Acessibilidade / Reportar erro

Clinico Geral ou Médico de Família?

I - A PRÁTICA MÉDICA E A NECESSIDADE DE SÍNTESE

Atualmente, a prática médica, reflexo parcial do que se ensina no curso de graduação, está tão extensa e tão subdividida, que requer um movimento de síntese, para melhor formação médica, e, principalmente, para maior respeito ao doente.

Não nos distanciaríamos se assemelhássemos o quadro da medicina prática, ao que tem ocorrido na evolução da medicina em geral. As doutrinas médicas, estão ou deviam estar retomando o sentido da síntese. Estão, porque em um outro ciclo terminado há vinte e cinco séculos houve uma primeira e grande condensação de conhecimentos. Hipócrates - a Escola de Cós - realizou a seleção e a consolidação de alguns princípios das gerações anteriores.

Este novo período analítico, aproxima­se de seu término e já se esboça, e cada vez mais se afirma de novo o período sintético. A medicina prática atualmente assemelha-se â queda de uma bola de mercúrio sobre uma superfície plana: transforma-se em centenas de bolas menores, algumas sem a menor parecença com o original. A Clínica Médica foi intensamente fragmentada. Mundialmente, esboça-se um movimento para juntar as peças soltas, para perfilar, consoante os atuais preceitos da tecnologia e necessidades práticas a figura do novo Clínico Geral, não descuidando das especialidades médicas, que deverão ser conscientes e convenientemente bem definidas.

O objetivo fundamental e básico de tal empreendimento obedecerá, inicialmente, adequação às condições sócio-geo-econômicas da nação.

Entendemos que a iniciativa e a tomada de posição para modificar a formação do médico já constitui meio sucesso â busca de soluções.

Reconhecemos, também, sem muito nos afastarmos da realidade, que foi preciso aparecerem sinais de desumanização da prática médica, quase que o aviltamento da figura do médico e total esquecimento do doente, para que fosse reconhecida a necessidade de reformulação.

Vozes, as mais categorizadas, fizeram-se ouvir, no passado e no presente, alertando para as deficiências na formação do médico.

Von Bergmann, ao afirmar que se deve considerar o doente como um todo, disse:

"O objetivo fundamental do médico consciente é procurar reconhecer a personalidade global do enfermo", e, rememorando Goethe, transcreveu:

"Há síntese maior que um ser vivo? De que serve o estudo da Anatomia, da Fisiologia e da Psicologia para conseguir-se tão só uma noção imperfeita do complexo que persiste como tal, embora se procure desintegrá-lo em uma série de fatores? Em todo ser vivo, aquilo que denominamos partes constituintes formam um todo inseparável que só pode ser estudado em conjunto, pois a parte não permite reconhecer o todo, nem o conjunto deve ser reconhecido nas partes..."

Peabody, há mais de um século, conceituou o "Quadro Clínico" com tal força de precisão, que equivale a capítulo de um Tratado de Medicina Social:

"...O QUESE CHAMA 'QUADRO CLÍNICO', NÃO É O RETRATO DO HOMEM DEITADO NO LEITO, É O QUADRO IMPRESSIONISTA DO PACIENTE RODEADO NO LAR, NO TRABALHO, OS PARENTES, OS AMIGOS, AS ALEGRIAS, AS MÁGOAS, AS ESPERANÇAS E OS TEMORES."

II - MEDICO DE FAMILIA OU CLÍNICO GERAL

A denominação de "Clínico Geral", além de preservar a tradição do termo, vincula-se intimamente à formação médica evidenciando, inicialmente, as responsabilidades das Escolas Médicas, quanto a adequada reformulação curricular, e, mais notadamente, em relação a integração interdisciplinar em busca da noção de conjunto.

O ensino da Clínica Médica completa-se com os conhecimentos teóricos e práticos das Ciências Sociais e do comportamento. Tais características encontram-se na excelente conceituação dada por Carlos da Silva Lacaz3. LACAZ, Carlos da Silva - Humanização da Medicina. Aula inaugural da Fac. Med. Univ. Federal do Rio de Janeiro, 1977.:

"O que se deseja de um médico é que ele seja forrado de sólida cultura científica que lhe garanta qualificação adequada; que tenha capacidade suficiente para fazer um enfoque integral do homem em seus aspectos biológico, psicológico e social; que possua um conhecimento razoável das ciências sociais, que lhe permita exercer funções de líder na comunidade e, finalmente, que preste serviços de saúde, conhecendo também as limitações de sua arte e de seus conhecimentos, virtude esta que deve ser altamente recomendada."

