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Rupestres Dançantes: o radical do corpo em movimento intencional estético

Rupestres Dansants: le radical du corps en mouvement intentionnel esthétique

Resumo:

O texto apresenta uma análise crítica sobre a raiz da dança, a partir da perspectiva do materialismo histórico e dialético, das formulações de Marx e Engels, e dos estetas marxistas conseguintes a eles, propondo um estudo sobre o conceito, a razão e a finalidade da dança para o gênero humano. Aborda temas como o trabalho, como categoria fundante do ser humano. Em sequência, o movimento corporal humano como trabalho de criação livre, os movimentos corporais intencionais de trabalho e o processo de transição destes para movimentos dançantes. Por fim, a partir dos estudos acerca das manifestações humanas desenvolvidas no plano estético, como o ser humano chegou à dança como arte.

Palavras-chave:
Corpo; Dança; Arte; Trabalho; Materialismo Histórico e Dialético

Résumé:

Ce texte présente une analyse critique sur la racine de la danse dans la perspective du matérialisme historique et dialectique, des formulations de Marx et Engels et des esthètes marxistes qui lui ont suivi, en proposant une étude sur le concept, la raison et la finalité de la danse pour le genre humain. Nous abordons des thèmes tels que le travail en tant que catégorie fondatrice de l’être humain. En suite, le mouvement corporel humain comme œuvre de création libre, les mouvements corporels intentionnels du travail et le processus de transition de ceux-ci aux mouvements de danse. Et, enfin, à partir des études sur les manifestations humaines développées sur le plan esthétique, comment l’être humain en est venu à la danse en tant qu’art.

Mots-clés:
Corps; Danse; Art; Travail; Matérialisme Historique et Dialectique

Abstract:

The text presents a critical analysis of the roots of dance from the perspective of historical and dialectical materialism, the formulations of Marx and Engels, and of the Marxist aesthetes who followed them, proposing a study of the concept, reason and purpose of dance for the human race. It approaches themes such as work as the founding category of the human being. It then discusses human body movement as free creation work, intentional body movements of work and the process of their transition into dance movements. Finally, based on studies on human manifestations developed on the aesthetic level, it shows how the human being arrived at dance as art.

Keywords:
Body; Dance; Art; Work; Historical and Dialectical Materialism

Embora possa parecer óbvia como afirmação inicial, ainda assim, reforça-se: tudo que existe tem ou é movimento1 Este texto inédito também se encontra publicado em inglês neste número do periódico. . Tudo se move e gera movimento. O universo, com suas formas de matéria e energia, assim como a totalidade do tempo e do espaço, é movimento. Entre os seres vivos, vegetais e animais, o movimento existe desde os micromovimentos até aqueles mais notórios ligados às necessidades de sobrevivência e ciclos de existência. No entanto, em um grupo mais específico desses seres - os humanos - nota-se que seus movimentos não estão, tão somente, balizados pelas necessidades naturais de sobrevivência, mas existem também como finalidade.

Se tudo o que existe se move, mas dessas fisicalidades apenas os humanos se movem como telos ou finalidade, pergunta-se: o que são e como são esses movimentos? Por que e para que os seres humanos os realizam? Como o movimento humano se transformou em dança? Contudo, outras questões mais de fundo parecem preceder a estas: afinal, o que se move? Por que e para que se move? Tais indagações têm como propósito auxiliar nas reflexões sobre o radical - no sentido de ir à raiz - da dança, analisar os princípios e elementos estruturais da atividade humana dançante, realizada anteriormente ao surgimento da dança cênica com seus gêneros, estilos e escolas.

Nas primeiras décadas do século XX, essas mesmas perguntas intrigaram Rudolf Laban. No período, inspirado nas formulações de François Delsarte, que abordava o corpo de uma forma distinta da convencional para o período, ou seja, valorizando-o como modo e expressão de um sujeito (Grebler, 2012GREBLER, Maria. A influência do pensamento de François Delsarte sobre a Modernidade da Dança. Revista Brasileira de Estudos da Presença, Porto Alegre, v. 2, n. 2, p. 413-427, jul./dez. 2012. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbep/a/tBMrC3CHr77tLF3n756CnSM/?lang=pt# Acesso em: 10 set. 2021.
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), o bailarino desenvolveu um estudo teórico-prático sobre o movimento corporal humano, que, posteriormente, deu origem ao complexo sistema de linguagem do movimento denominado de Análise Laban de Movimento ou, simplesmente, Sistema Laban.

Segundo Julio Mota, a concepção de movimento corporal humano elaborada por Laban foi tratada com afinco na obra The language of movement - A guidebook to Choreutics (1974). Sobre o processo da sua construção, o autor esclarece que:

Através de sua pesquisa, Laban identificou uma série de propriedades básicas inerentes ao movimento. A identificação dessas propriedades permitiu a elaboração de proposições que possibilitaram estabelecer princípios básicos de entendimento e de aplicação do movimento. [...] A partir desses princípios básicos, Laban chegou à conclusão de que era possível conhecer a finalidade de um certo movimento se respondidas quatro questões: o que se move? Onde se move? Quando se move? Como se move? As respostas a estas questões formariam a resposta à questão maior: por que se move? Assim, mediante o entendimento do movimento (e de suas funções) Laban deduziu que seria possível entender o que motiva as pessoas a se moverem (Mota, 2012MOTA, Julio. Rudolf Laban, a Coreologia e os Estudos Coreológicos. Repertório: teatro & dança, Salvador, Universidade Federal da Bahia, p. 58-70, 2012., p. 63).

Tais questões preliminares estudadas por ele deram aporte para a sistematização dos Princípios Básicos de Laban, nos quais, para o autor, a priori, o que se move é o corpo. Lenira Rengel argumenta que os termos: corpo e corporal, utilizados por Laban no conjunto das suas obras e pesquisas, são empregados “[...] tratando de todos os aspectos do corpo: mente-razão/mente-emoção/corpo-sensível/corpo-mecânico, isto é, aspectos intelectuais, emocionais e físicos. Laban usava os termos: aspectos espirituais, mentais e emocionais do movimento” (Rengel, 2005RENGEL, Lenira. Dicionário Laban. São Paulo: Annablume, 2005.).

Partindo da premissa de que o corpo é o agente que se move, sobre ele e sua trajetória de transformação de conformação, há que se ressaltar aspectos decisivos desse processo, para que se possa compreender a estrutura, conhecida, atualmente, como corpo humano.

Para os adeptos da teoria da evolução, estes seres vivos, que possuem necessidades primeiras de se nutrir e se reproduzir, desenvolvendo capacidades de perceber as condições apropriadas do ambiente para que se preservem viventes, adaptaram-se aos mais diferentes meios. Esse processo influiu diretamente nos modos de se mover, interna e externamente, dos vegetais, por exemplo.

Processo semelhante se deu com os animais: seus equipamentos de percepção das variações do meio forneceram elementos para que pudessem realizar essas leituras e garantir sua sobrevivência. Porém, as células sensoriais - que ocupavam a superfície dos corpos para que o animal pudesse aferir com rapidez as mudanças das condições ambientais - eram facilmente lesadas, muitas vezes de modo irreparável, em virtude da sua vulnerabilidade. Na constante busca pela sobrevivência, os organismos foram se tornando mais complexos e o aparecimento do exoesqueleto se fez possível. Assim:

Conforme o grau de complexidade organizacional dos seres vivos vai aumentando, a natureza proporciona o advento dos chamados exoesqueletos (exo = externo), [...] numa tentativa de, com uma carapaça calcária, portanto rígida, conferir maior proteção aos seres vivos (Telles, 2003TELLES, Fernando da Silva. Educação: transmissão de conhecimento. In: CALAZANS, Julieta; CASTILHO, Jacyan; GOMES, Simone (Org.). Dança e educação em movimento. São Paulo: Cortez, 2003. P. 78-83., p. 80).

Apesar da maior proteção que tal estrutura garantia ao animal, sua rigidez e peso impunham restrições à mobilidade, o que ainda o tornava suscetível às ameaças do meio. No contínuo da complexificação organizacional dos seres vivos ocorreu que o exoesqueleto, estrutura que antes protegia os órgãos em seu interior, deslocou-se para o centro do organismo, sendo agora ele revestido pelos músculos, vísceras e pele. O biólogo Fernando Telles (2003)TELLES, Fernando da Silva. Educação: transmissão de conhecimento. In: CALAZANS, Julieta; CASTILHO, Jacyan; GOMES, Simone (Org.). Dança e educação em movimento. São Paulo: Cortez, 2003. P. 78-83., a partir da teoria evolucionista, esclarece que as células responsáveis pela percepção do meio para manter sua proteção, no entanto, ficaram, assim, envoltas pelo esqueleto, especificamente por uma parte dele denominada de coluna vertebral, localizada ao centro do corpo. Esta, por sua vez, além de mais leve, devido ao seu interior esponjoso, possuía um maior número de peças e partes, que agora se articulavam possibilitando uma maior variação de movimentos, portanto, uma maior mobilidade. Ramificações das células sensoriais partiam do crânio (cérebro) e da coluna vertebral (medula espinhal) e se difundiam para a superfície corporal, preservando, assim, sua atribuição primeira.

