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Percepção, Torção, Acontecimento: enlaces entre corpo, discurso e arte

RESUMO

Este estudo toma como base a marcação do sujeito e de seu lugar social na performance, de modo a estabelecer conexões entre sujeito, corpo e gesto no ato performático. Esse enlace se torna possível a partir da análise discursiva da sexta dimensão da atividade performática, atualização da teoria da performance de Schechner, em conjunção com os postulados de Merleau-Ponty sobre a percepção, e de Pêcheux a respeito do discurso. Os resultados apontam para a possibilidade de uma análise materialista do campo das experimentações sensíveis, em que se destacam os desdobramentos teóricos da noção de percepção na condição de ato analítico consubstanciado ao sentir e ao agir do corpo do/pelo sujeito.

Palavras-chave:
Corpo; Discurso; Arte; Sujeito; Performance

ABSTRACT

This study is based on the identification of the subject and his/her social place in the performance, in order to connect subject, body, and gesture in the performing act. This link becomes possible from the discursive analysis of the sixth dimension of the performing activity: an updating of Schechner’s theory of performance, in conjunction with the postulates of Merleau-Ponty on perception, and Pêcheux on discourse. Results indicate an opportunity for a materialistic analysis of the field of sensitive experimentation, emphasizing the theoretical unfolding of the notion of perception in the analytical act consolidated in the feeling and action of/by the subject’s body.

Keywords:
Body; Discourse; Art; Subject; Performance

RÉSUMÉ

Cette étude s’appuie sur le marquage du sujet et sa place sociale dans la performance, afin d’établir des liens entre sujet, corps et geste dans l’acte de performance. Ce lien est rendu possible par l’analyse discursive de la sixième dimension de l’activité de performance, mettant à jour la théorie de la performance de Schechner, en lien avec les postulats de Merleau-Ponty sur la perception, et Pêcheux sur le discours. Une analyse matérialiste du champ des expériences sensibles est proposée, mettant en évidence les développements théoriques de la notion de perception comme acte analytique incarné dans le ressenti et l’action du corps du / par le sujet.onteúdo do résumé.

Mots-clés:
Corps; Discours Art; Sujet; Performance

O Sentir e o Saber

Qual é o motivo pelo qual o sentir é tão presente nas artes, e, ao mesmo tempo, tão estranho e desconfortável para uma concepção tradicional de ciência? Para responder a essa pergunta, poderíamos indicar, de início, vários apontamentos históricos (Vigarello, 2016)VIGARELLO, Georges. O sentimento de si: história da percepção do corpo. Petrópolis: Vozes, 2016. que sustentariam a perspectiva de que até o século XVII os sentimentos foram consubstanciados às alterações de estados da consciência, apartados do exercício teórico e alienados de qualquer causa ou função social que não estivesse subjugada ao dom (do artista, do santo ofício ou do trabalho materno). Dessa maneira, ao artista, eleito como ser sensível por excelência, caberia o papel de transfigurar o que se sentia em obra de arte, materializar o transbordamento de emoção em algo objetificável. Essa particularidade da produção artística permite observar de modo mais concreto a cisão entre a experiência sensível e a razão, que historicamente vai marcar o sentir e o pensar como diametralmente opostos. Tal cisão relaciona o sentimento à fuga da realidade e o elenca como contraproducente, já que não possui função objetiva que não esteja centrada em si mesmo; além disso, elege o raciocínio como único meio válido para a obtenção da verdade e da justiça. Delineava-se, assim, uma primazia do trabalho da mente sobre qualquer outro tipo de produção, manual ou sensível.

Essa primazia recupera a distinção da arte como técnica apartada das outras ciências, por intermédio da postulação aristotélica acerca da práxis, o conjunto de ciências destinadas à ação, e a poiesis, que engloba os campos voltados à fabricação, donde a arte estaria posta. Essa separação é aprofundada sob a sanção da formulação teoria versus prática na Enéada V de Plotino, que identifica as artes como um conjunto de técnicas cujo objetivo é auxiliar à natureza (a exemplo da agricultura, arte de manejar o plantio), ou fabricar algo a partir dela, como o faz o artesanato. Para a sociedade antiga, cuja estrutura social centrava-se na escravidão, os fazeres técnicos, compreendidos como as artes servis e mecânicas, eram subjugados às práticas da mente - às artes das classes liberais, como a oratória e a matemática, por exemplo. Com a ascensão da burguesia, o paradigma é invertido e a sociedade passa a reconhecer as técnicas mecânicas como trabalho. Segundo Chauí (2000)CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2000., nesse panorama, as técnicas serão classificadas como úteis ao homem - a medicina, a culinária etc. ou úteis ao belo - o teatro, o cinema, a literatura, enfim. Nesses termos, o técnico responde ao fazer advindo da tradição e da ciência e evolui para uma forma de conhecimento própria, a tecnologia; enquanto o belo se volta à criação realizada com base na inspiração sensível do artista criador, e passa a ser encarada como expressão criativa.

Assim, na condição de trabalho da expressão, desde sua concepção, a arte esteve intimamente relacionada à ciência e à técnica, não raro casos como a articulação entre a pintura e a expressão das paixões pelo rosto, de Le Brun, terem auxiliado no desenvolvimento das concepções cartesianas e na descoberta do princípio da circulação sanguínea1 1 O exemplo é de Jean-Jacques Courtine (2013). . Esse sistema orgânico de saberes conjugava sentimento, técnica, corpo, arte e ciência em uma só confluência holística. No século XVII, a fisiognomonia, por exemplo, procurava precisar diagnósticos médicos com base nas influências que os corpos dos pacientes sofriam em relação à ação dos astros e também à sua fisionomia. Nesse lugar, assentam-se saberes relativos às inclinações da moral, como a proximidade dos olhos indicar desvio de caráter, e também dizeres recuperados pela astrologia, como o signo de câncer estar mais propício a ter olhos grandes e estômago frágil. Essas concepções holísticas serão gradualmente esfaceladas ao longo do século, acompanhando a mudança de tom que operou o avanço da medicina, e, mais tarde, relegadas ao senso comum com o advento do positivismo como método científico, que não comportava o exercício sensível.

