpo e cultura.

Assim sendo, após as demarcações de lugares teóricos empreendidas nesta introdução, assinalamos que, neste texto, buscamos responder ao seguinte questionamento: como podemos construir uma articulação entre dramaturgia e corpo, dramaturgias com, dos e nos corpos nas aulas de teatro? Essa questão é proveniente de nossos esforços como professoras em licenciaturas em teatro e pesquisadoras interessadas nas infâncias e juventudes, de nossa curiosidade sobre como seria possível articular conhecimentos dramatúrgicos teóricos e dramaturgia em jogo e em convívio (nos corpos) com nossos licenciandos e com seus futuros estudantes: especialmente crianças e jovens. Desse modo, imaginamos mapear e interseccionar os mundos de vida, entre universidade e escola, entre adultos e crianças, entre nossa escrita e o leitor.

Nossas contribuições pessoais serão reconhecidas no desenrolar do primeiro novelo, pois aqui estamos também em busca de um tipo de escrita autoral que possa afirmar as particularidades do nosso campo de conhecimento e trabalho: o teatro e seus processos de ensino e aprendizagem.

Acerca da escrita aqui proposta, almejamos desenvolver um tipo de discurso que demarque um território possível; propomos uma palavra falante (Merleau-Ponty, 2003MERLEAU-PONTY, Maurice. O Visível e o Invisível. São Paulo: Editora Perspectiva, 2003. ) que converse com o leitor não apenas na sintonia intelectiva, cognitivista; nossa busca é de um diálogo performativo, ou seja, uma conversa em aberto, trabalho em processo (work in process) no qual o leitor complete as lacunas, recrie ideias, (des)compreenda noções arraigadas sobre teatro e educação. Enfim, nossa busca é por outra qualidade de texto acadêmico que, em certos momentos, parecerá bricolagem. Entretanto, não consideramos isso um erro: é, antes de tudo, uma propositiva de fato para a construção de um texto a seis mãos. E é também uma afinidade eletiva com o que Kincheloe e Berry (2007KINCHELOE, Joe; BERRY, Kate. Pesquisa em Educação: conceituando a bricolagem. Porto Alegre: Artes Médicas , 2007.) nomeiam metodologia do bricoleur4 4 Kincheloe propõe a bricolagem como uma estratégia de análise e interpretação dos fenômenos que contempla a diversidade dos sujeitos envolvidos e na qual os procedimentos de investigação se constituem ao longo do próprio processo. .

Estamos em busca de uma docência em teatro nas licenciaturas que coloque para o discente as questões relativas à experiência dramatúrgica, de tal modo que nunca se deixará a corporeidade à parte, especialmente no que diz respeito ao trabalho performativo junto a crianças e jovens. Gostaríamos de adotar um princípio no qual o trabalho corporal não é externo, mas, primeiramente, consiste na própria intersubjetividade humana. Se tomarmos como referência a noção de corpo merleau-pontiana de espaço corpo próprio (Merlau-Ponty, 1999MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1999.), toda a atividade e inatividade relacional constitui-se em gesto-e-palavra e silêncio, âmbitos humanos indissociáveis, nos quais o teatro e a performance circulam com grande intimidade. Como desvelar gesto-e-palavra e silêncio nos modos de ensinar do licenciando em teatro é o ponto de partida deste artigo.

A pergunta que (des)norteia estes escritos advém da leitura compartilhada de dois processos de pesquisa levados à cabo por Marina Marcondes Machado (2015MACHADO, Marina Marcondes. Dramaturgias múltiplas e as culturas da infância e juventude: criação nos modos de aprender e ensinar na Licenciatura em Teatro da UFMG. Textos FCC, São Paulo, v. 47, p. 11-25, 2015.) e Luciana Hartmann (2014HARTMANN, Luciana. Crianças contadoras de histórias: narrativa e performance em aulas de teatro. Revista VIS: Revista do Programa de Pós-Graduação em Arte, Brasília, Universidade de Brasília, v. 13, n. 2, p. 230-248, 2014.; 2015HARTMANN, Luciana. Equilibristas, viajantes, princesas e poetas: performances orais e escritas de crianças narradoras. Boitatá - Revista do GT de Literatura Oral e Popular da ANPOLL, Londrina, Universidade Estadual de Londrina, n. 20, p. 48-67, 2015.). O texto de Machado, resultante dos processos investigativos empreendidos pela professora e pesquisadora, intitula-se Dramaturgias múltiplas e as culturas da infância e juventude: criação nos modos de aprender e ensinar na Licenciatura em Teatro da UFMG5 5 Texto vencedor do Prêmio Rubens Murillo Marques, Edição 2015. São Paulo, FCC, 2015. . A pesquisa de Hartmann (2014; 2015), denominada Pequenos Narradores: o que contam as crianças de diferentes tradições narrativas?, constitui-se de produções decorrentes dos trabalhos de campo realizados com crianças de uma escola pública de uma cidade satélite de Brasília (DF, Brasil) e do estágio pós-doutoral, no qual crianças imigrantes foram incitadas a tornarem-se contadoras de histórias a partir de experimentos em duas escolas públicas de Paris (França).

Na proposta de Machado, a dramaturgia, para ser abordada em um semestre letivo universitário (quinze semanas), foi dividida, ainda que esquematicamente, em três unidades de trabalho, pensamento e ação: dramaturgias dramática, épica e pós-dramática, nas quais o diálogo, o distanciamento narrativo e o hibridismo são as respectivas palavras-chave dos modos de escrita - e de uso daquela dramaturgia escrita. Dialogar, narrar e performar podem ser os verbos ou ações a serem exercidos pelos alunos da licenciatura em teatro, de modo que vislumbrem exercícios dramatúrgicos com crianças e jovens a partir do que a autora denomina - tomando empréstimo dos psicanalistas estudiosos de Winnicott - os objetos da cultura (Graña; Outerial, 1991GRAÑA, Roberto Barbarena; OUTEIRAL, José Otoni (Coord.). Donald W. Winnicott: estudos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991.). Aqui ampliamos essa noção para artefatos, considerados como canções, livros, quadrinhos, jogos e brincadeiras, matérias de jornais e postagens em blogs, entre outros. Destaque importante também para a observação cotidiana, com base naquilo que Brecht (1998BRECHT, Bertolt. Estudos sobre Teatro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.) nomeou cenas de rua, como material para o pulo do gato dramatúrgico.