Todavia, apesar da proteção desenvolvida para o equipamento sensorial dos animais, o processo de transformação não estava finalizado; os vertebrados, que até esse momento usavam apoios em quatro bases, gradativamente foram liberando os membros periféricos dianteiros, verticalizando-se e tornando-se bípedes. Essa alteração da posição da coluna em relação ao solo desencadeou uma ampla gama de alterações anatômicas, mas, principalmente, conferiu aos membros superiores liberdade para desenvolver sua sensibilidade e capacidade de movimentos de modo tão sofisticado e complexo que seus reflexos ficaram notáveis, na forma como se desenvolveu todo o aporte neurológico. Nesse período da transformação, a mão desenvolveu o polegar opositor em relação aos outros dedos, o telencéfalo se configurou altamente desenvolvido, e assim se conformou o ser que se conhece como Humano (Campbell, 1990CAMPBELL, Bernard. A Evolução da mão do homem. In: ENGELS, Friedrich. O papel do trabalho na transformação do macaco em homem. São Paulo: Global Editora, 1990. P. 39-50.).

Sobre a relação do desenvolvimento da mão e do cérebro no processo de hominização, Bernard Campbell (1990CAMPBELL, Bernard. A Evolução da mão do homem. In: ENGELS, Friedrich. O papel do trabalho na transformação do macaco em homem. São Paulo: Global Editora, 1990. P. 39-50., p. 56) enfatiza:

Não resta a menor dúvida de que o aperfeiçoamento definitivo da mão não foi simplesmente anatômico, mas implicou também no aperfeiçoamento da percepção sensitiva e do controle motor e, por conseguinte, em um cérebro mais desenvolvido. [...] A mão, tanto quanto o olho, contribuiu para formação do homem; os dois órgãos proporcionaram a ele uma nova percepção de seu meio e, através de sua cultura material, de exercer um novo controle sobre ele.

Este é o corpo que se move: o corpo humano. O ser humano, como acima descrito, é um ser da natureza que, como tal, apresenta necessidades próprias à sua sobrevivência realizando um constante exercício de adaptação. Entretanto, supera o simples processo adaptativo dos demais seres vivos, passa a criar novas condições dominando e transformando a natureza que o cerca, e o faz com/no/pelo movimento do e para o corpo, através da ação proposital, ou seja, pelo Trabalho. A partir dessas considerações, reiteram-se alguns questionamentos: por que e para que se move? De que forma esse corpo se move?

A árdua busca por tais respostas deve pressupor a escolha do ideário utilizado para ler e compreender a história do ser humano, a realidade concreta e as relações por ele engendradas ao longo da história.

Para tanto, há que se trazer à luz duas linhas de pensamento bastante significativas na história da filosofia, que darão subsídio para a compreensão da lente aqui utilizada: o idealismo e o materialismo. Diferentemente do modo trivial como esses termos são aplicados no cotidiano, do ponto de vista da Filosofia, o idealismo é uma tendência que supõe a prioridade da ideia sobre a matéria: é a razão que permite ao ser humano criar a realidade. O materialismo, de modo geral, inversamente, afirma que toda a realidade é, por essência, material, e mais especificamente, que a realidade humana assim o é.

De acordo com Lessa e Tonet (2008)LESSA, Sérgio; TONET, Ivo. Introdução à filosofia de Marx. São Paulo: Expressão Popular, 2008., para os idealistas - salvaguardadas as peculiaridades e especificidades de cada período histórico - o universo humano, assim como a história, é resultado ativo, decisivo e direto da consciência humana. O mundo concreto é como que um reflexo do mundo das ideias. Entretanto, para o materialismo - em geral mecanicista e reducionista -, a realidade é fruto direto e imediato das leis da natureza, e o ser humano depende unilateralmente do ser biológico.

Contudo, ambos os pressupostos apresentam debilidades nos seus modos de compreender o ser humano e a história. Foi a partir das contribuições filosóficas de Hegel e Feuerbach, e das condições históricas desencadeadas pela Revolução Francesa e pela Revolução Industrial, que Karl Marx pôde superar o idealismo e o materialismo mecanicista, e sistematizar a concepção histórica denominada de materialismo histórico e dialético (Lessa; Tonet, 2008LESSA, Sérgio; TONET, Ivo. Introdução à filosofia de Marx. São Paulo: Expressão Popular, 2008.).

Não se tratava de fundir esses dois modos de conceber o mundo dos seres humanos, mas de analisar até que ponto cada corrente desconsiderava ou considerava a materialidade e a ideação na construção da história.

Na concepção do materialismo histórico e dialético, o material e o ideal são distintos, de fato opostos, porém, convivem dentro de uma unidade na qual o material é basilar, mas não reducionista. Sem o espírito a matéria pode continuar existindo, mas o contrário não pode acontecer. No ser humano, o espírito foi sendo constituído historicamente a partir do trabalho material, e a ele permanece condicionado (Bhaskar, 2001BHASKAR, Roy. Materialismo. In: BOTTOMORE, Tom (Ed.) Dicionário do Pensamento Marxista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001. P. 254-258.). Todavia, no movimento dialético da práxis humana - ação/pensamento/nova ação/novo pensamento - se, no início, a ação do ser humano sobre a matéria (trabalho) deu ensejo à criação da sua capacidade ideativa, esta, no processo do seu estabelecimento, passou a repercutir diretamente na ação, delineando-a e, simultaneamente, sendo por ela delineada. Desse modo, é possível perceber que “[...] o mundo dos homens nem é pura ideia nem é só matéria, mas sim uma síntese de ideia e matéria que apenas poderia existir a partir da transformação da realidade (portanto, é material) [...]” (Lessa; Tonet, 2008LESSA, Sérgio; TONET, Ivo. Introdução à filosofia de Marx. São Paulo: Expressão Popular, 2008., p. 43), mas que, necessariamente - pela consciência do mundo e de si (do indivíduo humano enquanto agente) gerada na ação/trabalho - apresenta um componente ideativo. Constituiu o ser humano, dessa forma, sua capacidade de projetar previamente, na consciência, o que vai realizar na prática, e de superar as próprias ideias, transformando-as a partir da ação.

Das necessidades naturais humanas à constituição da arte

O ser humano, assim como os demais animais, possui necessidades que precisam ser supridas, a fim de que se garanta a sua existência e manutenção física. Contudo, o que de fato difere os humanos do restante dos animais é a capacidade de viver e suprir as necessidades por eles criadas, para além daquelas impostas pelo seu corpo orgânico: as necessidades, propriamente, Humanas.

Os humanos vivem e são parte da natureza, entretanto, não coexistem simplesmente com ela, utilizando-a como um meio de vida imediato, mas também como objeto/matéria e instrumento de sua atividade vital. Na elaboração do mundo, objetivando-se nele pelo processo do trabalho, é que o ser humano se confirma como ser genérico; essa produção operativa, essa elaboração é a sua vida genérica, a sua capacidade de fazer com a natureza, e da natureza uma obra consciente, e assim, de se efetivar material e concretamente como humano.

Marx conceitua o processo de trabalho como objetivação do ser humano no mundo: “[...] o objeto de trabalho é, portanto, a objetivação da vida genérica do homem: quando o homem se duplica não apenas na consciência, intelectual[mente], mas operativa, efetiva[mente], contemplando-se, por isso, a si mesmo num mundo criado por ele” (Marx, 2004MARX, Karl. Manuscritos econômicos-filosóficos. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004., p. 85). Isso é o Trabalho.

Sobre o trabalho como categoria seminal na constituição humana, Adolfo Sánchez Vázquez (2010VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. As ideias estéticas de Marx. São Paulo: Expressão Popular, 2010., p. 52) ratifica:

O homem só é homem objetivando-se, criando objetos nos quais se exterioriza. Pode se dizer, por isso, que é ao mesmo tempo sujeito e objeto, e que só é propriamente sujeito humano na medida que se objetiva, em que se faz objeto. Este fazer-se objeto, esta objetivação, longe de diminuir o sujeito, como ocorre em Hegel, é justamente o que faz o homem e o mantém em seu nível humano.

Marx aponta que o trabalho é o mediador crucial entre o mundo material e as ideias, o elemento que permite ao ser humano produzir e reproduzir vida de um modo especificamente humano. Pelo trabalho, o sujeito humano produz uma nova realidade. Esse novo por ele produzido não é algo que lhe seja alheio, mas, sim, uma realidade carregada da sua condição humana e das suas impressões sobre ela; dessa forma, a relação não é unilateral. Pela práxis (ação/pensamento/nova ação/novo pensamento), o ser humano ganha continuidade no mundo real; quando esse novo produto concreto objetivado se constitui carregado da sua subjetividade, ele permite que o sujeito nele se reconheça e perceba a sua essência Humana nele impressa. Assim, ao transformar a natureza, o ser humano não está somente criando um produto externo a ele, mas também se constituindo como Ser Humano.