Circunscrito ao fazer não científico, ainda que pontualmente explorado como ferramenta secundária na investigação de certos objetos acadêmicos, o sentir é expurgado do centro das produções intelectuais da época, cedendo lugar ao método e suas formalidades. Do panorama até aqui desenhado, se postas em sequência, as associações a que fiz referência se dariam entre sentir, expressar e criar artisticamente, em oposição ao pensar, trabalhar e reproduzir cientificamente. Esses arranjos vão ser moldados em decorrência das mudanças sociais acarretadas pela forma de se conceber as ciências, donde surge a diferenciação entre ação e fabricação, que desemboca na separação entre arte, o lugar do fazer emocional; e tecnologia, o lugar do fazer racional. Essa distinção maniqueísta, entre pensar e sentir, rememora o discurso do positivismo e atravessa diferentes formulações, regendo um modo específico de se fazer ciência e tornando possível, por exemplo, a crença de que existe uma relativização do rigor racional no tratamento de temas ligados ao universo sensível.

O espaço conferido ao sentir seria, nesse panorama, o da contingência, perturbação da ordenação racional, da subversão e do desconforto, da linguagem metafórica, polissêmica, da primeira pessoa, de quebra da cadeia contínua, enfim, o mesmo a que foi designada a arte, e com a mesma força e intensidade da inquietude que Denise Maldidier atribuía ao discurso. É partindo da desestabilização das estruturas proporcionada pelo sentir, e da relação que guarda com a experiência sensível do sujeito, que objetivo unir arte e discurso, em articulação com a substância material do sujeito, seu corpo, à moda das conjunções holísticas entre expressão criativa, ciência e técnica corporal a que me referi brevemente nesta exposição. A proposta é a de pensar na arte como uma torção no plano da linguagem, e de observar, a partir da dobra, como os sentidos são erigidos na relação em que o sujeito estabelece com a percepção sensível do objeto artístico. Para tanto, parto da noção discursiva de torção, explicitando uma de suas especificidades: a de tornar possível o ato analítico da percepção. O método qualitativo e de abordagem bibliográfica, empregado neste estudo, leva em consideração a análise discursiva da performance Helena terrorista de gênero (2018), apresentada no IX Simpósio do Grupo de Teorias do Discurso (GTDIS), em Caxias do Sul, com vistas a elucidar a forma como, por intermédio do gesto, se imbricam arte, corpo e sujeito, figurando aí o discurso como centro desse vínculo.

A Torção e a Percepção

O exercício de análise passa pela investigação dos efeitos advindos das torções em três instâncias essenciais à Análise de Discurso de inspiração pecheutiana, quais sejam: o sujeito, a linguagem e a memória. A noção de torção aqui mobilizada é elucidada por Maria Cristina Leandro-Ferreira (2013)LEANDRO-FERREIRA, Maria Cristina. Discurso, arte e sujeito na tessitura da linguagem. In: INDURSKY, Freda; LEANDRO FERREIRA, Maria Cristina; MITTMANN, Solange (org.). O acontecimento do discurso no Brasil. Campinas: Mercado de Letras, 2013. P. 127-140., que associa a torção da linguagem à produção do equívoco. Na mesma perspectiva, a torção do sujeito faz irromper o inconsciente, e a torção na memória faz com que “[...] outros sentidos sejam esquecidos e sejam esquecidos para que outros sejam lembrados” (Leandro-Ferreira, 2013LEANDRO-FERREIRA, Maria Cristina. Discurso, arte e sujeito na tessitura da linguagem. In: INDURSKY, Freda; LEANDRO FERREIRA, Maria Cristina; MITTMANN, Solange (org.). O acontecimento do discurso no Brasil. Campinas: Mercado de Letras, 2013. P. 127-140., p. 130). O ponto nodal dessa concepção é o de que a guinada da torção revela a incompletude constitutiva dessas estruturas, e a tentativa constante de anulá-las ou retificá-las - pelas várias formas de negação que, em maior ou menor medida, vão encobrir o fato de que o sujeito não controla o que diz e não é fonte do dito, que o equívoco é o lugar de observação do sujeito e do sentido, e que o lapso revela filiações ideológicas sócio e historicamente determinadas.

As várias manifestações desse movimento de tamponagem integram um quadro maior, de inclinação intelectual marcada pela herança positivista de priorizar o objetivismo, escanteando, nesse processo, objetos que operem em maior medida com o subjetivismo e seus predicados, o impossível e o incompleto. É Pêcheux quem, em Semântica e Discurso (2014a [1975]), propõe uma abordagem não subjetivista da subjetividade, adotando, segundo Grigoletto (2013)GRIGOLETTO, Marisa. Sujeito, subjetivação, inconsciente e ideologia. In: CARMAGNANI, Anna Maria Grammatico; GRIGOLETTO, Marisa (org.). Língua, discurso e processos de subjetivação na contemporaneidade. São Paulo: Humanitas, 2013. P. 9-42., as discussões sobre ideologia e a constituição do sujeito ideológico de Althusser, e expandindo esse paradigma ao observar, na autocrítica que tece em Só há causa daquilo que falha, ou O Inverno Político Francês (Pêcheux, 2014b [1978])PÊCHEUX, Michel. Só há causa daquilo que falha ou o inverno político francês: início de uma retificação [1978]. In: PÊCHEUX, Michel. Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Translation by Eni Puccinelli Orlandi. 5. ed. Campinas: Editora da UNICAMP, 2014b. P. 269-281. , que são as falhas no mecanismo de interpelação ideológica que permitem que, nas margens do processo, o sujeito resista à posição a ele assinalada. Essa concepção demarca mais claramente o modus operandi do processo de subjetivação, centralizando nele a falha e tornando possível conceber materialmente objetos antes deixados de lado pelo positivismo, a exemplo da falha e do próprio sujeito.

A assunção da falha como parte integrante do esquema teórico da Análise de Discurso, abre precedente para que se possa analisar materialmente determinados objetos outrora negligenciados, ou, no mínimo, pouco explorados ao longo da história do desenvolvimento das ciências, já que representam a inscrição da instabilidade e a perturbação do que seria considerado como objeto ideal, isento de distorções e variantes imprevisíveis ou contraditórias, ocasionadas pela ação do sujeito. É o caso, por exemplo, da percepção, desconsiderada pela tradição objetivista como construto passível de análise, uma vez que guardaria relação com o sensível, potencialmente problemático em um estudo de cunho positivo. Se lançarmos luz para o sujeito e suas manifestações sensíveis, podemos aferir que a percepção é uma ação que se conecta à experiência proporcionada pelos sentidos, que, por sua vez, é condicionada à linguagem. É à experiência sensível que Locke (1999, p. 80)LOCKE, John. Ensaio acerca do Entendimento Humano. Translation by Anoar Aiex. São Paulo: Nova Cultural, 1999. confere o termo percepção, ela “[...] é a primeira operação de todas as nossas faculdades intelectuais e a entrada de todo conhecimento em nossas mentes”, ao que equivale dizer que a linguagem, o pensamento e a percepção estão consubstanciados ao corpo - o lugar em que a experiência é percebida por meio do movimento (Giorgi, 2017)GIORGI, Margherita De. Presença e Micropolítica do Sensível: Ouverture Alcina, um caso de composição pós-dramática. Revista Brasileira de Estudos da Presença, Porto Alegre, v. 7, n. 3, p. 437-476, 2017. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/2237-266063597>. Acesso em: 02 mar. 2020.
https://doi.org/10.1590/2237-266063597...
.