Nos projetos desenvolvidos por Hartmann (2014HARTMANN, Luciana. Crianças contadoras de histórias: narrativa e performance em aulas de teatro. Revista VIS: Revista do Programa de Pós-Graduação em Arte, Brasília, Universidade de Brasília, v. 13, n. 2, p. 230-248, 2014.; 2015HARTMANN, Luciana. Equilibristas, viajantes, princesas e poetas: performances orais e escritas de crianças narradoras. Boitatá - Revista do GT de Literatura Oral e Popular da ANPOLL, Londrina, Universidade Estadual de Londrina, n. 20, p. 48-67, 2015.), a dramaturgia emergia em sessões de contações de histórias, nas quais as crianças eram incitadas a narrá-las, contá-las, escrevê-las e, finalmente, performá-las. Cada projeto teve duração média de quatro meses e o objetivo principal foi, a partir de distintas atividades lúdicas (jogos teatrais, brincadeiras tradicionais, contação de histórias), propiciar um ambiente livre e aberto para que as crianças narrassem suas próprias histórias. Algumas dessas histórias e alguns desses procedimentos narrativos com e no corpo serão apresentados a seguir, neste artigo, como modo de incitar o leitor a materializar, a seu modo, essas possíveis dramaturgias do corpo.

Licenciandos e Pata de Dinossauro: da universidade à escola

Para propor um trabalho criativo com a corporeidade de crianças e jovens, podemos desenvolver noções dramatúrgicas simples: a potência dos diálogos, o distanciamento irônico (da piada e da brincadeira), o modo imagético contemporâneo e a tradição da cópia, do jogo de estátua, da mimese como âmago da capacidade humana para simbolizar. A partir de Machado (2015MACHADO, Marina Marcondes. Dramaturgias múltiplas e as culturas da infância e juventude: criação nos modos de aprender e ensinar na Licenciatura em Teatro da UFMG. Textos FCC, São Paulo, v. 47, p. 11-25, 2015.), imaginaremos maneiras dramatúrgicas de provocar crianças e jovens a irem para outro lugar: habitar a terceira margem, transportar-se para o campo de intersecção entre realidade e fantasia - o teatro.

Eis o primeiro exemplo:

Um cara chamado Mariz Estava com dor no nariz 'Vou jogá-lo fora', Falou - e na hora Fez isso e vive feliz.

O pequeno poema acima se encontra no livro Limeriques, de Tatiana Belinky (1987BELINKY, Tatiana. Limeriques. São Paulo: Editora FTD, 1987., p. 15). Agora passemos à possível transcriação6 6 Termo adotado por nós, cunhado por Haroldo de Campos (Tápia; Nóbrega, 2015). Todas as transcriações e criações dramatúrgicas que são mencionadas no texto são de autoria de Marina Marcondes Machado. do limerique, para uma dramaturgia a ser encenada, utilizada, usurpada, redimensionada nos corpos por crianças ou jovens:

Dias antes... Mariz, com muita dor, vai ao hospital. No Pronto-Socorro, é atendido pelo Dr. Botelho. NARRADOR: Esta é a história de Mariz, um homem que abriu mão do nariz. MARIZ: Doutor, tenho muita dor! BOTELHO: Onde, senhor, onde? MARIZ: No nariz, doutor, no infeliz nariz. Doutor Botelho aproxima-se com uma lupa. BOTELHO: Eu, doutor Botelho, preciso que me mostre sua dor no espelho! MARIZ, impaciente: Mas Dr. Botelho, não seja um pentelho... é na ponta, no meio, e na base do infeliz nariz - senão não me chamo Mariz... Botelho, bravíssimo com a rima pobre e feia 'Botelho / pentelho', quebra o espelho no nariz de Mariz. MARIZ, sangrando: Vou jogá-lo fora! Mariz e Dr. Botelho congelam a ação. NARRADOR: E assim fez; e hoje, vive feliz. Fim da história de Mariz, o homem sem nariz.

Digamos que, por meio da cena nonsense, absurda, engraçada, trabalharemos, como adultos condutores do jogo com os alunos de teatro, as partes do corpo humano, o desfigurar-se, possíveis ferimentos e a estética do terror; como respirar sem nariz? E outras ideias e sentimentos, pensamentos e ações sobre a relação de Mariz com Dr. Botelho, dos jogadores com seus personagens e dos jogadores com seus corpos próprios, tudo isso na concretude imaginativa.

Segue agora um segundo exemplo, transcriação em cena teatral de uma (gasta) cantiga de roda - a canção de domínio popular O Cravo brigou com a Rosa.

O Cravo brigou com a Rosa Debaixo de uma sacada O Cravo saiu ferido E a Rosa despedaçada O Cravo ficou doente A Rosa foi visitar O Cravo teve um desmaio E a Rosa pôs-se a chorar

Segue uma possível transcriação da canção popular, criação nossa para uma dramaturgia a ser encenada, brincada, re-transcriada e corporificada por crianças ou jovens:

Personagens: Cravo Rosa Motorista da ambulância Enfermeira Médico Jardineiro Lixeiro Dono da farmácia Pai do Cravo Mãe do Cravo Pai da Rosa Mãe da Rosa Irmã do Cravo Irmão da Rosa Jogador de futebol Dono do hospital Diretora de Brinquedoteca Orquídea internada Copo de Leite internado PARTE 1 Cravo e Rosa brincam de luta. CRAVO: Ó Rosa, saque sua espada! ROSA: Sem problemas! Trocam muitos golpes de espada. Rosa atinge o Cravo na barriga. Cravo cai e grita. Mas, do chão, também atinge Rosa... ROSA, despetalada: Ai que vergonha, fiquei des-pelada! Cravo não acha graça. Rosa vai ao chão ver se o coração ainda bate. Grita e chora. ROSA: Volta Cravo! Volta, Cravo! Som de ambulância. Chegada da ambulância. PARTE 2 A cena se passa dentro da ambulância. Nela estão: Cravo, Rosa, Motorista da Ambulância, Médico, Enfermeira e Jardineiro. Cravo está na maca, inconsciente. MOTORISTA DA AMBULÂNCIA: Nunca na história deste país se desperdiçou uma ambulância último tipo com um Florzinha... ENFERMEIRA: Ai, coitado! JARDINEIRO: Toda flor é gente também! CRAVO murmura, abrindo os olhos: Coitado é filho de rato! Fim da Parte 2. PARTE 3 A ser criada pelos jogadores, a partir da lista de personagens, do contexto e das situações já estabelecidas.