A humanidade, na sua totalidade, produziu-se no e pelo processo de trabalho, e o marco decisivo da marcha de transformação do macaco em ser humano se deu com a transformação combinada e amalgamada das mãos e do cérebro, ou seja, da ação e do pensamento em construção. Assim, “[...] a consciência e a compreensão são efeitos da preensão das coisas e da sua manipulação, na medida em que estas duas operações manuais implicam horizontes de deslocação e uma apreensão comuns a diversas consciências, mais ou menos cooperantes” (Brun, 1991BRUN, Jean. A mão e o espírito. Rio de Janeiro: Edições 70, 1991., p. 61).

Concluímos então que a mão não é apenas um órgão de trabalho, é também produto dele. Foi graças ao trabalho, numa fase de adaptação a novas funções e à transmissão hereditária desses aperfeiçoamentos adquiridos aos músculos e ligamentos, e mais lentamente também aos ossos; devido ao emprego sempre mais amplo, variado e complexo destas habilidades é que a mão do homem pôde alcançar tal perfeição a ponto de realizar [...] os quadros de um Rafael, as estátuas de Thorwaldsen e a música de Paganini (Engels, 1990ENGELS, Friedrich. O papel do trabalho na transformação do macaco em homem. São Paulo: Global Editora, 1990., p. 22).

O trabalho é feito pelo ser humano, e, ao realizá-lo, ele faz a si mesmo. Essa afirmativa não se reduz aos aspectos anatômicos do desenvolvimento humano, mas também, como bem aponta Engels, inclui o desenvolvimento de outras esferas - cognoscitivas, sensitivas, sociais - que compõem a condição humana, ao longo da sua caminhada de transformação.

A objetivação do ser humano no mundo concreto torna este real e concreto, enquanto que o ser humano constituído-pensado pelo idealismo é um ser irreal e abstrato. Vázquez amarra esse pressuposto com a clareza de Marx quando o cita:

No animal, a relação entre a necessidade e a atividade que satisfaz é direta e imediata; ‘...só produz sobre o acicate da necessidade física imediata, ao passo que o homem produz também sem a coação da necessidade física; e, quando se encontra liberto dela, é quando verdadeiramente produz’ (Vázquez, 2010VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. As ideias estéticas de Marx. São Paulo: Expressão Popular, 2010., p. 59).

Essas produções livres estão diretamente ligadas à necessidade de exteriorizar suas forças essenciais como ser humano, e elas tanto “[...] podem ser necessidades naturais humanizadas (a fome, o sexo, etc.) quando o instintivo ganha uma forma humana; ou podem ser necessidades novas, criadas pelo próprio homem, no curso de seu desenvolvimento social, como a necessidade estética” (Vázquez, 2010VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. As ideias estéticas de Marx. São Paulo: Expressão Popular, 2010., p. 57).

Conclui-se, dessa forma, que as necessidades humanizadas foram criadas, histórica e socialmente, enquanto o ser humano se constituía como um ser criador de um novo universo, constituindo a sociedade e a história, no e pelo trabalho coletivo.

As necessidades humanizadas expressam o ímpeto criador humano, que manifesta e materializa as diferentes dimensões do ser humano. A força essencial criadora concretizada nas formas de objetivação humana transcende aquelas de caráter útil e, historicamente, vai abranger aquelas de perfil espiritual-humano, como as formas de objetivação estética ou, mais especificamente, as formas artísticas.

Georg Lukács (1982)LUKÁCS, Georg. Estética 1: La peculiaridad de lo estético. Barcelona: Grijalbo, 1982. afirma que uma das formas que o ser humano dispõe para refletir ou apreender o real é a Arte. A Arte, portanto, como trabalho de criação livre e forma de conhecimento da realidade.

Diferentemente da necessidade utilitária de produção, na arte, a necessidade que impele o ser humano a criar é a de se apropriar da realidade dada, enriquecê-la com sua visão de mundo e suas dimensões humanas oportunizando a si mesmo e aos demais se conhecer e conhecer a totalidade que os cerca, a partir de uma perspectiva única: a de um artista. Porém, o artista, tal como os demais humanos, é um indivíduo histórico e social cuja visão de mundo é fruto de toda a história humana anterior, em especial, da realidade social e cultural em que vive e produz sua obra.

A partir da base fértil dos aspectos estéticos presentes na natureza - ou seja, tal como nela são percebidos, identificados e qualificados pelo ser humano - e do seu reflexo nos produtos do trabalho, bem como nos movimentos corporais intencionais próprios dessa atividade humana, é que o ser humano produzirá a linguagem artística: Dança. Assim, seria esse o radical da dança na perspectiva do materialismo histórico e dialético? Seriam esses os princípios e elementos estruturais da produção humana dançante?

A princípio, os movimentos corporais e os objetos produzidos tinham um caráter utilitário imediato. Quando os humanos produziam de modo escasso, logo consumiam o produzido e eram impelidos a voltar à produção de subsistência, restando-lhe pouca condição para qualquer outra qualidade de trabalho, o cultivo espiritual, por exemplo. Contudo, o ser humano só passou a ter necessidade de produzir movimentos corporais e objetos com utilidade espiritual, a partir do momento em que a produção funcional se deu em excedente, ou seja, no período Neolítico ou da Revolução Agrária, aproximadamente de dez mil a três mil a.C. Nesse período, deu-se o desenvolvimento da agricultura, o que propiciou a transformação de parte dos nômades em grupos humanos sedentários; a partir de seis mil a.C., os pastores substituíram e/ou coexistiram com caçadores e coletores. Pelo controle gradativo da natureza o Ser Humano aprendeu, aos poucos, a produzir o próprio sustento: a cultivar e reproduzir plantas, a estocar alimentos, a domesticar animais selvagens e a criá-los em cativeiro.

Nesse momento da história, os movimentos corporais e os objetos úteis passaram a carregar, além dos aspectos funcionais, elementos estéticos, relacionados ao belo e à necessidade de comunicação/relação.

O estético não é apenas parte de um objeto físico, mas não existiria sem ele. O suporte material, o objeto resultante da objetivação humana é a via que carrega a dimensão estética que não existiria fora da materialidade objetivada [...] a dimensão estética é fundamental justamente para proporcionar comunicação social, seja do passado em relação ao presente, seja entre seres contemporâneos (Paes, 2011PAES, Paulo C. Duarte. As ideias estéticas de Marx e a arte pós-moderna. In: ENCONTRO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO E MARXISMO, 5., 2011, Florianópolis. Anais [...] Florianópolis, 2011., p. 4).

Assim, o caráter estético da obra satisfaz necessidades humanas, a saber, as de objetivação no mundo, expressão e relação; nela, o artista tem sua subjetividade concretizada. Por esse motivo, no trabalho artístico materializado, o autor se reconhece, como também sua humanidade é conhecida/reconhecida pelos apreciadores ou fruidores. Objetivada sua subjetividade, os movimentos corporais da dança, tal como os objetos de arte, tornam-se via de relação Humana entre os indivíduos para qualquer latitude ou época.

O trabalho, portanto, não é apenas a criação de objetos úteis que satisfazem determinada necessidade humana, mas também o ato de objetivação e plasmação de finalidades, ideias ou sentimentos humanos num objeto material concreto-sensível. Nessa capacidade do homem de materializar suas ‘forças essenciais’, de produzir objetos materiais que expressam sua essência, reside a possibilidade de criar objetos, como as obras de arte, que elevam a um grau superior a capacidade de expressão e afirmação do homem explicitada já nos objetos do trabalho (Vázquez, 2010VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. As ideias estéticas de Marx. São Paulo: Expressão Popular, 2010., p. 69).

O trabalho não é somente a execução de movimentos corporais úteis para suprir necessidades naturais humanas, mas, igualmente, é um ato de objetivação e modelagem de intencionalidades, ideias ou sentimentos humanos - para usar os termos de Vázquez - num movimento corporal concreto-sensível. Trata-se da competência do ser humano de corporificar suas forças essenciais, de elaborar movimentos corporais que expressam sua essência. Entre tais competências encontra-se a alternativa de criar movimentos corporais de cunho estético, como as danças, que alçam a um nível superior a faculdade de expressão e afirmação do ser humano já evidenciada nas produções e nos movimentos corporais executados nos diversos trabalhos prático-utilitários. Porém, o movimento corporal na arte da dança não se reduz a meio, mas a telos, à finalidade ou destinação; ou seja, esse movimento revela-se ele próprio como expressão das dimensões humanas em sua totalidade, tal como nas artes em geral.

A arte é a materialização da necessidade do ser humano de se compreender como tal, produzindo sons (música), movimentos corporais (dança) e objetos (artes visuais) sem finalidade primária, mas especificamente voltados para objetivar sua condição humana, de ser pensante, criador e senciente. “Uma obra de arte é, antes de mais nada, uma criação do homem e vive graças à potência criadora que encarna. Na arte [...], como produto humano, o homem não está apenas representado ou refletido nela, mas presenciado, objetivado. A arte não só expressa ou reflete o homem: fá-lo presente” (Vázquez, 2010VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. As ideias estéticas de Marx. São Paulo: Expressão Popular, 2010., p. 40).