Em perspectiva similar, Maurice Merleau-Ponty (1999)MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. Translation by Carlos Alberto Moura. São Paulo: Martins Fontes, 1999. postula que “[...] a identidade da coisa através da experiência perceptiva é apenas um outro aspecto da identidade do corpo próprio no decorrer dos movimentos de exploração” (Merleau-Ponty, 1999MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. Translation by Carlos Alberto Moura. São Paulo: Martins Fontes, 1999., p. 251). Nesse sentido, distingue-se a sensação - um acúmulo de estímulos, essencialmente relacionados aos cinco sentidos, mas não obstados a eles, e sim à maneira como eles são significados (todos ou nenhum deles) - da percepção - as associações, inversões e relações, obtidas por meio das sensações, e que se estabelecem entre o modo de ser do sujeito no mundo (o corpo) e os outros objetos que dele participam. Merleau-Ponty (1999)MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. Translation by Carlos Alberto Moura. São Paulo: Martins Fontes, 1999. define, assim, o corpo como representação do sujeito, um objeto próprio que, em relação a outro, percebe a identidade das coisas, confere sentido a elas, mediado por dois universais categóricos fundamentais: o tempo e o espaço. O esquema de identificação dos significados comporta ainda a busca pelo eidos, que consistiria em tratar dos dados sensíveis como representativos de um conjunto, pô-los em relação uns com os outros, ordená-los em um sistema, centrando a pluralidade dessas experiências em um mesmo núcleo inteligível. Essa ordenação da matéria da experiência faria com que o sujeito enxergasse por trás do fluxo das impressões e, enfim, percebesse o sentido que se constrói (a identidade da coisa), e não este que aparenta estar acabado (a impressão ou a experiência automatizada).

Sendo o corpo a representação do sujeito no mundo, e os objetos que o habitam representações das coisas em relação ao corpo, à busca do eidos corresponderia o que Pêcheux (2014a [1975], p. 115)PÊCHEUX, Michel. Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio [1975]. Translation by Eni Puccinelli Orlandi. 5. ed. Campinas: Editora da UNICAMP, 2014a. define como “[...] o exame da relação do sujeito com aquilo que o representa”, o que passaria tanto pela investigação do processo discursivo, quanto pela análise da influência que ele exerce no corpo do sujeito e em seus gestos. Em A linguagem indireta e as vozes do silêncio (1991), Merleau-Ponty discute a concepção de signo a partir de Saussure, centralizando a ideia de relação entre a parte e o conjunto, presente no Cours, e afirmando que a linguagem “[...] vai além dos ‘signos’, rumo ao sentido deles” (Merleau-Ponty, 1991MERLEAU-PONTY, Maurice. A linguagem indireta e as vozes do silêncio. In: MERLEAU-PONTY, Maurice. Signos. Translation by Maria Ermantina Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1991. P. 39-88., p. 42). Nesses moldes, e em direção ao que postula Pêcheux, para Merleau-Ponty (1991, p. 42)MERLEAU-PONTY, Maurice. A linguagem indireta e as vozes do silêncio. In: MERLEAU-PONTY, Maurice. Signos. Translation by Maria Ermantina Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1991. P. 39-88., o signo deveria comportar um aspecto mais opaco que “[...] nunca nos oferece significações absolutamente transparentes, [já que] a gênese do sentido nunca está terminada”. Para o autor, o signo não é suficiente para explicar o exercício da linguagem, estando o gesto mais próximo de uma unidade significativa básica, já que prevê uma ação e abriga aquilo que o sistema não processa, a exemplo do que se estabelece antes que a palavra seja enunciada, seu “[...] fundo de silêncio que não cessa de rodeá-la, sem o qual ela nada diria” (Merleau-Ponty, 1991MERLEAU-PONTY, Maurice. A linguagem indireta e as vozes do silêncio. In: MERLEAU-PONTY, Maurice. Signos. Translation by Maria Ermantina Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1991. P. 39-88., p. 47). Essa concepção põe a nu os fios de silêncio, que se entremeiam nas palavras, e destaca as ações implícitas no ato de comunicação, explorando, assim, “[...] potencialidades através da experiência do gesto e do sentido que conferimos a ela” (Bienaise; Levac, 2016BIENAISE, Johanna; LEVAC, Manon. Dar Sentido à Experiência do Gesto na Classe Técnica: um olhar sobre a prática de quatro professoras no Quebec. Revista Brasileira de Estudos da Presença, Porto Alegre, v. 6, n. 3, p. 502-523, 2016. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/2237-266063625>. Acesso em: 03 mar. 2020.
https://doi.org/10.1590/2237-266063625...
, p. 523).

Nesse panorama, o gesto não é exclusivamente fisiológico, como atitude mecânica, nem tampouco se resume à consciência da sensação, ele é, antes, um arranjo entre as duas instâncias, que se define na torção entre a ação física e a mental, de modo que “[...] o corpo e a consciência não se limitam um ao outro, eles só podem ser paralelos” (Merleau-Ponty, 1999MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. Translation by Carlos Alberto Moura. São Paulo: Martins Fontes, 1999., p. 174). O princípio germinal do gesto é, assim, a ação que conjuga linguagem e percepção - a relação entre o corpo do sujeito e os demais objetos, e que comporta, ainda, a afetação mútua, a maneira como ele será recebido e, de volta, como vai interferir em quem o proferiu. Nessas vias, para Merleau-Ponty, os gestos, dentre eles os de linguagem, definirão as formas de expressão do ser, representado, no mundo, pelo corpo. A articulação desses gestos pode se dar por intermédio da mimese, que vai automatizá-los, ou da diegese, que pode quebrar a cadeia automatizada. O processo ocorre nos mesmos moldes em que, na Psicanálise, a polissemia rompe a sequência parafrástica de transferência fazendo emergir o sintoma, ou que, no discurso, o acontecimento rompe com uma certa rede de sentidos sedimentados pela memória. Assim, a desautomatização é o lugar da torção de uma estrutura, o ponto pelo qual se observa a expressão criativa. Esse é o mesmo lugar que, por excelência, ocupa a arte. Nesses termos, um pintor, por exemplo, “[...] nos atinge através do mundo tácito das cores e das linhas” (Merleau-Ponty, 1991MERLEAU-PONTY, Maurice. A linguagem indireta e as vozes do silêncio. In: MERLEAU-PONTY, Maurice. Signos. Translation by Maria Ermantina Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1991. P. 39-88., p. 45), gesto que “[...] requer de nós apenas um poder de reordenar as nossas significações” (Merleau-Ponty, 1991MERLEAU-PONTY, Maurice. A linguagem indireta e as vozes do silêncio. In: MERLEAU-PONTY, Maurice. Signos. Translation by Maria Ermantina Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1991. P. 39-88., p. 45), de enxergar de outro modo aquilo que pode ter sido naturalizado, de estranhar, enfim, o que se apresenta como ordinário.