No segundo exemplo, o adulto condutor traz um mote inicial, trabalha com diálogos curtos e de fácil memorização para, depois de dois momentos teatrais trazidos relativamente prontos, propor aos alunos que também desenvolvam seus diálogos, conflitos, confusões, mesmices, bem como tudo que um hospital pode trazer como dramaturgia do espaço. E pensamos que é o desafio mais interessante: como ser Rosa, como ser Cravo, como ser Lírio e Copo de Leite?

Partamos para um terceiro exemplo: pesquisar as possibilidades do uso criativo do objeto pata de dinossauro (Figura 1), apresentada aos jogadores repousada em um tapete (a ser usado como dispositivo cênico). Proporemos às crianças e aos jovens serem dinossauros. Segue, para tal, uma criação nossa - um possível comando verbal imaginativo, ou um roteiro de improviso (Machado, 2004MACHADO, Marina Marcondes. Cacos de Infância / teatro da solidão compartilhada. São Paulo: FAPESP/Annablume, 2004.; 2015):

Todos ficaremos em meia lua de frente para o tapete. Cada um terá seu 'momento dinossauro'. Procure roteirizar de antemão sua entrada no tapete: como vai vestir a pata e transformar-se em dinossauro; seja o dinossauro, a seu modo; após alguns minutos, tire a pata, de modo a tornar-se gente novamente - e saia do tapete. É a entrada no tapete que te levará, aos poucos, para o mundo dinossauro. Procure criar especialmente o resto do corpo do dinossauro em você, a partir da vestimenta da pata. Concentre-se na transformação: na ida / na permanência / e na volta; do estado humano ao estado dinossauro, retornando depois, com este segredo guardado em você.

Assim, em conexão com as culturas das infâncias, ou seja, pelos modos de brincar de faz de conta e da desenvoltura da capacidade mimética, levamos nossos alunos para outros lugares e outros tempos, propondo, com comandos simples, sintéticos, mas poéticos, a transformação corporal.

Figura 1
Pata de dinossauro (Belo Horizonte, 2015)

Reside, inicialmente, no modo de propor, a diferença entre cenas realistas e prototípicas (ou até mesmo estereotipadas) e cenas imaginativas, nonsense, provocativas e provocadoras de novidade e transformação. Por meio da compreensão vivida no corpo surgem novos modos de ser e estar que podemos nomear como teatralidade. Estaria também, talvez em uma camada mais profunda - na corporeidade do adulto condutor, nas suas experiências brincantes e teatrais anteriores - a chave do enigma: rumo a uma riqueza corporal que prescindirá de arara de roupas, maquiagem ou quaisquer adereços realistas. Pedir que o modo dinossauro fique guardado tal qual um segredo da corporeidade de cada um nos remete a John Dawsey (2013DAWSEY, John. Descrição tensa: Geertz, Benjamin e performance. Revista de Antropologia/USP, São Paulo, v. 56, p. 291-322, 2013., p. 315): "Nas histórias que se contam através do corpo, há histórias que nele se alojam e que ainda não vieram a ser". Outros chamarão isso de repertoriar o não-ator.

Pequenos Dramaturgos e Caderninhos: da escola à universidade

Propor um trabalho pedagógico em teatro que supere a já desgastada (mas nem por isso menos utilizada) dicotomia corpo-mente requer, em primeiro lugar, uma postura de alerta e constante questionamento em relação ao que aprendemos e ao que praticamos7 7 Estamos pensando aqui na mudança de paradigma proposta por Boaventura de Sousa Santos e Maria Paula Meneses na obra Epistemologias do Sul (2010), na qual reforçam a crítica pós-colonial ao monopólio epistemológico do Norte global, que nega os outros saberes, para além da ciência e da técnica. . Para corporificar de forma mais integrada nosso fazer cotidiano em aulas de teatro, poderíamos começar desconstruindo a própria relação professor/a-aluno/a e ressituando a pergunta feita há muitos anos por Fanny Abramovich no título de seu livro: Quem educa quem? (1985ABRAMOVICH, Fanny. Quem Educa Quem? 7. ed. São Paulo: Summus, 1985.). De fato, não seria mais rico pensar a escola menos como um espaço de educação e mais como um espaço de troca entre indivíduos/grupos com saberes distintos, onde se compartilham experiências, projetos, desejos e, inegavelmente, também frustrações e decepções? Será que ainda se trata de educar? Como levar esses questionamentos e reflexões para os cursos de formação dos futuros professores e, mais especificamente, no nosso caso, para as Licenciaturas em Teatro?

É possível verificar um sensível desenvolvimento no campo da pedagogia do teatro nos últimos anos no Brasil, marcado por inúmeras publicações em forma de livros e artigos, grupos de trabalho organizados e legitimados no âmbito da ABRACE - Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas, disciplinas específicas implementadas nos projetos pedagógicos dos cursos de licenciatura em teatro (muitos destes criados na última década), entre outros aspectos. No entanto, embora esse novo campo venha para atender às demandas contemporâneas da área, constata-se que as bases teóricas e metodológicas das discussões nele situadas, com raras exceções, permanecem as mesmas de pelo menos 40 anos atrás. Não se trata aqui de superar velhas tradições, mas de crescer com elas, a partir delas. Para isso, estamos propondo o que chamamos de uma conversa performatizada em busca de possibilidades - as nossas possibilidades, situadas, contextualizadas, problematizadas, corporificadas.