III - SAÚDE E DOENÇA

A saúde não é um fenômeno isolado para ser definido ou conceituado em seus próprios termos. Ela está profundamente relacionada com o contexto sócio-cultural.

Diferenças multissetoriais: época, local, camada sofial, cultura, ocupação, religião, etc.... mostram diferenças na percepção do binômio saúde-doença. Daí os diversos conceitos, no transcurso dos tempos, porém sempre subjetivos e nunca inteiramente satisfatórios. Daí, também, o conceito para cada nação e conseqüentemente a necessidade de adequação para soluções nacionais.

Com o surgimento das bases médicas científicas e a influência dos fatores sócio-culturais, concentraram-se os pontos de vista, dando ênfase à pessoa como um todo e em relação à sociedade: A biogenética marcou o substrato das condições somáticas e psíquicas do indivíduo. A ecologia obriga-o à adequação. Resumidamente, e na independência dos conceitos de saúde conhecidos, depreende-se que a saúde é produto de dois fatores: genéticos e ambientais.

Sendo então lícito salientar que as tendências etnocêntricas e tradicionais devem ser reformuladas para que a subcultura médica, fração da cultura como um todo e com a qual mantém dependência, se renove e se oriente no sentido de buscar nas ciências do comportamento e sobretudo no fenômeno do relativismo cultural, um instrumento a mais de evolução e progresso.

IV - CLÍNICO GERAL E UNIVERSIDADE

Inicialmente, confessamo-nos distantes de idealismo estrábico que não atende a realidade tecnológica atual das ciências de saúde, particularmente à complexidade das disciplinas curriculares do curso de graduação médica. Por outro lado, dentro da complexidade, devemos reconhecer o que a prática reclama para a reformulação curricular.

Dentre os fatores básicos e prioritários para a formação do Clínico Geral, relacionamos os seguintes:

1 - Vocação médica ou escolha da profissão

Em época anterior à massificação do ensino superior, não era fácil mostrar os caminhos vocacionais; atualmente constitui-se em mais difícil problema, agravado pela multiplicação desordenada das escolas médicas. Acresce ainda que a medicina exige uma acentuada vocação. Vocação é uma palavra com sentido etimológico bem definido. Vocação significa a voz, a voz interior que solicita, imantiza e dirige os indivíduos para o exercício de um determinado mister, como se fossem atraídos pela luz.

Em apoio a este aspecto particular de nossa exposição, permitimo-nos a transcrição do resumo de um artigo da Crônica de 1a OMS - vol. 27, março de 1973, intitulado "La Selección de los estudiantes para la enseñanza de la medicina":

"La finalidad de una escuela de medicina no es producir galardonados con el Premio Nobel, sino más bien proporcionar médicos a los servicios sanitarios que satisfagan las necesidades sanitarias del pais donde se forman o de países carentes de recursos sanitarios adecuados, y el grado en que se alcanza este objetivo depende no sólo de la ensenanza médica que reciben sino también del proceso de selección para esa ensenanza. Esta fue la opinión de un Grupo de Trabajo sobre la Selección de los Estudiantes para la Ensenanza de la Medicina, convocado en Berna del 21 al 25 de junio de 1971, por la Oficina Regional de la OMS para Europa, con la cooperación del Gobierno Suizo.·En este articulo se ha hecho um resumen de las observaciones del grupo sobre el proceso de selección."

2 - Reformulação curricular

Com a finalidade de proporcionar melhor formação do Clínico Geral, esforçam-se as Escolas Médicas no sentido de reformulação curricular. Recentemente, no XV Congresso Brasileiro de Educação Médica, realizado sob os auspícios da Associação Brasileira de Educação Médica, os resultados de propósitos foram excelentes, particularmente ao núcleo do temário "Formação do Clínico Geral".

A Clínica Médica possui íntima conotação na organização dos serviços assistenciais, principalmente na chamada assistência primária, pois é através do clínico que grande parcela da população resolve ou inicia a solução de seus problemas.

Quanto a proposição de reformas curriculares, para atender as atuais necessidades do ensino médico, consideramos modelar o estudo elaborado pelo Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba17. UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA. Centro de Ciências da Saúde. Proposta Curricular.. As excelentes sugestões propostas, acrescentaríamos apenas a mais precoce aproximação do estudante com o paciente, mesmo sem ter ainda conhecimentos de semiologia. Entendemos que seria uma oportunidade para o próprio estudante iniciar as correlações interdisciplinares, bem como conhecer os princípios práticos da Psicologia Médica.