A concepção de estranhamento ou desconhecimento é de Viktor Chklovski (1976)CHKLOVSKI, Viktor. A Arte como Procedimento. In: TOLEDO, Dionísio de Oliveira (org.). Teoria da Literatura: Formalistas Russos. Porto Alegre: Globo, 1976. P. 39-58., que, ao criticar a noção de poesia, como sendo um conjunto de imagens, vai propor que a identificação da linguagem poética, antes mesmo de formar uma imagem, opera uma desestabilização na linguagem ordinária. O uso e o hábito fazem com que a língua sofra uma automatização, que “[...] engole os objetos, os hábitos, os móveis, a mulher e o medo à guerra” (Chklovski, 1976, p. 44), a arte, então, seria aquilo que, usando essa mesma linguagem, mas subvertendo sua ordem, tempo ou espaço, promove um reencontro com o que foi familiarizado, devolvendo ao sujeito a sensação de vida. A arte não estaria, assim, a serviço da criação de uma imagem nova, mas da fabricação de uma percepção particular sobre um determinado objeto, “[...] o procedimento da arte é o procedimento da singularização dos objetos e o procedimento que consiste em obscurecer a forma, aumentar a dificuldade e a duração da percepção” (Chklovski, 1976, p. 45). Dessa forma, a arte seria um meio de experimentar o devir do objeto, figurando, nesse processo, o ato de percepção como um fim em si mesmo, que deve ser prolongado com o máximo de força e duração. O caráter estético não estaria, assim, a serviço do belo e do bom gosto, como o predizia Kant (Campos; Neckel, 2016)CAMPOS, Luciene Jung; NECKEL, Nádia. Olhares táteis: corpo atravessado, o sujeito que resta. In: GRIGOLETTO, Evandra; DE NARDI, Fabiele Stockmans (org.). A Análise de Discurso e sua história: avanços e perspectivas. Campinas: Pontes, 2016. P. 165-178., mas em função da libertação da percepção do automatismo.

Ao se referir à conjunção entre a percepção e o exercício criativo, Merleau-Ponty (1991)MERLEAU-PONTY, Maurice. A linguagem indireta e as vozes do silêncio. In: MERLEAU-PONTY, Maurice. Signos. Translation by Maria Ermantina Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1991. P. 39-88. afirma ser a arte um advento, promessa infinita de acontecimentos. Segundo o autor, a arte fundava uma tradição “[...] porque recolhia uma outra: a da percepção. A quase eternidade da arte confunde-se com a quase eternidade da existência humana encarnada” (Merleau-Ponty, 1991MERLEAU-PONTY, Maurice. A linguagem indireta e as vozes do silêncio. In: MERLEAU-PONTY, Maurice. Signos. Translation by Maria Ermantina Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1991. P. 39-88., p. 73). Perceber o diferente e o comportamento deste quase envolve, “[...] no exercício de nosso corpo e de nossos sentidos” (Merleau-Ponty, 1991MERLEAU-PONTY, Maurice. A linguagem indireta e as vozes do silêncio. In: MERLEAU-PONTY, Maurice. Signos. Translation by Maria Ermantina Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1991. P. 39-88., p. 73), entender de que maneira o gesto do artista nos insere no tempo e espaço. Como advento e na sua relação com o tempo, a arte pode desestabilizar a repetibilidade, desarranjar a automação, atualizando um evento em um tempo e espaço definidos; ato que corresponderia, em Pêcheux (1999)PÊCHEUX, Michel. Papel da memória. In: ACHARD, Pierre et al. (org.). Papel da memória. Translation by José Horta Nunes. Campinas: Pontes, 1999. P. 49-58., à ruptura de uma memória eternizada no campo do interdiscurso, um acontecimento discursivo.

O Acontecimento e a Ruptura

O acontecimento discursivo é caracterizado pelo surgimento de uma nova formação discursiva, daí seu caráter de raridade, já que esse tipo de evento exige a identificação de um novo domínio de saber, trata-se de um movimento “[...] em direção ao novo, ao inusitado, esse movimento de ruptura marca um momento pontual, único, fugaz, irrepetível” (Indursky, 2008INDURSKY, Freda. Unicidade, deslocamento, fragmentação: a trajetória da noção de sujeito em Análise do Discurso. In: MITTMANN, Solange; GRIGOLETTO, Evandra; CAZARIN, Ercília Ana (org.). Práticas discursivas e identitárias: sujeito e língua. Porto Alegre: Nova Prova, 2008. P. 9-33., p. 21). O acontecimento discursivo se dá em relação à ruptura do sujeito com os saberes mobilizados pela forma-sujeito, daí estar associado à desidentificação, ao passo que à contraidentificação filia-se um acontecimento de tipo específico, em que a agitação dos saberes não é forte o suficiente para que se inaugure uma formação-discursiva, mas, sim, uma posição-sujeito contraidentificada; a este último acontecimento, Indursky (2008) atribui o termo acontecimento enunciativo. Em abordagem similar, ainda que no espaço entre o campo das artes e o discursivo, Renata Marcelle Lara (2016)LARA, Renata Marcelle. Corpo performático como acontecimento artístico discursivo. In: GRIGOLETTO, Evandra; DE NARDI, Fabiele Stockmans (org.). A Análise de Discurso e sua história: avanços e perspectivas. Campinas: Pontes, 2016. P. 195-208. postula sobre a possibilidade de o corpo performático caracterizar um acontecimento artístico-discursivo, já que, como prática artística, o corpo em performance só acontece em um momento específico, “[...] fugaz e simbolicamente eternizante” (Lara, 2016LARA, Renata Marcelle. Corpo performático como acontecimento artístico discursivo. In: GRIGOLETTO, Evandra; DE NARDI, Fabiele Stockmans (org.). A Análise de Discurso e sua história: avanços e perspectivas. Campinas: Pontes, 2016. P. 195-208., p. 205), além de desestabilizar, “[...] nos territórios da Arte (como área de conhecimento), sentidos possíveis para a arte (como manifestação/obra artística), para o sujeito-artista e suas relações com o tempo-espaço” (Lara, 2016LARA, Renata Marcelle. Corpo performático como acontecimento artístico discursivo. In: GRIGOLETTO, Evandra; DE NARDI, Fabiele Stockmans (org.). A Análise de Discurso e sua história: avanços e perspectivas. Campinas: Pontes, 2016. P. 195-208., p. 205).