Comecemos essa conversa pelo reposicionamento do lugar das crianças, importantes interlocutoras em grande parte de nossos processos artístico-pedagógicos. Adotamos um princípio comum: as crianças são nossas parceiras de pesquisa, de trabalho, de brincadeira, de criação. Embora pareça óbvio, sabemos que isso não acontece com a frequência merecida. Em grande parte dos casos, as crianças são tratadas como objetos de pesquisa e não como sujeitos, agentes capazes de refletir, propor, criar. Assumindo essa perspectiva, propomos que as crianças tornem-se não apenas nossas interlocutoras, mas coautoras de nossas pesquisas comuns. Mudam os lugares, transformam-se os corpos. Com menos hierarquias e dicotomias, nossas relações abrem-se para novos tipos de contato.

Os estudos sobre as culturas da infância, que notadamente situam-se num campo interdisciplinar, vêm adotando essa perspectiva de coautoria com as crianças, fundamental para nossa proposta. Embora no campo das artes cênicas sejam relativamente frequentes as práticas nas quais as crianças têm voz e vez tanto nos processos criativos quanto nos produtos (cenas, espetáculos), ainda são raros os estudos que se propõem a refletir sobre a participação efetiva das crianças como coautoras de pesquisa e obras artísticas (Ferreira, 2010FERREIRA, Taís. A Escola no Teatro e o Teatro na Escola. 2. ed. Porto Alegre: Mediação, 2010., é um exemplo de trabalho nessa perspectiva no campo teatral). Essa divisão de papeis mais equilibrada entre adultos e crianças ainda é fracamente problematizada na produção teórica da pedagogia do teatro (e, sejamos justos, o mesmo ocorre em outras áreas das ciências humanas).

Talvez isso ocorra devido a certa naturalização do status da criança como ser em desenvolvimento, incompleto, perspectiva que apenas recentemente vem sendo questionada. Como percebeu Corsaro (2011CORSARO, William A. Sociologia da Infância. 2. ed. Tradução de Lia G. R. Reis. Porto Alegre: Artmed, 2011., p. 18):

[...] é comum que os adultos vejam as crianças de forma prospectiva, isto é, em uma perspectiva do que se tornarão - futuros adultos, com um lugar na ordem social e as contribuições que a ela darão. Raramente as crianças são vistas de uma forma que contemple o que são - crianças com vidas em andamento, necessidades e desejos.

Para o autor, historicamente foram propostos dois modelos diferentes para analisar o processo de socialização das crianças. O primeiro é o modelo determinista (representado por nomes como Talcott Parsons) -, nele a criança desempenha um papel passivo, e tanto é uma iniciante que pode contribuir para a sociedade quanto é considerada uma ameaça indomada, que deve ser controlada através de treinamento. O segundo modelo é o construtivista (cujos maiores representantes são Piaget e Vigotsky) e representa, notadamente, um passo importante no reconhecimento do papel ocupado pela criança na sociedade. No entanto, uma das limitações da psicologia do desenvolvimento construtivista seria, por um lado, o foco no desenvolvimento individual da criança e, por outro, a preocupação exagerada com o ponto de chegada do desenvolvimento (Corsaro, 2011CORSARO, William A. Sociologia da Infância. 2. ed. Tradução de Lia G. R. Reis. Porto Alegre: Artmed, 2011., p. 29).

Como resposta a esses modelos, Corsaro, sociólogo com larga experiência de pesquisa de campo na educação infantil, tanto nos Estados Unidos como na Itália, propõe que as teorias da infância deixem de considerar que o desenvolvimento social infantil se dá unicamente pela internalização dos conhecimentos e habilidades de adultos pela criança e que reconheçam a importância das atividades coletivas, que se dão através de processos de apropriação, reinvenção e reprodução da cultura.

Com base nesses pressupostos, Corsaro propõe a noção de reprodução interpretativa, que contempla tanto os aspectos reprodutivos da vida em sociedade quanto prevê a participação inovadora e criativa das crianças, que, dessa forma, são pensadas como seres que contribuem ativamente para a produção e as mudanças culturais. Assim, a infância passa a ser considerada como uma categoria social, com características próprias, porém variando de acordo com seus contextos e combinações com as outras categorias sociais.

Em uma perspectiva semelhante, Clarice Cohn (2005COHN, Clarice. Antropologia da Criança. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005., p. 33), em seu livro Antropologia da Criança, reposiciona os termos que definem as diferenças geracionais: "[...] a diferença entre as crianças e os adultos não é quantitativa, mas qualitativa; a criança não sabe menos, sabe outra coisa". Nossa proposta encaminha-se no sentido de propiciar espaços/tempos para que essas "outras coisas" emerjam, talvez na forma de histórias, dramaturgias, cenas. Interessa-nos, portanto, esse lugar de criatividade cultural, próprio da criança, as crianças não apenas como fruidoras, mas criadoras culturais (Sarmento, 2003SARMENTO, Manuel Jacinto. Imaginário e culturas da infância. Cadernos de Educação, Pelotas, v. 12, n. 21, p. 51-69, 2003., p. 7).

No entanto, como conhecer e compartilhar essa criatividade e esses saberes com as crianças? Para responder a essa questão devemos problematizar os próprios procedimentos metodológicos usados na pesquisa. Em nossas práticas docentes e artísticas, como já dissemos acima, temos adotado uma perspectiva de construção colaborativa com as crianças. Ideais e ações são discutidos de forma horizontal entre todo o grupo, e o docente atua como agente que contribui com o processo, tanto proporcionando contextos e situações como auxiliando na organização das propostas. Nesse processo, crianças e adultos participam de um ato criativo comum, que pode provocar descobertas para ambos.