3 - Intensificação e otimização da comunicação

Para a formação qualificada do médico em geral, especificamente do Clinico Geral ou do Médico de Família, é necessária a intensificação e otimização da comunicação.

A - Comunicação dentro da Escola Médica

a - entre o professor e o aluno

Os objetivos do ensino médico só poderão ser alcançados plenamente, se cada professor e cada aluno se conhecem e se compreendem;

b - interdepartamental

A hipertrofia departamental opõe-se ao equilíbrio do ensino médico. E funda­ mental a existência de livre trânsito de comunicação entre alunos, professores, departamentos, setores departamentais e administrativos;

c - entre o ciclo básico e o profissional

d - entre o aluno e o doente

e - entre a Escola Médica e o Médico já graduado, para estabelecer e incrementar a Educação Médica continua.

f - entre, as Escolas Médicas e os Hospitais, Ambulatórios, Postos e Serviços de Saúde.

B - Comunicação entre a Escola Médica e a População

Boa parcela do êxito do ensino médico depende do apoio da população, isto é, de confiança depositada nos médicos. A comunicação entre o público e a escola médica, incrementa-se através de medidas que permitam aos estudantes participar dos múltiplos aspectos à assistência comunitária.

C - Comunicação Internacional e Ensino Médico

Muitas são as vias de comunicação internacional, que deverão ampliar-se e desenvolver-se convenientemente. Dentre muitas, encontram-se: Grupos de Trabalho, Congressos, Reuniões Científicas, Seminários e Publicações Médicas. Exemplo excelente de Comunicação Internacional nos é oferecido pela OMS, através da criação do Centro Internacional de Vigilância Medicamentosa.

4 - Humanização da medicina

Para se conseguir a humanização da Medicina é preciso espiritualizar a técnica e humanizar a ciência. Alguns tópicos de recente discurso do Prof. Carlos da Silva Lacaz3. LACAZ, Carlos da Silva - Humanização da Medicina. Aula inaugural da Fac. Med. Univ. Federal do Rio de Janeiro, 1977. sobre a "Humanização da Medicina" são ecumênicos e exatos para a oportunidade. Considerá-los devidamente é aprender os principais meios para reviver a figura do Clínico Geral ou Médico de Família.

"O exercício da profissão médica sofreu nesses últimos anos radical transformação. Não mais existe o 'Médico de Família', o orientador terapêutico seguro, o amigo, o confidente, o conselheiro da grei familiar. O médico de hoje dá grande valor aos meios subsidiários de diagnóstico e, após rápida entrevista com o cliente, este se afasta para uma série de manipulação e exames, a mercê de técnicos frios e objetivos que pouco se preocupam com o indivíduo doente e sim, com a doença de que ele é portador. Os testes biológicos e os 'métodos estandardizados' corromperam a prática do oficio e dinamizaram a 'medicina de carregação'; trata com o homem como a ciência experimental lida com os animais de laboratório. A terapêutica do bem deve ser a companheira tradicional do sacerdócio do corpo. O médico cura também, pelo interesse que toma pelo doente, às vezes mais do que pelos remédios receitados. Devemos, pois, condenar a burocratização da medicina, tirando a essência espiritual de nossa profissão, aquilo que a arte médica envolve de mais profundo e de mais nobre. Todo aquele que procura o médico, busca também amparo e proteção.

Somente o antigo médico de família será capaz de valorizar a nossa profissão, não a transformando em um simples instrumento de saúde numa sociedade de consumo. Infelizmente, o médico de hoje, sobrecarregado de trabalho, vive instantes os mais difíceis de sua nobre profissão. A Medicina aproxima-nos das verdades fundamentais da natureza e nos põe em contato com o precário e o fugitivo de todas as coisas e também com a realidade tangível da morte."

"Não foi sem razão que o grande Bacelli, o mestre insigne afirmara que se reunissem em um só clínico a argúcia, o valor e a inteligência dos maiores mestres, a arte ficaria com as dúvidas, a ciência com as suas hipóteses e a natureza com os seus mistérios. Enfim, cada um deve fazer o que puder para diminuir a soma total da desgraça humana. O amor da Medicina pela Medicina nós devemos praticar não com um escopo prático imediato, mas como resposta a um estímulo interior, a uma solicitação espiritual insopitável, que faz do trabalho intelectual o ideal bastante para preencher uma existência."