A ressalva que faz Lara (2016)LARA, Renata Marcelle. Corpo performático como acontecimento artístico discursivo. In: GRIGOLETTO, Evandra; DE NARDI, Fabiele Stockmans (org.). A Análise de Discurso e sua história: avanços e perspectivas. Campinas: Pontes, 2016. P. 195-208. atenta para o fato de que, assumir a existência do acontecimento artístico-discursivo, não implica que “[...] toda e qualquer performance produza, propriamente, resistência discursiva” (Lara, 2016, p. 206) - a resistência íntima à identificação ocasionaria a ruptura e a contraidentificação a que se refere Indursky (2008)INDURSKY, Freda. Unicidade, deslocamento, fragmentação: a trajetória da noção de sujeito em Análise do Discurso. In: MITTMANN, Solange; GRIGOLETTO, Evandra; CAZARIN, Ercília Ana (org.). Práticas discursivas e identitárias: sujeito e língua. Porto Alegre: Nova Prova, 2008. P. 9-33., já que é resistindo aos saberes que o sujeito modaliza sua tomada de posição. Isso não apaga o caráter de ineditismo que reside na concepção de acontecimento como fundador de uma nova discursividade, mas o torce, revelando a relativização essencial nesse processo: o acontecimento é, antes da ruptura, uma questão de alteração da cadeia parafrástica de repetição, em que ocorre a explicitação da desautomatização. Nesse paradigma de subversão da norma, assim como na Resistência dos Materiais de Hibbeler (2010), uma força é empregada sobre um corpo, e origina nele um tipo de esforço, que pode culminar em uma deformação - a tensão, a torção, o cisalhamento etc. Por si só, a torção não implica ruptura, já que existe um coeficiente de resistência desse material que, aliado à sua composição, determinará a variação e a proporção da deformação. A depender da força empregada, a tensão pode ser a) proporcional ao movimento que esse corpo exerce em resposta à força, permanecendo dentro do limite proporcional do corpo, o que equivaleria à reduplicação dos saberes da formação discursiva; b) forçar os limites do corpo além do limite de elasticidade, fazendo com que o corpo deforme e assuma uma forma plástica, diferente da original, mas não alheia, contraidentificando-se, portanto, com a forma-sujeito; e, finalmente, c) o aumento dessa tensão pode fazer com que o corpo ultrapasse seu limite de resistência, sofrendo estricção e provocando, assim, a ruptura, conforme esquematizado na Figura 1, a seguir:

Figura 1
Tensão de Ruptura Real

Dessa exposição, interessa destacar, do esquema em que se enquadra o acontecimento, a ruptura não é senão uma das etapas de um processo que engloba outras manifestações deformativas primárias (do ponto de vista da trajetória de ação das forças sobre um material), e que depende da proporção da carga empregada em relação aos limites (proporcional, elástico e de resistência) do corpo. Da maneira em que se apresenta, podemos esmiuçar o acontecimento, e especificar os seus pormenores em uma escala que situa a desautomatização da linguagem na base do processo deformativo, passando para um nível secundário em que se enquadra a torção, e, finalmente, a depender da posição que assume o sujeito frente à atualização da memória, a ruptura. Desse quadro participam ainda a repetição, que cristaliza os saberes na memória, e a ação da ideologia, que determinará o que é tomado como óbvio, sedimentado e reduplicado. Ainda no exemplo de Lara (2016)LARA, Renata Marcelle. Corpo performático como acontecimento artístico discursivo. In: GRIGOLETTO, Evandra; DE NARDI, Fabiele Stockmans (org.). A Análise de Discurso e sua história: avanços e perspectivas. Campinas: Pontes, 2016. P. 195-208., se existe uma rede de sentidos possíveis para a manifestação artística com a qual o acontecimento artístico-discursivo rompe, é porque a percepção sobre estes sentidos foi estabilizada pela repetição e cristalizada pela memória até automatizá-los e torná-los óbvios. A esquematização do panorama tracejado pode ser observada na Figura 2, abaixo:

Figura 2
Esquematização do Acontecimento Discursivo

Para Marx e Engels (2001)MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. Translation by Luis Claudio de Castro Costa. São Paulo: Martins Fontes, 2001., a produção do óbvio é uma expressão particular de um dos mecanismos de funcionamento da ideologia, qual seja: a naturalização dos fatos históricos e culturais, sua marcação como normais, triviais ou inevitáveis. No caso apresentado, o assentamento dos sentidos possíveis para a arte, aos quais se refere Lara (2016)LARA, Renata Marcelle. Corpo performático como acontecimento artístico discursivo. In: GRIGOLETTO, Evandra; DE NARDI, Fabiele Stockmans (org.). A Análise de Discurso e sua história: avanços e perspectivas. Campinas: Pontes, 2016. P. 195-208., é efeito colateral de dois fatores de mesmo expoente: a) a evidenciação de que há uma linguagem naturalizada para a arte, e b) o reconhecimento da necessidade de quebra dessa linguagem para que se valide a arte como tal. A concepção de que só é arte quando há ruptura acompanha um anseio pelo novo, tipo específico de desejo que está na base do funcionamento da obsolescência, quase instantânea, que rege o comércio moderno, pautado na fabricação e troca contínua de objetos-a2 2 The relation of the subject with the object of desire is mediated by the demand, which is from the other. Desire is never sated because it does not reside in the object itself, but in what it holds in relation to the other who brings the object to the subject. The demand is not for a specific object insofar as when the subject gains possession of the given object, this desire migrates to another material form. In Psychoanalysis, this connection is interpreted as the search for the object, which may take on any form and continuously, since the demand for the other does not buffer the constitutive lack that drives the desire. In this sense, capitalism has had great success in exploiting a demand that is inherently impossible, creating infinite almost obsolete objects from the moment they are produced, which will prompt the subject towards constant consumption. , que impulsionam o consumo. Essa ação ideológica na arte, pontuada na produção do óbvio, é possível porque a arte se apresenta como uma linguagem - a contraparte concreta do discurso que, por sua vez, materializa a ideologia; além disso, na conjuntura capitalista, a arte é tida como produto cultural e econômico, cujo consumo esteve historicamente associado às classes dominantes.