Passemos a um exemplo prático, citado no início do artigo: entre 2013 e 2015 uma de nós realizou trabalhos de pesquisa colaborativa sobre performances narrativas infantis, intitulada Pequenos Narradores, em contextos distintos - uma escola pública brasileira e duas escolas públicas francesas (Hartmann, 2014HARTMANN, Luciana. Crianças contadoras de histórias: narrativa e performance em aulas de teatro. Revista VIS: Revista do Programa de Pós-Graduação em Arte, Brasília, Universidade de Brasília, v. 13, n. 2, p. 230-248, 2014.)8 8 As pesquisas foram realizadas, respectivamente, em três turmas de 5º ano, no CEF 01 de Sobradinho, cidade Satélite de Brasília, entre agosto e dezembro de 2013, e em duas classes CLIN (Classes de adaptação para alunos não-francófonos, que acolhem crianças estrangeiras, imigrantes ou refugiados), entre fevereiro de 2014 e janeiro de 2015, na École Keller, localizada no 11ème arrondissement, e na École Eugène Varlin, no 10ème arrondissement de Paris. As pesquisas realizadas em Paris foram financiadas com Bolsa de Estágio Sênior da Capes, concedida a título de pós-doutoramento no exterior, na Université Paris Ouest - Nanterre La Défense, sob supervisão da Prof.ª Idelette Muzart Fonseca dos Santos. . Aqui entramos na perspectiva que nos uniu na escrita deste artigo: narrar implica uma ação corporal, narra-se com o corpo, pelo corpo, no corpo. Corpo ampliado: corpo-carne da criança e do adulto, corpo-papel do livro ou do caderninho rabiscado, corpo-escola, de carteiras desordenadas no ato compartilhado de contar histórias.

Como potencializar a concretude (ou a ação?) desses corpos na prática artística-teatral com crianças? Nas três experiências acima mencionadas, o primeiro passo foi conversar com as crianças, propondo que elas fossem, também, pesquisadoras. Elas iriam em busca de histórias, encontrando as estratégias que quisessem para isso. Poderiam entrevistar familiares, pesquisar em livros, inventar... Cada criança recebeu um pequeno caderno para que pudesse escrever, anotar, desenhar, copiar ou inventar as histórias que desejasse. O corpo-carne marca o corpo-papel. O que emerge dessa relação?

Para responder a essa pergunta temos que compreender como ocorria a proposta. Cada sessão de trabalho, que acontecia uma vez por semana com duração de uma hora e meia a duas horas, começava com um jogo ou brincadeira com todo o grupo, depois a docente-pesquisadora contava uma história (que poderia ser uma história pessoal ou a leitura de um conto tradicional brasileiro, entre outras possibilidades) e, numa relação de troca, os alunos-pesquisadores eram estimulados a relatar suas descobertas, a contar suas histórias. Como estratégia de registro de suas performances narrativas optamos por orientar os alunos sobre o uso do equipamento (um gravador de áudio profissional e uma câmera de foto-vídeo) e eles mesmos realizaram as gravações, fotografias e filmagens. O corpo-carne manipula o corpo-máquina. O que ficou para contar?

Nos momentos de contação de histórias, agimos sempre a partir de uma perspectiva de escuta irrestrita. Qualquer expressão narrativa poderia ser considerada uma história: contos de fadas, histórias tradicionais brasileiras, fábulas, memórias de família, histórias de vida, histórias inventadas, notícias da TV, filmes... Uma aluna da escola brasileira, por exemplo, trouxe para o grupo notícias de jornal com campanhas para prevenção da violência contra a mulher, e um aluno de origem marroquina, em uma escola francesa, ao ser perguntado sobre a origem de suas histórias, contou que havia sonhado com elas.

E os caderninhos? Alguns foram jogados ao chão ou haviam se perdido antes do final da primeira aula. Tristeza da professora-pesquisadora, aliada à compreensão forçada de que aqueles corpos-papel não faziam sentido para algumas crianças. Já outros foram acarinhados, enfeitados, guardados como objetos preciosos.

Figura 2
Caderninho de Zara (Paris, 2014)

O que acontecia com as histórias que não eram marcadas no papel? Estas emergiam no corpo-voz que, muitas vezes, preferia contar em um cantinho da sala, só para a professora e para o melhor amigo, ou então surgia retumbante, pedindo silêncio para o grupo, em uma performance arrebatadora. Há oportunidade, há tempo, há espaço para todas as formas de expressão - e, se não há, podemos criar, inventar.

Performadas no papel, no corpo e/ou na filmagem, as histórias de cada criança foram ganhando cores, gestos, movimentos, emoções. Cada projeto possibilitou a experimentação de uma pesquisa compartilhada com as crianças, na qual as demandas e as transformações operadas em todos os envolvidos, ao longo do processo, eram permanentemente avaliadas e, por sua vez, modificavam o próprio encaminhamento do trabalho. Dessa forma, príncipes e princesas puderam (ou tiveram que) conviver com a explosão da floresta, com a guerra entre zumbis e cavaleiros. E a docente-pesquisadora compreendeu com todo o corpo como pode ser difícil escutar uma menina de onze anos contar como seus pais morreram há menos de um mês em um acidente na estrada, ou um menino de dez anos narrar em detalhes cenas de violência sexual assistidas em um filme...

Vejamos agora algumas narrativas que emergiram dos processos criativos desenvolvidos pelas crianças:

A História de uma Princesa e de um Príncipe Autora: Maria Guiomar, 11 anos Era uma vez... Um casal que se chamava Brenda e Jefferson. Eles moravam em um castelo muito bonito. Brenda, o seu sonho era ter um bebê. A janela abriu e apareceu uma luz forte com 3 fadas. E as fadinhas realizaram o sonho de Brenda. Passaram 3 meses e Brenda ficou grávida. Do lado do castelo morava uma bruxa com uma árvore de tamarindo. Como Brenda gostava muito de tamarindo pediu que seu marido Jefferson arrancasse alguns. Mas não adiantou nada, ela comeu e queria mais. Então Jefferson foi colher mais. De repente apareceu a bruxa: 'Por que tá arrancando meus tamarindos?' - 'Porque ela está grávida e estava com vontade de comer'. Então ela jogou um feitiço e matou o casal. Fim9 9 A história de Maria Guiomar foi escrita por ela no caderninho. Foi mantida a grafia original. .