"O bem-estar do paciente deve continuar merecendo toda a primazia. A meta a atingir não é apenas uma cirurgia bem sucedida ou um diagnóstico perfeito, mas sim, a cura do doente e o alívio para os que não podem ser curados. Esta a função do médico. E, nesta era de especialização e de maravilhas cientificas, não devemos nos esquecer disso. A Medicina deve continuar sendo uma cidadela para o indivíduo, um verdadeiro refúgio onde as suas necessidades sejam o supremo objetivo."

"Humanizemos cada vez mais a nossa tão amada profissão, pois só desta maneira a Medicina permanecerá imutável nos seus desígnios, com os mesmos sentimentos de grandeza de sua tarefa, animada pelo altruísmo e pelo bem comum, subsistindo no perpétuo envolver das coisas e das idéias."

"E diferente o sol que clareia a vida dos médicos porque o que nos inspira é a fraternidade da filantropia. Já se disse que é muito mais importante a ciência do amor que a ciência. Realmente, mais importante que desintegrar o átomo é integrar os direitos básicos do homem em qualquer parte da terra. O próprio Papa referiu que devemos amar o próximo, mormente porque o próximo dos outros somos nós mesmos. O homem de nossos dias transformou­ se numa verdadeira câmara de eco. Nunca se cogitou tanto das ciências exatas e nunca a ignorância foi ciência tão exata como hoje."

"A Terapêutica do bem deve ser a companheira tradicional do sacerdócio do corpo. O médico cura, também, pelo interesse que toma pelo doente, às vezes, mais do que pelos remédios que receita."

"Dar ao médico a formação humana eis a medida ou a terapêutica indicada."

Entre as sugestões válidas ao planejamento para a formação do Clínico Geral ou Médico de Família, que estão ligadas à humanização da Medicina, devem constar e serem devidamente enfatizadas as opiniões da comunidade do paciente e do estudante de Medicina. Além de serem os mais interessados, representam essencialmente o aspecto prático da assistência à saúde.

A soma do que pensa a comunidade, do que necessita o doente e do que precisa o estudante, é parcela não desprezível às soluções almejadas.

O hospital, tanto sob o aspecto físico como funcional, contribui para a humanização da medicina no momento, merece maior racionalização a excessiva preferência pela hospitalização; muitas vezes desnecessária, traumatizante ao paciente e fator de encarecimento dos custos assistenciais. Apenas para vivificação do tema, busquemos algumas considerações contidas no recente livro de Michel Foucault1. FOUCAULT, Michel - O Nascimento da Clínica - Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1977. p. 17. - "O Nascimento da Clinica":

"O hospital, como a civilização, é um lugar artificial em que a doença, transplantada, corre o risco de perder seu aspecto essencial. Ela logo encontra nele um tipo de complicação de que os médicos chamam febre das prisões ou dos hospitais: astenia muscular, língua seca, saburra, rosto lívido, pele pegajosa, diarréia, urina descorada, opressão nas vias respiratórias, morte no oitavo ou décimo primeiro dia, ou, no mais tardar, no décimo terceiro. De modo mais geral, o contato com os outros doentes, nesse jardim desordenado em que as espécies se entre-cruzam, altera a natureza da doença e a torna mais dificilmente legível; como, nessa necessária proximidade, ‘corrigir o eflúvio maligno que parte de todo o corpo dos doentes, dos membros gangrenados, ossos cariados, úlceras contagiosas, febres pútridas’? E, além disso, pode-se apagar as desagradáveis impressões que causam ao doente, afastado de sua família, o espetáculo dessas casas que não são para muitos senão 'o templo da morte'? Esta solidão povoada e este desespero pertur­ bam, sadias reações do organismo, o curso natural da doença; seria preciso um médico de hospital bastante hábil 'para escapar do perigo da falsa experiência que parece provir das doenças artificiais a que ele deve prestar nos hospitais'. Com efeito, nenhuma doença de hospital é pura."

O lugar natural da doença é o lugar natural da vida - a família: doçura dos cuidados espontâneos, testemunho do afeto, desejo comum da cura, tudo entra em cumplicidade para ajudar a natureza que luta contra o mal e deixar o próprio mal se desdobrar em sua verdade; o médico de hospital só vê doenças distorcidas, alteradas, toda uma teratologia do patológico; o que atende a domicilio "adquire em pouco tempo uma verdadeira experiência fundada nos fenômenos naturais de todas as espécies de doenças". A vocação desta medicina a domicílio é, necessariamente, ser respeitosa: "Observar os doentes, ajudar a natureza sem violentá-la e esperar, confessando modestamente que faltam ainda muitos conhecimentos."