O homem se eleva, se afirma, transformando a realidade, humanizando-a, e a arte com seus produtos satisfaz esta necessidade de humanização. Por isso, não há - nem pode haver - ‘arte pela arte’, mas arte por e para o homem. Dado que este é, por essência, um ser criador, cria os produtos artísticos porque neles se sente mais afirmado, mais criador, isto é, mais humano (Vázquez, 2010VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. As ideias estéticas de Marx. São Paulo: Expressão Popular, 2010., p. 43).

Para Marx apud Vázquez “[...] é necessária a objetivação da essência humana, tanto no aspecto teórico como no prático, tanto para converter em humano o sentido do homem como para criar o sentido humano adequado a toda riqueza da essência humana natural” (Vázquez, 2010VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. As ideias estéticas de Marx. São Paulo: Expressão Popular, 2010., p. 74). Assim como a mão humana não foi apenas o órgão do trabalho, mas também resultado dele, a arte, de modo dialético, não é só fruto do trabalho superior humano, como também compõe o sujeito humano, na qualidade de objeto impregnado de humanidade.

Realizadas as reflexões acerca da concepção de arte no sentido lato, pergunta-se: na linguagem peculiar da dança, os processos históricos de desenvolvimento se desencadearam da mesma forma?

Do movimento à dança: conceito, razão e finalidade

Ressalta-se que conclusões decisivas sobre a gênese da arte em geral ainda não puderam ser realizadas; o mesmo se aplica àquelas referentes à origem da dança. Assim, o que será proposto aqui é o levantamento de indícios e hipóteses da transição do movimento corporal humano voltado para o trabalho, para o movimento corporal tornado dança, ou seja, o radical, a raiz da dança a partir do trabalho, os princípios e elementos estruturais da atividade humana dançante que precedem as danças acadêmicas.

Em relação a essa dificuldade de precisar as condições reais de surgimento da arte, Lukács (1982LUKÁCS, Georg. Estética 1: La peculiaridad de lo estético. Barcelona: Grijalbo, 1982., p. 265) frisa que “[...] vale a pena repetir cada vez que vem à tona: não sabemos praticamente nada da origem histórica real da arte. Em muitas artes importantes, como a poesia, a música, a dança, etc., é inútil por princípio, buscar documentos originários”2 1 O presente artigo inédito é um recorte da dissertação Corpo telúrico dançante: da desterritorialização do corpo e da dança até o MST (Guilherme, 2019). , e, mais adiante, reitera que:

Esta dificuldade geral aumenta ainda mais pelo fato de que agora não vamos nos ocupar da origem de artes ou gêneros, e sim de princípios, elementos estruturais da produção artística, os quais desempenham nas artes distintos e diversos papeis, dadas essas funções extremamente diversas e a níveis evolutivos já muito altos (ritmo, proporção, etc.), e que só excepcionalmente tem conservado sua independência inicial (ornamentística), ainda que sem voltar, desde logo, a conquistar na cultura total a importância que tiveram em determinados estágios iniciais (Lukács, 1982LUKÁCS, Georg. Estética 1: La peculiaridad de lo estético. Barcelona: Grijalbo, 1982., p. 265)3 2 Na versão em espanhol: “[...] vale la pena repetirlo cada vez que viene a cuento: no sabemos prácticamente nada del origen histórico real del arte. En muchas artes de importancia, como la poesía, la música, la danza, etc., es incluso inútil por principio el buscar documentos originarios” (Lukács, 1982, p. 265). .

A relação entre o mundo externo e a consciência humana foi tratada com afinco por Lukács, ao analisar a constituição do reflexo artístico. Sobre esse foco do estudo lukacsiano, Celso Frederico (2013FREDERICO, Celso. A arte no mundo dos homens: O itinerário de Lukács. São Paulo: Expressão Popular, 2013., p. 121) sintetiza:

Os princípios e elementos estruturais da produção artística guardam vínculos com o mundo exterior. Para explicitar esses vínculos e mostrar como a arte afirmou, a partir deles, a sua autonomia, Lukács aborda manifestações básicas, presentes na própria natureza, que serão desenvolvidas com os recursos próprios da arte: o ritmo, a simetria-proporção e a ornamentística.

O corpo humano - essa estrutura anatomofisiológica conhecida atualmente - é dotado de movimento e, simultaneamente, é protagonista e resultante do processo evolutivo do ser humano. C ontudo, de início, todos os moveres do corpo humano tiveram como finalidade prioritária a produção e manutenção da existência.

No processo de trabalho, componentes se combinam em relação à atividade adequada a um fim, isto é, ao próprio trabalho: a finalidade, a matéria a que se aplica o trabalho, os meios e o instrumental de trabalho. O corpo, nesse processo, tanto é o elemento que executa a atividade trabalho, como a estrutura que manipula o utensílio de trabalho e, ainda, o próprio instrumento da ação. Evidentemente, os meios de trabalho objetificados dão pistas para se conhecerem as condições concretas da conjuntura social e econômica do período nos quais foram produzidos, mas nenhuma ferramenta, instrumento ou utensílio de trabalho foi tão rigoroso para explicitar tais condições do que a conformação do próprio corpo humano.

Os meios de trabalho não são só mediadores do grau de desenvolvimento da força de trabalho humana, mas também indicadores das condições sociais nas quais se trabalha. Entre os meios de trabalho mesmos, os meios mecânicos de trabalho, cujo conjunto pode-se chamar de sistema ósseo e muscular da produção, oferecem marcas características muito mais decisivas de uma época social de produção do que aqueles meios de trabalho que apenas servem de recipientes do objeto de trabalho e cujo conjunto pode-se designar, generalizando, de sistema vascular da produção [...] (Marx, 1988MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política. V. 1. Livro 1. São Paulo: Nova Cultural, 1988., p. 144).

Sendo o trabalho o meio por excelência de alterar a natureza que o circundava em proveito próprio, o ser humano passou a planejar seus movimentos corporais, a fim de que os mesmos servissem como forma de relação com o mundo externo. Tanto o corpo quanto o movimento corporal humano foram centrais em tal processo, de modo que as ferramentas de trabalho criadas pelo ser humano vieram a suprir a necessidade de materialização de prolongamentos corporais, para que o corpo atuasse com mais eficácia sobre a natureza. Machados, lanças, arcos, bodoques, rampas, alavancas foram algumas das ferramentas criadas para transpor as limitações corporais humanas.

Quando parte dos ancestrais símios saíram das zonas florestais e passaram a explorar e ocupar as regiões menos arborizadas de mato rasteiro, evoluíram até chegarem à forma bípede. Tempos depois, nessas mesmas pradarias, nesse “[...] proto-hominídeo, os pés se transformaram em órgãos rígidos de apoio e sustentação, trazendo consigo as mudanças pélvicas resultantes do andar ereto” (Oakley, 1990OAKLEY, Kenneth B. O homem como ser que fabrica utensílios. In: ENGELS, Friedrich. O papel do trabalho na transformação do macaco em homem. São Paulo: Global Editora, 1990. P. 51-57., p. 41).

Com a verticalização do crânio, a maior concentração visual sobre um campo mais amplo, as mãos liberadas para a manipulação e - concomitante e principalmente - a atividade cerebral mais desenvolvida (Oakley, 1990OAKLEY, Kenneth B. O homem como ser que fabrica utensílios. In: ENGELS, Friedrich. O papel do trabalho na transformação do macaco em homem. São Paulo: Global Editora, 1990. P. 51-57.), os proto-hominídeos puseram-se a correr, por exemplo, como ação de defesa ante possíveis ameaças e predadores. Infere-se, portanto, que, quando perceberam que podiam determinar e comandar o ato de correr, passaram inclusive a utilizá-lo como ação motora para o ataque ou a caça. Estavam capacitados a correr para cercar um animal e podiam alterar a qualidade e o esforço desse deslocamento para obter sucesso em sua empreitada. Assim, não somente a natureza externa era modificada no intento da caça, mas também o corpo do proto-hominídeo e as nuances qualitativas do seu mover-se.

Na criação das ferramentas de trabalho como extensão do corpo e dos movimentos corporais propositados para a alteração das condições adversas do meio - não só na fabricação dessas ferramentas, mas também na sua utilização -, o ser humano foi apropriando-se com mais refinamento e consciência das suas faculdades de mover-se. Provia, assim, de intenções seus movimentos para o trabalho: o movimento tornou-se o meio especializado para a coleta, a caça, o preparo dos alimentos, o plantio e a colheita.

Nesse processo de superação das condições emergenciais de sobrevivência, a movimentação corporal também passou a ser realizada com finalidade de ordem espiritual. Não somente os objetos passaram a apresentar aspectos estéticos, como também os movimentos corporais que realizavam ganharam outras qualidades, apropriando-se do ritmo, por exemplo.