Poderíamos perguntar: fim? O casal morreu? Final infeliz? Sim. E tudo por causa de um tamarindo... Sim, Maria Guiomar mora em uma vila formada através da ocupação irregular de terras, às margens de uma grande rodovia, marcada e estigmatizada pela sociedade local devido aos seus grandes índices de violência. A escola na qual Maria Guiomar estuda fica do outro lado da rodovia e não há passarela para as crianças atravessarem. De alguma forma, a menina corporifica, nessa narrativa, diversas camadas de sua experiência pessoal, ficcionalizando-as (Palleiro, 1992PALLEIRO, María Inés. Nuevos Estudios de Narrativa Folklorica. Buenos Aires: RundiNuskín Editor, 1992.) e criando outra maneira de expressá-las.

De maneira semelhante, Zara uma menina de 10 anos, recém-chegada do Chade, narra uma história pessoal:

Quando eu era pequena no Chade10 10 Quand j'étais pétite au Tchad Quand j'étais pétite au Tchad, un jour j'étais en train de jouer. Ma copine était très méchante avec moi parce que je ne jouais pas avec elle. Elle s'appelait Féesae. Elle a prit un gros caillou et elle l'a lancé sur mon genoux. Ça m'a fait très mal. Je suis resté avec des grands cicatrices dans ma jambe. Quand j'étais grandi je suis parti chez Féesae. Elle avait beaucoup de fréres. Je lui a demandé: - 'Pourquoi, quand j'étais petite tu m'a fait mal?'. Elle m'a répondit: - 'Parce-que toi, tu ne jouais pas avec moi'. Dans ce jour elle m'a frappé et moi aussi je lui a frappé. Elle a pleuré et aprés aprés après elle est venue chez moi et m'a demandé de la pardonner. Puis on est devenue amies. Autora: Zara, 10 anos Quando eu era pequena, no Chade, um dia eu estava brincando e minha amiga era muito malvada comigo, porque eu não brincava com ela. Ela se chamava Féesae. Ela pegou uma pedra grande e jogou no meu joelho. Aquilo me machucou bastante. Eu fiquei com cicatrizes na minha perna. Quando eu cresci eu fui na casa de Féesae. Ela tinha muitos irmãos. Eu perguntei a ela: - Por que, quando eu era pequena, você me machucou? E ela me respondeu: - Porque você não brincava comigo. Nesse dia ela me bateu e eu também bati nela. Ela chorou e depois depois depois ela veio à minha casa e me pediu para lhe perdoar. Depois nós nos tornamos amigas11 11 A história de Zara foi contada oralmente, registrada, transcrita e traduzida pela pesquisadora. .

Aqui é o corpo de Zara que é atingido e ela conta a história explicando por quem e como ele foi marcado. Pela performance narrativa, atualiza sua memória, na mesma medida em que também a cria para o coletivo. Zara demonstrou sua capacidade performativa especialmente no momento em que começou a ser filmada. Embora com 10 anos, ela não foi alfabetizada em seu país de origem, do qual havia partido como refugiada para a França poucos meses antes do início da pesquisa. Se, por um lado, a dificuldade na escrita a colocava em uma posição visivelmente desconfortável em relação a alguns colegas mais novos, já alfabetizados, por outro lado sua notável performance narrativa a reposicionava nas relações da classe. A corporalidade de Zara encontrava, dessa maneira, as distintas corporalidades dos colegas, no ato comum de compartilhar memórias, sonhos, desejos e imaginações.

Nos dois exemplos mencionados, possíveis dramaturgias emergem encarnadas nas histórias performadas pelas meninas - efêmeras, potentes, produtos daqueles coletivos específicos de crianças. Embora no processo de registro, transcrição e impressão das narrativas, o corpo-carne tenha cedido lugar ao corpo-papel, este permitiu a sensação concreta de autoria às crianças. Empoderadas, elas podem decidir como contar/encenar/viver suas histórias.

Da(s) Dramaturgia(s) ao (no) Corpo e Vice-Versa: entre escola e universidade

O corpo é o primeiro lugar onde a mão do adulto marca a criança, ele é o primeiro espaço onde se impõem os limites sociais e psicológicos que foram dados a sua conduta, ele é o emblema onde a cultura vem inscrever seus signos como também seus brasões (Vigarello, 1978VIGARELLO, Georges. Le Corps Redressé. Paris: Jean Pierre Delarge, 1978., p. 9).

Se queremos dramaturgias no, com, do corpo no trabalho pedagógico com crianças e jovens, com infâncias e juventudes contemporâneas, como devemos pensar a formação do professor de teatro na universidade, nos cursos de licenciatura? E a formação continuada de professores de teatro?

Chegamos a um impasse, a uma cisão, a uma lacuna, a um espaço entre que, por vezes, ao invés de ser usado como propulsor do desejo do conhecimento, da vontade de construção coletiva de saberes e experiências (professores + estudantes, todos no e com o mundo) - à maneira que nos conta Rancière (2002RANCIÈRE, Jacques. O Mestre Ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.) sobre o mestre ignorante, que estimula o aluno a perseguir através da incitação do desejo e da potência do crer que se pode saber (e fazer) - nos apresenta estudantes de licenciatura e professores de teatro já em exercício solapados pelo peso da teoria e apegando-se ao jogo como única forma e meio para a realização da aula de teatro na escola e em espaços não-escolarizados.

O ensino de teatro no Brasil, desde seus primórdios, como narram Santana (2010SANTANA, Arão Paranaguá de. Teatro e Formação de Professores. São Luís: Editora da UFMA, 2010.) e Pupo (2005PUPO, Maria Lúcia de Souza Barros. Para desembaraçar os fios. Educação & Realidade, Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, v. 30, n. 2, p. 217-228, 2005.), é calcado na importância absoluta do exercício pleno do jogo dramático, do jogo teatral, dos jogos de regras e simbólicos e da improvisação como meios para a aquisição (ver, fazer, viver, compreender, significar) de elementos da linguagem cênica e da relação cênica. Hoje podemos almejar conexões mais complexas na formação de professores de teatro: como levar os licenciandos a articular, portanto, teoria e prática teatrais com pedagogia teatral?