A Psiquiatria, apesar das forças contrárias da mercantilização médica, distancia-se cada vez mais da hospitalização desnecessária, em direção ao ambulatório. Semelhante atitude estão tomando os pediatras.

Na oportunidade, não aceitamos, na íntegra o polêmico livro de Ivan Illich "Nemesis Médica" que procura, com exagero de opinião, traçar o perfil da medicina atual. Mas também, não é para não ser lido. Há em torno do radicalismo do Autor alguns fatos que merecem meditação para os que são responsáveis pela estruturalização médica.

Mês, 'O diante do desconhecimento de detalhes técnicos da arquitetura hospitalar, somos favoráveis à construção de grandes hospitais e não de hospitais grandes. Assim como também, em país como o nosso, com grande área geográfica, o crescimento hospitalar na horizontal deve ter preferência.

Outro fator que concorre fortemente, pela humanização da medicina é a des­ centralização do ensino, isto é, do hospital para os ambulatórios, postos de saúde, e, se possível até à residência do doente.

Além do médico ou estudante carregar consigo calor humano, tão necessário ao doente, tem a excelente oportunidade de tomar contato com outras "patologias" não encontradas no meio hospitalar, merecendo ainda referir que, com esse contato externo com o paciente. O profissional, com menos técnica sofisticada, exercita os outros meios práticos de diagnosticar e tratar.

Ainda no âmbito de humanização de Medicina, há que destacar os medicamentos. Somos adeptos fervorosos da citação: "Remédios, poucos, porém, escolhidos e experimentados."

Recente estudo de uma Comissão Especializada da OMS, concluiu por uma listagem dita "Medicamentos essenciais", que são em número de pouco mais de 200 (duzentos).

O que se pode traduzir por: "Viver com poucos medicamentos" tão mais útil que muitos remédios, é conhecer bem farmacologicamente alguns medicamentos. Para tanto, ou melhor para tão pouco, reiteramos a necessidade da criação da disciplina de Farmacologia Clínica (Tese apresentada no 15° Congresso de Educação Médica).

CLÍNICO GERAL E PREVIDÊNCIA SOCIAL

É frequente consignarem à Previdência Social, boa parcela de culpa pela superespecialização, e consequentemente, subestimação do Clínico Geral. Vemos com pouca justiça este modo de pensar, pois as inadequações do ensino médico são bem anteriores ao nascimento da Previdência Social (referimo-nos da fusão previdenciária para cá) somos mais favoráveis em aceitar a existência de um período de acomodação, na evolução das coisas, que nem sempre se acompanham de resultados positivos. Até pelo contrário, entendemos que a Previdência, pressionada pelos fatores sociais, em suas diferentes fases evolutivas, tenha contribuído positivamente para a melhoria das estruturas médicas nacionais. Para uma efetiva comprovação, veja-se o trabalho de Jayme Treiger14. TREIGER, Jayme - Evolução e Projeção da Educação Médica de Graduação nos Institutos da Previdência Social MPAS. SSM, 1975. - "Evolução e Projeção da Educação Médica da Graduação nos Institutos de Previdência Social" (1975), onde se lê.

"A Previdência Social foi pioneira, no Brasil, na adoção do Sistema de Residência Médica: em 1948, foi o mesmo introduzido no hospital dos Servidores do Estado, no Rio de Janeiro, antes mesmo que o Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo o fizesse. Seguiu-se a generalização do sistema."

No trabalho intitulado "Coordenação da Assistência Médica com o Sistema Universitário" 1973, Hugo Alquéres, no prefácio, destacou:

"O enfoque global, a partir do Ensino Médico e a se prolongar na Previdência Social, constituir-se-á em sistema da educação coordenada, com subsistemas que incluam:
  1. treinamento e aperfeiçoamento na pós-graduação dos profissionais médicos, e

  2. treinamento e aperfeiçoamento na pós-graduação dos profissionais paramédicos ou afins."

Lembraríamos ainda mais a possibilidade de estágios accessíveis ao alunado das duas últimas séries dos cursos superiores.

Tal empenho da Previdência Social em apoiar o sistema universitário, nas diferentes fases evolutivas de graduação, culminou com os atuais convênios universitários que evidenciam claramente· a comunhão de idéias vigentes.