Há elementos rítmicos que integram a natureza (o dia e a noite, as quatro estações), e outros que pertencem à existência somática do homem (respiração, palpitação). Todos eles, de uma forma ou outra, acabam incorporando-se nos hábitos cotidianos, tornando-se fundamentos de ‘reflexos incondicionados’, quer orientem o voo dos pássaros ou a caminhada do homem (Frederico, 2013FREDERICO, Celso. A arte no mundo dos homens: O itinerário de Lukács. São Paulo: Expressão Popular, 2013., p. 121).

Analisando desse prisma, pode-se avaliar que existem movimentos corporais produzidos pelo ser humano que têm uma finalidade funcional e utilitária primeira. O agachar de uma agricultora para plantar a rama de mandioca tem como objetivo dominar a natureza, cultivar o alimento, produzir vida; o caminhar de um pescador com um cesto de peixes sobre a cabeça tem como objetivo transpor a distância entre o rio e sua aldeia, prover o alimento, produzir vida. A repetição e execução desses movimentos corporais possuem ritmo; não intencionalmente estético, mas aquele incondicional, inerente ao movimento do trabalho ou cotidiano.

De acordo com a perspectiva ontológica marxista, “[...] a passagem [à categoria de reflexo estético] se dá quando o ritmo ganha sua autonomia e passa a existir fora de sua manifestação imediata no processo de trabalho, quando deixa de ser um momento da vida cotidiana imediata para ser o reflexo desse momento” (Frederico, 2013FREDERICO, Celso. A arte no mundo dos homens: O itinerário de Lukács. São Paulo: Expressão Popular, 2013., p. 121).

Dessa análise resulta a discussão do trabalho como atividade teleológica:

O trabalho, como a arte, é uma atividade teleológica, mas nele o ritmo é apenas um mero coadjuvante, um auxiliar do processo de transformação visado (basta pensar aqui nas primitivas canções do trabalho). É somente no reflexo artístico que o ritmo torna-se uma finalidade evocadora. Ele, então, é trazido para o mundo dos significados humanos, sofrendo uma intensificação consciente para, assim, revestir conteúdos próprios da arte feita pelo homem e para o homem. Estamos, agora, diante de uma manifestação da autoconsciência humana: a invenção do ritmo na estética é uma criação humana e, também, uma criação verdadeira e real (Frederico, 2013FREDERICO, Celso. A arte no mundo dos homens: O itinerário de Lukács. São Paulo: Expressão Popular, 2013., p. 122).

Pode-se inferir então que, quando o ser humano extrai e autonomiza o aspecto estético desse movimento funcional e o realiza de modo independente, sem a finalidade utilitária, carregando-o de formas sensíveis, sentidos e significados, está produzindo dança. Ou seja, se o agachar/levantar e o caminhar de ambos os trabalhadores for realizado com ênfase no aspecto rítmico, desinteressado da finalidade utilitária que esse ritmo carregava anteriormente, os movimentos se tornam Dança.

O ritmo, quando evocado para suprir uma demanda de ordem espiritual criadora, como acontece no fazer artístico, supera a condição técnica que este confere aos movimentos cotidianos e de trabalho e se transforma em elemento constituinte de uma obra de arte.

Nesse processo, a transformação humana e a humanização não são apenas de ordem intelectiva, mas também, e de modo concomitante, corporal. Corpo e mente, mente e corpo em uma relação complementar e dialética de produção e reprodução humana. A totalidade e unidade da condição humana a serviço da sua autoconsciência: “[…] nem movimento sem pensamento, nem movimento e pensamento, mas, sim, movimento pensamento” (Bracht, 1992BRACHT, Valter. Educação física e aprendizagem social. Porto Alegre: Magister, 1992., p. 54).

Quando os movimentos corporais se descolaram da finalidade utilitária, e foram dirigidos para suprir uma necessidade humana tendo como resultado um trabalho criador, esses mesmos movimentos ainda poderiam ser meio e ou fim. O movimento intencional do músico instrumentista, do pintor, do escultor, do escritor, é meio. Já para as artes cênicas (teatro, circo, ópera) essas fronteiras do movimento como meio e fim se borram. Contudo, é na dança que o movimento corporal humano projetado, não utilitário e de cunho estético, encontra seu cume.

Assim, a matéria-prima da dança é especificamente o movimento corporal humano intencional sem finalidade utilitária. Mas, podemos nos questionar ainda: serão dança todos os movimentos corporais planejados sem finalidade prático-utilitária?

O ser humano criou outros moveres sem desígnio utilitário; vide a infinidade de brincadeiras, jogos, lutas, movimentos ginásticos e esportes que remontam eras, séculos, territórios e sociedades passadas. Todos esses moveres não carregavam a função primeira de produzir vida, mas sim de reproduzi-la e suprir demandas de necessidades humanizadas. Na constante avidez por desafiar seus limites, inclusive aqueles ligados à natureza do corpo, os seres humanos cunharam modos de explorar suas potencialidades criadoras motoras, intelectivas, afetivas e sociais que essas modalidades do mover promoveram (Soares, 1992SOARES, Carmen Lúcia et al. Metodologia do Ensino de Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992.).

O que difere o movimento corporal humano compreendido dentro das manifestações relacionadas à produção da cultura corporal e da dança é a porção concreto-sensível e estética que ele carrega e projeta.

A diferença está na extração do aspecto estético dos movimentos do corpo que tomam proporção preferencial do mover, na dança. Há uma camada estética em todos os movimentos corporais humanos, seja nos movimentos de trabalho, do cotidiano, de cunho religioso, movimentos lúdicos e até mesmo na movimentação de luta. Contudo, a dimensão estética não é o interesse prioritário desses tipos de movimentos.

Não há, portanto, o belo natural em si, mas em relação com o homem. Os fenômenos naturais só se tornam estéticos quando adquirem uma significação social, humana. No entanto, o belo natural não é algo arbitrário ou caprichoso; exige um substrato material, certa estruturação das propriedades sensíveis, naturais, sem cujo suporte não poderia se dar a significação humana, social, estética (Vázquez, 2010VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. As ideias estéticas de Marx. São Paulo: Expressão Popular, 2010., p. 75).

Constata-se que existem, na natureza, cores, sons, formas e movimentos: é determinação natural, espontânea e incondicional que as flores tenham pétalas vermelhas ou amarelas; timbres mais agudos ou graves no canto dos pássaros; formas arredondadas ou angulares nas folhagens; movimentos de fluxo livre ou interrompido nas águas do mar. Esses fatores e elementos que compõem os fenômenos da natureza, ao serem sentidos-percebidos como estéticos pelo ser humano, foram por ele sendo apropriados e intencionalmente combinados nas obras de arte. O vermelho por si só não é estético; foram os sujeitos humanos, no processo de hominização e humanização, que estetizaram a cor vermelha, a ponto de a extraírem da natureza ou a reproduzirem por técnicas alquímicas e a transformarem em uma tonalidade aplicada intencionalmente nos corpos e objetos que produzem. O mar não dança, o movimento contínuo e intrínseco das suas águas é que possui dinâmicas e qualidades específicas que, aos olhos dos seres humanos, foi humanizado e se tornou estético, assemelhado a uma dança humana. Quando o ser humano se apropria da qualidade, agora estetizada, dos movimentos das águas, a (qualidade) transfigura e a reproduz em seu corpo, com uma finalidade distinta da do mover do mar, ou seja, imprimindo a esse movimento uma finalidade - telos - de exprimir suas percepções em relação à vida e ao mundo, isso se torna Dança.

Como o trabalho, o reflexo artístico pressupõe uma apreensão fiel dos elementos que realmente compõem o mundo exterior. Mas, por outro lado, o seu caráter evocador exige a intensificação daqueles traços que na própria realidade permanecem esmaecidos. Portanto, o reflexo artístico não é uma mera cópia do real, mas uma transfiguração deste para o mundo próprio dos significados humanos. Se o reflexo próprio ao trabalho já pressupõe uma certa [sic] diferenciação do mundo real, o reflexo artístico, em sua transfiguração antromorfizadora, vai mais além (Frederico, 2013FREDERICO, Celso. A arte no mundo dos homens: O itinerário de Lukács. São Paulo: Expressão Popular, 2013., p. 123).

A partir dessas considerações, pode-se conceituar a Dança como o conjunto de movimentos corporais intencionais concreto-sensíveis pelos quais o ser humano expressa, exprime e exterioriza ideias, sensações, percepções e sentimentos que nele se tornam reais, na relação com a realidade.

Por quais caminhos o Ser Humano chegou à dança como arte

Quanto ao radical da dança, diferentemente das hipóteses apresentadas até aqui, podemos afirmar que, para a maior parte dos estudiosos da dança e da sua história, sua origem está relacionada à magia e à religião. Muitos autores não só apontam uma possível relação, como também conferem à religiosidade e aos rituais de magia a gênese dessa atividade humana.