Do novo necessário, reflexo da relação entre arte e capitalismo, surge a afirmação da crítica3 3 Da arte como substrato que inaugura uma vanguarda. Sobre essa perspectiva, cf. Caio Túlio Costa. de que a pintura morre com Cézanne, a música com Mozart, a poesia com Eliot, enfim. Nessa perspectiva, os verdadeiros artistas, teoricamente isentos das perversões da espetacularização e do mercado, romperam com as formas até então assentadas e inauguraram novas discursividades. Suas obras-primas seriam acontecimentos discursivos, gênese de vanguardas, formações discursivas inéditas nas quais se inscreveram os artistas subsequentes, produzindo, quando muito, posições contraidentificadas. No cenário apresentado, existem dois pontos conflitantes entre essas afirmações da crítica e a perspectiva que adoto neste estudo. Em primeiro lugar, a arte pode ser encarada como torção específica da linguagem, gesto que subverte a estrutura sedimentada na intenção de produzir um alongamento da percepção por intermédio do estranhamento. Na condição de gesto de linguagem, a arte não está isenta das determinações socio-históricas e ideológicas que estão na base do funcionamento discursivo, de modo que seria impossível para um artista estar alheio à conjuntura em que se insere. Nenhum sujeito escapa à rede de significações instaurada pelo consumo e assegurada pelos aparelhos de Estado - ora submetendo-se à dominação, ora resistindo a ela, mas nunca indiferente, já que isso significaria estar fora da formação social que a origina.

Um segundo ponto que merece destaque nesta crítica faz referência ao que foi mencionado como anatomia do acontecimento discursivo, ou a observação dele como processo. No diagrama apresentado, a obra de arte participa de um primeiro estágio do acontecimento em que se situa a desautomatização da linguagem nas vias em que lhe permite o estranhamento. Esse objeto, condicionado à ação proporcional das forças externas à Formação-discursiva em relação com os limites (proporcionais, elásticos e de resistência) do sujeito, pode ou não escalonar e chegar assim a instaurar uma ruptura. Dito de outra forma, esse objeto é passível de limitar-se à torção e estancar na contraidentificação ou, mesmo, antes disso, estacionar na zona do limite proporcional e replicar os saberes da formação-discursiva em que se insere. Essa característica de apresentar-se ora reforçando determinado conjunto de saberes, ora desestabilizando-os, é própria a uma dinâmica do “[...] funcionamento/processo discursivo” (Lara, 2016LARA, Renata Marcelle. Corpo performático como acontecimento artístico discursivo. In: GRIGOLETTO, Evandra; DE NARDI, Fabiele Stockmans (org.). A Análise de Discurso e sua história: avanços e perspectivas. Campinas: Pontes, 2016. P. 195-208., p. 206), à qual o objeto artístico está subjugado, dada sua relação com o sujeito do discurso. Do lado da recepção, a proeminência do papel do sujeito nesse esquema se traduz pela percepção do objeto artístico, seu estranhamento; na outra ponta do arquétipo, pelo viés da expressão artística, o posicionamento do sujeito em compasso com o gesto de desautomatização da linguagem vai produzir um ponto de deriva de sentidos que alonga a duração da percepção, jogando com a plasticidade da linguagem, do tempo e do espaço, sendo ainda transpassado pelo discurso.

O Sujeito e a Performance

Tal posicionamento do sujeito artista parece ser particularmente importante na performance, devido à imbricação entre sujeito e obra de arte, centro de sua composição constitutiva. A relação se dá “[...] entre artista-obra/obra-artista/tempo-espaço, que se misturam, con-fundem-se, in-distinguem-se no momento mesmo da prática artística, que é, ao mesmo tempo, uma prática discursiva” (Lara, 2016LARA, Renata Marcelle. Corpo performático como acontecimento artístico discursivo. In: GRIGOLETTO, Evandra; DE NARDI, Fabiele Stockmans (org.). A Análise de Discurso e sua história: avanços e perspectivas. Campinas: Pontes, 2016. P. 195-208., p. 197). Para discutir essa questão, gostaria de lançar o olhar sobre a performance Helena terrorista de gênero (2018), apresentada no IX Simpósio do Grupo de Teorias do Discurso (GTDIS), em Caxias do Sul. O ato performático consistia na interpretação, por Helena, de três canções de Linn da Quebrada (2017aQUEBRADA, Linn da. Submissa do 7° dia. In: QUEBRADA, Linn da. Pajubá [álbum]. Produção independente, 2017c. Disponível em: <https://bit.ly/2HkluFR>. Acesso em: 03 mar. 2020.
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; 2017bQUEBRADA, Linn da. Bomba pra caralho. In: QUEBRADA, Linn da. Pajubá [álbum]. Produção independente, 2017b. Disponível em: <https://bit.ly/2Hjq5It>. Acesso em: 03 mar. 2020.
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; 2017c)QUEBRADA, Linn da. Bixa travesty. In: QUEBRADA, Linn da. Pajubá [álbum]. Produção independente, 2017a. Disponível em: <https://bit.ly/2CnwEWu>. Acesso em: 02 mar. 2020.
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: Submissa do 7° dia, Bomba pra Caralho e Bixa Travesty, além da paráfrase de uma citação de Linn, na entrevista que concedeu ao Jornal Nexo, em 2018, “Sou Linn da Quebrada, artista multimídia, cantora, performer, terrorista de gênero... nem ator, nem atriz, atroz” (Nexo..., 2018NEXO Jornal. A música e os corpos políticos, com Linn da Quebrada. 2018. Disponível em: <https://bit.ly/2SetL0d>. Acesso em: 02 mar. 2020.
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, s. p.).