Esse é o lugar de onde falamos e nossos escritos, pensares e desejos, como já dissemos anteriormente, encaminham-se no sentido de problematizar nossas práticas como professoras em licenciaturas, como pesquisadoras interessadas nas múltiplas e diversas infâncias e juventudes contemporâneas e em modos de fazer (e aprender e ensinar) que tragam à baila (e ao baile, por que não?) um emaranhado desses conteúdos e noções teatrais (compreendendo conteúdos e noções ao modo de Icle (2011ICLE, Gilberto. Problemas teatrais na educação escolarizada: existem conteúdos em teatro?. Urdimento, Florianópolis, n. 17, p. 71-78, 2011.)): corpo, dramaturgia, jogo e teoria; licenciandos e jovens professores de teatro, crianças e adolescentes estudantes.

É premente notar que os licenciandos sentem-se acachapados, muito frequentemente, ao chegar aos estágios e práticas educacionais nas escolas de ensino regular e nos espaços de ensino não-formal e não compreenderem como aqueles conhecimentos e vivências todos das inúmeras disciplinas, práticas e teóricas, das incontáveis atividades relacionadas a uma graduação em teatro, que vão do fazer, ao conhecer, ao assistir, ao problematizar e ao pensar as artes da cena e a si próprios na relação com o mundo: como isso tudo pode se transformar em uma aula (aula entendida no sentido experiencial e performativo proposto na introdução do texto)? Como construir uma prática pedagógica com os alunos em que os conhecimentos das disciplinas do eixo corpo-voz-jogo-improvisação (as nomenclaturas são inúmeras e diferentes em cada currículo das licenciaturas em teatro existentes hoje no Brasil) entrelacem-se àqueles relacionados à dramaturgia e à história do teatro, por exemplo?

Conhecer o jogo e o corpo em jogo, experienciar mecanismos e procedimentos dramatúrgicos, criar e contar histórias através do corpo e da dramaturgia com e no corpo, conhecer a história do teatro e seus modelos, conhecer como e quem são as crianças contemporâneas: servimo-nos de um cabedal teórico-metodológico vasto e diverso com o menu apresentado nestes escritos. No entanto, como, a partir desses saberes, noções, conteúdos e vivências, costurar uma trama que engendre um novo texto, tessituras de velhos fios em um novo e inesperado bordado, aquém e além da chave cognitivista? Este nos parece o grande desafio a ser enfrentado no momento atual das Licenciaturas em Teatro no Brasil.

Construímos (nós, docentes universitários) currículos repletos daqueles conteúdos que julgamos absolutamente necessários à formação do professor de teatro. Entretanto, ofertamos espaços criativos que possibilitem aos nossos alunos efetivamente produzirem pedagogias em teatro a partir, com, através de todos esses saberes e noções? Agimos nós como o mestre ignorante de Rancière (2002RANCIÈRE, Jacques. O Mestre Ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.), que, por ignorar cumpre a função de questionar (e instigar), mais do que de fornecer respostas?

E mais: por que uma aula de história do teatro seria necessariamente expositiva ou partiria de slides? Por que quando se trabalha dramaturgia em sala de aula com crianças e jovens retomamos as canetas e os papéis sentados em nossas classes, reproduzindo o disciplinamento moderno do qual nos fala Foucault (1987FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1987.) quando comenta a instituição escola? Por que o jogo, o corpo, a imaginação, postos em ação e em vida, são sempre o antes da dramaturgia na escola e nunca o durante? Por que o professor é aquele que compila material a partir de improvisações dos alunos e escreve um texto formalmente, a posteriori? Ou ainda: por que o professor escolhe um texto dramático a priori para trabalhar com os alunos? Por que produzir dramaturgia na escola, muitas vezes, ainda está descolado do corpo que joga?

No rastro das perguntas anteriores: como o jogo pode exceder em si sua função de jogo (ou seja: sua inteira não produtividade objetiva) e tornar-se um grande produtor de dramaturgias com/no/dos corpos em aula? Como um professor de teatro pode equacionar aquilo que aprendeu com as lições de dramaturgia na universidade no trabalho pedagógico com crianças e jovens? Haveria potência nas infâncias e juventudes para desafiar Aristóteles, Victor Hugo, Zola, Brecht, Szondi, Lehmann, Heliodora, Magaldi (entre outros teóricos da dramaturgia, nossos velhos conhecidos na universidade brasileira)? Poderiam nossos estudantes agir em prol da ruptura do monopólio epistemológico do norte?

E, ainda sobre como traçar conexões possíveis: para que, afinal, se estuda tudo isso, os autores, a história, a dramaturgia, a estética, os diretores-pedagogos, se esses conhecimentos desaparecem, como num passe de mágica, das práticas pedagógicas em teatro, tanto em aulas regulares como em oficinas livres, sendo sempre um conhecimento tangencial ou uma aula expositiva tipo carta na manga para os dias de chuva [sic] ou para aquela turma mais agitada [sic]? A teoria acalma, na escola, o que por si só já aponta mais um problema: a teoria deveria desacomodar, instigar, mostrar o desconhecido, desestabilizar o já conhecido, mesmo com crianças muito pequenas. Teoria que amortiza, mata, ao invés de instigar novas germinações.

Por fim: temos feito suficientemente essas perguntas a nós mesmos, nós, professores de teatro de todos os níveis de ensino? Se não apresentamos aqui soluções, almejamos, ao menos, traçar algumas breves linhas de fuga que comecem a emaranhar esses fios do corpo às dramaturgias e vice-versa, ao nosso modo, a partir das crianças e jovens com os quais vimos trabalhando. Da escola à universidade, da universidade à escola, sempre ambas trespassadas pelo mundo e pelos mundos de vida, pela performatividade das dramaturgias encarnadas.

Assim, apresentamos aqui experiências que colocam as crianças, os jovens e os estudantes de licenciatura como protagonistas na construção de dramaturgias diversas em jogo. Brincar, contar, escrever, desenhar, imaginar, relatar, entrevistar, cantar, mover-se, olhar são os verbos presentes nas experiências relatadas. Nonsense ou irônico, sentimental ou aterrorizante, como escrever com e no corpo aquilo que querem contar nossos alunos, e os alunos deles, crianças e jovens? Seria essa uma pergunta potente na construção de pedagogias em dramaturgias do, no e com o corpo, uma dramaturgia encarnada?