A Previdência Social, com sua ampla cobertura assistencial, de comum acordo com as Escolas Médicas, e diante da demanda assistencial primária e/ou secundária, deve solicitar, prioritariamente, a formação do médico que preencha as necessidades nacionais. Naturalmente o Clínico Geral, por suas características de formação, deve liderar o elenco da equipe médica, como integrante principal à assistência de saúde primária.

SUGESTÕES

  1. Necessidade de síntese operacional da prática médica, realçando o valor do Clínico Geral;

  2. Inclusão das ciências sociais e do comportamento no currículo médico;

  3. Conotações mais estreitas da graduação médica com o perfil sócio-geo­econômico do país;

  4. Aperfeiçoar a figura do Clínico Geral;

  5. Estabelecer meios de reconhecimento da vocação médica;

  6. Reformulação curricular, com transferência de muitos assuntos à área de pós-graduação. Início precoce do contato do estudante com o doente;

  7. Intensificação e otimização da comunicação nas diferentes áreas da graduação, mostrando as "patologias" hospitalares, ambulatoriais e domiciliares;

  8. Humanização da medicina sob seus diferentes aspectos, auscultando a comunidade e o alunado para estruturação funcional da prática médica;

  9. Coibir a excessiva preferência pela hospitalização e racionalizar o emprego da tecnologia médica;

  10. Intensificar e estender o estudo da Farmacologia Clinica durante todo o curso, a fim de ensinar a conviver com menos remédios;

  11. Estabelecer e fortalecer a educação médica contínua; e

  12. Firmar as exatas funções da Previdência Social, para que se tornem mais fecundos os elos de colaboração entre as ciências de saúde.

Referências Bibliográficas

  • 1
    FOUCAULT, Michel - O Nascimento da Clínica - Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1977. p. 17.
  • 2
    KLECZHOWSKI, B. M.; MACH, E. P.; THOMAS, R. G. Limitación del creciente coste de la asislencia médica en la securidad social - Crónica de la OMS (31):454 - 59, 1977.
  • 3
    LACAZ, Carlos da Silva - Humanização da Medicina Aula inaugural da Fac. Med. Univ. Federal do Rio de Janeiro, 1977.
  • 4
    LANE, Norman S. - Un eslabón bital - importancia de garantizar el suministro de equipo médico y de productos farmaceuticos donde realmente se necesiten. Crónica dela OMS (31):449-53, 1977.
  • 5
    MAHLER, H. - Plan de Salud para todos -Crónica de la OMS , (31):548 - 556; 1977.
  • 6
    MEIRA, Afonso Renato - Saúde e Doença, Saúde da Comunidade São Paulo, Mc Graw - Hill, 1976.
  • 7
    ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE - Los Servicios de Salud en Europa - Asistencia Médica y personal de Salud, Crónica de la OMS . (30):541-5, 1976.
  • 8
    ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE - Salir de la Torre de Marfil; los que se preparan para la Acción Sanitaria viven y aprenden en las condiciones de la pràcticaCrónica de la OMS, (31):196-203, 1977.
  • 9
    ROCHA, Orlando Lacerda - Médico de Família. O Globo, Rio de Janeiro, 21 ago. 1976.
  • 10
    ROCHA, Orlando Lacerda - Introdução de "Síndromes Clínicas", em preparação.
  • 11
    SECRETARIA DE ASSISTENCIA MEDICO-SOCIAL. Coordenação de Assistência Médica com o Sistema Universitário M.T.A.S. Brasília, 1973.
  • 12
    THOMAS, Lewis - A medicina moderna é perigosa? Diálogo, 10 (3):67, 1977.
  • 13
    TOYNBEE, Arnold - O Futuro do Brasil. O Globo , Rio de Janeiro, 2 jan. 1974.
  • 14
    TREIGER, Jayme - Evolução e Projeção da Educação Médica de Graduação nos Institutos da Previdência Social MPAS. SSM, 1975.
  • 15
    VASCONCELOS, Djalma - Medicina desumanizada? JAMB, Rio de Janeiro, 14 dez. 1976.
  • 16
    WORLD CONFERENCE ON FAMILY MEDICINE MONTREUX. Switzerland, 14 à 18 maio 1978.
  • 17
    UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA. Centro de Ciências da Saúde. Proposta Curricular

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 1978
Associação Brasileira de Educação Médica SCN - QD 02 - BL D - Torre A - Salas 1021 e 1023 | Asa Norte, Brasília | DF | CEP: 70712-903, Tel: (61) 3024-9978 / 3024-8013, Fax: +55 21 2260-6662 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: rbem.abem@gmail.com