A caracterização de Helena, como anunciado no título da performance, atentava contra a normalização do olhar que busca designar o gênero pela imagem e associá-lo ao sexo. O efeito imediato de se imbricar signos do universo socialmente marcado como masculino, como a barba que Helena ostentava, a signos historicamente pertencentes ao estigma feminino, como o vestido que usava, é a implosão da concepção binária de gênero por meio da demonstração do espaço-entre, o borramento das fronteiras que a categorização homem x mulher construiu acerca de si. A posição em que Helena se inscreve reduplica os saberes da formação discursiva que defende a performatividade de gênero em detrimento da heteronormatividade como chave de interpretação da identidade de gênero. Esses dizeres pretendem dissociar o gênero do sexo biológico e elencá-lo como assentamento de performatividades sociais, de modo que, nas condições da formação discursiva performativa, o gênero é definido com base em como é representado pelo sujeito, e não necessariamente corresponde à designação do sexo biológico. Apartada da genitália, a performance de gênero subverte a coerência heterossexual e reconsidera o lugar do masculino e do feminino, para além das “categorias naturalizadas de identidade e de desejo” (Butler, 2018BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Translation by Renato Aguiar. 16. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018., p. 240).

A performance de gênero e a performance artística que realiza Helena são atravessadas pelo mesmo discurso, participam da mesma formação-discursiva, mas não compartilham da mesma dinâmica. Para Butler (2018, p. 202)BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Translation by Renato Aguiar. 16. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018., a performance de gênero está associada aos “[...] atos elocutivos que, repetidos, tornam-se práticas consolidadas e, finalmente, instituições”, essa concepção está mais próxima dos atos de fala performativos de Austin (1962)AUSTIN, John Langshaw. How to do things with words. London: Oxford University Press, 1962., que preveem uma ação prática associada ao que foi enunciado, a exemplo de cerimônias de casamento - eu os declaro marido e mulher. A diferença fundamental entre as duas performances, nesses termos, se assentaria na repetibilidade - enquanto a performance de gênero resulta de atos elocutivos repetidos, a performance artística é marcada pelo seu caráter fugidio, irrepetível, já que, como gesto artístico, envolve uma torção no tempo e no espaço em que se situa, além da interação imediata com o público. Nesses termos, a repetibilidade assenta certos sentidos, automatiza-os. De maneira que, em suma, a distinção entre as duas performances é o desarranjo que provocam nos sentidos estabelecidos, a maneira como torcem a linguagem. Essa designação reforça o argumento inicial de que a identificação da arte reside na desautomatização da percepção.

Não obstante, essa noção de performance como prática de linguagem, sustentada por Austin (1962)AUSTIN, John Langshaw. How to do things with words. London: Oxford University Press, 1962., é expandida pela teoria da performance de Schechner (2004)SCHECHNER, Richard. Performance Theory. New York: Taylor & Francis, 2004., que, para além dos ritos e cerimônias, engloba ao ato performático os processos de produção artística e performatividades cotidianas, “in everyday life”, desde “sports”, até “theater, dance, ceremonies, rites”, e, finalmente, “performances of great magnitude” (Schechner, 2004, p. 18). Schechner (2004) aponta ainda cinco categorias básicas para a definição da performance, quais sejam: 1) process, que faz referência a algo que acontece aqui e agora, elencando tempo e espaço; 2) consequential, a faceta irremediável, irrevogável da linguagem performática, que não se presta a retificações ou arremedos; 3) contest, a disputa de sentido que se estabelece entre o performer e seu público; 4) initiation, uma mudança no status dos participantes, a alteração de estado que sofrem antes, durante e depois do ato perfomático; e, finalmente, 5) space, que situa o uso orgânico do espaço ao redor dos envolvidos no ato. A essas categorias, nas vias em que nos permite o entendimento de Merleau-Ponty (1999)MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. Translation by Carlos Alberto Moura. São Paulo: Martins Fontes, 1999. acerca da maneira do sujeito ser e estar no mundo, eu acrescentaria uma sexta dimensão, característica fundamental das performances artísticas, centrada na percepção e na posição que o sujeito ocupa no discurso.

A ação perceptiva compreende que o corpo do sujeito é, ao mesmo tempo, o meio pelo qual a experiência sensível é processada e a instância que primeiro estabelece relação entre o objeto e o sujeito, tornando também o corpo do sujeito um objeto dessa relação. Essa definição ressignifica o sensível, extrapolando os limites da sensação e dos sentimentos ao atribuir a eles uma carga relacional mediada pelo simbólico, que acompanha a constituição do sujeito. Sem limitar-se ao sentimento, o sujeito em performance (se) percebe na medida em que faz uma leitura de si e da sua relação com o espaço em que está situado, entrando em sinergia com ele por intermédio do corpo. Nesse processo, orienta gestos em direção ao público que afetam mutuamente performer e plateia, torcendo a linguagem automatizada. O performer trata do próprio dado sensível como representante de um conjunto integrado pelo sentir do outro, rearranja essa cadeia com a pluralidade das experiências em ato, tecendo um sentido em si fazendo, construído pari passu com sua posição no discurso. É dessa forma que Helena desarranja as concepções do público acerca de sua identidade na mesma proporção em que marca sua identificação com a formação performativa, já que o saber que caracteriza o discurso da performatividade de gênero compreende a desestabilização do sistema binário. A maneira como o gesto de Helena nos afeta, a desautomatização que causa, é a matéria da qual sua posição-sujeito é constituída: a resposta sensível emitida à artista, que a recebe e de volta a transfigura, aumentando a duração da percepção.

Dentro do limite da zona proporcional, reduplicando os saberes da formação discursiva performativa, a performance de Helena recupera, assim, a memória das denúncias sobre os abusos cometidos contra a pessoa travesti, sobretudo na caracterização de Submissa do 7° dia. Na canção, Linn, militante LGBTQIA+, defensora da visibilidade da pessoa travesti, se indaga sobre o motivo de ser perseguida Estou procurando, estou tentando entender / O que é que tem em mim que tanto incomoda você. Enquanto lista características de seu próprio corpo, a sobrancelha, o peito / A barba, o quadril, o sujeito é marcado no espaço entre o masculino, a barba, e o feminino, o peito, aludindo, ainda, ao joelho ralado apoiado no azulejo, cicatriz associada à prática sexual. A sexualidade também é evidenciada em sentenças como Que deixa na boca o gosto, beiço / Saliva, desejo, em referência a um comportamento específico do perseguidor de projetar o outro como objeto de desejo, desejando, assim, o que se despreza. Incoerente com a imagem de eu do sujeito perseguidor, esse ato sexual é cometido em tom de confissão, no lugar onde fazem suas preces, escondidos, ajoelhados diante de mictórios, seus caninos e mecanismos afiados, que fecham, ajoelham, rezam, genuflexório. Menosprezadas, perseguidas e abusadas, é a humanidade da pessoa travesti, tida como Cadela criada na noite, quem morre e por quem ocorre a Submissa (a missa de quem está sob, abaixo) do sétimo dia.