Afirmações, como as de que ‘a dança nasce em torno do fogo’, indicam o teor idealista e abstrato perpetuado em relação à fundação da dança:

O pleno domínio do homem sobre o fogo garantiu, inicialmente, grande importância mágica, poder social e poder divino. [...] A luz, o calor, a cor e os movimentos ígneos revelam os temas que são relatados e desenvolvidos no corpo, estabelecendo coreografias entre o homem e o fogo dinâmico, motivador e centro, certamente, da dança (Sabino, 2011SABINO, Jorge; LODY, Raul. Danças de Matriz Africana: antropologia do movimento. Rio de Janeiro: Pallas, 2011., p. 19).

Paulina Ossona, em uma de suas obras mais reconhecidas, A educação pela dança, inicia um de seus capítulos, intitulado Por que dança, com a seguinte argumentação:

Que impulso leva o homem a dançar? Por que ainda no estado natural mais primitivo, em lugar de economizar suas energias para encontrá-las mais intactas no momento da ação, necessária a seu sustento ou sua defesa, desperdiça-as em movimentos fisicamente esgotantes? Sem dúvida, por uma necessidade interior, muito mais próxima do campo espiritual que do físico. Seus movimentos, que progressivamente vão-se ordenando em tempo e espaço, são a válvula de liberação de uma tumultuosa vida interior que ainda escapa à análise. Em definitivo, constituem formas de expressar os sentimentos: desejos, alegrias, pesares, gratidão, respeito, temor, poder (Ossona, 1988OSSONA, Paulina. A educação pela dança. São Paulo: Summus, 1988., p. 19).

A autora alerta que tais sentimentos humanos, ainda pouco claros ao homem pré-histórico, em sua especificidade, estariam vinculados às necessidades materiais dos povos primitivos, tais como a:

Necessidade de amparo, abrigo, alimento, defesa e conquista; de procriação, saúde e comunicação. Tais requisitos levam-no primeiro a observar a natureza e a relação que existe entre os fenômenos naturais propícios ou contrários à sua necessidade. A cada uma destas manifestações ele atribui um espírito e uma vontade semelhante à sua. Para obrigar essa vontade a curvar-se ante a sua, ele inventa fórmulas mágicas, plasmadas em objetos miméticos que traduzem seus desejos (Ossona, 1988OSSONA, Paulina. A educação pela dança. São Paulo: Summus, 1988., p. 19).

Após levantar elementos iniciais e hipoteticamente plausíveis, a autora conclui que,

[...] assim nascem as formas artísticas de expressão: a dança, a pintura, a música, a palavra, o teatro. No princípio, todas estão unidas num só fato mágico e vão-se separando com o desenvolvimento da cultura, até os tempos atuais, em que um refluir na busca faz desandar o caminho para refundi-las numa integração (Ossona, 1988OSSONA, Paulina. A educação pela dança. São Paulo: Summus, 1988., p. 19).

Percebe-se que, nesses dois casos, é atribuída à dança uma origem, na qual o sujeito humano, o ser dançante, é apoderado da faculdade de produzir arte. Uma força que nos ‘escapa à análise’ dota o ser humano da necessidade e capacidade de produzir dança como arte. Há, em tal perspectiva, quase uma impostação divina para a dança e as artes. Que em torno do fogo o ser humano tenha dançado, assim como em outros rituais de ordem mística, não se assenta o conflito, mas sim no condicionamento deste ato como atribuição de forças intangíveis.

Os historiadores da dança fazem ecoar de forma superficial e resignada os indícios sobre a trajetória dessa linguagem artística na história da humanidade.

É difícil determinar hoje em dia quando, como e porque o homem dançou pela primeira vez. Há quem distinga nas figuras gravadas nas cavernas de Lascaux, pelo homem pré-histórico, figuras dançando. E como o homem da idade da Pedra só gravava nas paredes de suas cavernas aquilo que lhe era importante, como a caça, a alimentação, a vida e a morte, é possível que essas figuras dançantes fizessem parte de rituais de cunho religioso, básicos para a sociedade de então, a cujos costumes esse tipo de manifestação já estaria incorporado. A arqueologia, [...] não deixa de indicar a existência da dança como parte integrante de cerimônias religiosas, parecendo correto afirmar-se que a dança nasceu da religião, se é que não nasceu junto com ela. Como todas as artes, a dança é fruto da necessidade de expressão do homem. Essa necessidade liga-se ao que há de básico na natureza humana. Assim, se a arquitetura veio da necessidade de morar, a dança, provavelmente, veio da necessidade de aplacar os deuses ou de exprimir a alegria por algo de bom concedido pelo destino (Faro, 1986FARO, Antônio José. Pequena história da dança. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1986., p. 13).

Foi exatamente sobre o impasse da gênese da arte que “Lukács procurou entender conceitualmente o princípio de diferenciação que separou a arte da magia e, depois, da religião” (Frederico, 2013FREDERICO, Celso. A arte no mundo dos homens: O itinerário de Lukács. São Paulo: Expressão Popular, 2013., p. 124). Como apontados acima, tais pontos de vista por vezes podem parecer vagos e confusos. Contudo, sabe-se que, antes do advento dos ritos religiosos, os sujeitos humanos já haviam desenvolvido a necessidade de se comunicar em virtude do trabalho. Mesmo que de forma incipiente, os aspectos estéticos, portanto, sensíveis e comunicativos, já compunham o movimento corporal humano e os objetos por eles produzidos.

De acordo com os estetas marxistas, para que a obra de arte chegasse a ser produzida, previamente, o grau de produtividade do trabalho humano teria de ter sido, forçosamente, elevado.

O trabalho precedeu, em muitas dezenas de milhares de anos, uma arte paleolítica tão bem realizada como a das Cavernas de Lascaux ou Altamira. Para que pudesse emergir, das paredes das cavernas franco-cantábrias ou do Levante espanhol, a nova realidade que ganha vida nelas, era preciso que, durante milhares e milhares de anos, o homem afirmasse, graças ao trabalho, um domínio cada vez maior sobre a matéria (Vázquez, 2010VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. As ideias estéticas de Marx. São Paulo: Expressão Popular, 2010., p. 64).

Foi na relação dialética de trabalho, de centenas de milhares de anos, que o ser humano desenvolveu seu corpo e seus instrumentos de trabalho; desse modo, não só os utensílios foram se tornando mais elaborados, como também os movimentos que esse corpo era capaz de realizar. “[...] Cada novo instrumento contribuiu para que a própria mão do homem se tornasse mais fina, mais flexível e dócil à consciência; em poucas palavras, mais humana” (Vázquez, 2010VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. As ideias estéticas de Marx. São Paulo: Expressão Popular, 2010., p. 65).

Com utensílios de trabalho mais refinados e um corpo mais preparado para executar movimentos precisos e delicados, o ser humano precisou se apoderar e dominar conscientemente as qualidades e manifestações básicas dadas na natureza para a produção de instrumentos e movimentos corporais dotados de elementos estéticos que os tornariam mais eficazes no alcance da sua finalidade utilitária, como também da sua finalidade espiritual.

[...] para traçar um contorno no barro ou sugerir a profundidade de uma superfície plana, o artista pré-histórico teve de conhecer e reconhecer as qualidades naturais dos objetos - sua cor, peso, proporção, dureza, volume etc. -; só assim pôde aproveitá-las eficazmente a fim de dotar o objeto de determinadas qualidades que não pertenciam naturalmente a ele, ou seja, as que hoje chamamos de qualidades estéticas (Vázquez, 2010VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. As ideias estéticas de Marx. São Paulo: Expressão Popular, 2010., p. 67).

Nesse período, as qualidades estéticas aplicadas aos instrumentos carregavam motivos decorativos, estilizados ou esquemáticos, mas somente na Cultura Magdaleniana do Paleolítico Superior (entre 15 mil e 9 mil a.C.) é que motivos realistas e figurativos começaram a surgir. Para tanto, os seres humanos não tinham que dominar somente as qualidades da matéria sobre as quais iriam imprimir formas, como também as qualidades das imagens e formas que pretendiam ser impressas (Frederico, 2013FREDERICO, Celso. A arte no mundo dos homens: O itinerário de Lukács. São Paulo: Expressão Popular, 2013.).