Os relatos aqui não são um receituário, não são fórmulas fixas ou a serem reproduzidas: são linhas construídas a partir de experiências sobre possibilidades de trabalho com dramaturgia e corpo e crianças e jovens em aulas de teatro ou pesquisas vinculadas à pedagogia teatral, que pretendem instigar, quiçá inspirar, tessituras criadas por professores e alunos das licenciaturas em teatro. Tessituras entre a dramaturgia lida, estudada e compreendida e aquela que se encontra ainda no espaço do vir-a-ser com os futuros estudantes de escolas regulares e de oficinas livres.

Pode-se partir do caderninho, da pata do dinossauro, da notícia de jornal, da fofoca da vizinhança, do encontro de olhares no jogo da aula anterior, da Odisseia, de uma fotografia de Sebastião Salgado, de um conto de fadas, da briga com a prima, dos sons da praça, dos artefatos culturais, tantos e incontáveis, e das experiências que atravessam a vida das crianças e jovens, das temáticas e assuntos que os envolvem, de nenhuma temática ou assunto, de nenhuma imagem, de um odor, de uma cor, de um pavor e, finalmente, de um amor. Sem fim. A lista não tem fim. No entanto, ela inicia-se com eu e você.

Urge um modo de trabalhar junto aos licenciandos de teatro que rompa com um gasto discurso que cinde trabalho corporal, trabalho vocal, trabalho de texto. Boas aulas de teatro para não-atores podem partir da noção de corporeidade como nosso ser-no-mundo, a corporeidade assumida como nosso envelope biográfico, como nossa marca mais própria - identitária, criativa, performativa, plena de concretude imaginária, grávida de vazios. Fim das cisões entre subjetividade e objetividade: início de um modo de ser e estar no mundo, junto a crianças e jovens onde o brincar e o jogo não são intermeios, mas, antes, são o caldo existencial principal das relações entre professor de teatro e aluno iniciante, pessoas em convívio, onde o campo relacional já é a própria aula, já é a forma-conteúdo, já é o que nos importa - corpo adquirido em estado de risco, provisório, performado na inconstância.

Complexo é construir o como, é fazer ideia virar planejamento e plano virar ação e ação virar jogo e jogo virar teatro e teatro virar conhecimento incorporado. Seguimos na busca, construindo nossas dramaturgias nos nossos corpos, com nossos alunos e os alunos de nossos alunos. Está lançado o desafio: pegue seu caderninho e sua pata de dinossauro e arrisque-se conosco!

Referências

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  • VIGARELLO, Georges. Le Corps Redressé. Paris: Jean Pierre Delarge, 1978.
  • Este texto inédito também se encontra publicado em inglês neste número do periódico.
  • 1
    Manteve-se o uso de minúsculas conforme original.
  • 2
    As três autoras atuam como pesquisadoras neste projeto, que foi contemplado com o Edital Universal CNPq-14/2014 e é coordenado pelo antropólogo Guilherme José da Silva e Sá, professor do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília.
  • 3
    Tradução do original italiano realizada pelas autoras.
  • 4
    Kincheloe propõe a bricolagem como uma estratégia de análise e interpretação dos fenômenos que contempla a diversidade dos sujeitos envolvidos e na qual os procedimentos de investigação se constituem ao longo do próprio processo.
  • 5
    Texto vencedor do Prêmio Rubens Murillo Marques, Edição 2015. São Paulo, FCC, 2015.
  • 6
    Termo adotado por nós, cunhado por Haroldo de Campos (Tápia; Nóbrega, 2015TÁPIA, Marcelo; NÓBREGA, Thelma Médici. Haroldo de Campos - Transcriação. São Paulo: Editora Perspectiva , 2015.). Todas as transcriações e criações dramatúrgicas que são mencionadas no texto são de autoria de Marina Marcondes Machado.
  • 7
    Estamos pensando aqui na mudança de paradigma proposta por Boaventura de Sousa Santos e Maria Paula Meneses na obra Epistemologias do Sul (2010SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (Org.). Epistemologias do Sul. São Paulo: Editora Cortez, 2010.), na qual reforçam a crítica pós-colonial ao monopólio epistemológico do Norte global, que nega os outros saberes, para além da ciência e da técnica.
  • 8
    As pesquisas foram realizadas, respectivamente, em três turmas de 5º ano, no CEF 01 de Sobradinho, cidade Satélite de Brasília, entre agosto e dezembro de 2013, e em duas classes CLIN (Classes de adaptação para alunos não-francófonos, que acolhem crianças estrangeiras, imigrantes ou refugiados), entre fevereiro de 2014 e janeiro de 2015, na École Keller, localizada no 11ème arrondissement, e na École Eugène Varlin, no 10ème arrondissement de Paris. As pesquisas realizadas em Paris foram financiadas com Bolsa de Estágio Sênior da Capes, concedida a título de pós-doutoramento no exterior, na Université Paris Ouest - Nanterre La Défense, sob supervisão da Prof.ª Idelette Muzart Fonseca dos Santos.
  • 9
    A história de Maria Guiomar foi escrita por ela no caderninho. Foi mantida a grafia original.
  • 10
    Quand j'étais pétite au Tchad Quand j'étais pétite au Tchad, un jour j'étais en train de jouer. Ma copine était très méchante avec moi parce que je ne jouais pas avec elle. Elle s'appelait Féesae. Elle a prit un gros caillou et elle l'a lancé sur mon genoux. Ça m'a fait très mal. Je suis resté avec des grands cicatrices dans ma jambe. Quand j'étais grandi je suis parti chez Féesae. Elle avait beaucoup de fréres. Je lui a demandé: - 'Pourquoi, quand j'étais petite tu m'a fait mal?'. Elle m'a répondit: - 'Parce-que toi, tu ne jouais pas avec moi'. Dans ce jour elle m'a frappé et moi aussi je lui a frappé. Elle a pleuré et aprés aprés après elle est venue chez moi et m'a demandé de la pardonner. Puis on est devenue amies.
  • 11
    A história de Zara foi contada oralmente, registrada, transcrita e traduzida pela pesquisadora.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2017

Histórico

  • Recebido
    30 Mar 2016
  • Aceito
    09 Set 2016
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