Outro dos abusos anunciados por Helena é o da força policial contra a população pobre, preta, revoltada / Sem vergonha / Sem justiça em Bomba pra caralho. Marcada no espaço marginal, a travesti luta para manter vivo o Morto-Vivo e, pelo seu posicionamento, é vítima da violência de loucos que aos poucos arrancam o couro dos outros. Essa agressividade tem um modo contínuo, evidenciado pela classificação da locução adverbial aos poucos, e é empregada como forma de repressão a um sujeito à margem, que foge da normatização, e é castigado pelo aparelho repressivo de um Estado que o torna invisível e o tenta aniquilar. Resistente às condições a que historicamente foi submetida sua classe, o sujeito travesti vai, por intermédio da arte, ainda que sob o crivo do excêntrico, poder afirmar-se como Bixa travesty, confrontando os seus abusadores Pode sair com teu pau entre as pernas / Acabou o seu império, ainda que dessa luta saia ferida e sozinha, com um peito só, Trava, só.

Esse sujeito busca reforçar a marcação de sua identidade mesmo no interior do próprio movimento LGBTQIA+, ao que equivale a qualificação que acompanha o substantivo bixa: a travesty. A travesti não é qualquer bicha replicadora das normas (inclusive gramaticais) sociais, atravessadas pelo discurso do conservadorismo, não participa do acordo político que tenta engessar suas consoantes como trans, esta é uma bixa sem frescura e ch. Resistente à regularização, esse sujeito explicita seu lugar de estrangeiro, um y, ao fim do conjunto, e mesmo afetado pela biologização XY/XX, subverte seu y, se declara travesty, e assim dá voz aos que são postos de escanteio dentro das minorias e fora delas. Apesar de esse “[...] movimento de dar nome a nós, é sempre, de certa forma, o de dar nome a uma exceção, porque não se fala da música ‘heteronormativa’, não se fala ‘grupo heteronormativo’” (Nexo..., 2018NEXO Jornal. A música e os corpos políticos, com Linn da Quebrada. 2018. Disponível em: <https://bit.ly/2SetL0d>. Acesso em: 02 mar. 2020.
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, s. p.), é pelo não acolhimento, o lugar de não abrigado, que se afirma o pertencimento na exclusão, o grupo resistente “[...] faz com que a gente possa se conectar, e estabelecer melhor ações e estratégias de desarticular, mas de nos articular também” (Nexo..., 2018NEXO Jornal. A música e os corpos políticos, com Linn da Quebrada. 2018. Disponível em: <https://bit.ly/2SetL0d>. Acesso em: 02 mar. 2020.
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, s. p.). Dizer diferente, resistir e contraidentificar-se é, sobretudo, identificar-se com uma posição que se orgulhe, aceite e valide sua existência em meio à repressão.

Considerações Finais

Pelo exposto, a recorrência da marcação do sujeito e de seu lugar social na performance acompanha o sentido e é resultado da confluência entre sujeito, corpo e gesto no ato performático. Esse enlace se torna possível a partir da análise discursiva da sexta dimensão da atividade performática, aqui proposta como atualização da teoria da performance de Schechner (2004)SCHECHNER, Richard. Performance Theory. New York: Taylor & Francis, 2004., em conjunção com os postulados de Merleau-Ponty (1999)MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. Translation by Carlos Alberto Moura. São Paulo: Martins Fontes, 1999. sobre a percepção. Durante o percurso teórico que originou essa formulação, foram discutidas as relações entre o sentir e o pensar, pontuando a gênese dessa cisão na separação entre a arte e as ciências da tecnologia, lugar em que se evidencia a marcação do sentir e da expressão artística como não racional. Com o aval da abertura conceitual que propôs Pêcheux (2014a [1975])PÊCHEUX, Michel. Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio [1975]. Translation by Eni Puccinelli Orlandi. 5. ed. Campinas: Editora da UNICAMP, 2014a. , ao inserir a falha e o não sistematizado da língua na teoria do discurso, propus voltar o olhar para o campo das experimentações sensíveis, destacando os desdobramentos teóricos da noção de percepção como ato analítico consubstanciado ao sentir e ao agir do corpo do/pelo sujeito.

Nesse percurso, a torção exerceu papel fundamental para evidenciação das desautomatizações exercidas pela arte como campo que torce a linguagem, alongando a percepção e produzindo o estranhamento. Por fim, e para arrematar a prospecção a que me referi no início deste texto, importa destacar a possibilidade de a torção ser encarada como uma deformação primária, estágio integrante de um processo maior que compreende o funcionamento do acontecimento discursivo, cuja gênese reside na desautomatização, e a culminância, na ruptura. Dessa forma, a concepção de arte como acontecimento é relativizada por meio do espaço conferido pela resposta do limite de resistência do sujeito, de maneira a explicitar a relação intrínseca entre o posicionamento e a produção do objeto artístico. A investigação do posicionamento do sujeito nesse processo nos levou, por fim, à leitura da performance Helena terrorista de gênero (2018), que serviu de base para a reflexão sobre as formas de imbricação entre arte, corpo e sujeito, e a evidenciação do discurso como centro desse vínculo, alumiando o laço que cinge arte e discurso, em articulação com a substância material do sujeito, seu corpo.

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    O exemplo é de Jean-Jacques Courtine (2013)COURTINE, Jean-Jacques. Decifrar o corpo: Pensar com Foucault. Translation by Francisco Morás. Rio de Janeiro: Vozes, 2013..
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    A relação do sujeito com o objeto do desejo é mediada pela demanda, que é da ordem do outro. O desejo nunca é sanado porque não reside no objeto em si, mas no que ele guarda de relação com o outro que traz o objeto para o sujeito. A demanda não é por um objeto em específico, de forma que, quando um sujeito se apossa de dado objeto, esse desejo migra para outra forma material. Essa conexão, em Psicanálise, vai se traduzir como a busca pelo objeto a, que pode assumir qualquer forma e de maneira contínua, já que a demanda pelo outro não tampona a falta constitutiva que move o desejo. Nesse sentido, o capitalismo foi bem-sucedido em explorar uma demanda que se garante impossível, criando infinitos objetos, quase já obsoletos desde sua produção, que vão motivar no sujeito o consumo constante.
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    Da arte como substrato que inaugura uma vanguarda. Sobre essa perspectiva, cf. Caio Túlio Costa.
  • Este texto inédito também se encontra publicado em inglês neste número do periódico.

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Editado por

Editora-responsável: Celina Nunes de Alcântara

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2020
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    28 Maio 2019
  • Aceito
    18 Mar 2020
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