De acordo com Lukács, do mesmo “[...] modo como é para outros o domínio de um material”, na produção dos objetos de trabalho ou instrumentos, por exemplo, em relação ao movimento corporal “[...] o domínico dos próprios movimentos, do próprio corpo, é um pressuposto técnico para um grupo de artistas (atores, bailarinos)” (Lukács, 1982LUKÁCS, Georg. Estética 1: La peculiaridad de lo estético. Barcelona: Grijalbo, 1982., p. 269)4 3 Na versão em espanhol: “Esta dificultad general aumenta aún por el hecho de que ahora no vamos a ocuparnos del origen de artes o géneros, sino de principios, elementos estructurales de la producción artística, los cuales desempeñan en artes distintos papeles muy diversos, dados en esas funciones sumamente variadas y a niveles evolutivos ya muy altos (ritmo, proporción, etc.), y que sólo excepcionalmente han conservado su inicial independencia (ornamentística), aunque sin volver, desde luego, a conquistar en la cultura total la importancia que tuvieron en determinados estadios iniciales” (Lukács, 1982, p. 265). . Assim, a partir dessa afirmação, pode-se supor que o ser humano também já vinha se apropriando das qualidades específicas do corpo, das suas nuances biomecânicas e cinesiológicas, e das habilidades e dos fatores expressivos do movimento, como peso, fluxo, tempo, espaço, força, agilidade, capacidade articular, para, inclusive, dominá-lo na construção de seus instrumentos. Para um traçado específico, quanta força e peso seriam necessários empregar no movimento do antebraço, mãos e dedos para que esse traçado fosse preciso? A natureza do corpo e dos seus movimentos também estavam sendo dominadas. “[...] Essa capacidade de reproduzir e duplicar a realidade dá ao artista pré-histórico certo poder sobre a própria realidade” (Vázquez, 2010VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. As ideias estéticas de Marx. São Paulo: Expressão Popular, 2010., p. 68). Assim, houve a necessidade de conhecer as propriedades do objeto que seria figurado. Quanto mais realista fosse a reprodução, mais possibilidade de controlar e dominar a realidade o ser humano obtinha.

Para tanto, no Paleolítico (de 2,5 milhões a 10 mil a.C.), o temível bisonte retratado nas cavernas deveria ser uma versão, a mais fiel possível, dos bisontes que os seres humanos encontravam no cotidiano das caçadas. A forma, proporção, volume, dimensão, textura, deveria ser aplicada de um modo bastante preciso.

As formas de duplicar o real a fim de compreendê-lo e dominá-lo não permaneceram somente nas pinturas impressas nas grutas e cavernas, mas os movimentos retratados e todos aqueles empregados no ato de pintar, de certa forma, também ficaram impressos nos próprios corpos humanos daqueles pintores do período pré-histórico.

Paul Bourcier (2001)BOURCIER, Paul. História da Dança no Ocidente. São Paulo: Martins Fontes, 2001. defende que o primeiro testemunho iconográfico que apresenta um humano em atitude de dança remonta a 14.000 a.C.

Outro marco significativo sobre a presença da dança entre os humanos no contexto das pinturas rupestres é a figura encontrada na gruta Trois Frères, em Ariège (França), datada aproximadamente de 10.000 a.C. Nela, uma representação humanoide parece dançar trajando um disfarce multianimalístico: chifre de cervo, orelha de lobo, rosto de pássaro, braços e garras de urso e rabo de cavalo se fundem às pernas, órgão sexual e posicionamento corporal verticalizado bípede, característico dos humanos.

Figura 1
Representação humanoide dançante com disfarce multianimalístico

Atribui-se essa figura à representação de um feiticeiro praticando um rito mágico, um deus dos animais ou ainda um xamã em transe. Contudo, o que interessa, mais do que a finalidade da dança representada, é a confirmação de que a duplicação da realidade também se dava no corpo, e, mais do que isso, no corpo em movimento intencional.

Em síntese, antes de terem suas possíveis danças impressas nas paredes das grutas e cavernas, o ser humano se apropriou das qualidades e habilidades do movimento do seu próprio corpo, inicialmente executando movimentos de trabalho e, posterior e respectivamente, movimentos de motivos abstratos e figurativos. Esses últimos, contudo, quanto ao elemento rítmico, especificamente, não apresentavam tal qualidade estética de forma secundarizada, como nos movimentos de trabalho, mas sim como fator primordial e decorrente do aperfeiçoamento desses mesmos movimentos.

No que se refere à questão do trabalho e do ritmo, temos que tomar como afirmação que a origem do movimento rítmico é o resultado de um aperfeiçoamento do processo de trabalho, do desenvolvimento das forças produtivas do trabalho, ou seja, não pode ser determinado imediata ou diretamente por mágica (Lukács, 1982LUKÁCS, Georg. Estética 1: La peculiaridad de lo estético. Barcelona: Grijalbo, 1982., p. 274)5 4 Na versão em espanhol: “[...] modo como lo es para otros el dominio de un material, [...] el dominio de los propios movimientos, del propio cuerpo, es presupuesto técnico para un grupo de artistas (actores, bailarines)” (Lukács, 1982, p. 269). .

Ou seja, por meio do trabalho, da diversidade dos movimentos de trabalho e da sua diversidade rítmica é que o ser humano conformou seu corpo e pôde, mais tarde, abstrair dessa realidade as possibilidades estéticas autônomas - no caso - do mover-se como dança.

Para Lukács, havia uma tendência ao desprendimento do ritmo de seu concreto papel em um determinado processo de trabalho.

Quanto mais diversos são os ritmos que nascem da diferença material entre os diversos trabalhos, mais facilmente ocorre esse desprendimento e mais resolutamente o ritmo pode converter-se em um elemento da vida cotidiana independente das circunstancias iniciais que o desencadearam (Lukács, 1982LUKÁCS, Georg. Estética 1: La peculiaridad de lo estético. Barcelona: Grijalbo, 1982., p. 274)6 5 Na versão em espanhol: “Por lo que hace a la cuestión del trabajo y el ritmo, hay que recoger como dato firme que el origen del movimiento ritmizado [sic] es un resultado del perfeccionamiento del proceso de trabajo, del desarrollo de las fuerzas productivas del trabajo, o sea, que no puede estar determinado inmediata o directamente por la magia” (Lukács, 1982, p. 274). .

O autor trata especificamente da manifestação ritmo, contudo, sob a ótica do estudo e análise do movimento preconizada por Laban (1978)LABAN, Rudolf von. Domínio do Movimento. São Paulo: Summus, 1978., outras manifestações e qualidades de movimento como peso, fluxo, espaço e tempo também poderiam ser referidas sob a mesma perspectiva. Como se, na totalidade do movimento de trabalho e das suas manifestações intrinsecamente estéticas, o ser humano tivesse passado a pensar por movimentos, como já indicou o autor:

Talvez não seja inusitado introduzir aqui a ideia de se pensar em termos de movimento, em oposição a se pensar em palavras. O pensar por movimentos poderia ser considerado como um conjunto de impressões de acontecimentos na mente de uma pessoa, conjunto para o qual falta uma nomenclatura adequada. Este tipo de pensamento não se presta à orientação no mundo exterior, como faz o pensamento através de palavras, mas, antes, aperfeiçoa a orientação do homem em seu mundo interior, onde continuamente os impulsos surgem e buscam uma válvula de escape no fazer, no representar e no dançar (Laban, 1978LABAN, Rudolf von. Domínio do Movimento. São Paulo: Summus, 1978., p. 42).

Assim, tanto o ser humano refinou e aprimorou o conhecimento em relação ao próprio corpo e às especificidades desse material, sobre o qual os movimentos dirigidos aconteciam, que, no intento de dominar e duplicar a realidade, conseguiu, inclusive, captar as qualidades e habilidades dos elementos da realidade que pretendia figurar.

O ser humano do Paleolítico muito deve ter observado a qualidade expressiva peso, por exemplo, com suas nuances de peso passivo (pesado/fraco) e peso ativo (leve/forte) dos movimentos de um bisonte. Mas não de um animal especificamente e sim do gênero ou do animal bisonte (apesar de ele não ter, obviamente, noções de peso ou de gênero, e sim por defrontar-se com manadas de bisontes, cuja força e peso tudo destruíam), para, enfim, reproduzir uma movimentação fidedigna à da realidade. Muito ele deve ter analisado dos matizes do tempo contido no movimento dos felinos, mesmo alheio a qualquer noção de tempo no sentido estético. No estudo e análise do movimento preconizado por Laban (1978)LABAN, Rudolf von. Domínio do Movimento. São Paulo: Summus, 1978., o fator expressivo tempo está muito relacionado com a duração, as pausas ou intervalos, a velocidade (rápido/acelerado e lento/desacelerado) que os movimentos carregam. Pelo simples ver-observar, com frequência amedrontado, essas qualidades apresentadas pelos animais, o ser humano poderia, agora, reproduzi-las e duplicá-las por meio da dança, denotando certo poder sobre elas. Assim como,

O desenho de um bisonte expressa o conhecimento que o assustado caçador pré-histórico tem desse animal. Se o pintor de Altamira modela as formas e desenha o contorno com uma grande exatidão, é porque já se elevou consideravelmente sua capacidade de sintetizar, de abstrair e generalizar. Assim, pois, numa fase de desenvolvimento humano em que a arte e o conhecimento se implicam necessariamente, o homem pode já traçar figuras que reproduzem ou duplicam a realidade (Vázquez, 2010VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. As ideias estéticas de Marx. São Paulo: Expressão Popular, 2010., p. 68).

A arte só pôde chegar à exatidão magnífica da figuração das pinturas rupestres e danças pré-históricas porque, de certa forma, superou a significação prática dos objetos e movimentos corporais úteis à sobrevivência. Tanto que, observa-se “[…] em resumo, não só nos povos primitivos, mas também e ainda na Antiguidade, a dança, embora já convertida em arte, não perdeu de forma alguma o seu vínculo originário com o trabalho, o exercício e o lazer, com os costumes da vida cotidiana” (Lukács, 1982LUKÁCS, Georg. Estética 1: La peculiaridad de lo estético. Barcelona: Grijalbo, 1982., p. 279)7 6 Na versão em espanhol: “Cuanto más diversos son los ritmos que nacen por la diferencia material entre trabajos diversos, tanto más fácilmente procede ese desprendimiento y tanto más resueltamente puede el ritmo convertirse en un elemento de la vida cotidiana relativamente independiente de las iniciales circunstancias desencadenadoras” (Lukács, 1982, p. 274). .

Ressalta-se assim que, no processo do trabalho necessário à manutenção da vida, estava contido o gérmen das linguagens artísticas: somente a partir da superação do caráter utilitário do trabalho foi possível desenvolver o trabalho criador, hoje nomeado como arte. Foi no passo seguinte da caminhada de hominização e humanização que a arte emprestou suas potencialidades relacionais e sensíveis à magia e aos demais ritos relacionados à religiosidade.

Se no fazer artístico a intenção é sintetizar e generalizar em um objeto ou movimento corporal o que é encontrado na realidade, há que se destacar aquilo que é decisivo e essencial a ser refletido: os traços da coisa em si reproduzida é que devem ser evidenciados.

Assim, é justamente a figuração, associada com a magia, que torna possível uma arte realista que busca, antes de mais nada, uma finalidade prática. Após ter alcançado certa autonomia com relação à utilidade material - por meio da magia - coloca-se [a arte, novamente] a serviço de um interesse prático, utilitário: a caça de animais selvagens (Vázquez, 2010VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. As ideias estéticas de Marx. São Paulo: Expressão Popular, 2010., p. 68).

É por essa capacidade de síntese e de potência relacional e emotiva que a arte carrega, que ela foi sendo, por sua vez, agregada aos processos de magia. Os aspectos estéticos foram alçados dos movimentos de trabalho utilitário, lançados à produção de movimentos de reprodução e conhecimento da realidade, e retornaram a suprir uma demanda utilitária, agora na relação do ser humano com o mundo pela magia.

No entanto, além das formas abstratas de reflexo, outra fonte alimenta a arte: a imitação.

Na vida cotidiana, desde os tempos primitivos, a palavra imitativa (onomatopeia) e a gesticulação mímica fizeram-se presentes na comunicação aumentando a distância entre o reflexo imediato da vida cotidiana [...] e o modo pelo qual é transmitida de um homem para outro (Frederico, 2013FREDERICO, Celso. A arte no mundo dos homens: O itinerário de Lukács. São Paulo: Expressão Popular, 2013., p. 124).

A imitação deixa mais perto arte e magia. Contudo, enquanto a magia fixa a dualidade do processo comunicativo - por conservar o reflexo correto da realidade e a capacidade de evocar sentimentos - “[...] a arte, progressivamente, vai introduzindo diferenciações e reforçando o caráter evocativo, a ‘aura’ que envolve o fato representado e os sentimentos, valores e significados que o acompanham” (Frederico, 2013FREDERICO, Celso. A arte no mundo dos homens: O itinerário de Lukács. São Paulo: Expressão Popular, 2013., p. 124). Ou seja, apesar de a magia e a religião, inicialmente, terem surgido como reflexo antropomorfizador, assim como a arte, ambas, magia e religião, acreditam na veracidade de seu objeto: a transcendência. Portanto, conferem a regulação da realidade ao transcendente e demandam do endereçado da mensagem a crença numa realidade sublime e imaterial. Na arte, essa lógica é inversa, ela não quer que sua objetivação se confunda com a verdade, mas sim que o caráter fictício de suas realizações seja evidenciado. “A obra de arte é uma afirmação terrena: a evocação do representado dirige-se à receptividade do homem” (Frederico, 2013FREDERICO, Celso. A arte no mundo dos homens: O itinerário de Lukács. São Paulo: Expressão Popular, 2013., p. 125), e se dá na síntese e transfiguração da realidade na qual ser humano e obra coexistem.

Assim, especificamente em relação à dança, se, num primeiro momento, o ser humano encontrou apoio e inspiração para a sua gênese nos movimentos do cotidiano e do trabalho; se posteriormente extraiu os aspectos estéticos desses movimentos e os configurou, enfim, como arte do movimento; se, em seguida, emprestou suas atribuições sensíveis e eficazes de comunicação à magia e à religião, foi na forma de práxis tardia que, na arte e na dança, o ser humano desvelou “[...] com recursos próprios [dela] [...], o caráter imanente das forças motrizes que governam nossa realidade”, inaugurando “[...] o comportamento propriamente estético [e libertando-o] da magia e da religião” (Frederico, 2013FREDERICO, Celso. A arte no mundo dos homens: O itinerário de Lukács. São Paulo: Expressão Popular, 2013., p. 125).

Conclui-se, assim, que o Ser Humano chegou à Dança como Arte quando ele foi capaz de autonomizá-la como linguagem artística, quando afirmou o caráter terreno da dança e possibilitou seu reconhecimento como movimento corporal humano intencional, cuja finalidade é evocar/apresentar aspectos marcantes da vida dos sujeitos humanos, como construção e obra coletiva do gênero humano. Essas seriam as Rupestres Dançantes, o radical, a raiz do corpo em movimento intencional estético.

Notas

  • 1
    O presente artigo inédito é um recorte da dissertação Corpo telúrico dançante: da desterritorialização do corpo e da dança até o MST (Guilherme, 2019GUILHERME, Sylviane. Corpo telúrico dançante: da desterritorialização do corpo e da dança até o MST. 2019. 117 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita de Filho, São Paulo, 2019.).
  • 2
    Na versão em espanhol: “[...] vale la pena repetirlo cada vez que viene a cuento: no sabemos prácticamente nada del origen histórico real del arte. En muchas artes de importancia, como la poesía, la música, la danza, etc., es incluso inútil por principio el buscar documentos originarios” (Lukács, 1982LUKÁCS, Georg. Estética 1: La peculiaridad de lo estético. Barcelona: Grijalbo, 1982., p. 265).
  • 3
    Na versão em espanhol: “Esta dificultad general aumenta aún por el hecho de que ahora no vamos a ocuparnos del origen de artes o géneros, sino de principios, elementos estructurales de la producción artística, los cuales desempeñan en artes distintos papeles muy diversos, dados en esas funciones sumamente variadas y a niveles evolutivos ya muy altos (ritmo, proporción, etc.), y que sólo excepcionalmente han conservado su inicial independencia (ornamentística), aunque sin volver, desde luego, a conquistar en la cultura total la importancia que tuvieron en determinados estadios iniciales” (Lukács, 1982LUKÁCS, Georg. Estética 1: La peculiaridad de lo estético. Barcelona: Grijalbo, 1982., p. 265).
  • 4
    Na versão em espanhol: “[...] modo como lo es para otros el dominio de un material, [...] el dominio de los propios movimientos, del propio cuerpo, es presupuesto técnico para un grupo de artistas (actores, bailarines)” (Lukács, 1982LUKÁCS, Georg. Estética 1: La peculiaridad de lo estético. Barcelona: Grijalbo, 1982., p. 269).
  • 5
    Na versão em espanhol: “Por lo que hace a la cuestión del trabajo y el ritmo, hay que recoger como dato firme que el origen del movimiento ritmizado [sic] es un resultado del perfeccionamiento del proceso de trabajo, del desarrollo de las fuerzas productivas del trabajo, o sea, que no puede estar determinado inmediata o directamente por la magia” (Lukács, 1982LUKÁCS, Georg. Estética 1: La peculiaridad de lo estético. Barcelona: Grijalbo, 1982., p. 274).
  • 6
    Na versão em espanhol: “Cuanto más diversos son los ritmos que nacen por la diferencia material entre trabajos diversos, tanto más fácilmente procede ese desprendimiento y tanto más resueltamente puede el ritmo convertirse en un elemento de la vida cotidiana relativamente independiente de las iniciales circunstancias desencadenadoras” (Lukács, 1982LUKÁCS, Georg. Estética 1: La peculiaridad de lo estético. Barcelona: Grijalbo, 1982., p. 274).
  • 7
    Na versão em espanhol: “[…] brevemente que no solo en los pueblos primitivos, sino también y todavia en la Antigüedad, la danza, aunque ya convertida en arte, no habría perdido en modo alguno su vinculación originaria con el trabajo, el ejercicio y el juego, con las costumbres de la vida cotidiana” (Lukács, 1982LUKÁCS, Georg. Estética 1: La peculiaridad de lo estético. Barcelona: Grijalbo, 1982., p. 279).

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Editado por

Editor responsável: Gilberto Icle

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    30 Abr 2021
  • Aceito
    28 Out 2021
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